Acessibilidade / Reportar erro

Política salarial e distribuição de renda: uma proposta para discussão

Wage policy and income distribution: a proposal for discussion

RESUMO

Este artigo sugere uma política governamental para melhorar a distribuição de renda brasileira que se baseia na aplicação de uma fórmula que faz com que os aumentos de produtividade sejam repartidos de acordo com os salários relativos dos trabalhadores. Num contexto em que os constrangimentos de curto prazo - especialmente a inflação - não são tão importantes como eram até há pouco e os problemas estruturais tendem a ser o alvo principal da política do Governo, as conclusões deste artigo são que uma melhor distribuição do rendimento pode ser obtida se a economia continuar crescendo a taxas suficientemente altas e que isso pode ocorrer provocando perdas na renda de algumas classes de renda.

PALAVRAS-CHAVE:
Política salarial; distribuição de renda

ABSTRACT

This article suggests a Government policy for improving the Brazilian income distribution which relies on the application of a formula that makes increases of productivity be shared according to the relative wages of workers. In a context in which short-terrn constraints - specially the inflation - are not as important as they were until recently and structural problems tend to be the main aim of Government policy, the conclusions of this article are that a better income distribution can be obtained if the economy continues to grow at sufficient high rates and that this could happen provoking losses on the earnings of some income classes.

KEYWORDS:
Wage policy; income distribution

Um dos principais problemas da economia brasileira, senão o principal, é a sua má distribuição de renda. Diversos estudos comprovam que as desigualdades têm se ampliado de forma inequívoca ao longo dos anos. A situação é ainda mais grave e incompreensível em face da profunda modernização econômica pela qual passou a economia nacional nos últimos trinta anos. Em diversos segmentos da indústria o operário brasileiro recebe um salário bastante inferior ao dos trabalhadores americanos ou europeus para operar a mesma maquinaria. O país modernizou-se, mas a grande maioria da população não se beneficiou deste vigoroso desenvolvimento, conforme fica retratado no Quadro 1.

Quadro 1:
Distribuição da renda por grupos decílicos de renda no brasil: população economicamente ativa (1970 e 1980)

Este artigo procura contribuir para o debate sobre o tema da distribuição de renda, dando fundamentação formal a uma proposta redistributiva de caráter progressivo. A ideia central de ela distribuir os ganhos de produtividade de forma inversamente proporcional aos níveis salariais, de certa maneira foi parcialmente adotada no passado recente, de acordo com os levantamentos do DIEESE. Diversas vezes o movimento sindical reivindicou e obteve a aplicação de taxas de aumento de produtividade diferenciadas por faixas de renda. Nesse sentido, o artigo nada mais é do que uma tentativa de mostrar a racionalidade de propostas desse tipo.

AS PROPOSTAS REDISTRIBUTIVAS - COMENTÁRIOS PRELIMINARES

A proposta a ser feita tem como pano de fundo as sugestões de minorar via intervenção estatal as desigualdades sociais, sugestões essas que com maior ou menor fundamentação teórica foram feitas por economistas de diversas escolas. Elas guardam assim um paralelo evidente com propostas semelhantes formuladas no passado com o mesmo espírito, desde as variantes de wage-price guideposts do Council of Economics Advisers (Economic Report of the President, 1962Council of Economics Advisers (1962), “Economic Report of the President”. ) até a instituição do “imposto de renda negativo’’ defendida pelo insuspeito Milton Friedman (1962Friedman, M. (1982), “The alleviation of poverty”, in Capitalism and freedom, cap. 12, Chicago, The University of Chicago Press. ).

A proposta, no nosso caso, procura afetar os rendimentos agindo diretamente sobre os salários brutos ao invés de atuar sobre os tributos que incidem sobre os assalariados. Por implicar, porém, na adoção de um complexo esquema complementar de tributação, ela não é facilmente passível de instrumentação e é de viabilidade política discutível. Estes não são, entretanto, aspectos necessariamente negativos, pois nossa intenção não é apresentar uma proposta definitiva e sim lançar uma ideia para ser debatida, ideia essa potencialmente rica pelo fato de estar ligada a um tema tão interessante como é o da distribuição de renda.

No Brasil, a análise da influência da legislação salarial sobre a distribuição de renda esteve concentrada na discussão do papel do salário-mínimo.1 1 Para uma resenha crítica sobre o tema, ver Wells e Drobmy (1982). Nos últimos anos, o tema incorporou novas abordagens como consequência das características redistributivas das Leis Salariais nos. 6.708 (30.10.1979) e 6.886 (10.12.1980). Em alguns casos, o objeto de análise não foi exatamente a distribuição da renda per se, mas sim o impacto da legislação salarial sobre os níveis de inflação, como em Baumgarten (1981Baumgarten, A. L. (1981), “A aritmética perversa da política salarial”, Revista Brasileira de Economia, no. 4, vol. 35, out-dez. ) ou Barbosa (1984Barbosa, F. M. (1984), “Indexação e realimentação inflacionária’’, Ensaio Econômico da EPGE, no. 47. ). Já outros trabalhos destacaram os efeitos que tais leis tiveram sobre a distribuição intra-salarial, como por exemplo, o de Camargo (1980Camargo, J. M. (1980), “A nova política salarial, distribuição de rendas e inflação”, Pesquisa e Planejamento Econômico, 10(3), dez. ).

Sem entrar na discussão específica das leis salariais que vigoraram entre 1979 e 1985, cabe aqui fazer um par de observações a respeito delas, apenas para evitar que sejam confundidas com a proposta a ser defendida logo a seguir.

As diversas normas salariais que vigoraram no mencionado período - com exceção do curto período de vigência do Decreto-Lei n. 2.045, que indexava os salários por um fator homogêneo para todas as classes de renda - tinham a característica de serem redistributivas, por implicarem reajustes diferenciados por faixa de remuneração. Até janeiro de 1983, isto esteve associado inclusive à obtenção de ganhos reais para as classes de menor renda, compensados pelas perdas absolutas das faixas mais elevadas.

Os resultados práticos de tais leis foram claramente negativos, basicamente por dois aspectos. Em primeiro lugar, a vigência delas se deu em conjunto com fases de aceleração inflacionária e, a partir do final de 1980, num período recessivo, o que levou a perdas consideráveis do salário real médio da economia. Em segundo lugar, as leis impunham perdas absolutas a certas faixas, por ocasião dos reajustes, pelo fato de corrigirem os salários destas abaixo da inflação passada. A nossa proposta, ao contrário, é formulada no contexto de uma vigorosa recuperação econômica com perspectivas de continuidade. E, por outro lado, afeta apenas a parcela do aumento salarial que exceda à simples recomposição inflacionária, implicando aumentos relativos diferenciados para cada faixa salarial. Assim, não há perdas absolutas para nenhum trabalhador.

UMA POLÍTICA DE REDISTRIBUIÇÃO DE RENDA A PARTIR DOS GANHOS DE PRODUTIVIDADE: PROPOSTA PARA DISCUSSÃO

Com o intuito de contribuir para o debate sobre a redistribuição de renda, faremos nesta seção uma proposta específica em relação à apropriação dos ganhos de produtividade pelos assalariados. Cabe ressaltar previamente que não se pretende sugerir uma política ampla de redistribuição de renda. Esta omissão é proposital, pois nosso objetivo é discutir apenas um aspecto da questão, e um tratamento mais abrangente do tema não poderia ser discutido satisfatoriamente nos estreitos limites de um artigo.

No atual sistema de reajustes salariais, embora esse direito não lhes seja assegurado pela legislação, os trabalhadores obtêm um adicional de salário que, uma vez superada a fase inicial de recuperação das perdas de 1981-1984, supõe-se que deverá ser aproximadamente igual ao crescimento da produtividade. A proposta que ora apresentamos consiste em estabelecer uma sistemática de distribuição dos ganhos de produtividade entre os trabalhadores com base na relação inversa entre o salário do empregado e o salário médio da economia no ano anterior ao reajuste, segundo pode-se observar na fórmula abaixo:

W ^ t + 1 i = W ¯ t * W ^ t i · P ^ t + 1 * , onde (1)

  • W^t+1i = taxa de variação salarial do trabalhador i no período t + 1 concedida a título de produtividade;

  • W¯t* = salário médio da economia no período t;

  • Wti = salário do trabalhador i no período.t;

  • P^t+1* = taxa de variação da produtividade da economia no período t + 1.

Essa fórmula de distribuição dos ganhos de produtividade tem quatro características importantes. Em primeiro lugar, diminui, ao longo do tempo, as disparidades de remuneração entre os assalariados, de tal forma que a velocidade de aproximação entre os salários será tanto maior quanto maiores forem as diferenças iniciais, e tanto menor à medida em que o processo avance. Em segundo, todos os trabalhadores auferem ganhos absolutos em relação à inflação passada, variando apenas a taxa de crescimento relativo dos mesmos. Em terceiro, não ocorre mudança de hierarquia salarial entre os trabalhadores - um salário inicialmente inferior nunca ultrapassa um superior-, porque a fórmula proposta leva em consideração o chamado “efeito cascata” na distribuição dos ganhos de produtividade (vide Apêndice 1). Em quarto, não há redistribuição entre os rendimentos devidos aos salários e às outras formas de apropriação da renda nacional, pois a remuneração dos assalariados cresce em média à mesma taxa que a variação da produtividade2 2 Porém, nada impede que possa ser implementada, em paralelo, uma política de redistribuição de renda que transfira recursos reais dos demais agentes econômicos para os assalariados. Para tanto, basta que haja vontade política de fazê-lo. Na fórmula (1) isto equivaleria a multiplicar P~+ 1 por um fator de redistribuição a maior do que a unidade. (vide Apêndice 2).

Teoricamente, para que a terceira característica mencionada ocorra é preciso tomar o salário de cada trabalhador, tal qual é feito na equação (1). Todavia, a dificuldade prática deste procedimento é evidente. Por exemplo, como seriam reajustados os trabalhadores que não trabalharam no ano anterior ao do reajuste?

Nesse sentido, a divisão dos trabalhadores em faixas de remuneração e a concessão de um aumento salarial devido à produtividade para os trabalhadores que estivessem nestas faixas poderia solucionar este problema.3 3 As distorções que. este procedimento possa trazer para a hierarquia salarial dos trabalhadores serão tanto menores quanto menores forem os intervalos das faixas de remuneração considerados. Assim sendo, a fórmula de distribuição dos ganhos de produtividade passaria a ser dada por:

W ^ t + 1 j = W ¯ t * W ¯ t j · P ^ t + 1 * , onde (2)

  • W^t+1j = taxa de variação salarial dos trabalhadores situados na faixa de remuneração j no período t + 1 concedida a título de pro­dutividade;

  • W¯tj = salário médio da faixa de remuneração j no período t.

UM EXERCÍCIO DE SIMULAÇÃO PARA A FÓRMULA PROPOSTA

Nesta seção é feito um exercício de simulação para que se tenha uma ideia aproximada dos efeitos desta política de distribuição dos ganhos de produtividade. Nesse sentido, são feitas as seguintes hipóteses iniciais:

  1. crescimento de 7,0% a.a. do PIB;

  2. crescimento de 3,0% a.a. do emprego;

  3. distribuição de renda inicial dos assalariados igual à de 1983, utilizando-se como fonte o RAIS/1983.

Das duas primeiras hipóteses obtém-se que a taxa de crescimento da produtividade é de aproximadamente 4,0% a.a. Para efeito de simplificação, supõe-se que todos os trabalhadores de uma mesma faixa de remuneração ganham o mesmo salário, igual, portanto, ao salário médio da faixa. E ainda, que a taxa de crescimento do emprego para as diferentes faixas salariais é a mesma que para o total dos trabalhadores - 3,0% a.a. -, de tal forma que a participação relativa dos empregados em cada faixa não se altere ao longo do tempo, permanecendo igual à de 1983.

Finalmente, considerando-se que o nível da taxa de inflação fique constante ao longo do período analisado, todo acréscimo devido à variação de produtividade pode ser tomado como aumento no salário real dos trabalhadores.

Logo, dadas as hipóteses enunciadas acima e a aplicação da equação (2), as taxas de variação anual dos salários reais para os sete períodos subsequentes ao inicial podem ser observadas no Quadro 2. Conforme foi dito anteriormente, estas taxas são tanto maiores quanto menores os limites superiores da faixa salarial e, ao longo do tempo, convergem lentamente para a taxa de variação da produtividade da economia como um todo.

Quadro 2:
Valores de W^t+xj em percentagem - simulação

Com base nestes resultados, pode-se construir o Quadro 3. Percebe-se que, se a política salarial proposta fosse aplicada por sete anos e fossem válidas as hipóteses adotadas, a distribuição de renda entre os assalariados sofreria uma modificação substancial. Enquanto no período inicial as três primeiras faixas salariais - até três salários-mínimos - respondiam por cerca de 67% do emprego e 31% da renda, no período final estes mesmos 67% do emprego responderiam por 39,8% da renda. Em contrapartida, as três últimas faixas salariais - mais de 15 salários-mínimos -, que no início respondiam por cerca de 3% do emprego e 18% da renda, passariam a deter 14,6% dos rendimentos. E ainda, o salário médio da última faixa salarial deixaria de ser 59 vezes maior do que o da primeira e passaria a ser 24 vezes superior ao da faixa inicial. Porém, é importante ressaltar que em todas as faixas salariais ocorre crescimento do salário real (vide a última coluna do Quadro 2).

Quadro 3:
Distribuição do emprego e da remuneração por faixas de remuneração - simulação

EFEITOS SOBRE A REPARTIÇÃO DA MASSA DE LUCROS DA ECONOMIA

A proposta de distribuição dos ganhos de produtividade enunciada anteriormente afeta a distribuição da massa de lucros entre as empresas de duas formas.

Em primeiro lugar, ao tomar-se um índice único de crescimento da produtividade para a economia - no exemplo citado, 4% - reduz-se a margem de lucros das firmas que tenham uma variação de produtividade abaixo deste valor e aumenta-se a das firmas que se encontram na situação contrária. Ou seja, introduz-se um ônus adicional às firmas menos eficientes.

Em segundo, ao considerar-se a relação entre o salário médio da economia e o salário médio de cada faixa salarial para determinar-se a variação devida ao aumento de produtividade da respectiva faixa, reduz-se a margem de lucros das firmas que possuem uma distribuição salarial mais concentrada nas faixas inferiores do que a verificada para a economia como um todo, e vice-versa.4 4 Um exemplo hipotético é útil para entender este segundo tipo de distorção. Considere-se uma economia em que há apenas duas firmas. A primeira é pequena, apresentando um faturamento de $500 e a segunda é grande, com um faturamento de $4000. No período inicial supõe-se que estas duas firmas possuem uma margem de lucro de 20% sobre o faturamento e pagam outros 20% a título de salários. E ainda, que a firma menor emprega 10 trabalhadores e a maior, 20, sendo que todos os empregados de uma mesma empresa recebem o mesmo salário, portanto, igual ao salário médio da firma. Ora, supondo-se que a produtividade da economia cresça 4% num ano e que a sua distribuição siga a sistemática proposta na equação (2), os salários dos trabalhadores da primeira firma deveriam crescer 12% e os da segunda 3%. Assim sendo, a massa de salários da economia cresceria 4% não havendo pressão sobre a massa de lucros, que também cresceria 4%. Neste caso, a margem de lucro da economia se manteria inalterada. Todavia, a contrapartida da redistribuição intra-salarial progressiva seria a redistribuição intra-lucros perversa. Se o valor agregado pelas duas firmas se mantivesse em 40% do faturamento, a margem de lucros da primeira firma cairia de 20% para 18,5% em virtude do crescimento de 12% dos salários; por outro lado, a margem de lucros da segunda subiria de 20% para 20,2%, em função do aumento salarial de 3% para os seus funcionários

O primeiro problema poderia ser minorado se não se adotasse um único índice de produtividade para a economia, e sim um índice para cada setor. É importante ressaltar, porém, que mesmo dentro de setores supostamente homogêneos coexistem firmas muito diferentes do ponto de vista da eficiência. Este fato tem contribuído para que nas negociações salariais o índice de produtividade concedido pelos patrões esteja abaixo do que o que as firmas mais eficientes poderiam dar. Ademais, a mensuração da variação da produtividade é, do ponto de vista técnico, muito polêmica, variando substancialmente de acordo com as partes interessadas. Por conseguinte, a concessão de um índice único, a despeito dos problemas apontados, pode ser interessante, porque unifica as reivindicações dos trabalhadores.

Por outro lado, o segundo problema é totalmente indesejado, pois não se pode penalizar (beneficiar) uma firma por ela ter uma estrutura salarial mais (menos) concentrada nas faixas de remuneração inferiores. Assim sendo, deveria ser adotado um mecanismo de transferência de recursos das firmas beneficiadas para as prejudicadas, de tal forma que o lucro de cada firma individual fosse o mesmo que ela teria caso a taxa de concessão dos aumentos de produtividade fosse uniforme para todas as faixas salariais.5 5 Temos consciência de que uma série de aspectos práticos devem ser minuciosamente analisados para que a proposta seja exequível. Entre estes encontram-se a forma concreta que as transferências assumiriam, a periodicidade das mesmas, os juros que deveriam incidir sobre os créditos cuja transferência às firmas beneficiadas fosse demorada, etc. A definição precisa desses detalhes técnicos, contudo, vai além dos limites deste artigo.

Chamando de Lt+1h o lucro hipotético que cada firma teria em t + 1 caso a sua folha salarial aumentasse à taxa P^t+1* entre t e t + 1, de Lt+1e o lucro efetivo resultante da aplicação da equação (2) para a distribuição de P^t+1* entre as faixas salariais, e designando por wr Wt+1h e Wt+1e as folhas salariais correspondentes, tem-se que:

L t + 1 h - L t + 1 e = W t + 1 e - W t + 1 h (3)

Isso significa que nas empresas cujos trabalhadores se concentram mais nas faixas inferiores (superiores) de remuneração Wt+1e-Wt+1h será positivo (negativo) e, consequentemente, Lt+1h-Lt+1e também será positivo (negativo).

Logo, a ação governamental deveria ser guiada pelo objetivo de tornar o lucro das empresas no período t + 1 igual, em quaisquer dos casos, ao lucro hipotético no mesmo período. Assim sendo, valeria a seguinte equação:

L t + 1 = L t + 1 h = L t + 1 e + W t + 1 e - W t + 1 h (4)

Quando Wt+1e-Wt+1h for positivo, a empresa é reembolsada pelo gasto adicional com salários em virtude da aplicação da equação (2) à sua folha salarial e se apropria definitivamente dos recursos que recebe a título de compensação. E, no caso inverso, quando Wt+1e-Wt+1h for negativo, a empresa gasta menos com o pagamento de salários do que deveria de acordo com a sistemática de aplicar P^t+1* uniformemente a todas as faixas salariais, devendo ceder esta diferença. É óbvio que as perdas de umas firmas são compensadas no mesmo montante pelos ganhos de outras.

Logo, o governo age nesse esquema transferindo recursos das firmas beneficiadas para as prejudicadas, de modo que do ponto de vista da repartição da massa de lucros entre as empresas o mecanismo de distribuição dos ganhos de produtividade proposto pela equação (2) seja neutro. Considerando o grau de detalhamento das informações sobre as empresas de que dispõe a Secretaria da Receita Federal, este órgão parece estar plenamente capacitado para exercer esse papel.

MUDANÇAS ESTRUTURAIS REQUERIDAS PELA POLÍTICA PROPOSTA

Conforme se fez menção no início deste artigo, para que a política salarial proposta tenha êxito é preciso que sejam adotadas medidas complementares em diversas áreas.

Em primeiro lugar, é preciso que as políticas agrícola e de abastecimento estejam voltadas para satisfazer o acréscimo de demanda por alimentos que deve ocorrer em simultâneo com a elevação do nível de vida da população mais carente. A princípio, é possível que a importação de alimentos possa ser suficiente para satisfazer este aumento. Todavia, a médio e longo prazos, é imprescindível que seja adotado um programa agrícola que aumente a oferta interna de alimentos.

Um segundo aspecto importante a ser considerado é a modificação que esta política salarial traria para o desenvolvimento da indústria. O processo de redistribuição de renda proposto implicaria um crescimento mais acelerado dos segmentos industriais menos sofisticados e menos acelerado para os demais. Algum tipo de política de readaptação industrial seria requerido, porque as plantas existentes estão dimensionadas para atender uma demanda futura sintonizada com o atual padrão de distribuição de renda.

Ainda no que se refere à indústria, a redução do ritmo de crescimento da indústria de bens de consumo duráveis voltada para os segmentos mais abastados da população pode ser desejável do ponto de vista do balanço comercial. A colocação destes produtos no mercado externo ajudaria a resolver tanto o problema de crescimento da indústria, como geraria divisas para fazer frente às novas necessidades de importação, especialmente alimentos. Porém, para que isto ocorra é preciso que se estabeleça uma política de comércio exterior capaz de alcançar este objetivo.

Em suma, a política proposta encerra uma nítida opção pela justiça social. Para que os seus efeitos distributivos não se frustrem é necessário que sejam adotadas políticas específicas que facilitem as mudanças estruturais da economia. Nesse sentido, é fundamental realizar um amplo estudo dos possíveis impactos sobre o aparelho produtivo que esta política traria, bem como um pormenorizado plano de readaptação da economia às mudanças do perfil da distribuição de renda implícitas na proposta.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • Baumgarten, A. L. (1981), “A aritmética perversa da política salarial”, Revista Brasileira de Economia, no. 4, vol. 35, out-dez.
  • Barbosa, F. M. (1984), “Indexação e realimentação inflacionária’’, Ensaio Econômico da EPGE, no. 47.
  • Camargo, J. M. (1980), “A nova política salarial, distribuição de rendas e inflação”, Pesquisa e Planejamento Econômico, 10(3), dez.
  • Council of Economics Advisers (1962), “Economic Report of the President”.
  • Friedman, M. (1982), “The alleviation of poverty”, in Capitalism and freedom, cap. 12, Chicago, The University of Chicago Press.
  • Wells, J. & Drobny, A. (1982), “A distribuição da renda e o salário-mínimo no Brasil: uma revisão crítica da literatura existente”, Pesquisa e Planejamento Econômico, 12(3), dez.
  • 1
    Para uma resenha crítica sobre o tema, ver Wells e Drobmy (1982Wells, J. & Drobny, A. (1982), “A distribuição da renda e o salário-mínimo no Brasil: uma revisão crítica da literatura existente”, Pesquisa e Planejamento Econômico, 12(3), dez. ).
  • 2
    Porém, nada impede que possa ser implementada, em paralelo, uma política de redistribuição de renda que transfira recursos reais dos demais agentes econômicos para os assalariados. Para tanto, basta que haja vontade política de fazê-lo. Na fórmula (1) isto equivaleria a multiplicar P~+ 1 por um fator de redistribuição a maior do que a unidade.
  • 3
    As distorções que. este procedimento possa trazer para a hierarquia salarial dos trabalhadores serão tanto menores quanto menores forem os intervalos das faixas de remuneração considerados.
  • 4
    Um exemplo hipotético é útil para entender este segundo tipo de distorção. Considere-se uma economia em que há apenas duas firmas. A primeira é pequena, apresentando um faturamento de $500 e a segunda é grande, com um faturamento de $4000. No período inicial supõe-se que estas duas firmas possuem uma margem de lucro de 20% sobre o faturamento e pagam outros 20% a título de salários. E ainda, que a firma menor emprega 10 trabalhadores e a maior, 20, sendo que todos os empregados de uma mesma empresa recebem o mesmo salário, portanto, igual ao salário médio da firma. Ora, supondo-se que a produtividade da economia cresça 4% num ano e que a sua distribuição siga a sistemática proposta na equação (2), os salários dos trabalhadores da primeira firma deveriam crescer 12% e os da segunda 3%. Assim sendo, a massa de salários da economia cresceria 4% não havendo pressão sobre a massa de lucros, que também cresceria 4%. Neste caso, a margem de lucro da economia se manteria inalterada. Todavia, a contrapartida da redistribuição intra-salarial progressiva seria a redistribuição intra-lucros perversa. Se o valor agregado pelas duas firmas se mantivesse em 40% do faturamento, a margem de lucros da primeira firma cairia de 20% para 18,5% em virtude do crescimento de 12% dos salários; por outro lado, a margem de lucros da segunda subiria de 20% para 20,2%, em função do aumento salarial de 3% para os seus funcionários
  • 5
    Temos consciência de que uma série de aspectos práticos devem ser minuciosamente analisados para que a proposta seja exequível. Entre estes encontram-se a forma concreta que as transferências assumiriam, a periodicidade das mesmas, os juros que deveriam incidir sobre os créditos cuja transferência às firmas beneficiadas fosse demorada, etc. A definição precisa desses detalhes técnicos, contudo, vai além dos limites deste artigo.
  • 6
    JEL Classification: J38; J31; D31.

APÊNDICE 1

A variação salarial do trabalhador i no período t + 1 devido ao aumento de produtividade é dada por:

W ^ t + 1 j = W t + 1 i W t i - 1 , onde (A.1.1)

  • W^t+1j = taxa de variação salarial do trabalhador i no período t + 1 conce­dida a título de produtividade;

  • Wt+1i = salário do trabalhador i no período t + 1, a preços de t;

  • Wti = salário do trabalhador i no período t.

Para que a incidência de reajustes diferenciados por trabalhador não provoque inversões hierárquicas é preciso que os aumentos salariais levem em consideração o chamado “efeito cascata”. Nesse sentido, utiliza-se o salário médio da economia no período tW¯t* como parâmetro básico de comparação para o cálculo dos aumentos salariais devido à variação da produtividade.

Somando e diminuindo W¯t* ao salário do trabalhador i no período tWti, tem-se que:

W t i = W t i - W ¯ t * + W ¯ t * (A.1.2)

Supondo que o reajuste devido ao aumento de produtividade de Wti incide apenas sobre a parcela correspondente a W¯t* e que esta aumenta à taxa P^t+1*, correspondendo à taxa de variação da produtividade da economia como um todo no período t+ 1, então:

W t + 1 i = W t i - W ¯ t * + W ¯ t * · 1 + P ^ t + 1 * (A.1.3)

Substituindo (A.1.3) em (A.1.1) obtém-se a fórmula geral de distribuição dos ganhos de produtividade pelos trabalhadores:

W ^ t + 1 i = W ¯ t * W t i · P ^ t + 1 * (A.1.4)

APÊNDICE 2

A remuneração total dos trabalhadores já empregados em t, no período t + 1, a preços de t, é dada por:

i W t + 1 i = i W t i 1 + W ^ t + 1 i , onde (A.2.1)

  • Wt+1i = salário do trabalhador i no período t + 1, a preços de t;

  • Wti = salário do trabalhador i no período t;

  • W^t+1i = taxa de variação salarial do trabalhador i no período t + 1 concedida a título de produtividade.

Considerando que a taxa de variação salarial do trabalhador i no período t + 1 concedida a título de produtividade W^t+1i segue a fórmula abaixo:

W ^ t + 1 i = W ¯ t * W t i · P ^ t + 1 * , onde (A.2.2)

  • W¯t* = salário médio da economia no período t;

  • P^t+1* = taxa de variação da produtividade da economia no período t + 1.

Substituindo (A.2.2) em (A.2.1) e considerando que iWti=W¯t*·Nt* tem-se que:

i W t + 1 i = 1 + P ^ t + 1 * · W ¯ t * · N t * , onde (A.2.3)

  • Nt = número de trabalhadores empregados no período t.

Como o aumento de produtividade da economia é calculado pela seguinte equação:

1 + P ^ t + 1 * = 1 + Y ^ t + 1 * 1 + N ^ t + 1 * (A.2.4)

Tem-se, finalmente, que:

i W t + 1 t = 1 + Y ^ t + 1 * 1 + N ^ t + 1 * · i W t i (A.2.5)

Por conseguinte, supondo que a variação do número de trabalhadores empregados é neutra em termos distributivos, confirma-se a ideia de que a fórmula de distribuição dos ganhos de produtividade acima proposta não pressiona as outras formas de apropriação da renda nacional, porque as remunerações médias crescem à mesma taxa que a produtividade.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Mar 2024
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 1987
Centro de Economia Política Rua Araripina, 106, CEP 05603-030 São Paulo - SP, Tel. (55 11) 3816-6053 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: cecilia.heise@bjpe.org.br