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Uso de rituximab em glomerulopatias

O uso de rituximab (RTX) foi estendido do tratamento de linfomas não Hodgkin a doenças autoimunes e, desde então, algumas questões não respondidas têm sido levantadas. Uma delas é o uso deste medicamento anti-linfócito B na doença de lesão mínima (DLM) e na glomeruloesclerose segmentar focal (GESF), uma vez que estas não são doenças mediadas por anticorpos. A patogênese da DLM e da GESF ainda não é clara, mas no caso da DLM, tal doença é causada pela desregulação dos linfócitos T, enquanto no caso da GESF primária, está relacionada à ação de fatores circulantes produzidos por células inflamatórias fora do glomérulo, incluindo linfócitos T. No entanto, sabe-se que a depleção de linfócitos B induzida por RTX pode modificar as células T e depletar aproximadamente 5% dos linfócitos T circulantes que expressam CD201. Acredita-se que o bloqueio do linfócito B também tenha efeitos indiretos, como inibição da quinase e caspase e, assim, efeitos sobre a fosforilação e apoptose celular11 Gauckler P, Shin JI, Aberici F, Audard V, Bruchfeld A, Busch M, et al. Rituximab in adult minimal change disease and focal segmental glomerulosclerosis - what is known and what is still unknown? Autoimmun Rev. 2020 Nov;19(11):102671.. Recentemente, a esfingomielina fosfodiesterase ácido semelhante 3b (SMPDL-3b, por sua sigla em inglês) em podócitos, que quando suprimida facilita a remodelação da actina, foi encontrada em alguns casos de GESF. O RTX neutraliza a perda de SMPDL-3b, mantendo a actina intacta. Portanto, assim como corticosteroides, inibidores de calcineurina e micofenolato, este medicamento também tem uma ação não imunológica na remodelação podocitária22 Ahmad A, Mitrofanova A, Zeidan YH. Sphingomyelinase-like phosphodiesterase 3b mediates radiation-induced damage of renal podocytes. FASEB J. 2017 Feb;31(2):771-80..

Duarte et al.33 Duarte I, Oliveira J, Outerelo C, Godinho I, Pereira M, Fernandes P, et al. Rituximab in glomerular diseases: case series and narrative review. Braz J Nephrol. 2021 Dec 03; [Epub ahead of print]. DOI: https://doi.org/10.1590/2175-8239-JBN-2021-0120
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apresentam 19 pacientes com doença glomerular tratados com RTX, analisados retrospectivamente e com dois protocolos diferentes de posologia. Quatro dos 19 pacientes apresentavam GESF, um dos quais foi considerado resistente a esteroides, enquanto dois pacientes, ambos não resistentes a esteroides, responderam ao uso de RTX. Outros autores também publicaram relatos de casos nos quais a resposta ao RTX variou significativamente44 Browna LC, Jobsona MA, Schoberb FP, Changb EH, Falka RJ, Nachmana PH, et al. The evolving role of rituximab in adult minimal change glomerulopathy. Am J Nephrol. 2017;45(4):365-72.. O KDIGO 2020 recomenda o uso de RTX em DLM e GESF como um excelente poupador de corticosteroides, mas seu uso em pacientes resistentes a corticoides é questionado55 Kidney Disease Improving Global Outcomes (KDIGO). Glomerular Diseases Work Group. KDIGO 2021 clinical practice guideline for the management of glomerular diseases. Kidney Int Suppl. 2021 Oct;100(4S):1-150..

Duarte et al.33 Duarte I, Oliveira J, Outerelo C, Godinho I, Pereira M, Fernandes P, et al. Rituximab in glomerular diseases: case series and narrative review. Braz J Nephrol. 2021 Dec 03; [Epub ahead of print]. DOI: https://doi.org/10.1590/2175-8239-JBN-2021-0120
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também apresentam casos de nefropatias membranosas e vasculite associada ao ANCA em que a indicação para o uso de RTX já está melhor elaborada. Em ambas as doenças, o uso de RTX não foi inferior a tratamentos imunossupressores bem estabelecidos55 Kidney Disease Improving Global Outcomes (KDIGO). Glomerular Diseases Work Group. KDIGO 2021 clinical practice guideline for the management of glomerular diseases. Kidney Int Suppl. 2021 Oct;100(4S):1-150.. A superioridade do RTX foi comprovada apenas no tratamento de manutenção da vasculite associada ao ANCA. Entretanto, nas formas graves dessas doenças, o RTX não foi bem estudado e mantém-se a recomendação do uso de corticosteroides e ciclofosfamida (CYC)55 Kidney Disease Improving Global Outcomes (KDIGO). Glomerular Diseases Work Group. KDIGO 2021 clinical practice guideline for the management of glomerular diseases. Kidney Int Suppl. 2021 Oct;100(4S):1-150..

O RTX tem sido testado em pacientes com nefrite lúpica (NL) classes III e IV e até agora seu papel não foi claramente estabelecido. Na maioria dos estudos, o RTX foi usado como terapia adjuvante em combinação com CYC ou micofenolato de mofetila e metilprednisolona seguido de prednisolona como terapia de indução66 Stolyar L, Lahita RG, Panush RS. Rituxmab use as induction therapy for lúpus nephritis: a systematic review. Lupus. 2020 Jul;29(8):892-912.. Diferentes doses e regimes de RTX foram testados para NL: no protocolo LUNAR6, 1000 mg de RTX foram prescritos nos dias 1, 15, 168, e 182, enquanto outros protocolos preferiram o regime de quatro infusões (375mg/m2) com uma semana de intervalo. O RTX pode induzir respostas diferentes em pacientes de diferentes origens étnicas e raciais. Em alguns estudos, caucasianos tiveram uma resposta melhor que latinos e afro-americanos, enquanto no protocolo LUNAR, os pacientes afrodescendentes apresentaram uma taxa de resposta renal mais elevada quando o RTX foi comparado ao placebo (75% vs 45%, respectivamente).

Diferentes critérios de resposta baseados em proteinúria e função renal resultaram em diferentes taxas de remissão nos estudos. Não foram observadas diferenças estatísticas ao comparar as taxas de remissão completa e parcial dos grupos RTX com as dos grupos tratados convencionalmente em vários protocolos77 Rovin BH, Furie R, Latins K, Looney RJ, Fervenza FC, Sanchez-Guerrero J, et al. Efficacy and safety of rituximab in patients with active proliferative lupus nephritis: the lupus nephritis assessment with rituximab study. Arthritis Rheum. 2021 Apr;64(4):1215-26.. Do ponto de vista imunológico, há uma correlação direta entre a resposta renal clínica ao RTX e o início e duração da depleção de células B, alertando para a dose terapêutica efetiva de RTX e a contagem periférica nula de linfócitos CD20/CD19. Os efeitos colaterais do RTX são leves e principalmente relacionados a reações à infusão. São descritas infecções e neutropenia.

Duarte et al.33 Duarte I, Oliveira J, Outerelo C, Godinho I, Pereira M, Fernandes P, et al. Rituximab in glomerular diseases: case series and narrative review. Braz J Nephrol. 2021 Dec 03; [Epub ahead of print]. DOI: https://doi.org/10.1590/2175-8239-JBN-2021-0120
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usaram RTX em quatro pacientes com NL, com remissão completa em dois, sem resposta em um, e rápida deterioração da função renal em um. Condon et al.88 Condon MB, Ashby D, Pepper RJ, Cook HT, Levy JB, Griffith M, et al. Prospective observational single-centre cohort study to evaluate the effectiveness of treating lupus nephritis with rituximab and mycophenolate mofetil but no oral steroids. Ann Rheum Dis. 2013 Aug;72(8):1280-6., em um estudo prospectivo conhecido como Rituxilup, propuseram um protocolo que poupou corticosteroides ao administrar duas doses de RTX e metilprednisolona com duas semanas de intervalo sem o uso de corticosteroides no acompanhamento. Seus resultados são impressionantes, com 52% apresentando resposta completa e 34% com resposta parcial após 52 semanas. Estes resultados nos permitem utilizar o RTX como um agente poupador de corticosteroides com benefícios excepcionais para os pacientes.

A dosagem e o monitoramento do RTX tem sido um desafio. As duas principais formas de administração são 375 mg/m2 por via intravenosa uma vez por semana durante quatro semanas ou 1 g por via intravenosa nos dias 1 e 14. Algumas publicações recomendam o monitoramento das administrações do novo medicamento com contagem de CD19 ou valores de gamaglobulina. No entanto, isto é inconclusivo e as administrações dos medicamentos permanecem nestas duas doses fixas e sua repetição seis meses após a primeira administração, caso não haja remissão da doença. Estudos com DLM utilizando uma dose única de RTX mostraram que houve depleção de CD19 em 83% dos pacientes até o terceiro mês. Quando o CD19 foi medido mensalmente, não houve correlação entre o CD19 e o retorno de proteinúria, com uma recidiva de proteinúria ocorrendo mesmo em pacientes com CD19 depletado. Isto pode ser explicado pelo fato de que o CD19 identifica apenas linfócitos B séricos, não tecidos ou células de memória99 Ramachandran R, Bharati J, Rao I, Kashif AW, Nada R, Minz R, et al. Persistent CD-19 depletion by rituximab is cost-effective in maintaining remission in calcineuri-inhibitor dependent podocytopathy. Nefrology. 2019 Dec;24(12):1241-7.,1010 Webendörfer M, Reinhard L, Stahl RAK, Wiech T, Mittrücker HW, Hoxha E. Rituximab induces complete remission of proteinuria in a patient with minima change disease and no detectable B cells. Front Immunol. 2020 Feb;11:586012..

É importante lembrar que o RTX também causa infecções, e o uso profilático de trimetoprim-sulfametoxazol é recomendado para a prevenção da infecção por pneumocystis jirovecii. Autores já associaram maiores infecções ao uso de RTX em diabéticos, ao uso prévio de outros medicamentos imunossupressores, e a uma dose acumulada de RTX1111 Trivin C, Tran A, Moulin B, Choukroun G, Gatault P, Courivaud C, et al. Infectious complications of a rituximab-based immunosuppressive regimen in patients with glomerular disease. Clin Kidney J. 2017;10(4):461-9..

References

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Fev 2022
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2022

Histórico

  • Recebido
    20 Dez 2021
  • Aceito
    11 Jan 2022
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