Acessibilidade / Reportar erro

A forma da administração pública* * Traduzido por Cláudia Fuser.

The form of public administration

RESUMO

Este artigo tenta conceituar as formas de Administração Pública a partir da economia política marxista. Esta pesquisa é exposta em duas partes. Na primeira, estabelecemos como as formas capitalistas de produção moldam as atividades organizadoras do Estado. As atividades sociais necessárias que não podem produzir de forma mercantil e/ou capitalista devem ser desenvolvidas de forma administrativa pelas agências estatais e corporações. Por isso a contradição e a complementação entre acumulação e Estado. Na segunda parte desta pesquisa analisamos sistematicamente os objetos, objetivos e capacidades da Administração Pública.

PALAVRAS-CHAVE:
Papel do estado; economia marxista

ABSTRACT

This paper attempts to conceptualise the forms of Public Administration from the Marxist political economy. This research is exposed in two parts. In the first one we stablish how the capitalist forms of production shape the State organizing activities. The social necessary activities who can’t produce in commodity and/or in capitalist ways must be developed in administrative forms by the state agencies and corporations. Through this the contradiction and the complementation between accumulation and State. In the second part of this research we analyse systematicaly the subject-matters, aims, and capacities of the Public Administration.

KEYWORDS:
Role of the State; Marxian economics

Este artigo pretende estabelecer uma conceituação das formas administrativas a partir da Economia Política marxista. A investigação se organiza em duas partes. Na primeira se estabelece como as formas e relações da produção capitalista conformam a atividade organizadora, as formas e os fins, as capacidades e os domínios do Estado. As atividades públicas regem-se por critérios imediatos, discricionários, políticos e administrativos. Por isso, nos crescentes serviços e sociedades públicas desenvolvem-se as atividades socialmente necessárias, mas não mercantilizáveis e/ou não capitalizáveis. O trabalho envolvido na atividade da administração pública é complementar e necessário às formas mercantis e capitalistas, mas também é alheio a elas e não produtivo. Daí a contraditoriedade e complementariedade entre a acumulação e o Estado.

Na segunda parte da investigação analisam-se de modo sistemático os diversos fins e capacidades das Administrações Públicas. A expansão atual das atividades e domínios públicos expressa a necessidade de estatização e de regulação pública e o caráter formalmente contraditório e realmente complementar das formas e atividades administrativas e econômicas.

CARACTERÍSTICAS DA ATIVIDADE ORGANIZADORA DO ESTADO

Determinadas as formas econômicas e as formas estatais pelas relações de produção capitalistas, a formação econômico-social se conforma e encontra-se separada em sociedade civil e Estado político. As relações de produção e as formações econômico-sociais capitalistas apresentam requisitos e geram contradições e limites, que, depois de alcançarem a forma de fins e poderes do Estado, dão lugar à atividade organizadora do Estado.

As necessidades sociais que são supridas pelas atividades do Estado se desprendem da forma e desenvolvimento das relações de produção capitalistas. Esta característica determinante das díspares necessidades sociais, pontuais ou sustentadas, que resultam de requisitos, de contradições e de limites das relações de produção capitalistas, explica sua característica comum de não ser submissíveis diretamente a relações de produção capitalistas. Vem daí o Estado. Vêm daí os fins e poderes e a necessidade da atividade organizadora do Estado. O Estado capitalista se constitui para atender a necessidades cuja superação exige atividades que não podem submeter-se de imediato a relações de produção capitalistas. A cisão entre sociedade civil e Estado político se fundamenta na forma e desenvolvimento das relações de produção capitalistas, e dá lugar a dois âmbitos de relações e de atividade que estão, ao mesmo tempo, em separação e em correspondência, em exclusão e em adequação.

As formas econômicas se regem pela produção de mais-valia, lucro ou novo capital através da forma mercantil. A mercadoria e o capital são a forma e o conteúdo do conjunto das formas econômicas capitalistas. A produção mercantil capitalista produz lucros, mais-valia, novo capital, com mercadorias e para isso e nisso tem requisitos, contradições e limites que, na medida em que sejam sociais, tomam a forma de necessidades e atividades do Estado. A forma da mercadoria e do capital necessitam, geram, excluem e possibilitam relações e atividades sociais não mercantis e não produtoras de capital. As atividades socialmente necessárias não mercantilizáveis e/ou não capitalizáveis dão lugar e se organizam, principalmente, em forma de atividades público-estatais.

Determinados pelas formas e relações de produção capitalistas, a forma e o caráter da atividade organizadora do Estado e de suas atividades são, no sentido social, histórico e lógico, necessariamente, não mercantis e não produtivos. Ao não poder estar social e historicamente (e ao não estar logicamente) submetidas de modo direto às formas produtivas, mercantis e capitalistas, as atividades do Estado requerem e têm outra lógica, política, jurídica e administrativa.

Determinada pela forma e desenvolvimento das relações de produção, a formação econômico-social capitalista se constitui em dois âmbitos e formas de atividade excludentes e complementares conforme se submetam e rejam ou não as formas produtivas capitalistas: o das formas econômicas, mercantis e produtivas e o das formas estatais, não mercantis e não produtivas. A exclusão, complementariedade, relação e adequação entre as formas e atividades econômicas e as formas e atividades estatais está determinada pelas relações de produção capitalistas e corresponde a uma necessidade social e histórica.

O desenvolvimento das relações de produção capitalistas, o desenvolvimento da acumulação e a dinâmica da capitalização, o desenvolvimento da socialização das forças produtivas e da centralização do capital, ainda que ampliem a vigência da forma mercantil capitalista, também geram contradições e encontram limites na mercantilização e na capitalização de atividades socialmente necessárias, e neste ponto intervém a atividade organizadora do Estado.

O caráter não mercantil e não produtivo das atividades do Estado capitalista é uma necessidade social, lógica e histórica que se desprende da forma e do desenvolvimento das relações de produção capitalistas. Este caráter está determinado pelas formas mercantis e produtivas, e permite ao Estado atuar. Se o Estado estivesse submetido às formas mercantis e produtivas, sua atuação não conseguiria atingir seus fins.

O caráter não mercantil e não produtivo das atividades do Estado, por outro lado, avalia-se não só em seu fundamento e em suas implicações, como também em suas próprias formas e matérias. O valor inerente à atividade do Estado existe, mas este não se realiza, não atinge a forma mercantil, não faz parte do valor dos processos mercantis subsequentes, nem o trabalho acumulado se valoriza como capital.

Mais além do caso muito claro de não-mercantilização e não-capitalização das atividades pontuais ou permanentes do Estado em relação aos requisitos e contradições das relações de produção capitalistas, a dificuldade em submeter de imediato certas atividades socialmente necessárias a relações de produção, e o desenvolvimento de certas atividades pelo Estado, reside em certas características do valor de uso de eventuais mercadorias e/ou da massa e/ou da composição orgânica do capital específicos a sua produção, que impedem ou limitam a realização de seu valor, e impedem ou limitam a produção de mercadorias e/ou sua capitalização.

Karl Marx não desenvolveu este aspecto da determinação do Estado pelas relações de produção. Em lugar disso, menciona nos manuscritos dos Elementos as implicações dos domínios do Estado com relação às infraestruturas. Colocou como exemplo uma estrada:

“Se, em suma, se pode construi-la, isso demonstra que a sociedade dispõe do tempo de trabalho (trabalho vivo e trabalho objetivado) para sua construção. ( ... )

O valor se determina pelo tempo de trabalho objetivado, seja qual for a forma que este adote. A sua realização dependerá, todavia, do valor de uso no qual esteja realizado o valor’’.1 1 Karl Marx (1857-1858), Elementos fundamentales para la crítica de la economia política, tomo 2, Buenos Aires, 1972, pp. 17 e 23. Grifo de K. Marx.

O tempo de trabalho e o valor existem. Mas, a forma material do produto, o valor de uso,2 2 Esta é uma das poucas circunstâncias (outras semelhantes são as relativas à circulação e reprodução), nas quais a análise deve deter-se nas características do valor de uso. pode limitar ou impedir o desenvolvimento da forma mercantil, a realização do valor, a formação do valor de troca. Do ponto de vista do valor, este existe. O que pode não existir em relação às infraestruturas, aos serviços etc., aos valores de uso nos quais o valor se materializa, é o valor de troca. O trabalho morto necessário à sua produção não se realiza na forma mercantil, nem tampouco o trabalho vivo que possa requerer seu funcionamento, a produção com eles de efeitos úteis. As dificuldades na formação e realização do valor de troca e que requerem a forma estatal de atividade são sociais. Podem estar relacionadas com a forma de seus efeitos úteis, como é o caso das infraestruturas, mas também com a massa e estrutura do valor de troca, ou com motivos de ordem social e decisões políticas. Em todos estes casos, e no conjunto da atividade organizadora do Estado, o valor, o trabalho acumulado e vivo, é necessário e existirá, mas falta sua mercantilização e capitalização.

O trabalho inerente às atividades do Estado é necessário e não é produtivo. Como indica Marx, “pode haver trabalhos e investimentos que sejam necessários sem ser produtivos no sentido do capital, isto é, sem que o sobretrabalho contido neles se realize como mais valia através da circulação, através da troca”.3 3 Ibidem, p. 21. Grifos de Marx. O trabalho necessário cuja realização não alcança a forma mercantil, e tanto o trabalho contido, acumulado, morto, como o trabalho vivo, não são trabalhos produtivos, no sentido econômico, no sentido do capital. Do ponto de vista econômico, o caso das atividades do Estado é semelhante ao das atividades da esfera da circulação. Marx conceitua o trabalho vivo e morto, o capital e os gastos inerentes às atividades da circulação e do Estado como não produtivas. Marx chegou a esta conceituação porque4 4 Ao contrário da economia clássica de seu tempo e da economia neoclássica neoricardiana, burguesa, vulgar e ainda da economia crítica contemporâneas. estabeleceu uma distinção entre origem e a decomposição do valor, entre a produção de valor e mais-valia e a decomposição do valor e a distribuição da mais-valia, entre o caráter produtivo de valor e mais-valia e o caráter necessário à produção capitalista. Ainda que todos os capitais e atividades sejam necessários na produção capitalista, sua contribuição à produção de valor e de mais-valia ou lucro é díspare, dependendo do tipo de atividade5 5 “A divisão do trabalho, o fato de que uma função adquira existência independente, não a converte em criadora de produto e de valor se não o era já de per si, quer dizer, antes de ter obtido sua independência’’ [Karl Marx (1855), El capital, II, México, D.F., 1946, p. 119). e da massa e composição do capital. O trabalho e o capital necessários à circulação e ao Estado não são produtivos ainda que sejam necessários, que devam existir e reproduzir-se e participem na distribuição da mais-valia. No caso dos capitais necessários à comercialização, circulação, e dos capitais financeiros, a participação na distribuição da mais-valia socialmente produzida se dá através da vigência social de uma taxa geral de lucro. O conjunto do capital e os capitais particulares sustentam através dos gastos de comercialização, financeiros etc., essas atividades. A taxa geral de lucro permite ligar o caráter não produtivo do valor excedente do capital aplicado à esfera da circulação de mercadoria e de capital (isto é, o capital comercial, o capital dinheiro etc.) com sua necessária remuneração. Como qualquer outro capital, o capital improdutivo recebe um lucro proporcional a sua massa e à taxa geral de lucro. De onde se deduzem uns gastos para o conjunto do capital, e se compreende a diferença que existe entre a produção e a distribuição da mais-valia.

“O desdobramento da mais-valia - que, em primeiro lugar, deve vir parar nas mãos do capitalista industrial - em distintas categorias cujos representantes aparecem ao lado do capitalista industrial, como o proprietário de terras (com relação à renda da terra), o prestamista (com relação aos juros), etc., e além disso, o governo e seus funcionários ( ... ).”6 6 Karl Marx (1894), El capital, III, México, D.F., 1946, p. 376. Grifos meus, F. B.

O Estado aparece escassamente nos textos de crítica e ciência da Economia política desenvolvida por Marx. Provavelmente, e justamente, o Estado não aparece nestes desenvolvimentos porque não é produtivo. Não obstante, quase sempre que Marx se refere aos gastos do processo de produção capitalista, menciona o Estado.7 7 A ideia é, a este propósito, a de gasto da produção capitalista (ver, por exemplo, Karl Marx (1959), Teorías sobre la plusvalía, tomo II, México, D.F.: 1980, p. 432, e idem (1894), El capital, III, op. cit., p. 92).

O Estado não é produtivo, mas é evidente que o Estado é necessário ao processo de produção capitalista. Tendo em conta a divisão da sociedade capitalista em classes e as contradições sociais inerentes às relações de produção capitalistas, o Estado é imprescindível. Apesar da fetichização da mercadoria e da coisificação das relações de produção, as formas sob as quais se desenvolve a produção mercantil não negam nem superam, e sim, pelo contrário, geram a divisão da sociedade em classes e a necessidade do Estado capitalista.

O caráter necessário e não produtivo é uma especificidade das formas estatais:

“O trabalho pode ser necessário e não ser produtivo. Por conseguinte, todas as condições gerais, coletivas, da produção - enquanto que não possa ocorrer sua criação pelo capital enquanto tal, sob suas condições - cobrem-se com uma parte da renda nacional, do erário público, e os operários não se apresentam como operários produtivos, ainda que aumentem a força produtiva do capital”.8 8 Karl Marx (1857-1858), Elementos fundamentales para la critica de la economía política, tomo II, Buenos Aires: 1972, p. 23. Grifos de K. Marx. E Marx acrescentará, “( ... ) Abriu-se para nós a perspectiva - que a esta altura das coisas ainda não podemos traçar rigorosamente - de uma relação específica entre o capital e as condições gerais, coletivas da produção social( ... )” (ibidem, p. 24. Grifos de K. Marx).

Do ponto de vista econômico, quer dizer, de modo lógico e histórico concreto, do ponto de vista da produção mercantil, a não-existência da forma mercantil, a não sujeição aos imperativos da mercantilização e da capitalização, própria às formas e atividades estatais, seu caráter não produtivo e necessário à vigência e ao aumento da força produtiva do capital, tem implicações extraordinárias.

Se há trabalho acumulado e vivo que é necessário e que não é produtivo, cuja materialização não chega a expressar-se em valores de troca, não atinge a forma de mercadoria, é preciso o erário público, é preciso o Tesouro, a Fazenda, é preciso o Estado, é preciso atender à produção desses valores de uso, justamente não com capital, e sim com renda, com sobrevalor.

As formas estatais e públicas se ajustam a essas circunstâncias. Existindo trabalho necessário e não produtivo cujos efeitos úteis necessitem trabalho acumulado e vivo cujo valor de troca não consegue formar-se, é preciso que se desenvolvam formas de prover este trabalho. As formas estatais resultam adequadas a estes fins. Por sua vez, para atender a essas necessidades, desenvolvem-se múltiplas formas econômicas públicas (domínios, propriedade, compras, taxas, concessões, financiamento, impostos, orçamento etc.). Requerendo valor, e sendo que este não se mercantiliza e não se capitaliza, a atividade organizadora do Estado acarreta e resulta ser um gasto do processo de produção capitalista, coberto pelo erário público com uma parte da renda, mais-valia ou lucro. Vem daí a contraditoriedade (das atividades) do Estado em relação ao desenvolvimento capitalista e a contraditoriedade das propostas relativas ao Estado. As atividades do Estado resultam e possibilitam, freiam e fomentam a acumulação de capital. São necessárias e são um gasto.

A complexidade da determinação do Estado e de sua especificidade e da investigação das formas estatais e de seu caráter, faz do Estado o maior paradigma da conformação e do estudo da realidade social. As mediações que conformam ao Estado e que dificultam a sua compreensão remetem à complexidade e dialeticidade próprias à sociabilidade e historicidade da realidade social. No caso das formas e caráter das atividades estatais, custa reconhecer seu caráter mediatamente social e histórico e a complexidade de sua determinação e características. Portanto, assim como é frequente tomar ao Estado e relacioná-lo diretamente com a economia em lugar de considerar-se sua determinação mediata pelas relações de produção e estudar sua especificidade, é muito frequente naturalizar a existência e o desenvolvimento do Estado.

E esta é a base não causal da teorização da Economia política burguesa com relação ao Estado. A naturalização das relações de produção capitalistas e a não-diferenciação entre o valor de uso e o valor de troca, levam esta tendência da Economia política contemporânea a achar nos bens públicos um filão do maior interesse. Sendo aqueles “que todos desfrutam em comum e do que decorre que o consumo destes bens por parte de um indivíduo não implica diminuição do consumo destes bens por parte de nenhum outro indivíduo ( ... )”,9 9 Paul A. Samuelson (1954), “The pure theory of public expenditure”, in The Review of Economic Statistics, vol. XXXVI, n. 4, nov.: 387-389, p. 389. os bens públicos fundamentam de maneira naturalista e individualista a ação do Estado. A indivisibilidade, inexcluibilidade, irrechaçabilidade, a existência de externalidades, seriam outras tantas características definidoras dos bens públicos, em oposição aos bens privados. As características naturais dos bens públicos explicariam sua provisão pelo Estado, e estariam na base do gasto público. A teorização neoclássica acerca dos bens públicos pretendia ampliar a tradicional disciplina das Finanças públicas. Se esta versava sobre a repartição da carga tributária e sobre os impostos, agora se pretenderá uma teoria normativa das Finanças públicas10 10 Cf. Richard A. Musgrave (1959), Teoría de la hacienda pública, Madrid: 1967. e uma economia pública.11 11 Cf. Richard E. Wagner (1973), The public economy, Chicago. A nova teoria neoclássica da oferta e da procura de bens públicos versará sobre a revelação das preferências e da demanda e sobre a provisão ótima de bens públicos sujeita à maximização da função de bem-estar dos indivíduos. Esta teorização pode separar (como faz Musgrave) a “dotação” da “distribuição”, ou não (como faz Samuelson). Pode considerar ou não que com os consumos coletivos e os “services de masse” chega-se ao contemporâneo “service des masses” e se deixa atrás uma situação de “masses asservies”.12 12 Cf. Serge-Cristophe Kolm (1969), “Les consommations collectives”, in Revue d’Économie Politique, tomo LXXIX, n. 3, mayo-junio: 619-649; e idem, (1971), Le service des masses, Paris. Pode o imediatismo alcançar aos “reaganomics” depois de passar pelo embelezamento do public choice, ou manter a análise no plano da fixação de “preços públicos ótimos”. Mas, em qualquer caso, a consistência teórica das formulações neoclássicas acerca dos bens públicos e da economia do Estado padece por causa da naturalização das relações sociais.

Em lugar da naturalização neoclássica e de suas teorizações, cabe, pelo contrário, descobrir nas dificuldades crescentes de formação do valor de troca uma expressão dos limites que as relações de produção capitalistas encontram frente à socialização das forças produtivas. A elevada acumulação de trabalho morto é fruto da acumulação e da dinâmica da produção capitalista de mercadorias. A dificuldade de submeter, sem mediações, a relações de produção capitalistas certos valores de uso socialmente necessários, e, ainda, precisamente, aqueles cuja necessidade crescente expressa melhor a socialização das forças produtivas, é devida à elevada capitalização que requereria sua produção capitalista. As dificuldades crescentes para submeter de modo imediato atividades socialmente necessárias a formas e relações de produção capitalistas e o desenvolvimento da atividade organizadora do Estado refletem as crescentes contradições e limites destas relações de produção e a improdutividade do regime capitalista de produção.

A Economia política crítica contemporânea não tem sido muito afortunada na apreciação do caráter da atividade do Estado. A complexidade de sua determinação e caráter tem sido violentada com teorizações imediatistas. Estabelecer vínculos diretos entre o Estado e a economia, naturalizar as relações de produção, confundir a decomposição com a distribuição, politizar, desconhecer as formas e leis fundamentais da estrutura e da dinâmica econômicas capitalista, desconhecer o capital constante, a acumulação e a capitalização, desconhecer a mediação das classes sociais, das formas políticas, jurídicas e administrativas, são erros limites e concatenados da Economia crítica contemporânea. Por isso, é quase menor e confusão típica, no que diz respeito às atividades econômicas e do Estado, entre necessário e produtivo.13 13 A esse respeito, as confusões e as inversões são múltiplas e insuspeitadas. E, quando umas e/ou outras não aparecem claramente, é frequente o silêncio e a ambiguidade acerca da diferença entre necessário e produtivo. Não se compreende que a diferença é só econômica, que não prejulga a importância e significação das atividades do Estado (e de seus gastos, e receitas). Não obstante, ao não querer ver a diferença entre necessário e produtivo, e, ao não entender como improdutivas as atividades (e gastos e receitas) do Estado, não é possível abordar a especificidade do Estado com relação a suas formas de organização e com relação às formas econômicas capitalistas. James O’Connor [(1973), Estado y capitalismo en la sociedad norteamericana, op. cit.], e desenvolvendo a este, Ian Gough [(1979), The political economy of the welfare state, Londres], trataram de “descobrir os aportes produtivos dos trabalhadores do Estado” (James O’Connor (1973), op. cit., p. 282). Desconhecendo a forma da atividade estatal - e só se tratava disto - estes autores dirão que “os trabalhadores estatais que produzem um ou outro componente do salário são indiretamente produtivos para o capital” (ibidem), que os gastos em consumo social aumentam a cota de lucro e a acumulação de capital (ibidem, p. 16, e Ian Gough (1975), “State expenditure in advanced capitalism”, in New Left Review, n. 92, jul.-ago., reproduzido in vários autores (vários anos), EI Estado en el capitalismo contemporáneo, México, D.F., 1977, p. 259, e idem (1979), The political ... op. cit., p. 49), que os trabalhadores estatais que produzem elementos do capital constante e variável são “reprodutivos” (ibidem, p. 168), etc. Cf. os precedentes destas elaborações em Ian Gough (1972), “Marx’s theory of productive and unproductive labour”, in New Left Review, n. 76: 19-52, e idem (1978), “Theories of the welfare state: a critique”, in International Journal of Health Services, vol. 8, n. 1 :25-64.

Pelo contrário, estabelecer adequadamente o caráter das atividades do Estado da investigação das mediações que determinam ao Estado e a suas formas específicas, e há de permitir avançar no conhecimento de sua especificidade, de seus fins e poderes, e de suas formas, modos e fenômenos.

OS FINS E PODERES ESPECÍFICOS, E AS ATIVIDADES E DOMÍNIOS DO ESTADO CAPITALISTA

O desenvolvimento da atividade organizadora do Estado e sua maior especialização parecem contradizer a forma do regime de produção capitalista. A forma na qual este sistema se produz é mercantil, e o é sua relação de produção fundamental. A relação mercantil, equivalente, entre o capital e a força de trabalho assalariada, exclui a imediação das relações políticas, de dominação, estatais. A divisão da sociedade em classes requer formas específicas para a salvaguarda da classe dominante, mas, dadas as formas produtivas, isso induz à separação entre esferas produtiva mercantil e estatal política. O fim do Estado é abstrato e genérico, a abstrata autonomia da propriedade privada e a produção mercantil capitalista. As formas e necessidades da sociedade civil que precisam do Estado político, adotam uma forma sob a qual o Estado possa fazê-las próprias. As necessidades da sociedade civil que o Estado deve satisfazer tomam forma de necessidades gerais, de objetivos políticos. A exterioridade aparente do Estado em relação à sociedade civil é o modo específico do Estado político, capitalista, de interiorizar e satisfazer as necessidades que a sociedade civil formula como política, alheias e inerentes a si mesma. Por outro lado, a separação entre a sociedade civil e o Estado político requer a mediação da representatividade. Necessidade formal e avanço histórico, a representatividade nega a dominação econômica na legitimidade política do sufrágio livre e igual.

O crescimento da atividade organizadora do Estado, a especificação e ampliação de seus fins e poderes,14 14 Isto é, também o crescimento do tempo de trabalho e do produto, renda e mais-valia sociais que requerem as atividades públicas, e a extensão destas à produção. refletem e resolvem em parte as crescentes contradições, limites e necessidades sociais geradas pelas relações de produção capitalistas. É possível e conveniente, do ponto de vista do desenvolvimento das relações de produção capitalistas, distinguir sua aparição e extensão de sua plena vigência; ou, do ponto de vista da acumulação, distinguir a originária ou extensiva da intensiva. O principal da atividade organizadora do Estado na aparição e extensão das relações capitalistas e na acumulação extensiva, consiste na implantação de relações jurídicas modernas, da liberdade das pessoas, do direito de propriedade particular dos meios de produção, da liberdade de contratação, e dos meios necessários para a garantia desta nova ordem jurídica. A vigência das relações de produção capitalistas e a acumulação intensiva, requerem as circunstâncias anteriores (e sua eventual extensão a novos territórios e setores), e a superação das contradições, lutas sociais e necessidades que esta vigência acarreta, e conduzem o desenvolvimento da atividade organizadora do Estado em direção à superação das contradições e limites que a acumulação de capital gera.

Os requisitos, contradições, limites e necessidades gerados pela extensão, vigência e reprodução das relações de produção, que impulsionam os fins e poderes do Estado, podem agrupar-se em relação ao processo de produção capitalista em atividades políticas constitutivas e organizativas do Estado, em atividades públicas relativas ao processo de trabalho capitalista, e em atividades públicas relativas ao processo de circulação e valorização capitalista. O desenvolvimento das relações de produção capitalistas e a acumulação intensiva de capital desenvolvem as formas representativas e jurídicas das atividades políticas, e expandem as outras duas. Estes três tipos de atividade organizadora do Estado só formalmente são separáveis dado que os motivos e efeitos de qualquer atuação estatal são complexos e pretendem resolver necessidades imediatas. Por outro lado, as formas e procedimentos específicos à organização da atividade e à atividade organizada do Estado, e os meios que requer e imobiliza, vêm estabelecer os fins e poderes do Estado em âmbitos e meios jurídicos e materiais, em domínios nos quais, se a atividade do Estado não é excludente, é pelo menos sustentada e sistemática. O Estado aparece como sendo o domínio das atividades políticas, das atividades públicas relativas ao processo de trabalho, e das atividades públicas relativas ao processo de valorização.

O Estado capitalista se constitui com base nas formas e relações políticas e se organiza em formas e relações jurídicas e administrativas. Este é o domínio das relações sociais que o constituem e organizam, dos fins e poderes e das atividades constitutivas e organizativas. Deste ponto de vista, a representatividade é o rasgo formal essencial ao Estado moderno. Mediadora entre a sociedade civil e o Estado capitalista, a representação constitui e legitima o Estado. São constitutivas do Estado as organizações inerentes à formação da representatividade política. A representatividade e os modos de determinação do interesse do Estado constituem a essência da política moderna. Os fenômenos políticos, de formação da representação se definem pela estatalidade de seu fim, a conformação do interesse e da atividade do Estado. Os fenômenos, relações e associações determinadas pela forma representativa do Estado moderno, são tão consubstanciais e constitutivas deste Estado como o são seus próprios poderes e órgãos. Influir, conformar, formar e expressar a representatividade, remota ou imediatamente, principal ou acessoriamente, assim como produzir ideologia e interesses gerais ou votos e cargos públicos, são necessidades derivadas da forma do Estado moderno. Sejam ou não órgãos estritamente estatais, estas instituições são constitutivas do domínio estatal. Constitutivas do Estado e do domínio público o são, do mesmo modo, as formas, instituições e meios necessários ao exercício da dominação, da opressão, da hegemonia, da violência, da propaganda, e todas aquelas outras formas, instituições e meios que requer a reprodução do Estado capitalista, e, como consequência, a reprodução das relações de produção capitalistas e da totalidade da formação econômico-social.

Além das tarefas essenciais ao Estado moderno e em função das quais este se constitui, o Estado capitalista é também adequado para resolver aquelas contradições sociais que assumem a forma de necessidades sociais. Sejam elas exigências da produção capitalista ou antagonismos entre formas produtivas e entre o capital e a força de trabalho, o Estado capitalista, político, é o modo ou forma adequado para sua satisfação ou superação. A esta altura cabe estabelecer uma distinção entre fins e poderes e atividades e domínios relativos ao processo de trabalho e ao processo de valorização capitalistas. Em relação ao processo de trabalho, ainda que com um pé nas tarefas políticas inerentes à extensão das relações de produção capitalistas, encontram-se as atinentes à relação salarial e à reprodução da força de trabalho. Especificáveis em função de seu fim, sua diversidade as converte em um significativo expoente da diversidade das formas públicas. A regulação da jornada de trabalho, das condições de trabalho, do contrato de trabalho, das associações de trabalhadores e de empresários, a repressão de manifestações e de greves, a mediação e os tribunais do trabalho e os fundos e meios socializados de consumo são algumas das formas estatais diretamente relacionadas com a reprodução da força de trabalho assalariada. Informando os princípios gerais do direito ou ampliando o patrimônio público, este conjunto de fins e de meios estatais configura um âmbito híbrido entre os fins políticos constitutivos do Estado e os resultados do processo de produção capitalista.

As dificuldades em submeter diretamente atividades socialmente necessárias a relações de produção capitalistas crescem, e com elas a atividade e o domínio do Estado em relação aos processos de trabalho e de circulação e valorização capitalistas. A consideração, em sua integralidade e complexidade, do valor, da estrutura e da dinâmica econômicas capitalistas permitem agora, e depois da investigação da especificidade das formas estatais, conceituar adequadamente, de modo completo e complexo, o desenvolvimento dos fins e poderes, das atividades e domínios do Estado. Ao atender ao capital, a suas determinações, formas, valor e acumulação, a estrutura e dinâmica econômicas capitalistas permitem dar conta das dificuldades de mercantilização e de capitalização e da ampliação da atividade e domínios do Estado em relação aos processos de trabalho e de valorização. Efetivamente, a forma e as tendências da acumulação de capital estão na base das contradições e limites da forma mercantil e capitalista de atividade e da atividade organizadora do Estado em relação aos processos de trabalho e de valorização capitalistas. A capitalização e o incremento de massa e composição orgânica dos capitais, as sínteses destes movimentos em tendência à baixa da taxa geral de lucro, as crises, a desvalorização, assim como a centralização econômica e a socialização das forças produtivas, são outros tantos aspectos que encontram sua razão na acumulação, e no incremento relativo do capital constante. Eles geram contradições sociais e limites à mercantilização e à capitalização, à vigência das relações de produção capitalistas e à sujeição a elas de atividades socialmente necessárias que impulsionam as formas e as atividades do Estado.

As virtudes de atender ao capital e de uma consideração complexa e específica das formas e tendências econômicas e das formas e tendências estatais são apreciadas agora ao se considerar as razões, caráter, fins e poderes, domínios, modos, implicações e efeitos da acrescida atividade organizadora do Estado. Atender à capitalização e ao capital constante permite compreender o crescimento do domínio e patrimônio do Estado,15 15 E a diferença entre este e o capital. O trabalho acumulado em propriedade do Estado é patrimônio, e não capital. É alheio às exigências da valorização. Vem daí o caráter não produtivo do Estado, e a organização de sua atividade como novo processo de trabalho. e a ampliação de seus fins e poderes com relação ao processo de produção capitalista. O princípio de objetividade social, a produção pelo capital de valor em forma de mercadorias, depois da investigação das tendências e dificuldades de acumulação e de valorização do capital e depois do estabelecimento das mediações relativas à especificidade das formas estatais, chega a ser também o princípio de objetividade da atividade organizadora do Estado.

Na presente investigação atentamos para as formas da estrutura e dinâmica capitalistas, para a capitalização, para a especificidade da esfera da circulação e para a especificidade das formas, fins, poderes e atividade do Estado e das Administrações Públicas. Com isso, a determinação do Estado pelas relações de produção capitalistas pode ser completada, e a análise pode contemplar a diversidade de mediações que conformam as formas estatais. As formas estatais são o modo no qual se conformam e desenvolvem os interesses e relações sociais distintas das relações de produção que aparecem como gerais e que requerem um órgão especial e coletivo de ação. Por isso, junto ao âmbito de atividades constitutivas e organizativas do Estado, desenvolvem-se domínios, atividades e Administrações Públicas específicas relativas a distintos aspectos dos processos de trabalho e de valorização capitalistas.

No modo de produção capitalista, o crescimento, socialização e centralização das forças produtivas e da produtividade da força de trabalho se expressa em uma tendência ao crescimento absoluto e relativo na dotação de meios de produção, no capital constante e na composição orgânica do capital, e ao descenso relativo do valor da produção, do capital variável ou salários e da mais-valia ou lucro, do preço de produção das mercadorias, e da taxa geral de lucro. Daí resultam as dificuldades tendenciais e periódicas de acumulação de capital, a aparição de um excedente de capital e de mercadorias, as dificuldades de circulação, de mercantilização e de capitalização, e, mediando as formas próprias e contemporâneas da esfera e fenômenos da circulação e do financiamento, a inflação da moeda. O Estado capitalista socorre com suas formas e atividade, as dificuldades de mercantilização e de capitalização de ordem estrutural daquelas atividades socialmente necessárias à reprodução do capital e do conjunto do modo de produção. Para tanto, o Estado capitalista assume o capital necessário, e com isso o desvaloriza, o libera da forma diretamente capitalista e mercantil, converte-o em patrimônio, domínio e serviço público. O trabalho morto requer, para produzir seus efeitos úteis, trabalho vivo, funcionários, empregados e aquisições e tudo isso requer o Tesouro, os impostos e restantes operações, formas econômicas públicas que correspondem a gastos públicos que são também do processo de produção capitalista e pesam na distribuição do lucro.

Deste modo, o domínio do Estado em relação às atividades constitutivas e organizativas das formas representativas, políticas, jurídicas e administrativas se amplia com a acumulação de capital e em seus distintos momentos em direção a distintos modos de domínio e atividade públicas em relação aos processos de trabalho e de valorização capitalistas.

As dificuldades de mercantilização e de valorização se manifestam justamente nas atividades e setores mais diretamente impulsionados pela socialização das forças produtivas e mais diretamente impulsionadores do desenvolvimento da produtividade da força de trabalho, das forças produtivas, e que afetam poderosamente ao processo de trabalho. Infraestrutura, meios de consumo coletivo, serviços coletivos são, em consequência, matérias do domínio público, ainda que, para tanto, devam aparecer previamente sob a forma de necessidades sociais. Em sua estatização pode encontrar-se o fundamento do que se tem denominado a partir de distintas perspectivas marxistas de “consumo de capital social”, “investimento social”, “consumo social”,16 16 Cf. James O’Connor (1973), Estado y capitalismo en la sociedad norteamericana. (La crisis fiscal del Estado), Buenos Aires, 1974, pp. 16 e 140-142. “forma sistêmica” alheia à ordem capitalista e “abolição do controle pelo mercado”.17 17 Cf. Claus Offe (1973), “The abolition of control market and the problem of legitimacy”, in Kapitalistate, n. 1, 95-117. Nas infraestruturas e/ou meios de consumo coletivo cabe ver uma das tarefas do Estado, a “provisão das condições gerais da produção capitalista”18 18 Cf. Elmar Altver (1973), “Some problems of State intervencionism”, in John Holloway e Solo Picciotto (eds.) (1978), State and capital. A marxist debate, Londres, pp. 42-43. Ver um fundamento da atuação estatal nas “externalidades públicas reguladoras”, in André Vianês (1980), La raison économique d’Etat, Lyon. Na linha da teorização da “sobreacumulação de longa duração” encontra-se nestas matérias um “capital público desvalorizado” e a causa do finan­ciamento público;19 19 Cf. Paul Boccara (vários anos), Études sur le capitalisme monopoliste d’État, sa crise et son issue, Paris, 1974. e é possível descobrir em suas formas “a lógica da utilização do capital público desvalorizado no financiamento dos elementos constitutivos das unidades espaciais de reprodução da força de trabalho”,20 20 Cf. Claude Pottier (1975), La logique du financement public de l’urbanisation, Paris, pp. 260-262. e ainda a exiguidade e o racionamento dos “fundos públicos de consumo pessoal” requeridos pelas necessidades populares.21 21 Cf. Patrice Grevet (1976), Besoins populaires et financement public, Paris, p. 1 TI. Em sentido semelhante se pôs também em relevo a coincidência nos meios de consumo coletivo entre operações próprias à circulação mercantil e de consumo produtivo, e formas de consumo pessoal. Coincidem, também, os gastos de circulação e os gastos de consumo em seus modos de financiamento e em um processo de desvalorização do capital que supera a diferença entre o capital constante dos meios de comunicação e o capital de gasto em meios de consumo.22 22 Cf. Jean Lojkine (1977), L ‘État, le marxisme et la question urbaine, Paris, pp. 162-168.

O desenvolvimento da divisão do trabalho, a ampliação do mercado interno exige e possibilita o desenvolvimento da infraestrutura e dos meios de consumo coletivo que ampliam a circulação mercantil e reduzem o tempo de circulação. Requeridas pelo desenvolvimento e socialização das forças produtivas, as infraestruturas expressam necessidades do processo de trabalho, e, através dele, do processo de produção capitalista. A socialização das forças produtivas e do processo de produção capitalista requer meios de circulação e consumo coletivos que expressam a socialização do processo de trabalho e do processo de valorização, e a ampliação do consumo coletivo. O domínio público incrementa a produtividade da força de trabalho aumentando a composição técnica do capital. Mas, graças à não-valorização do “capital” público, impede a elevação da composição orgânica do capital. O Estado limita a necessária elevação do capital constante e da composição orgânica do capital e combate a consequente tendência decrescente da taxa geral de lucro incrementando a produtividade da força de trabalho e sua força produtiva. Entre a ideologia e a realidade, o Estado - superestrutura - perseguiria um genérico crescimento das forças produtivas através da provisão das condições gerais da produção capitalista - infraestrutura.

Os domínios públicos relativos. ao processo de trabalho, ainda que possam incidir materialmente sobre as infraestruturas e sobre os meios de consumo produtivo e sobre um genérico desenvolvimento e socialização das forças produtivas, têm implicações díspares dependendo de qual seja seu objeto. Do ponto de vista do trabalho acumulado em infraestruturas, ao não estar submetido diretamente a relações de produção capitalistas, a não ser propriedade de capitais particulares e sim domínio público, patrimônio ou propriedade do Estado, não é capital. Não obstante, este trabalho é um gasto necessário da produção capitalista (futura) e corresponde a uma redução da massa (presente) de mais-valia. Também é trabalho socialmente necessário aquele que corresponde às formas de consumo socializado que intervêm na reprodução da força de trabalho.23 23 Devemos, pois, discordar de afirmações como a seguinte: “( ... ) A punção exercida sobre a mais-valia para o financiamento do capital variável socializado pesa sobre a taxa de lucro do capital socialmente considerado” (Jean-Claude Delaunay (1975), Essai marxiste sur la comptabilité nationale, Paris, p. 69). Em contraposição, podemos concordar com este outro desenvolvimento de Delaunay: “A tendência à socialização de uma parte do capital variável não questiona o caráter mercantil da força de trabalho. Pelo contrário, este é, na sociedade capitalista, o meio de prolongar esta forma, levando-se em conta a evolução histórica das necessidades sociais, do desenvolvimento da luta de classes, das mudanças nas forças produtivas e das exigências de valorização do capital. Mas é um meio que contém sua própria contradição dado que em sua forma e sobre a base da luta dos trabalhadores, tende a negar o caráter mercantil da força de trabalho” (tbidem, grifos meus, F.B.).

Os assuntos relativos às infraestruturas viárias e urbanas, aos meios de consumo coletivo produtivo e pessoal, aos serviços públicos, serviços pessoais e outros constitutivos do domínio público, sendo vários os motivos que sustentam sua estatização, encontram sua essência não em circunstâncias naturais e sim na necessidade social que supõe o desenvolvimento das forças produtivas, e na sua contradição com a propriedade privada, assim como na massa de trabalho acumulado e a subsequente longa duração na rotação do capital, e nos efeitos úteis não individualizáveis que geram.24 24 Por outro lado, estas características não usuais podem dissuadir aos capitais particulares, salvo se cláusulas de salvaguarda estabelecidas pelo Estado modifiquem estas circunstâncias ou garantam certos resultados. Circunstâncias todas elas que tornam vulneráveis as formas produtivas mercantis. Vem daí a adequação da forma pública.

O processo de circulação e de valorização do capital social é também suscetível de dar lugar a fins e poderes, a atividades e domínios do Estado. A necessidade de formas públicas na valorização e circulação do capital está determinada pela própria essência das relações de produção capitalistas: a necessidade de garantir a circulação do capital e a impossibilidade em que se encontra o capital de assumir tarefas que afetem a valorização do conjunto do capital social e de cada capital particular. A esfera da valorização do capital é aquela na qual coincidem os momentos e as atividades de circulação, de realização das mercadorias produzidas, do produto e do capital. A distribuição do lucro, de acordo com a taxa média e a massa dos capitais, tem lugar nesta esfera, e realiza a necessidade de cada capital particular de obter um lucro proporcional ao capital total desembolsado. A vigência desta lei da taxa média de lucro é uma necessidade global da reprodução do modo de produção capitalista e mínima para a reprodução de cada capital particular. Do que se infere que o estabelecimento e a garantia das condições de competição, de circulação e de valorização do capital (em sua forma mercantil e sob a forma dinheiro) seja um dos âmbitos mais antigos das práticas e instituições não particulares.

As condições de circulação e realização das mercadorias e de valorização do capital, e os meios de circulação (moeda metálica e fiduciária, cheques, notas promissórias, letras) são um dos primeiros objetos da regulamentação pública. Da liberdade de comércio e a política de preços à remuneração dos títulos de valor e a fixação das operações e dos juros bancários, há um amplo domínio público. A realização do interesse público nestas matérias pode aconselhar, justificar ou requerer formas públicas de eficácia mais imediata que a regulamentação: a estatização. Excepcional em relação às formas públicas que são características do âmbito da circulação e da valorização do capital (normativa e fiscalizadora), a estatização de, por exemplo, monopólios “naturais” ou das atividades creditícias, encontra sua determinação no agravamento das condições de circulação e de valorização do capital.

A necessidade de formas públicas no domínio da valorização do capital parece não exigir maiores explicações, apesar de sua imensa complexidade real. Em contraposição, é teoricamente problemática a interpretação de um fenômeno certamente atípico e certamente característico do recente desenvolvimento das formas econômicas públicas: a estatização. O específico e o problemático em relação às empresas públicas é que, geralmente, sua produção se mercantiliza e suas atividades foram ou estão, ainda em parte e simultaneamente, submetidas à capitalização. Logo, a estatização de empresas e as empresas públicas traduzem ou bem dificuldades e limites genéricos de capitalização global, ou bem circunstâncias peculiares e discricionária.25 25 Ao contrário das infraestruturas ou da maior parte dos serviços públicos, as principais empresas de propriedade de Estados capitalistas avançados contemporâneos produz bens cujos valores de uso e de troca são determináveis. Não há dificuldades naturais ou sociais absolutas para mercantilizar e/ou capitalizar as atividades das empresas públicas, e sim dificuldades relativas ao desenvolvimento histórico das relações de produção capitalistas.26 26 De resto, deveria ficar bem estabelecida a natureza social e relativa das dificuldades de capitalização das companhias. A estatização de empresas encontra poucas razões estritamente naturais. Ainda que se trate de monopólios “naturais”, a estatização tem causas sociais, e não afeta, além do mais, as características naturais do monopólio “natural” eventualmente estatizado. As formas produtivas públicas, as companhias estatais sofrem a seguinte tríplice determinação: uma genérica e essencial relativa à dificuldade de valorização global do capital social, e outras duas concretas e relativas a necessidades do processo de trabalho e a conveniências estabelecidas de modo político. Em outros termos: as dificuldades de valorização que conduzem à estatização de companhias devem encontrar um apoio na necessidade, sentida por outras companhias, dos valores de uso produzidos por aquelas; e/ou devem encontrar um aval nas necessidades ou conveniência sociais estabelecidas politicamente ou em conveniências diretamente políticas.

A determinação essencial da necessidade de companhias estatais não pode partir da dificuldade em capitalizar suas atividades ou da dificuldade em determinar ou em individualizar como mercantilizável um produto particular, e sim das dificuldades ou inconveniências em reunir ou satisfazer estes requisitos da produção capitalista em certas atividades. Quais? Potencialmente, qualquer uma; histórica e tendencialmente, aquelas cuja capitalização resultaria superior na hipótese de reger-se diretamente por relações de produção capitalistas. Dado que, no contexto global das relações de produção capitalistas, o crescimento da produtividade da força de trabalho, o desenvolvimento das forças produtivas, redunda em uma tendência à baixa da taxa geral de lucro, a estatização ao retirar da valorização ou participação na distribuição do lucro produzido, massas de trabalho crescentes, permite melhorar a remuneração dos capitais.

Daí deriva a especificidade das empresas públicas na sua relação com capitais particulares e em relação ao capital social. A especificidade das formas mercantis públicas, o procedimento de relação com seus compradores, sintetiza-se na problemática da “política de preços”, na aleatoriedade do valor de troca das mercadorias produzidas publicamente. Exceção feita àquelas sociedades estatais cujas mercadorias são também produzidas por empresas particulares em condições semelhantes, nos restantes casos o estabelecimento de seus preços é um problema complicado (e ocupação dos economistas). A “tarifação ótima” resulta da possibilidade de satisfazer exigências e necessidades alheias, aberta pela liberdade de não submissão às exigências próprias da capitalização e da valorização. A isenção de sujeição às condições produtivas e mercantis capitalistas determina, não obstante, a especificidade da forma de relação das empresas estatais com o capital globalmente considerado, com o orçamento do Estado.

Como conceituar, qual é o significado econômico do trabalho desenvolvido nas instituições públicas? Estas forças de produção e atividades são em geral estritamente necessárias, não são atividades exclusivas à existência de relações de produção capitalistas. Antes pelo contrário, o desenvolvimento destas mesmas relações de produção expulsa de forma crescente em direção ao Estado mais e mais forças e atividades produtivas (produtivas em sentido imediato). As empresas do Estado podem vender, e ainda mercantilizar, suas atividades, produtos, serviços, mas economicamente não são capital: não estão obrigatoriamente sujeitas às formas de valorização do capital, sua produção (trabalho) não está sujeita a um processo de valorização. Podem ter e têm perdas. Logo, se produzem mais-valia não é para si, e sim para as restantes capitais. Participam na decomposição da mais-valia de modo sui generis. Não sendo produtivas, as companhias do Estado podem incrementar a produtividade de companhias, de capitais particulares. E este é, justamente, o papel genérico e a contradição genérica do Estado: consome valor excedente para que se produza valor excedente. As empresas do Estado coincidem, pois, em sua especificidade, com o resto da atividade organizada do Estado.

O setor público, constituído por empresas e serviços públicos cada vez mais amplos na diversidade de seus interesses e no número de seus trabalhadores, padece de um defeito cuja persistência deve significar especificidade: a chamada desorganização e ineficiência. Explicáveis pelo seu processo de formação, estas circunstâncias são indicativas da subsidiariedade do setor público em relação aos interesses privados, da ausência de fins próprios, e é um reflexo do modo de relação com as formas produtivas e com capitais particulares. As companhias estatais parecem a forma mais inovadora e permanentemente atualizada de desenvolvimento do domínio público nos países capitalistas. Sendo múltiplos seus efeitos em relação ao processo de trabalho e ao processo de valorização capitalistas, e ao excluir da distribuição do lucro, massas crescentes de trabalho morto, nos setores de maior composição técnica do capital, as companhias estatais constituem um modo especificamente necessário ao desenvolvimento e socialização das forças produtivas, ao desenvolvimento da produtividade da força de trabalho sob relações de produção capitalistas.

O Estado moderno, representativo, político, constituído pelas relações de produção capitalistas como a esfera de determinação e satisfação dos interesses gerais da sociedade civil, vem a ser a forma mais adequada às relações sociais não diretamente submetidas a formas produtivas capitalistas. Requerido pela forma das relações de produção capitalistas e desenvolvido pelo seu conteúdo, se forma o domínio estatal. Híbrido de formas políticas e de relações sociais não diretamente submissíveis a relações capitalistas, de tarefas não capitalizáveis, as atividades e domínios públicos acrescentam à satisfação formal do interesse geral, os múltiplos interesses específicos que derivam, para si e para os capitais particulares, da diversidade de seus assuntos. Anexa às formas produtivas capitalistas, embora não alheia e sim determinada e em permanente relação genérica e particular com elas, a atividade organizadora do Estado encontra nas formas desta determinação e relação sua especificidade e complexidade.

Como parte das forças produtivas, a força de trabalho se encontra submetida aos efeitos da acumulação originária e intensiva de capital. Portanto, as condições de contratação e reprodução da força de trabalho são um domínio dos fins e poderes do órgão social especial que vela pela reprodução do processo de produção capitalista, do Estado: desde as leis e regulamentações e a luta contra o pauperismo e pela escolarização até os sistemas de seguros sociais. Este aspecto da atividade organizadora do Estado capitalista se encontra tanto entre os mais clássicos e repressivos como entre os mais modernos e progressistas. A capacidade de reprodução da força de trabalho está limitada por certas tendências derivadas da condição operária. O pauperismo advindo da proletarização da força de trabalho requer a constituição de formas socializadas de reabilitação e de consumo. Pelo seu objeto - imediato: a vida de pessoas, em diferentes graus, necessitadas, incapazes e insolventes - , e pelos modos necessários - socializados em sua produção, consumo ou financiamento, não mercantis-, estes serviços são dificilmente submissíveis de modo direto a relações de produção capitalistas. Estes fins e formas; sua necessidade e possibilidade; o moderno sistema de assistência médica e farmacêutica, e os sistemas de manutenção do salário em caso de acidente, enfermidade, desemprego, velhice, viuvez e orfandade, são fruto do moderno sistema produtivo. Expressam o desenvolvimento e o nível das forças produtivas, a capacidade produtiva e as necessidades sociais geradas pelo regime de produção capitalista. Os sistemas de previdência social sintetizam, de modo claro, o desenvolvimento histórico alcançado no modo de produção capitalista e suas formas necessárias.

O aspecto material e o aspecto ideológico da reprodução da força de trabalho assalariada se combinam nos sistemas de previdência social e nas declarações e legislações relativas aos direitos sociais, nos serviços educativos e no conjunto de meios e atividades de consumo coletivo e de serviços pessoais socializados.27 27 A materialidade do ciclo reprodutivo é o fundamento das técnicas e atividades previdenciárias. A implicação de aspectos não só naturais e individuais, mas sociais, explica o caráter que assumem as da socialização da reprodução da força de trabalho. A necessidade de constituir um domínio público espe­cífico no que se refere à reprodução da força de trabalho leva a deslocar ou a substituir as formas e as companhias privadas de previdência e serviços sociais por sistemas públicos de previdência social. O desenvolvimento e a socialização das forças produtivas, entre as quais se situa a força de trabalho, e do processo de trabalho estão subjacentes na lógica e na história deste processo de socialização e da reprodução da força de trabalho. As formas e o conteúdo dos aspectos da reprodução da força de trabalho progressivamente socializados expressam o desenvolvimento das forças produtivas; sua socialização e o incremento da capitalização, da composição orgânica do capital, o crescimento econômico pelo desenvolvimento da mais-valia relativa. No que diz respeito, por exemplo, ao ensino, a guarda das crianças resulta do trabalho dos pais fora de casa e de necessidades de disciplina, de linguagens simbólicas e de outras qualidades requeridas à força de trabalho, além do papel que desempenhe a ideologia, religiosa ou leiga. A modernidade dos fenômenos de socialização da reprodução da força de trabalho não impede, contudo, de se encontrar no caso do ensino, e em cada um dos múltiplos serviços em que esta socialização se organiza, precedentes em atividades assumidas no Antigo Regime pela Igreja. A socialização da reprodução da força de trabalho assalariada e os modernos sistemas de previdência social e de serviços públicos encontra antecedentes lógicos e históricos na pauperização absoluta e relativa da população. Do mesmo modo, ainda que a nacionalização dos bens da Igreja e a estatização da filantropia sejam fenômenos de ordem política com razões e implicações ideológicas, sua necessidade está determinada pelo desenvolvimento das forças produtivas capitalistas, cujas contradições assumem o caráter de necessidades sociais. Vem daí o interesse público e o caráter formal de serviço público; vem daí o interesse específico do Estado capitalista em assuntos tais como ensino, a saúde ou a beneficência. A reprodução da força de trabalho assalariada acaba então se tornando um fim específico do Estado capitalista e os meios para esta reprodução, e o modo de financiá-los, um domínio do Estado capitalista.28 28 Ian Gough ((1979), The political ... , op. cit.> sustenta (nas pp. 3 e 4) que o Estado do bem-estar social compreende dois tipos de atividade: “a provisão estatal de serviços sociais às pessoas ou famílias” e a “regulação estatal das atividades privadas (de particulares e de empresas) que diretamente alteram as condições imediatas de vida”; ou também (ibidem, pp. 44-45) diz que o Estado do bem-estar se caracteriza pelo “uso do poder estatal para modificar a reprodução da força de trabalho e manter a população inativa nas companhias capitalistas”. Resulta daí que a força de trabalho estatal correspondente seja, para Ian Gough, “reprodutiva”. Por último, cf. a este respeito a resenha do livro de Ian Gough por John Harrison (1980), “State expenditure and capital”, in Cambridge Journal of Economics, n. 4 (1980: 379-392).

A determinação das formas públicas relativas à reprodução da força de trabalho pelo desenvolvimento das formas de produção capitalista, não deve ocultar, contudo, como este domínio público influi na reprodução do processo de produção capitalista. A socialização da reprodução da força de trabalho, as formas, atividades e domínios públicos nos serviços e financiamento acrescentam mediações na prática e na interpretação da circulação de mercadorias, do desdobramento do valor e da reprodução do capital social e dos capitais particulares, e na reprodução intelectual, ideológica ou não, destes processos. Mas a forma pública não significa arbitrariedade: o nível das forças produtivas, o trabalho necessário e a decomposição do valor do produto anual nem real nem teoricamente variam em seu nível histórico por causa da socialização da reprodução da força de trabalho.29 29 A ideologia acerca do Estado do “bem-estar”, uma das facetas mais características da ideologia contemporânea relativa ao Estado, iria ver-se muito solapada em sua base se o Estado e as diversas formas públicas se submetessem a uma consideração materialista. A ideologia do Estado benfeitor deveria ceder não ante a muito complexa determinação materialista· do Estado capitalista, e sim ante a imediata delimitação materialista dos serviços públicos pela capacidade produtiva da sociedade, pela produtividade historicamente alcançada pela força de trabalho.

Os fundos de consumo coletivo e os serviços que intervêm na reprodução da força de trabalho assalariada são trabalho socialmente necessário e não sobretrabalho, não mais-valia, além de vários outros fenômenos, os serviços de educação, saúde, pensões,30 30 E, de certo modo, os de urbanismo, ainda que a este respeito haja outros assuntos incluídos - e, em particular, o da renda da terra. são só salários indiretos, diferidos. Em consequência, constituem uma forma (pública) de redistribuição salarial entre momentos do ciclo vital, entre trabalhadores e no interior da classe operária.31 31 Por outro lado, o salário deve ser semelhante para todos os capitalistas e em distintas circunstâncias da vida do operário assalariado. Tudo isso pode dar lugar a dois tipos de remunerações: o salário direto e o salário indireto, ocupando-se da distribuição deste último um órgão socializado. Com o salário indireto que vem acrescentar-se ao direto, a força de trabalho é paga a seu custo, e o trabalhador é integrado a título não só horário como vitalício na economia capitalista. Ao pensar e generalizar de um ponto de vista materialista a questão das subsistências, Claude Meillassoux escreve: “( ... ) O salário deve estar baseado na duração precisa do tempo de trabalho efetivamente oferecido pelo trabalhador. Mas, para que se realize a reprodução é necessário que os recebimentos do trabalhador cubram suas necessidades individuais durante toda sua vida. ( ... ) É necessário um nivelamento para que, qualquer que seja a duração da vida ativa do trabalhador, o custo de sua força de trabalho seja igual em qualquer momento e para todos os empregadores. E outro nivelamento para que o custo dos encargos familiares do assalariado não modifique o preço presente de sua força de trabalho” (Claude Meillassoux (1975), Mujeres, graneros y capitales, México, D.F.: 1977, pp. 144-145, grifos de Cl. Meillassoux).

  • 1
    Karl Marx (1857-1858), Elementos fundamentales para la crítica de la economia política, tomo 2, Buenos Aires, 1972, pp. 17 e 23. Grifo de K. Marx.
  • 2
    Esta é uma das poucas circunstâncias (outras semelhantes são as relativas à circulação e reprodução), nas quais a análise deve deter-se nas características do valor de uso.
  • 3
    Ibidem, p. 21. Grifos de Marx.
  • 4
    Ao contrário da economia clássica de seu tempo e da economia neoclássica neoricardiana, burguesa, vulgar e ainda da economia crítica contemporâneas.
  • 5
    “A divisão do trabalho, o fato de que uma função adquira existência independente, não a converte em criadora de produto e de valor se não o era já de per si, quer dizer, antes de ter obtido sua independência’’ [Karl Marx (1855), El capital, II, México, D.F., 1946, p. 119).
  • 6
    Karl Marx (1894), El capital, III, México, D.F., 1946, p. 376. Grifos meus, F. B.
  • 7
    A ideia é, a este propósito, a de gasto da produção capitalista (ver, por exemplo, Karl Marx (1959), Teorías sobre la plusvalía, tomo II, México, D.F.: 1980, p. 432, e idem (1894), El capital, III, op. cit., p. 92).
  • 8
    Karl Marx (1857-1858), Elementos fundamentales para la critica de la economía política, tomo II, Buenos Aires: 1972, p. 23. Grifos de K. Marx. E Marx acrescentará, “( ... ) Abriu-se para nós a perspectiva - que a esta altura das coisas ainda não podemos traçar rigorosamente - de uma relação específica entre o capital e as condições gerais, coletivas da produção social( ... )” (ibidem, p. 24. Grifos de K. Marx).
  • 9
    Paul A. Samuelson (1954), “The pure theory of public expenditure”, in The Review of Economic Statistics, vol. XXXVI, n. 4, nov.: 387-389, p. 389.
  • 10
    Cf. Richard A. Musgrave (1959), Teoría de la hacienda pública, Madrid: 1967.
  • 11
    Cf. Richard E. Wagner (1973), The public economy, Chicago.
  • 12
    Cf. Serge-Cristophe Kolm (1969), “Les consommations collectives”, in Revue d’Économie Politique, tomo LXXIX, n. 3, mayo-junio: 619-649; e idem, (1971), Le service des masses, Paris.
  • 13
    A esse respeito, as confusões e as inversões são múltiplas e insuspeitadas. E, quando umas e/ou outras não aparecem claramente, é frequente o silêncio e a ambiguidade acerca da diferença entre necessário e produtivo. Não se compreende que a diferença é só econômica, que não prejulga a importância e significação das atividades do Estado (e de seus gastos, e receitas). Não obstante, ao não querer ver a diferença entre necessário e produtivo, e, ao não entender como improdutivas as atividades (e gastos e receitas) do Estado, não é possível abordar a especificidade do Estado com relação a suas formas de organização e com relação às formas econômicas capitalistas. James O’Connor [(1973), Estado y capitalismo en la sociedad norteamericana, op. cit.], e desenvolvendo a este, Ian Gough [(1979), The political economy of the welfare state, Londres], trataram de “descobrir os aportes produtivos dos trabalhadores do Estado” (James O’Connor (1973), op. cit., p. 282). Desconhecendo a forma da atividade estatal - e só se tratava disto - estes autores dirão que “os trabalhadores estatais que produzem um ou outro componente do salário são indiretamente produtivos para o capital” (ibidem), que os gastos em consumo social aumentam a cota de lucro e a acumulação de capital (ibidem, p. 16, e Ian Gough (1975), “State expenditure in advanced capitalism”, in New Left Review, n. 92, jul.-ago., reproduzido in vários autores (vários anos), EI Estado en el capitalismo contemporáneo, México, D.F., 1977, p. 259, e idem (1979), The political ... op. cit., p. 49), que os trabalhadores estatais que produzem elementos do capital constante e variável são “reprodutivos” (ibidem, p. 168), etc. Cf. os precedentes destas elaborações em Ian Gough (1972), “Marx’s theory of productive and unproductive labour”, in New Left Review, n. 76: 19-52, e idem (1978), “Theories of the welfare state: a critique”, in International Journal of Health Services, vol. 8, n. 1 :25-64.
  • 14
    Isto é, também o crescimento do tempo de trabalho e do produto, renda e mais-valia sociais que requerem as atividades públicas, e a extensão destas à produção.
  • 15
    E a diferença entre este e o capital. O trabalho acumulado em propriedade do Estado é patrimônio, e não capital. É alheio às exigências da valorização. Vem daí o caráter não produtivo do Estado, e a organização de sua atividade como novo processo de trabalho.
  • 16
    Cf. James O’Connor (1973), Estado y capitalismo en la sociedad norteamericana. (La crisis fiscal del Estado), Buenos Aires, 1974, pp. 16 e 140-142.
  • 17
    Cf. Claus Offe (1973), “The abolition of control market and the problem of legitimacy”, in Kapitalistate, n. 1, 95-117.
  • 18
    Cf. Elmar Altver (1973), “Some problems of State intervencionism”, in John Holloway e Solo Picciotto (eds.) (1978), State and capital. A marxist debate, Londres, pp. 42-43. Ver um fundamento da atuação estatal nas “externalidades públicas reguladoras”, in André Vianês (1980), La raison économique d’Etat, Lyon.
  • 19
    Cf. Paul Boccara (vários anos), Études sur le capitalisme monopoliste d’État, sa crise et son issue, Paris, 1974.
  • 20
    Cf. Claude Pottier (1975), La logique du financement public de l’urbanisation, Paris, pp. 260-262.
  • 21
    Cf. Patrice Grevet (1976), Besoins populaires et financement public, Paris, p. 1 TI.
  • 22
    Cf. Jean Lojkine (1977), L ‘État, le marxisme et la question urbaine, Paris, pp. 162-168.
  • 23
    Devemos, pois, discordar de afirmações como a seguinte: “( ... ) A punção exercida sobre a mais-valia para o financiamento do capital variável socializado pesa sobre a taxa de lucro do capital socialmente considerado” (Jean-Claude Delaunay (1975), Essai marxiste sur la comptabilité nationale, Paris, p. 69). Em contraposição, podemos concordar com este outro desenvolvimento de Delaunay: “A tendência à socialização de uma parte do capital variável não questiona o caráter mercantil da força de trabalho. Pelo contrário, este é, na sociedade capitalista, o meio de prolongar esta forma, levando-se em conta a evolução histórica das necessidades sociais, do desenvolvimento da luta de classes, das mudanças nas forças produtivas e das exigências de valorização do capital. Mas é um meio que contém sua própria contradição dado que em sua forma e sobre a base da luta dos trabalhadores, tende a negar o caráter mercantil da força de trabalho” (tbidem, grifos meus, F.B.).
  • 24
    Por outro lado, estas características não usuais podem dissuadir aos capitais particulares, salvo se cláusulas de salvaguarda estabelecidas pelo Estado modifiquem estas circunstâncias ou garantam certos resultados.
  • 25
    Ao contrário das infraestruturas ou da maior parte dos serviços públicos, as principais empresas de propriedade de Estados capitalistas avançados contemporâneos produz bens cujos valores de uso e de troca são determináveis.
  • 26
    De resto, deveria ficar bem estabelecida a natureza social e relativa das dificuldades de capitalização das companhias. A estatização de empresas encontra poucas razões estritamente naturais. Ainda que se trate de monopólios “naturais”, a estatização tem causas sociais, e não afeta, além do mais, as características naturais do monopólio “natural” eventualmente estatizado.
  • 27
    A materialidade do ciclo reprodutivo é o fundamento das técnicas e atividades previdenciárias. A implicação de aspectos não só naturais e individuais, mas sociais, explica o caráter que assumem as da socialização da reprodução da força de trabalho. A necessidade de constituir um domínio público espe­cífico no que se refere à reprodução da força de trabalho leva a deslocar ou a substituir as formas e as companhias privadas de previdência e serviços sociais por sistemas públicos de previdência social.
  • 28
    Ian Gough ((1979), The political ... , op. cit.> sustenta (nas pp. 3 e 4) que o Estado do bem-estar social compreende dois tipos de atividade: “a provisão estatal de serviços sociais às pessoas ou famílias” e a “regulação estatal das atividades privadas (de particulares e de empresas) que diretamente alteram as condições imediatas de vida”; ou também (ibidem, pp. 44-45) diz que o Estado do bem-estar se caracteriza pelo “uso do poder estatal para modificar a reprodução da força de trabalho e manter a população inativa nas companhias capitalistas”. Resulta daí que a força de trabalho estatal correspondente seja, para Ian Gough, “reprodutiva”. Por último, cf. a este respeito a resenha do livro de Ian Gough por John Harrison (1980), “State expenditure and capital”, in Cambridge Journal of Economics, n. 4 (1980: 379-392).
  • 29
    A ideologia acerca do Estado do “bem-estar”, uma das facetas mais características da ideologia contemporânea relativa ao Estado, iria ver-se muito solapada em sua base se o Estado e as diversas formas públicas se submetessem a uma consideração materialista. A ideologia do Estado benfeitor deveria ceder não ante a muito complexa determinação materialista· do Estado capitalista, e sim ante a imediata delimitação materialista dos serviços públicos pela capacidade produtiva da sociedade, pela produtividade historicamente alcançada pela força de trabalho.
  • 30
    E, de certo modo, os de urbanismo, ainda que a este respeito haja outros assuntos incluídos - e, em particular, o da renda da terra.
  • 31
    Por outro lado, o salário deve ser semelhante para todos os capitalistas e em distintas circunstâncias da vida do operário assalariado. Tudo isso pode dar lugar a dois tipos de remunerações: o salário direto e o salário indireto, ocupando-se da distribuição deste último um órgão socializado. Com o salário indireto que vem acrescentar-se ao direto, a força de trabalho é paga a seu custo, e o trabalhador é integrado a título não só horário como vitalício na economia capitalista. Ao pensar e generalizar de um ponto de vista materialista a questão das subsistências, Claude Meillassoux escreve: “( ... ) O salário deve estar baseado na duração precisa do tempo de trabalho efetivamente oferecido pelo trabalhador. Mas, para que se realize a reprodução é necessário que os recebimentos do trabalhador cubram suas necessidades individuais durante toda sua vida. ( ... ) É necessário um nivelamento para que, qualquer que seja a duração da vida ativa do trabalhador, o custo de sua força de trabalho seja igual em qualquer momento e para todos os empregadores. E outro nivelamento para que o custo dos encargos familiares do assalariado não modifique o preço presente de sua força de trabalho” (Claude Meillassoux (1975), Mujeres, graneros y capitales, México, D.F.: 1977, pp. 144-145, grifos de Cl. Meillassoux).
  • 33
    JEL Classification: B51; P11; H83.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Mar 2024
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 1987
Centro de Economia Política Rua Araripina, 106, CEP 05603-030 São Paulo - SP, Tel. (55 11) 3816-6053 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: cecilia.heise@bjpe.org.br