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Os leilões de cruzeiros e a taxa de deságio dos cruzados novos

‘Cruzeiros’ auctions and discount rate for ‘new cruzeiros’

RESUMO

Este artigo é uma tentativa de calcular qual deve ser o desconto de NCZ$ se o Banco Central do Brasil fizer leilões para convertê-los em Cr$. Usando algumas fórmulas simples da matemática financeira, é mostrado que o desconto é uma função direta da taxa de juros esperada do mercado e uma inversão de prazo até a conversão de NCZ $ em Cr$. Com base nisso, é feita uma matriz de resultados, que pode ser útil para isolar o desconto devido exclusivamente à desconfiança de todo o desconto. A conclusão mais notável é que o desconto pode ser alto mesmo em um contexto de total confiança, apenas porque a taxa de juros esperada do mercado também é alta.

PALAVRAS-CHAVE:
Política monetária; estabilização; Plano Collor

ABSTRACT

This paper is an attempt to calculate which should be the discount of NCZ$ if the Brazilian Central Bank did auctions to convert them into Cr$. Using some simple formulae of financial mathematics, it is shown that discount is a direct function of expected market rate of interest and an inverted one of term up to the conversion from NCZ$ into Cr$. Based on it, a matrix of results is made, which could be useful to isolate the discount due exclusively to distrust from the whole discount. The most outstanding conclusion is that discount could be high even within a context of full confidence, just because the expected market rate of interest is high too.

KEYWORDS:
Monetary policy; stabilization; Collor Plan

Nos primeiros dias depois da deflagração do chamado Plano Collor, os leilões de cruzeiros, a serem oportunamente feitos pelo Banco Central, foram considerados pelo governo e por muitos analistas como um dos principais instrumentos de política monetária que a autoridade monetária poderia utilizar a partir de então. Posteriormente, o temor à verificação de um deságio alto, na conversão NCZ$/Cr$, levou as autoridades a adiarem sine die tais leilões, até que esse temor desaparecesse.

Um elevado nível de deságio, contudo, pode não estar associado apenas a uma suposta falta de confiança dos agentes quanto à devolução integral dos seus recursos e sim refletir, pelo menos parcialmente, o impacto das taxas de juros de mercado, que representam o custo de oportunidade do eventual não comparecimento aos leilões por parte desses agentes.

O objetivo deste artigo é fazer um exercício de matemática financeira para mostrar qual seria o nível de deságio que equilibraria o montante de NCZ$ convertidos com desconto em Cr$, ao valor atual do fluxo de rendimentos futuros esperados, para diferentes datas de conversão e de taxas de juros esperadas de mercado.

No exercício, são assumidas as seguintes hipóteses:

  1. Os agentes, a cada mês, enfrentam duas alternativas: a) converter os recursos bloqueados em NCZ$ para Cr$, com deságio, aplicando os recursos então disponíveis no mercado financeiro, ou b) deixar os recursos no Banco Central, a uma taxa de juros real anual de 6,17% - 6,00% pro rata ou 0,50% ao mês.

  2. Os citados NCZ$ bloqueados permanecem - na ausência de conversão antecipada - sob custódia no Banco Central, até setembro de 1991, sendo devolvidos em Cr$, a partir dessa data, na proporção de 1/12 a cada mês, acrescidos da remuneração correspondente, num processo que conclui vinte e nove meses depois do início do bloqueio iniciado em março de 1990.

  3. A esperada taxa de juros real anual de mercado (r) é homogênea ao longo do tempo e corresponde a uma taxa mensal de i.

  4. Há confiança integral na devolução ao par dos recursos bloqueados no Banco Central, a partir de setembro de 1991.

  5. Não é considerada a remuneração alternativa que poderia ser obtida mediante aplicação em ativos de risco - ações, divisas etc.

Nessas circunstâncias, se i>0,50%, vale a pena para o vendedor de NCZ$ aceitar alguma perda, considerando que dessa forma ele se credencia a obter uma remuneração maior do que a que receberia pelos recursos bloqueados, compensando então o prejuízo do desconto inicial em relação ao valor de face dos NCZ$.

Para calcular o limite máximo do deságio aceitável, é preciso saber o valor da taxa de juros esperada de mercado. As hipóteses adotadas quanto a esta variável figuram na Tabela 1.

Tabela 1
Taxa de juros esperada real mensal (i), para diferentes hipóteses de taxa de juros esperada real anual (r) Em (%)

A partir de então, define-se o deságio (d) como a diferença percentual entre o valor de face dos recursos convertidos e a relação k entre o valor efetivamente disponível após o leilão e o referido valor de face, conforme:

d = 1 - k (1)

Dadas as hipóteses assumidas, o valor de k é obtido descontando à taxa de juros esperadas de mercado o valor dos NCZ$ a serem convertidos, de acordo com o cronograma exposto nas hipóteses:

k = 1 , 005 18 - j 1 + i 29 - j 1 12 1 + i 11 + 1 , 005 . 1 + i 10 + . . . + 1 , 005 10 . 1 + i + 1 , 005 11 ; Θ < j < 18 (2)

onde j é o número de meses transcorridos entre o momento do bloqueio dos recursos em NCZ$ - março de 1990 - e o mês da conversão de NCZ$ em Cr$. Em outras palavras, a fórmula se aplica ao período março 1990/setembro 1991, quando o governo converteria a primeira parcela dos recursos.

Reescrevendo a equação anterior, esta pode ser exposta mais simplesmente como:

k = 1 , 005 18 - j 1 + i 29 - j · 1 12 · n = 1 12 1 + i 12 - n · 1 , 005 n - 1 ; Θ < j < 18 (2a)

O somatório incluído nesta equação nada mais é do que a soma dos termos de uma progressão geométrica (SPG), cuja fórmula, genericamente, é dada por:

S P G = n = 1 12 1 + i 12 - n · 1 , 005 n - 1 = a 1 · 1 - q m 1 - q (3)

onde a1 é o primeiro elemento, m é o número de elementos da PG e q é a razão. Neste caso, os valores respectivos são:

a 1 = 1 + i 11 (4)

q = 1 , 005 / 1 + i (5)

Substituindo (4) e (5) em (3), considerando m = 12 e novamente substituindo (3) em (2a), conclui-se que a fórmula de k entre março de 1990 e setembro de 1991 é:

k = 1 , 005 1 + i 18 - j · 1 12 · 1 - 1 , 0617 / 1 + r 1 - 1 , 005 / 1 + i ; Θ < j < 18 (6)

Como é óbvio, o valor maior de k será tanto maior (menor) e o deságio tanto menor (maior) quanto menor (maior) for a taxa de juros e maior (menor) for o valor de j, ou seja, do período transcorrido até a conversão. Tais princípios se mantêm para o cálculo do valor de k a partir de setembro de 1991. Este cálculo, porém, não será feito, pois implicaria pequenas modificações na fórmula, que não interessa fazer, já que dificilmente os leilões iriam se manter, uma vez iniciado o processo de desbloqueio de NCZ$ a partir daquela data.

Os valores de d ao longo de todo o período e que se derivam da aplicação de (i), figuram na Tabela 2. Conforme pode ser visto, taxas de juros reais elevadas geram deságios também altos.

Tabela 2
Taxa de deságio dos NCZ $, na ausância de desconfiança, ao longo do tempo, considerando diferentes taxas de juros reais anuais (%)

Por último, cabe esclarecer que o trabalho não pretendeu definir qualquer tipo de recomendação a respeito dos moldes que deveriam ser assumidos pela política monetária, mas apenas subsidiar os eventuais interessados, gerando resultados numéricos que permitam distinguir, entre as causas do deságio, o efeito credibilidade do efeito taxa de juros.

  • 2
    JEL Classification: E31; E51.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 1991
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