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ANÁLISE DESCRITIVA QUANTITATIVA DA AGUARDENTE DE CANA DURANTE O ENVELHECIMENTO EM TONEL DE CARVALHO (Quercus alba L.)

Resumos

Apesar da importância econômica e social da aguardente de cana brasileira, são ainda muito escassos os estudos sobre sua qualidade sensorial, porém as crescentes exigências do mercado, tem feito crescer a preocupação com a qualidade dessa bebida. A aguardente de cana é muito apreciada por seu aroma e sabor característicos, que podem ainda melhorar pelo envelhecimento em recipientes de madeira. O complexo processo que ocorre durante o envelhecimento depende além de vários fatores, do tipo de madeira empregada, do tempo de maturação e obviamente da qualidade inicial do destilado. A análise descritiva quantitativa, metodologia muito aplicada na caracterização dos atributos sensoriais de alimentos e bebidas, foi utilizada neste trabalho para estudar o perfil sensorial da aguardente de cana, durante o envelhecimento, em toneis de carvalho. Nesse sentido, foram analisadas amostras de aguardente envelhecidas durante zero, 12, 24, 36 e 48 meses em um tonel de carvalho de 200 litros e duas amostras comerciais, sendo uma delas envelhecida. Dezesseis provadores pré-selecionados através de testes triangulares e análise sequencial, geraram pelo método rede (Kelly's Repertory Grid Method), os termos descritores das aguardentes. Após a etapa de treinamento, foram selecionados 10 provadores com base em seu poder de discriminação, repetibilidade e concordância com a equipe no uso de escalas. As amostras foram então apresentadas e avaliadas pelos provadores, em cabines individuais de forma monádica, com quatro repetições. Os resultados obtidos foram submetidos à análise de variância, teste de médias de Tukey e à Análise de Componentes Principais. Os termos descritores escolhidos em consenso pelos membros da equipe sensorial foram: coloração amarela, aroma alcoólico, aroma de madeira, aroma de baunilha, doçura inicial, doçura residual, sabor alcóolico inicial, sabor alcóolico residual, sabor de madeira inicial, sabor de madeira residual, sabor agressivo, adstringente e ácido. Os resultados obtidos revelaram mudanças significativas (p<FONT FACE="Symbol">£</font>0,05) das características sensoriais da aguardente ao longo do envelhecimento. Após 48 meses em tonel de carvalho, a bebida apresentou aroma de madeira, doçura inicial e residual, aroma de baunilha, coloração amarela, gosto inicial e residual de madeira pronunciados, sendo os descritores o aroma alcoólico, agressividade, sabor inicial e residual de álcool, significativamente inferiores aos das demais amostras.

aguardente de cana; envelhecimento; análise descritiva quantitativa; cachaça


Besides its economical and social importance, there are very few studies, about the Brazilian sugar cane spirit, or "cachaça", quality. This Brazilian beverage is very quite appreciate by its typical aroma and flavor, that can be improved by aging in wood recipes. The complex process that occurs during the aging depends, among various things, on the wood utilized to made the cask, the aging time, and of course the initial distillate quality. In order to study the sensorial profile or the sugar cane spirit aged in oak casks, samples corresponding to zero, 12, 24, 36 and 48 months, aging in a 200 liters oak cask, and two commercial brands, were submitted to the descriptive quantitative analysis methodology. An initial group of 16 members, pre-selected by triangular tests and sequential analysis, had created according to the Kelly's Repertory Grid Method, the descriptive terms for the aged sugar cane spirit. After a training period, the group was reduced to 10 members, based on its discriminant power, reproducibility and agreement among judges. Then the samples were tested by this selected group in individual cabins, in monadic form with four repetition, and the results submitted to analysis of variance, Tukey's tests and principal component analysis. The descriptors selected for the aged sugar cane spirit were: woody aroma, vanilla aroma, alcohol aroma, yellow coloration, initial sweetness, sweetness aftertaste, initial woody flavor, wood flavor aftertaste, agressivity, astringency and sour. The results showed significant changes in the "cachaça" sensorial characteristics during the aging period (p<FONT FACE="Symbol">£</font>0,05). After 48 months the aged product showed pronounced woody aroma, initial sweetness, sweetness aftertaste, vanilla aroma, yellow coloration, initial woody flavor and woody flavor aftertaste. The aged sample showed alcohol aroma, agressivity, initial alcohol flavor and alcohol flavor aftertaste, significativelly lower than the others samples analyzed

sugar cane spirit; aging; descriptive quantitative analysis; cachaça


ANÁLISE DESCRITIVA QUANTITATIVA DA AGUARDENTE DE CANA DURANTE O ENVELHECIMENTO EM TONEL DE CARVALHO (Quercus alba L.)1 1 Recebido para publicação em 28/01/98. Aceito para publicação em 11/06/98.

Helena Maria André Bolini CARDELLO2 1 Recebido para publicação em 28/01/98. Aceito para publicação em 11/06/98. ,* 1 Recebido para publicação em 28/01/98. Aceito para publicação em 11/06/98. , João Bosco FARIA2 1 Recebido para publicação em 28/01/98. Aceito para publicação em 11/06/98.

RESUMO

Apesar da importância econômica e social da aguardente de cana brasileira, são ainda muito escassos os estudos sobre sua qualidade sensorial, porém as crescentes exigências do mercado, tem feito crescer a preocupação com a qualidade dessa bebida. A aguardente de cana é muito apreciada por seu aroma e sabor característicos, que podem ainda melhorar pelo envelhecimento em recipientes de madeira. O complexo processo que ocorre durante o envelhecimento depende além de vários fatores, do tipo de madeira empregada, do tempo de maturação e obviamente da qualidade inicial do destilado. A análise descritiva quantitativa, metodologia muito aplicada na caracterização dos atributos sensoriais de alimentos e bebidas, foi utilizada neste trabalho para estudar o perfil sensorial da aguardente de cana, durante o envelhecimento, em toneis de carvalho. Nesse sentido, foram analisadas amostras de aguardente envelhecidas durante zero, 12, 24, 36 e 48 meses em um tonel de carvalho de 200 litros e duas amostras comerciais, sendo uma delas envelhecida. Dezesseis provadores pré-selecionados através de testes triangulares e análise sequencial, geraram pelo método rede (Kelly's Repertory Grid Method), os termos descritores das aguardentes. Após a etapa de treinamento, foram selecionados 10 provadores com base em seu poder de discriminação, repetibilidade e concordância com a equipe no uso de escalas. As amostras foram então apresentadas e avaliadas pelos provadores, em cabines individuais de forma monádica, com quatro repetições. Os resultados obtidos foram submetidos à análise de variância, teste de médias de Tukey e à Análise de Componentes Principais. Os termos descritores escolhidos em consenso pelos membros da equipe sensorial foram: coloração amarela, aroma alcoólico, aroma de madeira, aroma de baunilha, doçura inicial, doçura residual, sabor alcóolico inicial, sabor alcóolico residual, sabor de madeira inicial, sabor de madeira residual, sabor agressivo, adstringente e ácido. Os resultados obtidos revelaram mudanças significativas (p£ 0,05) das características sensoriais da aguardente ao longo do envelhecimento. Após 48 meses em tonel de carvalho, a bebida apresentou aroma de madeira, doçura inicial e residual, aroma de baunilha, coloração amarela, gosto inicial e residual de madeira pronunciados, sendo os descritores o aroma alcoólico, agressividade, sabor inicial e residual de álcool, significativamente inferiores aos das demais amostras.

Palavras-chave: aguardente de cana, envelhecimento, análise descritiva quantitativa, cachaça.

SUMMARY

DESCRIPTIVE QUANTITATIVE ANALYSIS OF BRAZILIAN SUGAR CANE SPIRIT, DURING AGEING IN OAK (Quercus alba L.) CASKS. Besides its economical and social importance, there are very few studies, about the Brazilian sugar cane spirit, or "cachaça", quality. This Brazilian beverage is very quite appreciate by its typical aroma and flavor, that can be improved by aging in wood recipes. The complex process that occurs during the aging depends, among various things, on the wood utilized to made the cask, the aging time, and of course the initial distillate quality. In order to study the sensorial profile or the sugar cane spirit aged in oak casks, samples corresponding to zero, 12, 24, 36 and 48 months, aging in a 200 liters oak cask, and two commercial brands, were submitted to the descriptive quantitative analysis methodology. An initial group of 16 members, pre-selected by triangular tests and sequential analysis, had created according to the Kelly's Repertory Grid Method, the descriptive terms for the aged sugar cane spirit. After a training period, the group was reduced to 10 members, based on its discriminant power, reproducibility and agreement among judges. Then the samples were tested by this selected group in individual cabins, in monadic form with four repetition, and the results submitted to analysis of variance, Tukey's tests and principal component analysis. The descriptors selected for the aged sugar cane spirit were: woody aroma, vanilla aroma, alcohol aroma, yellow coloration, initial sweetness, sweetness aftertaste, initial woody flavor, wood flavor aftertaste, agressivity, astringency and sour. The results showed significant changes in the "cachaça" sensorial characteristics during the aging period (p£ 0,05). After 48 months the aged product showed pronounced woody aroma, initial sweetness, sweetness aftertaste, vanilla aroma, yellow coloration, initial woody flavor and woody flavor aftertaste. The aged sample showed alcohol aroma, agressivity, initial alcohol flavor and alcohol flavor aftertaste, significativelly lower than the others samples analyzed.

Keywords: sugar cane spirit; aging, descriptive quantitative analysis, "cachaça".

1 - INTRODUÇÃO

Entende-se por bebidas alcoólicas destiladas as obtidas através da destilação de sucos de frutas ou misturas de grãos, fermentados. Além do álcool e da água, substâncias mais complexas são incorporadas ao longo do processamento, substâncias, que vão conferir à bebida, de acordo com suas quantidades, cor, sabor e aroma [3].

A aguardente tipicamente brasileira é obtida do caldo da cana de açúcar, e recebe várias denominações, variando de acordo com a região do país [14].

De acordo com LIMA [9], mesmo que a fermentação e a destilação do caldo de cana (também denominado vinho), tenham sido conduzidas de forma técnica rigorosamente correta, e o destilado apresente as características dentro das especificações legais, sensorialmente pode não corresponder às expectativas, em razão do elevado teor alcoólico e presença de substâncias de aroma e/ou sabor desagradáveis, porvavelmente por falha de processamento. Desta forma, é de extrema importância o período de envelhecimento da aguardente, onde ocorrem reações como oxidação e esterificação, que reduzem a concentração alcoólica e tornam o produto do ponto de vista sensorial, significativamente melhor.

O Brasil é o maior produtor mundial de cana de açúcar, seguido pela Índia e Cuba [2].

No Brasil, existem poucos estudos sobre a qualidade da aguardente de cana de açúcar, porém devido às exigências do mercado externo, cresce a preocupação com a qualidade do produto.

A aguardente é muito apreciada por possuir aroma e sabor característicos, muitas vezes modificados através de sua estocagem em recipientes de madeira, que transferem compostos existentes em sua estrutura à bebida, melhorando sua qualidade sensorial. Tal modificação depende do tempo de armazenamento e das condições de estocagem. As condições de estocagem são determinadas pelas características do tonel e pelas condições ambientais da adega.

Geralmente, todas as etapas do preparo de bebidas destiladas são determinantes, e podem influenciar o desenvolvimento de aromas. Um grande número de reações químicas e bioquímicas produzem compostos fixos e voláteis, simultaneamente com a degradação de polissacárides através de enzimas e através da fermentação de hexoses pelas leveduras. Muitos destes compostos agem posteriormente, como produtores de sabor, no produto final, após o envelhecimento.

Bebidas recém-destiladas como o "whisky", possuem gosto picante e odor pungente e desagradável, sendo o processo de envelhecimento ou maturação em tonéis de carvalho por determinado período, necessário para tornar agradável e desejável o seu aroma. A qualidade do aroma e sabor entre bebidas destiladas envelhecidas e não envelhecidas são geralmente, muito significativos, embora o mecanismo deste processo ainda não está completamente elucidado e nenhum índice químico ou físico pode ser relacionado como indicador do progresso do envelhecimento [6, 13].

Entretanto, sabe-se que ocorrem diferentes reações químicas, e que alguns compostos novos são formados no processo, enquanto outros de odores desagradáveis desaparecem, tornando a bebida mais agradável [12].

Os principais compostos extraídos da madeira do tonel pelos destilados, são: óleos voláteis, substâncias tânicas, açúcares e glicerol, ácidos orgânicos não voláteis, esteróides que modificam o aroma, o sabor e a coloração da bebida [13].

A análise descritiva quantitativa [17] é um método muito aplicado na caracterização de atributos sensoriais para diferentes alimentos e bebidas. No entanto, tal método nunca foi utilizado na caracterização sensorial de aguardente de cana durante o envelhecimento, sendo de fundamental importância o estudo desta natureza.

PIGGOTT & JARDINE [15] compilaram através de análise descritiva quantitativa 35 termos descritivos para amostras de "whisky" com diferentes tempos de envelhecimento.

FURTADO [8] realizou análise descritiva quantitativa de aguardente recém-destilada e obteve os seguintes termos descritores para o aroma: álcool, melaço de cana, melaço de cana fermentado, madeira, erva, frutas, compostos orgânicos e perfume. Para o sabor foram: álcool, amargo, doce, madeira, erva, adstringente e encorpado.

Estudos relacionados com a aguardente de cana se fazem tão necessários quanto urgentes, considerando-se por um lado a crescente exigência do mercado externo se quisermos aumentar sua exportação, e por outro, a necessidade de investirmos na sua qualidade e assim resgatar a importância dessa bebida tipicamente brasileira.

O objetivo do presente estudo foi traçar o perfil sensorial da aguardente de cana durante o envelhecimento em tonel de carvalho, e compará-lo com outras duas marcas comercializadas, sendo uma envelhecida e outra não, através da análise descritiva quantitativa.

2 — MATERIAL E MÉTODOS

2.1 - Material

O material utilizado foi obtido a partir de aguardente de cana de açúcar (Saccharum spp) produzida industrialmente com supervisão e posta para envelhecer em tonel de carvalho (Quercus alba L.) tipo americano, com capacidade de 200 litros. O envelhecimento foi iniciado em novembro de 1993, e amostras foram sendo retiradas em períodos correspondentes a 0, 12, 24, 36 e 48 meses, e colocadas em frascos hermeticamente fechados, e assim mantidos, até o momento das análises.

Foram analisadas também duas aguardentes comerciais, uma sem recém-destilada, denominada amostra A, e outra envelhecida, denominada amostra B.

2.2 - Métodos

2.2.1 - Análise Descritiva Quantitativa

2.2.1.1 — Pré-Seleção da Equipe

Para compor a equipe de provadores para a análise descritiva quantitativa, foi realizada uma pré-seleção de 30 candidatos através de análise sequencial de Wald [1], utilizando-se testes triangulares de diferença com duas amostras de aguardentes que apresentarem diferença significativa ao nível de 0,1% entre si.

Na análise sequencial foram utilizados os valores para p=0,45 (máxima inabilidade aceitável), p1=0,70 (mínima habilidade aceitável), e para os riscos a=0,05 (probabilidade de aceitar um candidato sem acuidade sensorial) e b=0,05 (probabilidade de rejeitar um candidato com acuidade sensorial).

2.2.1.2 — Levantamento dos Atributos

Dezesseis candidatos foram utilizados para o levantamento de termos descritivos, através do método de rede de Kelly ("Kelly's repertory grid method"), descrito em MOSKOWITZ [10], onde os provadores receberam as amostras aos pares, em todas as combinações, e deveriam listar na ficha apropriada as similaridades e as diferenças entre as amostras apresentadas, em relação à aparência, aroma e sabor.

Depois do levantamento dos termos, a equipe se reuniu várias vezes [4, 5, 6], e através de um debate aberto, foram escolhidos os termos mais apropriados e importantes, que realmente descrevessem os atributos das amostras.

Com os atributos escolhidos, foram montadas as fichas de avaliação, com escalas não estruturadas de 9 centímetros, ancoradas nos pontos extremos, à esquerda pelo termo" fraco" ou "nenhum" e à direita "forte" para cada atributo.

2.2.1.3 — Definições e Referências dos Atributos Selecionados

Com os 16 provadores pré-selecionados, foram realizadas várias sessões de treinamento para que as notas dos provadores estivessem na mesma região da escala, através da apresentação de amostras referências dos extremos das escalas.

As referências foram escolhidas em função dos termos descritivos escolhidos e sugestões da equipe.

2.2.1.4 — Seleção dos Provadores

Foram então realizados os testes com os candidatos para a seleção da equipe definitiva para a análise descritiva quantitativa, já utilizando a ficha elaborada com as escalas de intensidade para os termos definidos.

Os provadores foram selecionados com base nas seguintes características: poder de discriminação entre amostras, repetibilidade e concordância entre os provadores [7].

Para isto, foi realizada análise de variância (ANOVA) com duas fontes de variação (amostra e repetição) para cada atributo, para cada provador. Foram então obtidos os valores para Famostra e Frepetição para cada provador.

Foram selecionados os provadores com os valores de Famostra significativo para p£ 0,30 e Frepetição não significativo para p>0,05 e concordância das médias com as da equipe (valores de médias de cada provador na mesma ordem e próximos à média da equipe para cada atributo avaliado).

2.2.1.5 — Avaliação das Amostras

Os provadores selecionados e treinados participaram dos testes, onde as amostras foram servidas em laboratório com cabines individuais, em cálices incolores transparentes, codificados. Os cálices eram cobertos com vidros de relógio, que eram retirados no momento da análise.

Todas as amostras foram apresentadas de forma monádica, com quatro repetições aleatorizadas, num total de 28 sessões por provador.

2.2.1.6 — Análise dos Dados

Com os dados coletados, foi realizada análise de variância (ANOVA) de dois fatores (amostra e provadores) com interação para cada atributo. Foi aplicado o teste de Tukey para comparação das médias das amostras. Foi realizada também a Análise de Componentes Principais.

As análises estatísticas foram realizadas através dos programas do pacote estatístico SAS [16].

Os resultados das médias foram apresentados de forma tabular e gráfica, e a análise dos componentes principais através de gráficos bidimensionais.

3 — RESULTADOS E DISCUSSÃO

A partir da lista obtida através do método de rede [9], os atributos escolhidos em consenso pelos membros da equipe sensorial (pré selecionada anteriormente), foram:

coloração amarela, aroma alcoólico, aroma de madeira, aroma de baunilha, doçura inicial, doçura residual, sabor alcóolico inicial, sabor alcóolico residual, sabor de madeira inicial, sabor de madeira residual, sabor agressivo, adstringente e ácido.

Com eles foram montadas as fichas de avaliação para traçar o perfil sensorial das amostras.

As referências, abreviaturas e definições dos termos descritores levantados para as amostras de aguardentes, encontram-se na Tabela 1.

3.1 - Seleção de Provadores Para a Análise Descritiva Quantitativa

Na Tabela 2 estão expressos os resultados dos níveis de significância (p) de Famostra para cada provador, em relação à cada atributo. Foram selecionados os provadores com valores de p de Famostra significativo (p<0,30). Provadores com p de Famostra³ 0,30 não foram selecionados por possuírem baixo poder de discriminação.

Na Tabela 3 estão expressos os resultados dos níveis de significância (p) de Frepetição para cada provador em relação à cada atributo. Os provadores com valores de Frepetição não significativo (p>0,05) foram selecionados. Provadores com p de Frepetição£ 0,05 não foram selecionados por apresentarem baixo nível de 7).

De acordo com estes critérios, dos 16 candidatos pré-selecionados, foram selecionados 10 provadores: número 1, 2, 4, 6, 9, 10, 11, 13, 14 e 16.

É interessante notar que os provadores que apresentaram menor poder de discriminação também apresentaram baixa repetibilidade.

Foi verificada então a concordância de tais provadores com a equipe, através da comparação das médias individuais para cada atributo, com a média da equipe sensorial.

De acordo com os resultados obtidos os dez provadores selecionados pelos critérios de discriminação entre as amostras e repetibilidade também apresentaram concordância com a equipe para todos os atributos descritivos.

3.2 - Avaliação da Performance dos Provadores na Avaliação das Amostras

Após a obtenção dos dados da avaliação das amostras, foi verificado se havia interação significativa (p£ 0,05) entre provador e amostra através de ANOVA de dois fatores com interação.

Quando o valor de F para interação amostra x provador foi significativo (p£ 0,05), foram construídos gráficos para verificar se as interações eram graves ou não. Todas as interações significativas aconteceram em razão das notas de intensidade terem sido registradas pelos provadores em porções diferentes nas escalas, e nenhuma foi grave, isto é, nenhuma indicou discordâncias importantes entre os provadores.

3.3 - Análise Descritiva Quantitativa

A análise de variância dos resultados (fontes de variação: provador, amostra e interação entre amostra e provador), mostrou que houve diferença significativa (p£ 0,0001) entre as amostras em relação a todos os atributos: coloração amarela (AMA), aroma de álcool (AAL), aroma de madeira (AMAD), aroma de baunilha (ABA), doçura inicial (DIN), doçura residual (DRE), sabor alcóolico inicial (SAI), sabor alcóolico residual (SAR), sabor de madeira inicial (SMI), sabor de madeira residual (SMR), agressividade (AGR), adstringência (ADS) e ácido (ACI).

A Tabela 4 contém os resultados das médias. Através da diferença mínima significativa (DMS) obtida através do teste de médias de Tukey (p£ 0,05), foi realizada a comparação entre as médias. De acordo com estes testes, numa mesma coluna, as médias marcadas com letras em comum não diferem entre si.

Com o aumento do tempo de envelhecimento da aguardente, houve aumento significativo da coloração amarela, do aroma de madeira, do aroma de baunilha, da doçura inicial e residual, do sabor de madeira inicial e residual, da adstringência e da acidez (p£ 0,05). Houve também diminuição significativa (p£ 0,05) do aroma alcoólico, sabor alcoólico inicial e residual e da agressividade. Esses resultados fornecem informações consistentes para explicar o aumento da aceitação em relação ao aroma, sabor, impressão global e cor, verificadas anteriormente (4).

A amostra comercializada recém-destilada e a com zero dias de envelhecimento não apresentaram diferença significativa entre si (p£ 0,05), e foram, significativamente inferiores às demais amostras, em relação às médias dos atributos: aroma de baunilha (ausente) sabor de madeira (que também foi considerado ausente pelos provadores) e acidez.

As amostras comerciais não diferiram entre si em relação à doçura residual (p£ 0,05).

A amostra comercializada envelhecida, apresentou médias intermediárias entre as amostras envelhecidas com 12, e 24 meses para os atributos: aroma de baunilha, sabor alcoólico inicial, sabor de madeira inicial e residual, agressividade e acidez. Essa mesma amostra apresentou médias intermediárias entre as amostras com zero e 12 meses de envelhecimento para os atributos coloração amarela e aroma de madeira. Apresentou valores entre as amostras com 24 e 36 meses de envelhecimento para os atributos aroma alcoólico, doçura inicial e residual, sabor alcoólico residual e adstringência.

O perfil sensorial das amostras encontram-se registrados na Figura 1, que para uma melhor visualização, foram construídos sete gráficos, cada um com o perfil sensorial de cada aguardente, separadamente.

FIGURA 1.
Perfil sensorial em gráfico estrela com as médias dos atributos das aguardentes com diferentes tempos de envelhecimento e comerciais, separadamente. A=comercializada recém-destilada; B=comercializada envelhecida. (Descrição dos atributos na Tabela 1). *Tempo de envelhecimento em meses.

Comparando-se o perfil sensorial das amostras, é possível verificar que a amostra comercial envelhecida tem as características mais próximas às da amostra com 24 meses de envelhecimento, enquanto que o perfil da amostra comercial sem envelhecimento fica mais próximo ao da amostra sem envelhecimento (zero dias).

Através da figura, torna-se evidente a melhora da qualidade sensorial da aguardente com o aumento do tempo de envelhecimento. O perfil sensorial das aguardentes, registrado na Figura 1 evidencia que a amostra com 48 meses apresentou aroma de madeira, aroma de baunilha, doçura residual, sabor de madeira inicial, sabor de madeira residual e coloração amarela de forma mais pronunciada que as demais amostras. Simultaneamente apresentou as menores médias para agressividade, aroma alcoólico, sabor alcoólico inicial e residual, destacando-se das demais amostras.

A análise multivariada dos dados sensoriais, realizada através de Análise de Componentes Principais (ACP), foi efetuada empregando-se o valor de cada atributo obtido por cada provador a cada amostra, em cada repetição.

Na representação gráfica da ACP (Figura 2), onde as configurações dos atributos sensoriais das aguardentes e a distribuição bidimensional dos mesmos foram representadas, cada eixo explica uma porcentagem da variação total que existe entre as amostras.

FIGURA 2.
Figura bidimensional da Análise dos Componentes Principais das aguardentes envelhecidas e comerciais. (Descrição dos atributos na Tabela 1). *Tempo de envelhecimento em meses. A=amostra comercializada recém-destildada; B=amostra comercializada envelhecida.

Verifica-se que 83,70% da variação ocorrida entre as amostras foi explicada pelo primeiro eixo (Componente Principal 1).

Os Componentes Principais 1 e 2 explicaram juntos 97,23% da variação ocorrida entre as amostras. Isto demonstra que os descritores empregados discriminam satisfatoriamente as amostras analisadas.

Nesta análise, vetores de tamanho reduzido indicam atributos nas quais as amostras pouco diferem entre si. A Figura 2 mostra vetores que possuem tamanhos equivalentes, portanto todos os atributos têm importância semelhante para explicar as variações entre as amostras.

De acordo com MUÑOZ et al. [11], em uma figura que represente a ACP, vetores com medidas mais distantes de zero, correspondem a variações com maior influência sobre o valor do Componente Principal, enquanto que, vetores mais próximos de zero, indicam que correspondem a uma variável com pequena influência sobre o Componente Principal. Portanto, é possível verificar que todos os atributos gerados para as amostras de aguardentes, correspondem a variações com grande influência.

Os atributos DRE, ACI, AMA, MADR, ABA, MADI e ADS (positivamente), e AAL e ALR (negativamente), contribuíram com maior peso sobre a variabilidade associada ao primeiro eixo (Componente Principal 1). O atributo DIN teve maior influência sobre o Componente Principal 2.

As amostras ficaram bem distintas umas das outras, marcadas pelas localizações bem definidas de cada uma no gráfico bidimensional.

O experimento apresentou ótima repetibilidade, evidenciada pelo agrupamento dos pontos representativos de cada amostra.

Através da observação da Figura 2 é possível sugerir a correlação linear positiva entre os atributos AAL, ALR e ALI, e também entre AMA, SMR, AMAD, ABa e SMI. E correlação linear negativa entre AAL, ALR, ALI e AMA, SMR, AMAD, ABA e SMI.

Estas observações de possíveis correlações entre os termos descritores, foram comprovadas através de valores de coeficiente de correlação de Pearson, os quais estiveram muito próximos da unidade, tanto para correlações positivas como negativas. Vale ressaltar que estas correlações são casuais.

Na ACP, as amostras localizam-se próximas dos vetores (atributos) que as caracterizam. Portanto, as amostras de aguardentes com 24, 36 e 48 meses de envelhecimento ficaram caracterizadas por SMI, ABA, AMAD, SMR, AMA, ACI e ADS. A amostra comercializada envelhecida, ficou caracterizada por apresentar os atributos citados de forma mais suave, porém mais acentuados do que a amostra com 12 meses de envelhecimento. A amostra comercializada recém-destilada ficou caracterizada pelos atributos sabor agressivo, aroma alcoólico, sabor alcoólico inicial e sabor alcoólico residual. A amostra com zero dias de envelhecimento e a comercializada recém-destilada apresentaram localizações próximas no gráfico. Este fato pode ser explicado pelo aumento de certos compostos como aldeídos, ésteres e ácidos com simultânea diminuição de outros como álcoois superiores (n-propanol e álcool iso-amílico), que ocorrem durante o envelhecimento da aguardente de cana [5] que contribuem para a diminuição da percepção sensorial de certas características como AAL, SAI e SAR, e tornam a bebida envelhecida mais suave.

A separação espacial das amostras sugere que elas apresentam características sensoriais marcadamente diferentes entre si.

Todos esses resultados foram confirmados pela ANOVA e teste de médias de Tukey (Tabela 4).

4 — CONCLUSÃO

Através da Análise Descritiva Quantitativa, ficou evidenciado que as características sensoriais das amostras mudaram significativamente (p£ 0,05) com o aumento do tempo de envelhecimento. O produto após 48 meses de envelhecimento apresentou aroma de madeira, doçura inicial e residual, aroma de baunilha, coloração amarela, gosto inicial e residual de madeira pronunciados. Por outro lado, o aroma alcoólico, a agressividade e os sabores inicial e residual de álcool, foram significativamente inferiores em relação às demais amostras.

Portanto, o envelhecimento da aguardente em tonel de carvalho proporciona a obtenção de uma bebida de característica sensorial superior.

5 — REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

[1] AMERINE, M.A., PANGBORN, R.M., ROESSLER, E.B. Principles of sensory evaluation of food. New York: Academic Press, 1965. 602p.

[2] BARROS, G.A., RIBEIRO, J.C.M., ROLIM,A.A.B. Produção de aguardente: estudo de pré-viabilidade econômica. Belo Horizonte, INDI, 1989. 32p. (INDI/SAI/001/VP-11/01/89).

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[6] CLYNE, J.C., CONNER, J.M., PATERSON, A., PIGGOTT, J.R. The effect of cask charring on Scotch whisky maturation. International J. Food Sci. and Technology., v. 28, p. 69-81, 1993.

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[8] FURTADO, S.M.B. Avaliação sensorial descritiva de aguardente de cana (Saccharum officinarum L.): influência da composição em suas características sensoriais e correlação entre as medidas sensoriais e físico-químicas. Campinas, 1995. 99p. Tese. (Doutorado) — Faculdade de Engenharia de Alimentos. Universidade Estadual de Campinas.

[9] LIMA, U. de A. Produção nacional de aguardentes e potencialidade dos mercados internos e externo. In: MUTTON, M.J.R., MUTTON, M.A. (Eds.) Aguardente de cana: produção e qualidade. Jaboticabal: FUNEP, 1992, p. 54-98.

[10] MOSKOWITZ, H.R. Product testing and sensory evaluation of foods: marketing and R & D approaches. Westport, Food & Nutrition Press, 1983. 605 p.

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6 — AGRADECIMENTO

Agradecemos à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) pela bolsa de Pós-Doutoramento concedida ao primeiro autor.

2 Faculdade de Ciências Farmacêuticas— Departamento de Alimentos e Nutrição, UNESP - Araraquara. C. P. 502, CEP 14801-902.

* A quem a correspondência deve ser enviada.

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    Recebido para publicação em 28/01/98. Aceito para publicação em 11/06/98.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Dez 1998
    • Data do Fascículo
      Maio 1998

    Histórico

    • Aceito
      11 Jun 1998
    • Recebido
      28 Jan 1998
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