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Telemedicina e diálise peritoneal: o futuro é hoje

A Resolução nº 2.314/202211 Resolução CFM nº 2.314, de 20 de abril de 2022 (BR). Dispõe sobre a definição e regulamentação da telemedicina, como forma de serviços médicos mediados por tecnologias de comunicação. Diário Oficial da União, Brasília (DF), 5 de maio de 2022; Edição 84: Seção 1: 227. do Conselho Federal de Medicina (CFM) definiu e regulamentou a telemedicina no Brasil como forma de serviços médicos mediados por tecnologias e de comunicação. Essa norma substitui a anterior, 1.643/202222 Resolução CFM nº 1.643, de 07 de agosto de 2002 (BR). Define e disciplina a prestação de serviços através da Telemedicina. Diário Oficial da União, Brasília (DF), 26 de agosto de 2002; Edição 164: Seção 1: 205.. Faz-se necessário reforçar que a consulta médica presencial permanece como padrão ouro. O conceito de telemedicina apresentada no Brasil estabelece que essa é “exercício da medicina mediado por tecnologias digitais, de informação e de comunicação, para fins de assistência, educação, pesquisa, prevenção de doenças e lesões, gestão e promoção de saúde”11 Resolução CFM nº 2.314, de 20 de abril de 2022 (BR). Dispõe sobre a definição e regulamentação da telemedicina, como forma de serviços médicos mediados por tecnologias de comunicação. Diário Oficial da União, Brasília (DF), 5 de maio de 2022; Edição 84: Seção 1: 227.. Pode ser realizada em tempo real (síncrona, on-line) e assíncrona (off-line). Outro conceito importante é que a telemedicina pode ser dividida em sete diferentes modalidades (teleconsulta, teleconsultoria, teleinterconsulta, telediagnóstico, telecirurgia, televigilância e teletriagem) e deverá ser fiscalizada pelos mesmos órgãos ligados ao Conselho Federal de Medicina (CFM), mantendo todos os princípios éticos que regem a relação médico-paciente. À época da pandemia, a Sociedade Brasileira de Nefrologia elaborou recomendações de boas práticas em diálise, incluindo telemedicina em diálise peritoneal33 Calice-Silva V, Cabral AS, Bucharles S, Moura-Neto JA, Figueiredo AE, Franco RP, et al. Good practices recommendations from the Brazilian Society of Nephrology to Peritoneal Dialysis Services related to the new coronavirus (Covid-19) epidemic. J Bras Nefrol. 2020 Ago;42(2 Supl 1):18-21. DOI: https://doi.org/10.1590/2175-8239-JBN-2020-S106
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Sobre o tema em questão, telemedicina e diálise peritoneal, observamos que o termo “telemedicina” só foi incorporado como palavra-chave às bibliotecas médicas em 1993, e estudos em que há menção a esses dois termos aumentaram em 2017, com maior número em 2020, como consequência da pandemia de covid-19. A pandemia de covid-19 mostrou que a telemedicina pode ser um importante ato complementar à assistência médica, permitindo o acesso a milhares de pacientes. Em estudo publicado nesta edição por Tabuti et al.44 Talbuti NIM, Pellizari C, Carrascossi H, Cálice-Silva V, Figueiredo A, Gordon GMet al. Impact of telemedicine on metabolic control and hospitalization of peritoneal dialysis patients during the COVID-19 pandemic: a national multicentric cohort study. Braz. J. Nephrol (J Brasil Nefrol).2022 Mar; 44(2):1-9. DOI: https://doi.org/10.1590/2175-8239-JBN-2021-0113
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, “Impacto da telemedicina no controle metabólico e hospitalização de pacientes em diálise peritoneal durante a pandemia de covid-19: um estudo de coorte multicêntrico nacional”, os autores investigam o impacto da telemedicina nos desfechos metabólicos e hospitalizações, em nove clínicas, totalizando 747 pacientes. Trata-se de um importante estudo, pois a prática da telemedicina está definitivamente incorporada à medicina, devendo, inclusive, ser abordada na formação educacional nas escolas de saúde. Em sua metodologia, coorte retrospectiva, os autores dividem temporalmente os pacientes em dois meses antes da implantação da telemedicina, um período de um mês de transição e dois meses após a implantação do método. A telemedicina, pela óbvia urgência do momento epidemiológico, foi aplicada de diferentes formas, conforme a disponibilidade da clínica. Nesse estudo, avaliaram variáveis clássicas no controle de pacientes em diálise peritoneal.

O primeiro ponto a ser verificado é o tempo de observação, que para desfechos metabólicos é curto, e para hospitalizações, conquanto tenham encontrado impacto negativo nesse desfecho, também é curto. Estudos realizados na China e Itália, dois epicentros da pandemia, avaliaram o impacto da telemedicina no desfecho de pacientes em DP. Na Itália, no início da pandemia, Scarpioni et al.55 Scarpioni R, Manini A, Chiappini P. Remote patient monitoring in peritoneal dialysis helps reduce risk of hospitalization during Covid-19 pandemic. J Nephrol. 2020 Ago;33(6):1123-4. DOI: https://doi.org/10.1007/s40620-020-00822-0
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, na região inicialmente mais afetada, a Emilia Romagna, verificaram que a população em diálise era particularmente frágil e identificaram pacientes mais susceptíveis a desfechos negativos, após realizarem um estudo com cinco pacientes. Após realizarem trezentas videoconferências em dois meses, os autores mostraram que a identificação de pacientes frágeis e a telemedicina diminuiu a incidência de covid-19 e de peritonites, mostrando benefícios da telemedicina em curto prazo. Ronco et al. publicaram, em 202066 Ronco C, Manani SM, Giuliani A, Tantillo I, Reis T, Brown EA. Remote patient management of peritoneal dialysis during COVID-19 pandemic. Peri Dial Int. 2020 Jul;40(4):363-7. DOI: https://doi.org/10.1177/0896860820927697
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, também no início da pandemia, recomendações de que o uso de ferramentas de telemedicina e o gerenciamento remoto certamente permitiram continuar um ótimo atendimento aos pacientes em DP sem aumento significativo de complicações ou falha técnica, e apoiaram o esforço para prescrever DP direcionado a metas de alta qualidade. Wang, em estudo recentemente publicado (2022)77 Wang Z, Yan W, Lu Y, Song K, Shen H, Wang Y, e al. Effect of combining conventional and telehealth methods on managing peritoneal dialysis patients: a retrospective single-center study. Int J Clin Pract. 2022 Mar;2022:ID6524717. DOI: https://doi.org/10.1155/2022/6524717
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, com objetivos similares aos do estudo de Tabuti et al.44 Talbuti NIM, Pellizari C, Carrascossi H, Cálice-Silva V, Figueiredo A, Gordon GMet al. Impact of telemedicine on metabolic control and hospitalization of peritoneal dialysis patients during the COVID-19 pandemic: a national multicentric cohort study. Braz. J. Nephrol (J Brasil Nefrol).2022 Mar; 44(2):1-9. DOI: https://doi.org/10.1590/2175-8239-JBN-2021-0113
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, apresentou resultados diferentes deste, mostrando diminuição da taxa de peritonites e de hospitalização em um período de dois anos, com 1.161 pacientes. Essa diferença pode ser devido ao tempo de acompanhamento, que foi maior no estudo chinês. Ainda na China, desde o início da pandemia, ocorre um esforço para o desenvolvimento de uma plataforma (Peritoneal Dialysis Telemedicine-assisted Platform Cohort)88 Ma T, Yang Z, Li S, Pei H, Zhao J, Li Y, et al. PDTAP Working Group. The Peritoneal Dialysis Telemedicine-assisted Platform Cohort (PDTAP) study: design and methods. Perit Dial Int. 2022 Jan;42(1):75-82. DOI: https://doi.org/10.1177/0896860820962901
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desenhada com o intuito de instituir de forma mais estruturada a telemedicina em DP.

A localização das clínicas é fato que deve ser comentado, pois, sendo o Brasil um país de dimensões continentais, um estudo multicêntrico pode apresentar resultados diferentes conforme a região geográfica. Esse dado não foi relevante neste estudo, que incorporou de forma bastante interessante as características associadas ao centro (exceto a localização geográfica), as quais não influenciaram os desfechos. Apesar desse fato, a localização é um dado importante, pois a pandemia comportou-se de forma diversa no país, gerando também condutas de saúde pública regionalmente diferentes.

Uma observação curiosa é o efeito negativo da presença do cuidador. Esse dado não foi discutido, mas é um tanto paradoxal. Vale ressaltar que, no modelo final, apenas o diabetes mellitus interferiu no desfecho, o que é compartilhado por estudo em contextos diferentes, em pacientes em diálise peritoneal99 Klinger M, Madziarska K. Mortality predictor pattern in hemodialysis and peritoneal dialysis in diabetic patients. Adv Clin Exp Med. 2019 Jan;28(1):133- 5. DOI: https://doi.org/10.17219/acem/76751
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Por fim, a mensagem final do estudo “… a implementação da telemedicina sem treinamento e equipamentos adequados, embora necessária no cenário atual, pode ser prejudicial...” é de extrema relevância e, considerando que a telemedicina é uma realidade, sua incorporação na formação em saúde deve ser discutida nos currículos das várias áreas envolvidas nos cuidados com o paciente, para além de períodos de pandemia.

References

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    22 Jun 2022
  • Aceito
    28 Jun 2022
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