Acessibilidade / Reportar erro

Eventos adversos associados à hidralazina: um relatório de dois casos de vasculite associada ao ANCA induzida por hidralazina

Resumo

A hidralazina é um vasodilatador de ação direta, que vem sendo utilizado no tratamento da hipertensão arterial (HA) desde a década de 1950. Embora seja bem conhecido por causar lúpus induzido por drogas (LID), relatórios recentes estão indicando o surgimento da vasculite associada ao anticorpo citoplasmático anti-neutrófilo (ANCA), induzida por drogas (VID). Aqui, descrevemos dois pacientes (com idade entre 57 e 87 anos) que apresentaram lesão renal aguda grave (LRA), proteinúria e hematúria. Ambos estavam usando hidralazina para o tratamento da hipertensão. A sorologia para ANCA foi positiva em ambos os pacientes, juntamente com anticorpos anti-histona (comumente vistos na vasculite induzida por drogas). A biópsia renal revelou glomerulonefrite rapidamente progressiva clássica (pauci-imune) nestes pacientes e a hidralazina foi interrompida. Durante a internação hospitalar, o paciente de 57 anos necessitou de diálise e foi tratado com esteroides e rituximab para a doença do ANCA. A função renal melhorou e o paciente recebeu alta (fora da diálise) com creatinina sérica de 3,6 mg/dL (basal = 0,9 mg/dL). Em um seguimento de 2 anos, o paciente permaneceu fora da diálise com doença renal crônica avançada (DRC) (estágio IIIb). O paciente de 87 anos apresentava IRA grave com creatinina sérica em 10,41 mg/dL (valor basal de = 2,27 mg/dL). O paciente necessitou de hemodiálise e foi tratado com esteroides, rituximabe e plasmaferese. Infelizmente, o paciente desenvolveu bacteremia induzida por cateter e, posteriormente, evoluiu a óbito por sepse. A hidralazina pode causar IRA grave, resultando em DRC ou óbito. Dado este perfil de eventos adversos extremamente desfavorável e a disponibilidade generalizada de agentes anti-hipertensivos alternativos, o uso de hidralazina deve ser considerado com muita parcimônia.

Palavras-chave:
glomerulonefrite; Lúpus; glomeruloesclerose, segmentar focal

Abstract

Hydralazine is a direct-acting vasodilator, which has been used in treatment for hypertension (HTN) since the 1950s. While it is well known to cause drug-induced lupus (DIL), recent reports are indicating the emergence of the drug-induced anti-neutrophil cytoplasmic antibody (ANCA) associated vasculitis (DIV). Herein, we describe two patients (aged 57 and 87 years) who presented with severe acute kidney injury (AKI), proteinuria, and hematuria. Both were receiving hydralazine for the treatment of hypertension. ANCA serology was positive in both patients along with anti-histone antibodies (commonly seen in drug-induced vasculitis). Renal biopsy revealed classic crescentic (pauci-immune) glomerulonephritis in these patients and hydralazine was discontinued. During the hospital course, the 57-year-old patient required dialysis therapy and was treated with steroids and rituximab for the ANCA disease. Renal function improved and the patient was discharged (off dialysis) with a serum creatinine of 3.6 mg/dL (baseline = 0.9 mg/dL). At a follow-up of 2 years, the patient remained off dialysis with advanced chronic kidney disease (CKD) (stage IIIb). The 87-year-old patient had severe AKI with serum creatinine at 10.41 mg/dL (baseline = 2.27 mg/dL). The patient required hemodialysis and was treated with steroids, rituximab, and plasmapheresis. Unfortunately, the patient developed catheter-induced bacteremia and subsequently died of sepsis. Hydralazine can cause severe AKI resulting in CKD or death. Given this extremely unfavorable adverse-event profile and the widespread availability of alternative anti-hypertensive agents, the use of hydralazine should be carefully considered.

Keywords:
glomerulonephritis; lupus nephritis; glomerulosclerosis, focal segmental

Introdução

A hidralazina é um vasodilatador de ação direta que tem sido usado no tratamento da hipertensão desde a década de 1950. Também tem sido amplamente utilizada em combinação com betabloqueadores e diuréticos, a fim de evitar taquicardia reflexa e retenção de fluidos, respectivamente, associados à terapia com hidralazina.11 Kandler MR, Mah GT, Tejani AM, Stabler SN, Salzwedel DM. Hydralazine for essential hypertension. Cochrane Database Syst Rev 2011:CD004934. O lúpus induzido por drogas (LID), associado ao uso de hidralazina, foi descrito pela primeira vez em 1953.22 Morrow JD, Schroeder HA, Perry HM Jr. Studies on the control of hypertension by hyphex. II. Toxic reactions and side effects. Circulation 1953;8:829-39. A incidência de lúpus induzido por hidralazina é de 5-8%. Os sintomas típicos incluem artralgia, mialgia, febre, erupção cutânea, pleurite e leucopenia.33 Chang C, Gershwin ME. Drug-induced lupus erythematosus: incidence, management and prevention. Drug Saf 2011;34:357-74. A lesão renal é incomum, encontrada em 5-10% dos casos relatados.44 Yung RL, Richardson BC. Drug-induced lupus. Rheum Dis Clin North Am 1994;20:61-86. No entanto, casos demonstrando vasculite induzida por drogas (VID), limitada aos rins, associada ao uso de hidralazina, foram relatados na literatura a partir do início dos anos 80.55 Mason PD, Lockwood CM. Rapidly progressive nephritis in patients taking hydralazine. J Clin Lab Immunol 1986;20:151-3.

6 Ihle BU, Whitworth JA, Dowling JP, Kincaid-Smith P. Hydralazine and lupus nephritis. Clin Nephrol 1984;22:230-8.
-77 Björck S, Westberg G, Svalander C, Mulec H. Rapidly progressive glomerulonephritis after hydralazine. Lancet 1983;2:42. Neste artigo, apresentamos dois casos de vasculite associada ao ANCA, induzidas por hidralazina, e chamamos a atenção para eventos adversos graves associados à hidralazina.

Apresentação do caso

Caso 1

Homem caucasiano, 57 anos, com história pregressa de hipertensão arterial sistêmica e osteoartrose discreta, apresentou-se ao serviço de emergência do ambulatório com queixas de hematúria e insuficiência renal aguda (creatinina sérica 3,6 mg/dL, creatinina sérica basal 0,9 mg/dL, seis semanas antes). Quatro dias antes da apresentação, o paciente foi atendido pela clínica médica por conta de possível sinusite, disúria e leve hematúria. Amoxicilina foi prescrita por três dias para uma presumida infecção do trato urinário. O paciente relatou alguma fadiga, negou fumar ou o uso de álcool ou drogas ilícitas. Os medicamentos usados incluíam amlodipina 10 mg/dia e hidralazina 50 mg duas vezes ao dia, iniciada seis semanas antes, para melhor controle da pressão arterial. Não houve achado significativo ao exame físico. O exame de urina rotina revelou hematúria e proteinúria de baixo grau. O exame microscópico do sedimento urinário revelou numerosos glóbulos vermelhos dismórficos, vários grumos de glóbulos vermelhos e glóbulos brancos ocasionais. A ultrassonografia renal foi normal. Foi considerado um diagnóstico de VID associada a hidralazina, e a medicação foi interrompida. A sorologia foi positiva para AHA, cANCA, por imunofluorescência e PR3 por ELISA a 52 AU/mL, e um título de ANA a 1: 1,115 com um padrão homogêneo. Os níveis séricos de complementos C3 e C4 foram normais. Anticorpos para pANCA e MPO não foram detectados. Sorologias para anti-GBM, painel de hepatite e HIV foram negativas. O paciente foi tratado com terapia com esteroides por pulso de alta dose (500 mg/dia por três dias). No entanto, a insuficiência renal continuou a progredir (creatinina sérica 4,0 mg/dL) e o paciente necessitou de diálise devido a hipercalemia (K 5,6 mmol/L) e acidose (bicarbonato sérico 13). A biópsia renal revelou glomerulonefrite necrosante pauci-imune com aumento de 20% dos glomérulos (Figura 1). Foi feito o diagnóstico de VID induzida por hidralazina. O paciente foi tratado com pulso de esteroide e rituximabe. A função renal estabilizou-se e a diálise foi interrompida após quatro sessões. Ele recebeu alta no décimo segundo dia, com eletrólitos normais e creatinina sérica de 3,4 mg/dL; PR3 e ANA estavam indetectáveis (Tabela 1). Dois anos depois, o paciente permaneceu estável, mas com estágio avançado da DRC III (Cr sérica de 2,8 mg/dL e TFGe = 42). Sua pressão arterial permaneceu em torno de 130-140/85-90 mmHg com amlodipina 10 mg/dL, clortalidona 12,5 mg/dia e ramipril 10 mg/dia.

Figura 1
Glomerulonefrite Crescente. Um glomérulo mostrando um crescente celular circunferencial (estrelas). Remanescentes do tufo glomerular são demonstrados (setas)

Tabela 1
Dados laboratoriais de pacientes com vasculite associada a ANCA induzida por hidralazina

Caso 2

Um homem caucasiano de 87 anos de idade com histórico médico de hipertensão (HA), demência e DRC III se apresentou ao hospital com estado mental alterado e IRA. Não houve relato de febre, calafrios, disúria, hematúria, erupções cutâneas, artralgia ou mialgia. Seus medicamentos incluíam hidralazina, mononitrato de isossorbida, furosemida, doxazosina, atorvastatina, aspirina, duloxetina e pantoprazol. O paciente já usava hidralazina há cinco anos com a dose mais recente de 100 mg três vezes por dia, aumentada de 50 mg três vezes por dia, três anos atrás. Não houve achado significativo ao exame físico. O exame laboratorial revelou Cr 10,41 mg/dL, BUN de 102 mg/dL (valores basais 2,27 e 42, respectivamente um ano antes). A urina rotina mostrou hematúria e proteinúria +1. A relação Proteína/Cr foi de 3,1 gm e VHS 41 mm/h. A sorologia foi positiva para pANCA por imunofluorescência a 1: 160, MPO por ELISA a 25 UA/mL, AHA a 3,1 unidades, anticorpos anticromatina a 31 U, título de ANA a 1: 640 com padrão homogêneo, dsDNA positivo por ELISA e critidia a 1: 160, C3 a 50,4 mg/dL e C4 a 11,1 mg/dL. Sorologia para anti-GBM, cANCA/PR3 e painel de hepatite foram todos negativos (Tabela 1). A ultrassonografia renal estava normal. O paciente foi iniciado em hemodiálise de emergência. VID induzida por hidralazina foi suspeitada, dado a sorologia positiva para vasculite. O paciente recebeu um curso de esteroide com dose de pulso e, em seguida, iniciou a plasmaferese. Subsequentemente, ele foi submetido a uma biópsia renal, que mostrou glomerulonefrite rapidamente progressiva, focal, pauci-imune, confirmando o diagnóstico (Figura 2). Infelizmente, a função renal não mostrou sinais de recuperação e a terapia com rituximabe foi iniciada. Depois de receber duas doses, no entanto, o tratamento foi interrompido devido à bacteremia induzida por cateter de diálise. Devido à rápida deterioração do estado mental e das condições gerais do paciente, a família decidiu suspender o tratamento e transferir o paciente para o serviço de cuidados paliativos.

Figura 2
Glomérulo com crescente fibrocelular (seta)

Discussão

A apresentação clínica da VID induzida por hidralazina é geralmente mais grave do que o LID. Geralmente envolve a pele, com envolvimento de rins e pulmões também.88 Yokogawa N, Vivino FB. Hydralazine-induced autoimmune disease: comparison to idiopathic lupus and ANCA-positive vasculitis. Mod Rheumatol 2009;19:338-47.

Os pacientes podem apresentar glomerulonefrite necrosante e rapidamente progressiva, juntamente com artralgia, comprometimento das vias aéreas superiores, doença pulmonar e achados vasculíticos cutâneos.99 Pendergraft WF 3rd, Niles JL. Trojan horses: drug culprits associated with antineutrophil cytoplasmic autoantibody (ANCA) vasculitis. Curr Opin Rheumatol 2014;26:42-9. Os dois casos aqui apresentados sublinham a importância de acontecimentos adversos graves (isto é, o desenvolvimento de IRA grave e subsequente DRC e óbito) associados a vasculite por ANCA induzida por hidralazina. Clinicamente, esta doença assemelha-se à vasculite idiopática associada ao ANCA (VAA), como a granulomatose com poliangiite e poliangiite microscópica.1010 Wiik A. Drug-induced vasculitis. Curr Opin Rheumatol 2008;20:35-9. As sorologias revelam um alto título de ANCA para MPO com padrão de coloração pANCA característico, anticorpos anti-nucleares (ANA), anticorpos anti-histona (AHA), bem como ANCAs “atípicos”.88 Yokogawa N, Vivino FB. Hydralazine-induced autoimmune disease: comparison to idiopathic lupus and ANCA-positive vasculitis. Mod Rheumatol 2009;19:338-47. Os ANCAs, que têm como alvos a lactoferrina e a elastase de leucócitos humanos, mostraram-se fortemente associados à VID induzida por hidralazina.1111 Choi HK, Merkel PA, Walker AM, Niles JL. Drug-associated antineutrophil cytoplasmic antibody-positive vasculitis: prevalence among patients with high titers of antimyeloperoxidase antibodies. Arthritis Rheum 2000;43:405-13. Ambos os casos relatados foram positivos para anticorpos anti-histona. O caso número 2 foi positivo para pANCA com título de MPO de 25 AU/mL. Nosso caso número 1 foi positivo para cANCA com título PR3 de 52 AU/mL. Vários relatos mostraram positividade para os anticorpos cANCA e PR3 na DIV induzida por propiltiouracil.1212 Pillinger M, Staud R. Wegener's granulomatosis in a patient receiving propylthiouracil for Graves' disease. Semin Arthritis Rheum 1998;28:124-9.

13 Dolman KM, Gans RO, Vervaat TJ, Zevenbergen G, Maingay D, Nikkels RE, et al. Vasculitis and antineutrophil cytoplasmic autoantibodies associated with propylthiouracil therapy. Lancet 1993;342:651-2.
-1414 Kitahara T, Hiromura K, Maezawa A, Ono K, Narabara N, Yano S, et al. Case of propylthiouracil-induced vasculitis associated with anti-neutrophil cytoplasmic antibody (ANCA); review of literature. Clin Nephrol 1997;47:336-40. No entanto, um caso relatado anteriormente de VID induzida por hidralazina por Agarwal et al. foi positivo para PR3, mas também para anticorpos MPO.1515 Agarwal G, Sultan G, Werner SL, Hura C. Hydralazine induces myeloperoxidase and proteinase 3 anti-neutrophil cytoplasmic antibody vasculitis and leads to pulmonary renal syndrome. Case Rep Nephrol 2014;2014:868590. Neste contexto, o nosso caso número 1 é o primeiro caso relatado de vasculite com cANCA isolada induzida por hidralazina, positiva para PR3. Além disso, nosso paciente desenvolveu DRC avançada (estágio IIIb) após lesão renal aguda, enquanto no caso de Agarwal a função renal se recuperou, com creatinina sérica retornando a 1,1 mg/dL em comparação a 2,13 mg/dL no momento da admissão.

Os fatores de risco para o desenvolvimento de VID associado ao uso de hidralazina incluem maior duração da terapia e especialmente doses diárias e cumulativas mais elevadas.1616 Finks SW, Finks AL, Self TH. Hydralazine-induced lupus: maintaining vigilance with increased use in patients with heart failure. South Med J 2006;99:18-22.,1717 Cameron HA, Ramsay LE. The lupus syndrome induced by hydralazine: a common complication with low dose treatment. Br Med J (Clin Res Ed) 1984;289:410-2. O estado do acetilador parece ser um forte fator preditivo para o desenvolvimento da doença, com os acetiladores lentos apresentando diminuição da síntese hepática de N-acetiltransferase.1818 Grant DM, Mörike K, Eichelbaum M, Meyer UA. Acetylation pharmacogenetics. The slow acetylator phenotype is caused by decreased or absent arylamine N-acetyltransferase in human liver. J Clin Invest 1990;85:968-72.,1919 Gonzalez-Fierro A, Vasquez-Bahena D, Taja-Chayeb L, Vidal S, Trejo-Becerril C, Pérez-Cardenas E, et al. Pharmacokinetics of hydralazine, an antihypertensive and DNA-demethylating agent, using controlled-release formulations designed for use in dosing schedules based on the acetylator phenotype. Int J Clin Pharmacol Ther 2011;49:519-24. A metilação do DNA é essencial para a regulação da expressão gênica e da função das células T.2020 Richardson B. DNA methylation and autoimmune disease. Clin Immunol 2003;109(1):72-9. A hipometilação do DNA é responsável pela ativação da transcrição gênica do antígeno 1 associado ao linfócito (LFA-1) (CD11a/CD18) e indução da auto-reatividade no LES.2121 Yung RL, Quddus J, Chrisp CE, Johnson KJ, Richardson BC. Mechanism of drug-induced lupus. I. Cloned Th2 cells modified with DNA methylation inhibitors in vitro cause autoimmunity in vivo. J Immunol 1995;154:3025-35.

22 Yung R, Powers D, Johnson K, Amento E, Carr D, Laing T, et al. Mechanisms of drug-induced lupus. II. T cells overexpressing lymphocyte function-associated antigen 1 become autoreactive and cause a lupuslike disease in syngeneic mice. J Clin Invest 1996;97:2866-71.
-2323 Zhou Y, Lu Q. DNA methylation in T cells from idiopathic lupus and drug-induced lupus patients. Autoimmun Rev 2008;7:376-83. De maneira similar, a hidralazina demonstrou inibir a metilação do DNA afetando a DNA metiltransferase (DNMT) através da inibição da via da cinase regulada pelo sinal extracelular (ERK).2424 Deng C, Lu Q, Zhang Z, Rao T, Attwood J, Yung R, et al. Hydralazine may induce autoimmunity by inhibiting extracellular signal-regulated kinase pathway signaling. Arthritis Rheum 2003;48:746-56. Semelhante aos pacientes com VAA idiopática, a hipometilação do DNA na VID associada à hidralazina pode ser responsável por interromper o silenciamento da PR3 e da MPO. Isso aumenta a expressão de autoantígenos em neutrófilos.99 Pendergraft WF 3rd, Niles JL. Trojan horses: drug culprits associated with antineutrophil cytoplasmic autoantibody (ANCA) vasculitis. Curr Opin Rheumatol 2014;26:42-9.,2525 Jennette JC, Falk RJ. Pathogenesis of antineutrophil cytoplasmic autoantibody-mediated disease. Nat Rev Rheumatol 2014:463-73.,2626 Yang JJ, Pendergraft WF, Alcorta DA, Nachman PH, Hogan SL, Thomas RP, et al. Circumvention of normal constraints on granule protein gene expression in peripheral blood neutrophils and monocytes of patients with antineutrophil cytoplasmic autoantibody-associated glomerulonephritis. J Am Soc Nephrol 2004;15:2103-14. Em um estudo que avaliou o potencial antineoplásico da hidralazina, ela atuou como um inibidor não-nucleosídeo da metilação do DNA, revertendo o silenciamento epigenético de genes supressores de tumor.2727 Singh V, Sharma P, Capalash N. DNA methyltransferase-1 inhibitors as epigenetic therapy for cancer. Curr Cancer Drug Targets 2013;13:379-99.

Estabelecer o diagnóstico de vasculite induzida por drogas (VID) em um paciente com múltiplas comorbidades que inicialmente apresenta insuficiência renal é um desafio para o clínico. A insuficiência renal secundária a doenças como diabetes e hipertensão pode mascarar e retardar o diagnóstico de VID. Na ausência de envolvimento de outros órgãos, especialmente da pele, o diagnóstico baseia-se nas sorologias positivas e na histopatologia renal. A suspensão da hidralazina é o primeiro passo no tratamento e isso por si só pode ser suficiente; entretanto, um manejo mais agressivo envolvendo imunossupressão é frequentemente necessário. As opções disponíveis incluem esteroides, ciclofosfamida, rituximabe e plasmaferese. A abordagem terapêutica varia com base nas comorbidades do paciente, gravidade da lesão renal, envolvimento de órgãos e idade.

A escolha da hidralazina no manejo da hipertensão foi amplamente substituída por novas drogas anti-hipertensivas, com perfis de efeitos colaterais mais aceitáveis.11 Kandler MR, Mah GT, Tejani AM, Stabler SN, Salzwedel DM. Hydralazine for essential hypertension. Cochrane Database Syst Rev 2011:CD004934. De acordo com o Oitavo Comitê Nacional Conjunto (JNC8), a hidralazina não é recomendada como terapia de primeira linha para hipertensão, uma vez que não houve ensaios controlados randomizados de qualidade boa ou razoável comparando as quatro classes recomendadas de medicamentos.2828 James PA, Oparil S, Carter BL, Cushman WC, Dennison-Himmelfarb C, Handler J, et al. 2014 evidence-based guideline for the management of high blood pressure in adults: report from the panel members appointed to the Eighth Joint National Committee (JNC 8). JAMA 2014;311:507-20. No entanto, ainda é amplamente utilizada em pacientes grávidas e pacientes com insuficiência cardíaca, especialmente em países em desenvolvimento, devido ao seu baixo custo.11 Kandler MR, Mah GT, Tejani AM, Stabler SN, Salzwedel DM. Hydralazine for essential hypertension. Cochrane Database Syst Rev 2011:CD004934. A adição de uma combinação de hidralazina-nitrato a uma terapia padrão em pacientes afro-americanos com insuficiência cardíaca e fração de ejeção reduzida mostrou reduzir a mortalidade em 43%, bem como o número de hospitalizações por insuficiência cardíaca e tempo de internação hospitalar.2929 Taylor AL. The African-American Heart Failure Trial (A-HeFT): rationale and methodology. J Card Fail 2003;9:S216-9.,3030 Taylor AL, Ziesche S, Yancy C, Carson P, D'Agostino R Jr, Ferdinand K, et al.; African-American Heart Failure Trial Investigators. Combination of isosorbide dinitrate and hydralazine in blacks with heart failure. N Engl J Med 2004;351:2049-57. No entanto, dado um perfil de efeitos colaterais extremamente desfavorável e várias alternativas disponíveis no mercado, a hidralazina deve ser geralmente evitada. Em situações em que seu uso é necessário devido à indisponibilidade de outros agentes, intolerância ou ineficiência, é imperativo que o clínico monitore de perto os pacientes em uso de hidralazina a longo prazo/alta dose.

Conclusão

Embora o lúpus induzido por drogas tenha sido frequentemente relatado com o uso de hidralazina, este medicamento também pode causar vasculite por ANCA induzida por drogas. Os dois casos apresentados aqui fornecem evidências dos efeitos adversos prejudiciais da hidralazina, incluindo a lesão renal aguda, levando à doença renal crônica e até à morte.

References

  • 1
    Kandler MR, Mah GT, Tejani AM, Stabler SN, Salzwedel DM. Hydralazine for essential hypertension. Cochrane Database Syst Rev 2011:CD004934.
  • 2
    Morrow JD, Schroeder HA, Perry HM Jr. Studies on the control of hypertension by hyphex. II. Toxic reactions and side effects. Circulation 1953;8:829-39.
  • 3
    Chang C, Gershwin ME. Drug-induced lupus erythematosus: incidence, management and prevention. Drug Saf 2011;34:357-74.
  • 4
    Yung RL, Richardson BC. Drug-induced lupus. Rheum Dis Clin North Am 1994;20:61-86.
  • 5
    Mason PD, Lockwood CM. Rapidly progressive nephritis in patients taking hydralazine. J Clin Lab Immunol 1986;20:151-3.
  • 6
    Ihle BU, Whitworth JA, Dowling JP, Kincaid-Smith P. Hydralazine and lupus nephritis. Clin Nephrol 1984;22:230-8.
  • 7
    Björck S, Westberg G, Svalander C, Mulec H. Rapidly progressive glomerulonephritis after hydralazine. Lancet 1983;2:42.
  • 8
    Yokogawa N, Vivino FB. Hydralazine-induced autoimmune disease: comparison to idiopathic lupus and ANCA-positive vasculitis. Mod Rheumatol 2009;19:338-47.
  • 9
    Pendergraft WF 3rd, Niles JL. Trojan horses: drug culprits associated with antineutrophil cytoplasmic autoantibody (ANCA) vasculitis. Curr Opin Rheumatol 2014;26:42-9.
  • 10
    Wiik A. Drug-induced vasculitis. Curr Opin Rheumatol 2008;20:35-9.
  • 11
    Choi HK, Merkel PA, Walker AM, Niles JL. Drug-associated antineutrophil cytoplasmic antibody-positive vasculitis: prevalence among patients with high titers of antimyeloperoxidase antibodies. Arthritis Rheum 2000;43:405-13.
  • 12
    Pillinger M, Staud R. Wegener's granulomatosis in a patient receiving propylthiouracil for Graves' disease. Semin Arthritis Rheum 1998;28:124-9.
  • 13
    Dolman KM, Gans RO, Vervaat TJ, Zevenbergen G, Maingay D, Nikkels RE, et al. Vasculitis and antineutrophil cytoplasmic autoantibodies associated with propylthiouracil therapy. Lancet 1993;342:651-2.
  • 14
    Kitahara T, Hiromura K, Maezawa A, Ono K, Narabara N, Yano S, et al. Case of propylthiouracil-induced vasculitis associated with anti-neutrophil cytoplasmic antibody (ANCA); review of literature. Clin Nephrol 1997;47:336-40.
  • 15
    Agarwal G, Sultan G, Werner SL, Hura C. Hydralazine induces myeloperoxidase and proteinase 3 anti-neutrophil cytoplasmic antibody vasculitis and leads to pulmonary renal syndrome. Case Rep Nephrol 2014;2014:868590.
  • 16
    Finks SW, Finks AL, Self TH. Hydralazine-induced lupus: maintaining vigilance with increased use in patients with heart failure. South Med J 2006;99:18-22.
  • 17
    Cameron HA, Ramsay LE. The lupus syndrome induced by hydralazine: a common complication with low dose treatment. Br Med J (Clin Res Ed) 1984;289:410-2.
  • 18
    Grant DM, Mörike K, Eichelbaum M, Meyer UA. Acetylation pharmacogenetics. The slow acetylator phenotype is caused by decreased or absent arylamine N-acetyltransferase in human liver. J Clin Invest 1990;85:968-72.
  • 19
    Gonzalez-Fierro A, Vasquez-Bahena D, Taja-Chayeb L, Vidal S, Trejo-Becerril C, Pérez-Cardenas E, et al. Pharmacokinetics of hydralazine, an antihypertensive and DNA-demethylating agent, using controlled-release formulations designed for use in dosing schedules based on the acetylator phenotype. Int J Clin Pharmacol Ther 2011;49:519-24.
  • 20
    Richardson B. DNA methylation and autoimmune disease. Clin Immunol 2003;109(1):72-9.
  • 21
    Yung RL, Quddus J, Chrisp CE, Johnson KJ, Richardson BC. Mechanism of drug-induced lupus. I. Cloned Th2 cells modified with DNA methylation inhibitors in vitro cause autoimmunity in vivo. J Immunol 1995;154:3025-35.
  • 22
    Yung R, Powers D, Johnson K, Amento E, Carr D, Laing T, et al. Mechanisms of drug-induced lupus. II. T cells overexpressing lymphocyte function-associated antigen 1 become autoreactive and cause a lupuslike disease in syngeneic mice. J Clin Invest 1996;97:2866-71.
  • 23
    Zhou Y, Lu Q. DNA methylation in T cells from idiopathic lupus and drug-induced lupus patients. Autoimmun Rev 2008;7:376-83.
  • 24
    Deng C, Lu Q, Zhang Z, Rao T, Attwood J, Yung R, et al. Hydralazine may induce autoimmunity by inhibiting extracellular signal-regulated kinase pathway signaling. Arthritis Rheum 2003;48:746-56.
  • 25
    Jennette JC, Falk RJ. Pathogenesis of antineutrophil cytoplasmic autoantibody-mediated disease. Nat Rev Rheumatol 2014:463-73.
  • 26
    Yang JJ, Pendergraft WF, Alcorta DA, Nachman PH, Hogan SL, Thomas RP, et al. Circumvention of normal constraints on granule protein gene expression in peripheral blood neutrophils and monocytes of patients with antineutrophil cytoplasmic autoantibody-associated glomerulonephritis. J Am Soc Nephrol 2004;15:2103-14.
  • 27
    Singh V, Sharma P, Capalash N. DNA methyltransferase-1 inhibitors as epigenetic therapy for cancer. Curr Cancer Drug Targets 2013;13:379-99.
  • 28
    James PA, Oparil S, Carter BL, Cushman WC, Dennison-Himmelfarb C, Handler J, et al. 2014 evidence-based guideline for the management of high blood pressure in adults: report from the panel members appointed to the Eighth Joint National Committee (JNC 8). JAMA 2014;311:507-20.
  • 29
    Taylor AL. The African-American Heart Failure Trial (A-HeFT): rationale and methodology. J Card Fail 2003;9:S216-9.
  • 30
    Taylor AL, Ziesche S, Yancy C, Carson P, D'Agostino R Jr, Ferdinand K, et al.; African-American Heart Failure Trial Investigators. Combination of isosorbide dinitrate and hydralazine in blacks with heart failure. N Engl J Med 2004;351:2049-57.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Maio 2018
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2018

Histórico

  • Recebido
    10 Jul 2017
  • Aceito
    13 Ago 2017
Sociedade Brasileira de Nefrologia Rua Machado Bittencourt, 205 - 5ºandar - conj. 53 - Vila Clementino - CEP:04044-000 - São Paulo SP, Telefones: (11) 5579-1242/5579-6937, Fax (11) 5573-6000 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: bjnephrology@gmail.com