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Um simpósio sobre a distribuição da renda

A symposium on income distribution

RESUMO

esta é uma leitura do simpósio internacional de distribuição de renda onde o autor expõe sua proposição sobre os efeitos que a desigualdade de renda tem no Brasil e no mundo.

PALAVRAS-CHAVE:
Distribuição de renda

ABSTRACT

This is a readout of the international symposium of income distribution where the author displays its proposition about the effects that income inequality has in Brazil and in the world.

KEYWORDS:
Income distribution

Organizado pela Universidade do Tennessee e pelo Journal of Post Keynesian Economics, realizou-se em Gatlinburg, Tennessee, EUA, de 26 de junho a 3 de julho de 1988, um simpósio internacional sobre a distribuição da renda, com a presença de aproximadamente 70 economistas de diversos países do mundo. Uma das sessões do simpósio foi dedicada ao Brasil, com a exposição de três trabalhos: Paul Singer, do Cebrap, São Paulo, falou sobre a democracia e a inflação à luz da experiência brasileira; Fernando de Carvalho, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Niterói, expôs como a distribuição da renda se portou durante o Plano Cruzado; e o presente autor dissertou sobre a distribuição da renda e dos direitos à cidadania no Brasil.

Os economistas convidados pelo editor do Journal of Post Keynesian Economics, Paul Davidson, são, na sua maioria, críticos do pensamento neoclássico, seguidores mais das fundações e caminhos abertos por John Maynard Keynes, Piero Sraffa, Michal Kalecki, Joan Robinson e, alguns, por Karl Marx. Questionador do pensamento econômico majoritário nos meios acadêmicos nos EUA, Paul Davidson inicia da seguinte maneira o livro Economics for a Civilized Society que, com Greg Davidson, está lançando neste ano:

“Qual é a diferença entre o amor e a prostituição? Se a questão fosse colocada para aqueles cuja filosofia econômica tem dado forma à política norte-americana nos anos 80, a resposta seria que a prostituição é uma mercadoria com valor, enquanto o amor seria de nenhum valor (você veja, as pessoas estão dispostas a pagar pela prostituição).”

Paul Davidson, que esteve no Brasil em 1987, acredita que a única maneira civilizada de se resolver os problemas decorrentes da extraordinária dívida externa dos países do Terceiro Mundo seria o reconhecimento, por parte dos países credores, de que há uma impossibilidade matemática e econômica de pagamento, senão com sacrifícios pesadíssimos para a economia mundial. Tal como aconteceu com respeito à Alemanha, após as duas Grandes Guerras, da mesma maneira como acabou se reconhecendo que ela não teria como pagar os vencedores e foi, por exemplo, necessário criar o Plano Marshall, para se transferir recursos dos EUA àquele país, também agora seria necessária uma significativa transferência de recursos dos países ricos para os países pobres, na direção inversa ao que vem ocorrendo, particularmente com o Brasil e seus credores.

Durante o Simpósio, o economista húngaro Sandor Nagy demonstrou como a armadilha da dívida externa representou um problema sério para a resolução dos problemas de distribuição da renda, inclusive para os países de economia socialista:

“A maior parte dos países devedores estão hoje permanentemente presos à uma situação em que estão dependentes não somente de um influxo permanente de recursos externos mas de um volume constantemente crescente de financiamento externo. No fim das contas isto significa para eles um alto grau de dependência com respeito à disponibilidade de recursos externos. Assim, as necessidades de fazer frente ao serviço da dívida nesses países limitam a sua soberania no que diz respeito à política econômica e reduzem as suas possibilidades de crescimento”.

Paul Singer procurou demonstrar que o avanço da democracia nos países capitalistas tem sido caracterizado pela inflação como uma tendência quase que permanente, principalmente porque a maioria dos conflitos distributivos tem sido resolvidos na esfera pública. Tem-se reservado ao Estado o papel de maior redistribuidor de renda e, no caso dos países menos desenvolvidos, o de maior acumulado, de capital e empregador. Depois de examinar o que aconteceu no Brasil, durante o Plano Cruzado, Paul Singer concluiu que, numa economia caracterizada pela correção monetária, a luta contra a inflação requer não uma macro regulação autoritária, altamente centralizada e, em consequência, ignorante de como suas políticas influenciam individualmente as indústrias e os consumidores, mas uma negociação, democraticamente discutida, de uma micro regulação dos preços estratégicos.

Singer ponderou que “uma nova forma de regulação precisa ser inventada, em que os interesses sejam representados por seu poder de compra e de voto, reservando-se ao Estado o papel de apontar os reais limites do que pode ser alocado. Uma vez instituída a micro regulação, a democratização da macro regulação se torna possível, pois o funcionamento da primeira educa as pessoas, possibilitando que participem com conhecimento da última.”

Os dados sobre a distribuição da renda no Brasil continuam a impressionar os economistas dos demais países, na medida em que não há outro em que as desigualdades se apresentam de maneira tão intensa. Em nenhum outro a participação dos 10% mais ricos é tão alta, 47,5%, em contraposição à de apenas 13,5% para os 50% mais pobres na população economicamente ativa, conforme registrado pelo IBGE, em 1986.

Durante o simpósio, o economista Peter Gottschalk, do Colégio de Boston, mostrou que durante a década de 80, particularmente na administração Ronald Reagan, houve um crescimento da desigualdade e da pobreza nos EUA, depois de um longo período em que haviam diminuído: “A renda média familiar ajustada para levar em conta a inflação cresceu cerca de 40% de 1949 a 1959 e cerca de 40% de 1959 a 1969. A pobreza, medida oficialmente, decresceu 10 pontos percentuais e a participação das famílias 40% mais pobres cresceu de 0,8 ponto percentual durante cada década. De fato, de 1949 a 1969, as mudanças ano a ano foram 16 vezes positivas, duas vezes sem mudança, e negativa apenas uma. Já no período desde 1969, especialmente desde 1974, há um contraste marcante. A renda média familiar em 1985 ficou aproximadamente no mesmo nível que em 1969, a pobreza conforme a definição oficial foi maior, e a participação dos 40% mais pobres foi mais baixa do que em qualquer período pós-guerra. Desde 1969, houve 8 anos com mudanças positivas na média, dois anos sem mudança, e 6 com mudanças negativas. E o desemprego durante os anos 80 tem sido alto pelos padrões históricos”.

Mas se a participação na renda dos 40% mais pobres nos EUA, depois de ter evoluído de 16,4%, em 1949, para 18,0%, em 1969, baixou para 15,5%, em 1985, no Brasil ela também vem baixando para níveis absurdamente menores, atingindo 9,4% em 1979 e apenas 8,7% em 1985. Se a participação na renda é tão baixa para os segmentos mais pobres, também extremamente frágeis são os seus direitos à cidadania. Justamente, o trabalho apresentado por este autor no simpósio procurou ilustrar a maneira sofisticada como poderosos grupos econômicos influenciam as decisões do que fazer com os recursos públicos, em contrapartida à voz limitada que têm os segmentos mais pobres. A democracia só fará sentido quando houver maior igualdade de poder político e econômico.

Kenneth E. Boulding, da Universidade do Colorado, EUA, apresentou um trabalho sobre as implicações da macro distribuição para a distribuição pessoal. Há uma “totalidade” a ser distribuída. Podemos vê-la por dois ângulos: o da soma do patrimônio líquido de todos os indivíduos, ou da totalidade da renda. Boulding argumenta que se o capital humano for incluído no patrimônio líquido, então este é uma medida melhor do que a renda para se medir a riqueza e a pobreza, assim como o montante de água num lago é uma medida melhor do tamanho do lago do que o fluxo de água que passa por ele.

É um problema difícil a inclusão do capital humano - mental e físico. O capital humano somente é avaliado no mercado numa sociedade escrava (lembremo-nos, todavia, dos esportistas profissionais). “Numa sociedade livre cada pessoa é a sua própria escrava. O que está no mercado é a operação produtiva da pessoa dia a dia, expressa na forma de salário ou do valor de uma peça de um trabalho artesão. Uma forma de avaliar o capital humano de uma pessoa é somar o valor descontado do seu salário esperado pelo resto da vida. O que envolve muitas incertezas sobre o salário futuro ou a taxa de desconto. De qualquer maneira, o capital humano provavelmente tem no seu conjunto três ou quatro vezes mais valor do que o capital físico. Nas sociedades desenvolvidas a renda do capital humano tende a ser 75 a 80% do total, enquanto a renda do capital físico é cerca de 20 a 25% do total, e a taxa média de retorno é aproximadamente a mesma.

Kenneth Boulding é crítico e cético, tanto com respeito ao marxismo, quanto ao pensamento neoclássico. E se preocupa muito com o fato de ter havido um grande aumento da participação dos juros na renda durante as últimas duas décadas.

De onde vem o lucro? Pergunta - “Por que é possível ao padeiro vender o pão por um preço maior do que o custo? A situação ainda se complica se o padeiro estiver em débito. A principal justificativa para uma dívida é ela permitir ao devedor aumentar seus ativos reais e manipular esses ativos, através da compra, venda e produção, seja o devedor uma pessoa, uma organização ou uma corporação, de tal maneira a poder realizar um lucro maior do que o juro a ser pago”.

Mas de onde vem o lucro? Há diversos pontos de vista.

Primeiro, “o de Marx, segundo o qual lucro é simplesmente a diferença entre produto total e a parte do produto que é obtida pelos que recebem salários, que realmente produzem a coisa toda. Essa é a teoria da ‘mais valia’ que simplesmente diz que a renda total da sociedade é igual a soma de salários com o lucro bruto, o que é verdade, mas não ajuda muito para explicar a proporção”. Boulding menciona que a experiência mostrou que não ocorreu a previsão de Marx, segundo a qual haveria a pauperização da classe trabalhadora, especialmente nos países capitalistas bem-sucedidos, onde a proporção de renda nacional destinada aos trabalhadores aumentou sensivelmente, até sua recente estabilização.

Outra visão, baseada em Nassau Senior, Alfred Marshall, Irwing Fisher e nos economistas austríacos, é a de que o lucro bruto é uma ·recompensa pelo não consumo ou pela “espera”. Ela se torna mais refinada pela escola da produtividade marginal, argumentando que tanto salários quanto capital são pagos de acordo com o seu produto marginal especificado por alguma forma de função de produção, como a Cobb-Douglass. Isto foi precedido pelo que pode ser chamado de a teoria “crua” do fundo de salários: os salários são pagos do, e, portanto, dependem da proporção do capital a eles alocados. Os produtos marginais não explicam muito bem a divisão entre salários e lucro bruto e certamente falharam na Grande Depressão, quando os lucros se tornaram negativos e a proporção de renda destinada ao trabalho aumentou rapidamente. “Seria difícil explicar isso dizendo que o trabalho se tornou escasso e o capital muito abundante.”

Finalmente, há a “Teoria K” esposada por Kenneth Boulding, que se baseia em Keynes, na sua widow’s cruse no Tratado da Moeda, em Kalecki, Kador e no próprio Kenneth Boulding, a qual sugere que “o lucro bruto aparece em parte porque os recebedores de lucro em termos monetários gastam aquela moeda em bens domésticos. Essa é uma razão pela qual o padeiro pode obter mais pelo filão de pão do que custa em termos de salários e outras formas. Outra razão é que os receptores de lucro estão preparados para transformar capital real em investimento”.

Para Boulding, “a chave para compreender o sistema total é o reconhecimento de que o intercâmbio é a circulação de ativos entre proprietários. Sempre que uma compra é feita com dinheiro, o comprador transfere parte de seu estoque de dinheiro e o vendedor transfere o que foi comprado ao comprador. Se isto for algo para o domicílio, o que foi comprado, frequentemente, fica no domicílio até que seja consumido ou depreciado, embora não necessariamente, como o indica o mercado de segunda mão. No caso de um instrumento financeiro, algumas vezes as pessoas compram um bônus ou uma ação visando uma renda permanente, ficando com ela por muitos anos, outras vezes a vendem quase imediatamente. Em mercados financeiros há circulação tanto de instrumentos financeiros quanto de dinheiro”.

A moeda é algo peculiar porque raramente é consumida ou destruída, exceto em incêndios ou falências. Tem que ser considerada como algo que está sendo transferido entre os balanços das pessoas.

Kenneth Boulding é extremamente cético em procurar uma resposta para a pergunta: “O que determina a distribuição do patrimônio líquido entre a população?”. Surpreendentemente, para um economista de sua experiência, afirma que a resposta deve ser achada na famosa lei que “tudo é assim porque ficou dessa maneira”. “O Sr. X tem o patrimônio líquido que tem, incluindo seu capital humano, por causa de uma longa história, em parte por sua herança, em parte porque em sua vida mais adicionou do que subtraiu de seu patrimônio líquido, por exemplo, através de parcimônia, e também de manter ativos numa forma que cresceu ou diminuiu em valor relativo, incluindo o capital humano, o qual é acrescido por educação e treinamento, e diminuído por maus hábitos, doença e envelhecimento. O patrimônio líquido também é aumentado por doações recebidas e diminuído por doações dadas, como impostos. Estas podem, é claro, envolver todo tipo de reciprocidade; há uma área cinzenta entre doações e intercâmbio. O fator· aleatório é importante, o que pode ser chamado ‘loteria da vida’ - boa e má sorte. É frequentemente difícil distinguir boa sorte de boa administração.”

Para Boulding, a distribuição geral da renda e da riqueza nos EUA tende a ser surpreendentemente estável ao longo do tempo. Nos EUA, mudou pouco desde 1949, quando os dados passaram a ser disponíveis. Ele observa que “uma das principais forças atrás do comunismo e do socialismo é o sentimento, por vezes por parte dos que estão bem, de que a distribuição da riqueza e da renda é demais desigual”. Mas acredita que o comunismo desapontou muito, do ponto de vista de criar igualdade. Que produziu uma distribuição um pouco mais igual da renda em alguns países, mas à custa de enormes desigualdades de poder. “Uma economia centralmente planejada envolve uma alta concentração de poder nas mãos dos planejadores e da burocracia. Nas sociedades capitalistas, ao menos nas bem-sucedidas, o poder econômico e político está bastante bem distribuído, embora haja algumas corporações com considerável concentração de poder, que é maior do que a dos países comunistas menores. De qualquer maneira, um ativo mercado é um efetivo limitador de poder e tem ao menos alguns dos aspectos equivalentes ao de uma democracia política.”

Boulding considera que “apesar do ‘New Deal’ e da ‘guerra contra a pobreza’, nos EUA nós diminuímos a pobreza, mais tornando todos mais ricos e aumentando a renda média, do que o fizemos por redistribuição. Cortamos pela metade o montante do que podemos chamar de ‘pobreza moderada’ entre 1950 e a metade dos anos 70, embora ela tenha crescido um pouco desde então. Reduzimos o que podemos chamar de ‘pobreza severa’ de quase 75%. Esta, outra vez, tem aumentado ligeiramente. Isto pode ter sido em parte por redistribuições, mas o maior impacto é o do aumento geral na renda e na riqueza. Se todos ficam duas vezes mais ricos, então diminuímos pela metade o montante da pobreza”.

Outro fator que Boulding considera importante na análise da distribuição “é o impacto da composição geral da produção de uma economia, e as quantidades desse tipo de capital que são disponíveis. No todo, a tecnologia dos últimos 100 anos, aproximadamente, agiu como um grande catalisador nas sociedades que a seguiram com sucesso. Automóveis são um exemplo. Na China, que tem uma forte ideologia igualitária, há um automóvel para cada 50000 ou 100000 chineses. Não é surpreendente que são distribuídos de maneira muito desigual. É impossível se ter 1/50000 de automóvel. Nos EUA, há aproximadamente 1 automóvel para cada 2 ou 3 pessoas; eles são amplamente distribuídos e a possessão de automóvel vai bem abaixo da linha de pobreza. Isto, incidentalmente, intensificou a pobreza extrema, pois levou a um virtual colapso do sistema público de transporte fora das grandes áreas metropolitanas, de maneira que os muito pobres estão sem automóveis e sem transporte público, o que os coloca em pior situação do que há 50 anos, quando o transporte público era prontamente disponível e razoavelmente barato. Nos EUA é raro encontrar mesmo um bilionário com mais do que 5 ou 10 automóveis, assim eles têm que ser amplamente distribuídos, especialmente pelo mercado de segunda mão. Quando se considera a habitação e o vestuário, as desigualdades podem ser maiores. A distribuição desigual da terra e da propriedade, desde o tempo das conquistas normandas, junto com o crescimento da população e dos aluguéis, permitiu à aristocracia inglesa morar em residências imponentes muito superiores aos humildes casebres rurais e à miséria das favelas nas cidades. Melhorias técnicas na produção de bens consumidos pela população mais pobre pode levar a uma mais rápida diminuição da pobreza do que qualquer programa de intervenção governamental ou subsídio”.

Boulding tece também considerações sobre o poder monopolístico como redistribuidor de renda. Observa que, tal como no caso da OPEP, ele é muito frágil. Encoraja a produção fora do monopólio e o desenvolvimento de substitutos para a mercadoria monopolizada. O monopólio também tende a produzir um declínio no avanço tecnológico, ainda que um certo grau de monopólio, por diminuir incertezas, pode promover investimento e mudança tecnológica. Exemplo é a agricultura americana após a imposição de preços de apoio nos anos 30.

Kenneth Boulding chama a atenção para a divisão do lucro bruto entre lucro líquido e juros. Mais uma vez observa o ocorrido na Grande Depressão. Em 1932 e 1933, quando a taxa de desemprego era 25%, a proporção da renda nacional destinada ao trabalho aumentou muito, de aproximadamente 59% em 1929 para 72% em 1932 e 1933. Embora o produto total tenha diminuído muito, o declínio foi mais em bens de investimento do que em bens salário. Muitos dos empregados estavam provavelmente melhor em 1932 e 1933 do que em 1929, mas os desempregados muito pior, de maneira que a distribuição da renda dentro da classe trabalhadora havia se tornado muito mais desigual.

A macrodistribuição, segundo Boulding, pode nos dar uma chave de por que o desemprego chegou a 25% nos anos da Depressão. “Em 1932 e 1933 os lucros foram tão negativos, como resultado do colapso virtual do investimento interno privado bruto, que não houve adições ao patrimônio agregado líquido das empresas daquela fonte. Também houve uma queda nas compras domésticas. Os juros, entretanto, como proporção da renda nacional, quase dobraram de 1929 a 1933. Qual o impacto sobre o mercado de trabalho? Quando um empresário emprega alguém ele sacrifica o juro que poderia ganhar com o dinheiro despendido com o salário na esperança de lucrar com o produto do trabalho. Em 1932 e 1933 qualquer pessoa que empregasse outra era um filantropista ou um tolo, ou talvez o fizesse por força de hábito. Era provável que perdesse. Num período de deflação como esse, estoques de dinheiro rendem uma taxa real positiva de juros. A maneira de ficar rico é vender tudo o que se tem e transformar tudo em dinheiro ou emprestá-lo a juros até que a deflação termine. Claro que se todos tivessem feito isso teria ocorrido uma queda ainda mais catastrófica nos preços. O lucro é o prêmio do capitalista empreendedor e produtivo. O juro é o prêmio do preguiçoso que nada faz senão correr o risco da falência do devedor, o que na realidade é surpreendentemente raro.”

Algo estranho e semelhante ocorre hoje, embora não causando as mesmas dificuldades dos anos 30. “Os juros líquidos cresceram de 1% da renda nacional em 1950 para algo em torno de 8% hoje. É um fardo muito severo sobre a economia. Parte disso é uma mudança na estrutura financeira para mais bônus e menos ações. Parte disso também é refletida nas altas taxas reais de juros, especialmente na última parte dos anos 70 e início dos 80, que teve muito a ver com a produção de severa recessão em 1981.” Boulding pondera que “os radicais hoje atacam mais o lucro do que o juro, enquanto nas culturas medievais, tanto na Europa quanto no Islão, o juro era visto como um vilão para ser regulamentado ou mesmo proibido. O mundo ocidental talvez tenha algo a aprender do sistema bancário islâmico, em que o juro tem que ser disfarçado na forma de uma quase-sociedade de maneira que o receptor do juro tem ao menos um tipo de responsabilidade pelo sucesso do empreendimento”.

Anthony Asimakopolus, da Universidade McGill, Canadá, desenvolveu um modelo baseado em Kalecki para explicar a significativa mudança na composição do lucro total na economia americana durante a administração Reagan.

A identidade poupança = investimento é utilizada para trazer luz sobre os determinantes do lucro retido bruto. A poupança privada bruta na economia é a soma do lucro bruto retido (P’) e da poupança pessoal (PS). Esta soma precisa ser igual, a cada momento, à soma do investimento bruto privado (1), do investimento líquido externo (IS), e do déficit governamental (GD):

P ' + P S = I + G D + I S

Subtraindo a poupança pessoal de ambos os lados, obtemos a equação para o lucro bruto retido:

P ' = I + G D + I S - P S

A principal direção de causalidade é da direita para a esquerda. Comparando em dois intervalos de tempo, de 1970 a 1980 e de 1980 a 1987 (os anos Reagan), os valores médios por trimestre, observamos que o valor do lucro bruto retido aumentou 131 %, tendo o valor monetário do investimento bruto aproximadamente dobrado (107%), enquanto o déficit governamental aumentou em média seis vezes (621,3%). Também houve uma drástica mudança no saldo internacional, pois transformou-se de um pequeno valor positivo a um valor negativo muito maior. O aumento no valor médio da poupança pessoal (55,7%) foi ainda menor do que no investimento. Como esse item tem um efeito negativo sobre os lucros, seu declínio relativo tendeu a empurrar para cima o lucro bruto retido.

Uma equação para o lucro bruto total (P”) pode ser derivada da equação anterior (que define P’), adicionando dividendos e juros líquidos a ambos os lados:

P " = P ' + D + I N = I + G D + I S - P S - D - I N

Os anos Reagan mostraram significativa mudança na composição do lucro bruto. Houve substancial crescimento do pagamento de juro (232,5%), refletindo aumento forte das taxas de juros e, talvez, o uso de maior endividamento como forma de financiar o investimento. Este pagamento de juro cresceu quase duas vezes mais que o aumento nos dividendos (126,4%), tendo o lucro não distribuído (U) crescido apenas a metade (60,5%). O pagamento de juros correspondeu a apenas pouco mais da metade do lucro líquido (NP = U + D + IN) no primeiro intervalo (1970-1980), mas cresceu para 2/3 no segundo (1980-1987). Esse crescimento proporcional foi à custa tanto dos dividendos quando do lucro não distribuído, mas o declínio do último, de cerca de 25% do lucro líquido para 15%, foi especialmente marcante. Este aumento acentuado do pagamento de juro - em larga parte consequência da política monetária e fiscal - também afetou a distribuição da renda nacional. A remuneração dos empregados (W) aumentou de 116,8%, de maneira que a relação juros/salários aumentou de 0,087 para 0,134 (de 8,7% para 13,4%). Outra indicação desta mesma mudança é o crescimento de 25% na relação lucro líquido sobre a remuneração dos empregados (NP/W) de 0,16 para 0,20.

Basil F. Moore, da Universidade Wesleyan, EUA, apresentou um trabalho sobre os efeitos da política monetária sobre a distribuição da renda.

Moore sumarizou os pontos de vista clássico, neoclássico e marxista relativos à teoria da distribuição, segundo os quais uma mudança na taxa de juros cria principalmente uma redistribuição da renda da propriedade entre capitalistas, rentistas e recebedores de dividendos e lucros. Uma vez que, segundo aquelas escolas, a renda do trabalho e da propriedade é determinada pela produtividade do trabalho e do capital ou pelo grau de exploração, a distribuição funcional da renda não é afetada diretamente por mudanças nas taxas de juros. É claro que poderia haver efeitos indiretos, por exemplo, taxas de juros mais altas poderiam levar a restrições nos investimentos, uma redução na procura agregada e, assim, uma queda na produção, emprego, salários e lucros.

Do ponto de vista da teoria da distribuição pós-Keynesiana, ressalta Basil Moore, o efeito redistribuidor de mudanças nas taxas de juros centraliza-se diretamente na resposta do mark-up às taxas de juros.

Moore chama a atenção para a dificuldade de se analisar a interrelação das decisões governamentais. “Quando a administração Reagan assumiu, em 1980, simultaneamente cortou gastos sociais, cujos efeitos foram, sobretudo, sobre os pobres, cortou impostos, que tiveram um forte efeito repressivo sobre a renda disponível livre de impostos, e aumentou a taxa de juros, política que causou a valorização do dólar e induziu uma onda de importações, que acabou por terminar com os aumentos de dois dígitos nos salários. A participação na renda monetária das famílias 1/5 mais pobres caiu durante os anos 80, a participação do 1/5 superior aumentou, e as taxas de juros aumentaram. A identificação feita pela administração Reagan do ‘crescimento do governo federal’ como a fonte principal do declínio da taxa de crescimento dos EUA desde os anos 70 é agora cada vez mais reconhecida como ‘um cavalo de Tróia’ para uma política menos igualitária de redistribuição da renda. De qualquer maneira é extremamente difícil isolar os efeitos redistributivos das taxas de juros usando a história como laboratório quando tantas variáveis estão mudando.”

O comportamento da distribuição funcional da renda nos EUA no período pós-guerra está na tabela abaixo.

Tabela
Participação % na renda pessoal total, 1948-1987, eua

As duas mudanças mais significativas são crescimento de 10 pontos percentuais na participação dos juros, de 4 para 14%, e a queda de 10 pontos na participação da renda dos proprietários, de 19 para 9%. Durante todo o período a participação dos salários, dividendos e aluguéis caiu um pouco, de 1 a 2,5%. Houve variabilidade no período. De 1948 a 1970, a participação da renda dos proprietários caiu 8,5%, acompanhada por um aumento da participação dos salários (4,7%) e dos juros (3,9%). Como a renda dos proprietários é uma combinação de renda do trabalho e da propriedade, pode-se presumir que o aumento das parcelas do trabalho e dos juros representou principalmente uma transferência da renda vinda dos proprietários. Já no período 1970 a 1987 a participação dos proprietários caiu somente 1,5%, enquanto a participação dos juros continuou a crescer de 5,7% e a dos salários declinou de 6,1%.

Basil Moore analisa o comportamento dos custos unitários com o trabalho e o deflator implícito de preços para o setor não agrícola. De 1947 a 1987 ambos tiveram comportamento semelhante. “Tanto o mark-up quanto seu inverso, a participação do trabalho no setor não-agrícola são bastante estáveis. O mark-up caiu ligeiramente desde 1965, de maneira que a participação do trabalho aumentou ligeiramente. Assim, a queda na participação dos salários na renda pessoal total não é refletida por uma queda na participação do trabalho no setor não-agrícola. Não há, assim, evidência de que as empresas no setor de preços fixos aumentaram suas margens médias em resposta ao forte aumento nas taxas de juros e no custo do débito nos anos 80. O aumento da participação dos juros na renda pessoal a custo dos salários desde 1970 deve-se, pois, a um aumento do pagamento de juros pelo governo e pelos setores empresarial e domiciliar.”

O aumento dos juros como proporção da renda pessoal é devido tanto ao aumento do nível médio das taxas nominais de juros quanto ao aumento na relação débito/renda. As taxas de juros aumentaram cinco vezes no período desde 1948. As taxas a curto prazo eram em média em torno de 2% nos anos 50, 4% nos anos 60, 6% nos anos 70, e 9% nos anos 80. Desde 1975 as relações débito/renda aumentaram substancialmente em todos os setores: A razão dívida total/PIB era 1,5% em 1960, 1,6% em 1980 e 2,2% em 1987.

Basil Moore ainda traz revelações interessantes relativas à distribuição pessoal da renda e da riqueza nos EUA. Ele faz uma comparação entre o levantamento de 1963 e o de 1983 (Survey of Consumer Finances), em especial sobre a situação das famílias no extrato 10% superior, com renda acima de 50.000 dólares anuais em 1983. “Neste ano, enquanto as famílias 10% mais ricas tinham 30% da renda, elas possuíam 63,5% dos ativos residenciais, 68% do patrimônio líquido, 90% das ações, 95% dos bônus e trustes, 9 % do patrimônio empresarial, 50% dos ativos líquidos de renda fixa e apenas 32,7% do total da dívida das famílias. O grau de desigualdade de renda e de riqueza aumentou desde 1963, e a participação na dívida total das famílias no extrato superior diminuiu. A extensão da concentração da renda e da riqueza é mostrada pelo fato de que as famílias 1% no topo possuem mais de 30% da riqueza, e recebem mais de 10% da renda. Os 1/2% no topo de todas as famílias, enquanto recebem 6,5% do total da renda, possuem cerca de 25% do total da riqueza, e são responsáveis por cerca de 10% do débito total. De qualquer maneira, 70% da riqueza total dos 10% mais ricos está na forma de ações de corporações e de propriedade de empresas, comparada a apenas 20% para os 90% mais pobres. Esses ativos são apenas indiretamente influenciados por variações nas taxas de juros e não geram renda diretamente na forma de juros.”

Basil Moore concluiu que “a mudança na distribuição da renda dos salários para os juros desde 1970 não se deu por um aumento nos mark-ups médios no setor de preços fixos. Tanto o mark-up quanto a participação do trabalho permaneceram marcadamente constantes. O aumento nos juros se deu. mais pelo aumento na taxa de juros e na relação débito-renda em todos os setores da economia”.

Com respeito à distribuição pessoal da renda, Moore nota como houve um aumento da participação na propriedade dos extratos superiores de renda e riqueza. Estes setores são substancialmente credores líquidos, portanto ganham na sua conta de renda quando as taxas de juros aumentam. Ainda assim, como a maior parte do patrimônio dos extratos superiores está na forma de ações e propriedade de empresas, o aumento na taxa de juros não exerceu papel dominante no crescimento observado da desigualdade de riqueza e renda.

A tabela abaixo, montada a partir dos dados apresentados por Basil Moore, indica como evoluiu a participação na renda e na riqueza nos EUA do extrato 10% superior, de 1963 a 1983.

Brian Nolan, do Instituto de Pesquisa Econômica e Social de Dublin, Irlanda, apresentou resultado de pesquisa sobre como as condições macroeconômicas afetaram as condições de distribuição de renda na Grã-Bretanha. Para este país há dados sobre a distribuição pessoal da renda para os anos 1949, 1954, 1959, para os anos 1962 a 1967 e, desde então, para os anos financeiros 1968/69 até 1984/85.

A principal mudança na distribuição da renda na Grã-Bretanha de 1949 a 1978/79 foi a constante e substancial diminuição na participação do 1% superior, dentre os grupos de renda. De 11,2% em 1949, passou a deter 9,3% em 1954, 8,4% em 1959, 8,1% em 1961, 7,l % em 1968/69 e 5,3% em 1978/79. Na base da distribuição não houve uma tendência forte. De 1949 a 1978/79 a participação dos 50% de menor renda oscilou entre 22,5 e 24,5% do total da renda. A queda na participação do 1% no topo teve como contrapartida um aumento na proporção obtida pelos grupos que estavam entre os decentis 10-50, isto é, aqueles na metade superior, mas não entre os 10% de maior renda, na distribuição. A participação dos 10% mais ricos evoluiu de 33,2% em 1949 para 30,1% em 1954, 29,4% em 1959, 27,1% em 1968/69 e 26,1% em 1978/79.


Riqueza e renda das familias 10% mais ricas nos EUA 1963 e 1983

Desde o final dos anos 70, coincidindo com o período da administração Margareth Thatcher, a distribuição da renda na Grã-Bretanha vem sofrendo algumas modificações dramáticas. A participação dos grupos de renda mais ricos tem crescido de maneira sem precedentes. Isto aconteceu, em grande parte, às expensas, não dos grupos de renda inferiores, mas dos grupos intermediários na distribuição.

Os 1% de maior renda, que tinham 5,3% em 1978/79 aumentaram a sua participação para 6% em 1981/82 e 6,1% em 1984/85. Os 10% de maior renda, incluindo, portanto, o 1% no topo, passaram de 26,1% em 1978/79 para 28,3% em 1981/82 e 29,5% em 1984/85. Já os 50% mais pobres, que em 1981/82 detinham 23,5% da renda, passaram a 22,7% em 1983/84 e 22,2% em 1984/85. A renda média na Grã-Bretanha, em libras, passou de 4.110 em 1978/79 para 6.060 em 1981/82 e 7.520 em 1984/85. Já a mediana, que era 3.370 em 1978/79, passou a 4.720 em 1981/82 e 5.480 em 1984/85. A taxa de concentração de renda, medida pelo coeficiente Gini, que havia baixado de 0,411 em 1949 para 0,374 em 1968/69 e 0,375 em 1978/79, voltou a crescer passando a 0,40 em 1981/82 e a 0,41 em 1984/85.

Desde o final dos anos setenta, segundo Brian Nolan, os fatores macroeconômicos marcantes que afetaram a distribuição da renda foram o crescimento acentuado do desemprego e o crescimento, em termos de participação na renda, do investimento e dos rendimentos do trabalho autônomo. Em contrapartida, houve decréscimo da participação dos rendimentos do trabalho regular.

A evolução da distribuição da renda na Grã-Bretanha está sumarizada na Tabela abaixo:


Participação na renda por grupos de rendimento na Grã-Bretanha 1949-1985

O simpósio do Tennessee teve a participação importante de economistas italianos que, ao lado de economistas de outras nacionalidades, vêm conduzindo já há sete anos um encontro anual, em agosto, em Trieste, Itália, para justamente desenvolver o pensamento econômico pós-keynesiano e trocar ideias sobre pesquisas efetuadas. Sergio Parrinello, da Universidade de Veneza, apresentou uma “Análise internacional comparativa e os custos de dirigir uma economia”. Neri Salvadore, do Instituto de Estudos Econômicos, de Nápoles, apresentou um trabalho sobre a “Economia keynesiana de crescimento e distribuição”. Alessandro Roncaglia, da Universidade de Roma, fez uma conferência sobre “Os custos salariais e o emprego: o ponto de vista sraffiano”, em que didaticamente sumarizou o pensamento dos pós-keynesianos, expondo a crítica sraffiana à relação inversa entre salários e emprego.

Roncaglia recorda que a crítica direta de Keynes à tradição marginalista, incorporada na “síntese neoclássica”, consiste em relembrar que o desemprego afeta diretamente os salários monetários, que por sua vez afetam os preços monetários, de maneira que os salários reais não se movem necessariamente na mesma direção - e certamente não na mesma magnitude - que os salários monetários. Ademais, “mudanças nos salários monetários (e nas expectativas sobre os seus movimentos futuros) provocam mudanças na demanda efetiva. Este elemento pode dominar qualquer efeito ‘substituição’ operando através de mudanças na relação capital-trabalho, induzidas por mudanças nos preços relativos dos dois ‘fatores de produção’, capital e trabalho. Assim, embora não negando os mecanismos em que a tradição da análise marginalista se baseou para manter uma tendência automática ao pleno emprego em economias competitivas, Keynes propôs uma mudança radical na linha de análise da questão do emprego. Sraffa, ao prover os elementos para uma crítica direta ao principal mecanismo marginalista (a substituição capital trabalho), reforça a sugestão keynesiana de uma nova perspectiva de análise da questão do emprego; ademais, através de sua nova proposta de um enfoque clássico, Sraffa provê uma conexão possível entre o chamado desemprego clássico e o keynesiano “.

Assim, Roncaglia conclui que as mudanças nos custos do trabalho, ou nos salários, têm um impacto dual. “De um lado, aumentos nos salários podem reduzir a lucratividade, e assim o estímulo ao investimento (e a facilidade com que o investimento é financiado pelas firmas a partir de recursos internos, os quais são geralmente preferidos em relação aos externos). Através desta cadeia, aumentos nos salários afetam negativamente a produção e o emprego. Por outro lado, os salários constituem um componente importante da demanda final. Assim, se os salários não crescerem pari passu com o progresso técnico, o crescimento insuficiente na demanda final pode dar lugar ao desemprego tecnológico. O relacionamento entre desemprego e salário real, central à teoria tradicional, é assim substituído, não por uma relação funcional diferente entre as duas variáveis, nem por uma indeterminação analítica nihilista, mas por um complexo conjunto de relações expressando os efeitos compensatórios dos salários sobre o emprego, agindo através de diferentes correntes de relações diretas de causa e efeito (ainda poder-se-ia levar em conta outras relações de causa e efeito; por exemplo, os salários influenciam os preços e assim a competitividade com o estrangeiro, as exportações e as importações; isso pode influenciar tanto a atividade interna, o emprego e a taxa de câmbio - com um eedback sobre os preços internos e os salários reais). Portanto, os efeitos líquidos de mudanças nos custos salariais sobre os níveis de emprego dependem das várias ligações de causa e efeito sumarizadas acima, de maneira que o caminho está aberto para o reconhecimento de um papel maior de vários elementos - entre os quais fatores institucionais são proeminentes - o que leva a uma maior flexibilidade nas políticas salarial e de emprego, as quais não podem ser única e diretamente deduzidas a partir da lógica de princípios econômicos básicos.”

Numa palestra em que compeliu os economistas a terem um envolvimento político, “A Teoria da Distribuição com Competição Imperfeita”, Y. S. Brenner, da Universidade de Utrecht, da Holanda, observou que alguns fatores inerentes ao crescimento do capitalismo estão colocando o sistema em dificuldades, apesar de ter atingido uma capacidade tecnológica de prover níveis de vida mais altos e maior segurança social do que jamais antes havia se alcançado. “A ameaça vem de diversas fontes: o poder crescente dos oligopólios em reduzir a concorrência nos preços; o declínio da confiança e a ampliação da corrupção; a concorrência de paradigmas sociais e éticos conflitivos; a subversão da democracia e a despolitização do público.”

Brenner acredita ser importante o desenvolvimento de políticas que venham a empregar mais pessoas de maneira permanente no setor público, revertendo as prioridades do que vem sendo dito por muitos economistas convencionais. “O que se requer agora é algo mais - uma política deliberada voltada para a transformação da sociedade, tornando o pleno emprego produtivo a sua primeira prioridade.” Enquanto a teoria convencional enfatiza o investimento privado como uma chave para o pleno emprego, Brenner propõe que o emprego não é apenas necessário no setor público, mas que também é a chave para o investimento socialmente responsável no setor privado. “A luta para a reabilitação econômica é, portanto, uma luta política com importantes ramificações culturais. Há amplo espaço para emprego no setor público - na reconstrução da infraestrutura negligenciada, em educação, em cuidados com a saúde, com os idosos e enfermos, em habitação, em segurança pública, na proteção do meio-ambiente etc., estando a capacidade tecnológica também presente para produzir os bens necessários para sustentar nossos padrões de vida e melhorá-los com cada vez menor esforço. O que está faltando é a vontade política de corrigir a distribuição do produto nacional - a vontade de reestruturar a distribuição da renda nacional entre o capital, o trabalho e o Estado. A democracia pode retificar isso.” Conclui Brenner que os economistas “precisam reconhecer que a distribuição está na raiz das nossas dificuldades presentes”.

Krishna Bharadwaj, da Universidade Jawaharial Nehru, de Nova Déli, Índia, a qual, depois de se formar naquele país morou alguns anos em Cambridge, onde se tornou uma das mais brilhantes seguidoras de Joan Robinson, apresentou volumoso trabalho “Sobre a formação do mercado de trabalho na Ásia rural”, justamente ali onde a agricultura continua ser a principal forma de vida de enorme parcela da população. É uma análise que leva em conta não apenas as explicações para os níveis de emprego (como o grau de utilização da força de trabalho como um dos fatores de produção) e dos salários (como preço de seus serviços), mas também as características e as formas especiais dos processos de contratação do trabalho na Ásia rural; como se transformam durante o processo de acumulação, influenciando-os e, por seu turno, sendo influenciados pelo ritme e pela forma de desenvolvimento.

Na sua conclusão, em termos de políticas, Krishna Bharadwaj recomenda a adoção de inovações institucionais na forma de atividades cooperativas. “O que é necessário possivelmente é um conjunto de atividades num ambiente institucional cooperativo que terá que ser, ao menos de início, implementado pelo setor público com toda a complementação de assistência creditícia, tecnológica e de marketing. Terá que ser introduzido como parte de um planejamento descentralizado que leve em conta as disponibilidades de recursos locais bem como as suas ramificações e potencialidades de comercialização. Somente através de atividades dentro de um plano integrado de desenvolvimento um processo viável de acumulação poderá ser instituído. A limitação mais significativa que tem dificultado os programas de emprego rural parece ter sido encontrar uma forma viável de cooperação. Através de programas de cooperativização é que as limitações colocadas por uma complexa rede de relacionamentos de produção e intercâmbio poderão ser superadas.”

Outras contribuições importantes foram feitas pelos economistas Hyman Minsky, Irma Adelman (que coordenaram seminários, sem apresentar trabalhos), Jan Kregel, Donald Harris, Lori Tarshis, Andrea Szego, lngrid Rima, Peter Reynolds e outros. Participaram ainda dos debates os economistas brasileiros Joaquim P. de Andrade (Universidade de Brasília), Antonio Kandir (Cebrap) e Carlos Lopes (Universidade Federal do Ceará).

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    JEL Classification: D31.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Jan 2024
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 1989
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