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Robótica na Coréia do Sul

Robotics in South Korea

RESUMO

Após algumas considerações sobre os aspectos históricos da Coreia do Sul, esta nota trata da introdução e da importância da robótica para o grande desenvolvimento que o país enfrentou nas últimas décadas.

PALAVRAS-CHAVE:
Robótica; desenvolvimento econômico

ABSTRACT

After some considerations on the historical aspects of South Korea, this note deals with the introduction and the importance of robotics for the great development that the country faced though the last decades.

KEYWORDS:
Robotics; economic development

I. INTRODUÇÃO

Provavelmente o tigre asiático - como o gigantesco felino que assustou e provocou o rompimento no equilíbrio do universo mítico de Dersu Uzala no filme do mestre do cinema Akira Kurosawa - esteja em extinção ou com um espectro de espaço vital de sobrevivência bastante reduzido, como os povos indígenas dessa Latina América de abertas veias, empobrecendo drasticamente a qualidade de nossa existência no planeta como um eventual e não improvável desaparecimento. Mas foi apropriado como arquétipo e os tigres asiáticos - particularmente Coréia do Sul, Taiwan, Hong Kong e Cingapura - trazem a euforia de “milagre” desenvolvimentista. Aliás, essa história de milagre em países da esfera de um pragmático confucionismo fica fora de sintonia.

Além da imagem de estudantes aguerridos e soldados em chamas, dos sinais de que as Coreias estão em vias de seguir o mesmo caminho dos ex-Iêmen do Norte e ex-Iêmen do Sul, hoje simplesmente Iêmen, da unificada Alemanha e, inacreditável há três ou quatro anos atrás, diferente do doloroso processo de unificação do Vietnã, sustado na Coréia nos anos 50, surge o Made in Korea nos produtos de bens de consumo que incorporam alta tecnologia. Ao que tudo indica, em breve poderemos observar no alto dos edifícios da Avenida Paulista ou do Vale do Anhangabaú, em São Paulo, além dos já existentes acrônimos de empresas japonesas, os da Samsung, Goldstar, Hyundai, as grandes corporações coreanas.

Os anos 70 marcaram três, digamos, milagres econômicos: Brasil, Irã e Coréia do Sul. Sobre o Brasil, basta olhar ao redor. E a leitura de qualquer dado estatístico (IBGE, FAO, UNICEF, Banco Mundial etc.) evidencia que continua em plena expansão uma “máquina” de gerar “vidas-secas”, como acusou Graciliano Ramos ou constatou o Dr. Josué de Castro, nos anos 60, os “homens-caranguejo”, que ainda em 1990 insistem em assolar o campo e a cidade.

No Irã, o projeto ocidentalizante - com a alienação do povo iraniano e o acoplamento das elites como apêndice do Ocidente - foi devorado, em 1979, pela revolução integrista islâmica liderada por Khomeini. Projeto bastante diferente ao do Japão, cuja elite sempre teve bem claro o apreço de sua autonomia e mesmo diante da derrota militar na Segunda Guerra Mundial procurou e, ao que tudo indica, conseguiu seu espaço de soberania possível.

O terceiro, a Coréia do Sul.

Importante destacar que a vitória militar do Japão contra a Rússia czarista em 1905 e a revolução bolchevique de 1917 trouxeram como resultado o fim da hegemonia branco-ocidental sobre os povos do planeta. Do auge do vitoriano século XIX, do “proibido para cães e chineses” imposto ao povo de Sun Yat Sen pelos ocidentais, ao confronto bélico da Segunda Guerra Mundial com os japoneses e a definitiva vitória de Mao Tse Tung em 1949, evidencia-se um deslocamento do eixo dinâmico da histórica para o Oceano Pacífico (pacífico?) com os asiáticos Japão, China e URSS e o representante branco-cristão-ocidental, EUA. Os tigres asiáticos parecem vinculados a essa tendência.

Interessante verificar o que diz Ishihara (Suzuki, 1990SUZUKI, Martins. (1990) O Japão Diz Não: O que Akio Morita da Sony e Shintano Ishihara Têm a Dizer dos EUA, 1990.), co-autor, com Akio Morita, de “Japão: Um País que Diz Não”:

“(...) Estou persuadido de que as fricções comerciais têm raízes no racismo americano. Este último repousa na convicção cultural de que a era moderna foi criada pela raça branca (...) É importante que (os americanos) tomem consciência do contexto histórico, que diz que o centro do poder mundial está se transferindo do Ocidente para o Oriente. (...) Com o final do século, assiste-se ao fim da era moderna, dominada pelos ocidentais brancos. A história conhece uma nova gênese. O pilar da era moderna é o Japão, muito mais que os Estados Unidos (...)”.

Quanto aos tigres, resta identificar se não são de papel.

Os atuais acontecimentos advindos do conflito no Oriente Médio são significativos. O papel da OPEP e o processo de modernização excluindo das benesses as populações (Nigéria, Venezuela, países árabes) que não são estruturalmente integradas, mas maquiadas, traz sinais inequívocos de que se construiu uma fortaleza em solo arenoso. Nos meios de comunicação, ainda aparece muito turbante e quase nada dos interesses e perspectivas das grandes corporações do petróleo.

Em suma, fica em aberto se os Tigres Asiáticos não constituem uma nova OPEP, cujo rugir pode tornar-se um miado como o do leão inglês, e se destaquem apenas como plataformas de exportação no processo de internacionalização da economia.

É curiosa a situação dos felinos. Enquanto o tigre é natural da Ásia (extrapolando a especificidade dos países mencionados), o leão inglês foi importado das colônias e fora de seu hábitat perdeu suas características naturais. A águia terá de aguçar suas garras. Empresário ou grupo japonês ameaçam adquirir o leão da Metro Goldwin-Mayer. Por ironia, o atual conflito no Oriente Médio corre ao largo das águas do Rio Tigre!

II. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A PENÍNSULA COREANA

Artigos que se propõem a discutir o Japão como miraculosa Fênix que emergiu das cinzas, inclusive radiativas, da Segunda Guerra Mundial e miraculosamente desponta como símbolo e exemplo de progresso econômico - principalmente de autores que pesquisam a gênese dos CCQs (Círculos de Controle de Qualidade) ou buscam apreender características da Administração Japonesa, do JIT (just-in-time) etc. - limitam-se, a nosso ver, à parte visível do iceberg. Da mesma forma, as discussões sobre o tipo coreano e seu papel nos dias atuais carecem de um aprofundamento necessário.

A península coreana, o Japão e fundamentalmente a China, dentro de um contexto asiático de milenar inter-relacionamento são de relevância fundamental. Parece-nos bastante evidente que nem os EUA nem as sequelas da derrota militar e da ocupação constituem para o Japão questão crucial.

A península coreana, ao longo de séculos, tem sido a interface de atração e repulsão entre esses povos. Julgo fundamental a leitura da obra de Sun Yat Sen (Três Princípios do Povo, Editorial Calvino, 1944).

A presença americana (ou seja, branca-cristã-ocidental), mesmo a intervenção que acabou criando “duas Coréias”, parece-me ser vista com bastante relativismo. A história dos povos da Ásia flui há milênios, a revolução capitalista no Ocidente gerou um planeta no século XIX sob a égide vitoriana, mas a revolução liderada por Sun Yat Sen a Mao Tse Tung, a dinâmica da história do Japão e a revolução bolchevique de 1917 redirecionaram completamente o “vetor’’ da história.

Para a apreensão do atual contexto coreano, em português, sugere-se ao leitor o artigo de Sbragia (1985SBRAGIA, Roberto. (1985) “Desenvolvimento Tecnológico e Incentivos para P&D: A Experiência da Coréia”, Revista de Administração, v. 20(4), out/dez., pp. 25-32.) ou o excelente ensaio de Nogueira (1957NOGUEIRA, Franco. (1957) “A Luta pelo Oriente”, Estudo de Ciências Políticas e Sociais, Ministério do Ultramar, Portugal, 1957.).

III. ROBÓTICA NA CORÉIA DO SUL

Sobre emprego de robôs industriais, escrevemos “Robótica no Japão” e “Robótica Industrial: Dados e Estatística” (Brandão, 1989BRANDÃO, Marco A. L. (1989) “Robótica Industrial: Dados e Estatísticas”, mimeo, Grupo Dinâmica de Sistemas, Departamento de Engenharia Mecânica, EESC-USP, 1989., 1990BRANDÃO, Marco A. L. (1990) “Robótica no Japão”, mimeo, Grupo Dinâmica de Sistemas, Departamento de Engenharia mecânica, EESC-USP.).

Em estudo recente, Torii (1990) registra que, em abril de 1987, 43 empresas coreanas empregavam 978 robôs industriais, com a expectativa de que outras 58 planejavam introduzir cerca de 400 robôs até 1990.

A expectativa do Ministério da Indústria e Comércio da Coréia é que em 1990 estejam sendo consumidos pela indústria 3500 robôs.

Leia-se a tabela 1 (Tani, 1989).

Tabela 1
População de Robôs Industriais em alguns Países.

Alguns fatos que os dados da ISO (que exclui da definição de robôs o manipulador manual e o de sequência fixa) revelam:

  • - Em 1976, o Japão supera os EUA no emprego de robôs industriais.

  • - No final da década de 70 é que ocorre maior difusão do emprego de robôs industriais.

  • - O maior usuário é incontestavelmente o Japão.

A Coréia do Sul iniciou em 1976 a incorporação do robô ao processo produtivo. Inicia-se o fluxo de tecnologia do Japão para a Coréia (Tauile, 1985TAUILE, José R. (1985) “Robótica Industrial: Reflexões sobre um Novo Limiar”, Revista Brasileira de Tecnologia, v. 16(5), set./out., pp. 5-18.).

  • Dainichi Kiko → Taiyo, 1977, venda direta

  • → Mitsuboski, 1981, fornecimento de tecnologia

  • Fanuc → Cooron, 1982, venda direta

A figura 1, adaptada de Ishitani et al (1989ISHITANI, Hisachi & Kaya, Yoichi. (1989) Robotization in Japanese Manufacturing Industries, Technological Forecasting and Social Change, 35, pp. 97-131.) e Torti (1989) permite verificar o histórico de robôs industriais consumidos pelos parques industriais coreano e japonês.

Figura 1
População de robô por tipo (1977-87).

Característica comum é o crescente emprego de robôs play-back e numerical-control e a estabilização no emprego de robôs de sequência fixa. Esses robôs estão sendo consumidos em grande escala pela indústria automobilística e eletroeletrônica.

A tabela 2 (Torii, 1989TORII, Yasuhiko. (1989) “Robotization in Korea: Trend and Implication for Industrial Development”, TFSC, 35, pp. 97-131.) fornece um panorama abrangente dos robôs instalados na Coréia do Sul.

Tabela 2
Instalação de Robô por Indústria (1977-87)

Outra verificação interessante é a procedência basicamente japonesa dos robôs consumidos pela indústria coreana. Em 1987, de 987 unidades, 832 eram importadas, o que evidencia um parque capacitado a criar tecnologia (155 unidades), atendendo cerca de 15% do consumo.

Tabela 3
Robôs Instalados Importados (1977-87)

Segundo ainda Torii (1989TORII, Yasuhiko. (1989) “Robotization in Korea: Trend and Implication for Industrial Development”, TFSC, 35, pp. 97-131.), a expectativa de emprego de robôs industriais no período 1987-90 é a seguinte:

INDÚSTRIA 87 88 89 90 TOTAL Alimentícia 2 - - - 2 Têxtil - - - - - Madeira - - - - - Papel e Celulose - - - - - Química - - - 8 8 Petróleo e Carvão 1 - - - 1 Produtos Borracha - - - - - Prod. Cerâmicos e Não-Metais 2 - - 2 4 Ferro e Aço 1 - - 1 2 Metal Não-Ferroso - - - - - Produtos Metal 1 5 - - 6 Motores - - - - - Construção - - - - - Máq. Metal 14 - - - 14 Maquinaria - - - - - Máq. Elétrica - - 8 - 8 Automobilística 234 2 - - 236 Outros Veículos - - - - - Construção Naval - - - - - Instr. de Precisão 4 9 7 - 20 Resina Sintética - - - - - Outros 13 - 4 3 20 Total 272 16 19 14 322

IV. CONCLUSÃO

Procurou-se neste texto apresentar ao leitor informação introdutória sobre a robótica na Coréia do Sul. Evidentemente, análise mais substancial deveria abranger uma discussão sobre processo de acumulação, relação trabalho x capital, aspectos culturais e idiossincráticos coreanos, o embate neste século entre comunismo e capitalismo, a milenar história e as relações com a China e o Japão etc.

Nossa perspectiva e capacitação é extremamente modesta e embrionária de um longo, árduo e desafiante processo de estudo.

Piragibe (1988PIRAGIBE, Clelia. (1988) “Política para a Indústria Eletrônica nos Novos Países Industrializados: Lições para o Brasil”, Automação, Competitividade, Trabalho: A Experiência Internacional. São Paulo: Editora Hucitec, pp. 221-284.) apresenta um texto bastante interessante sobre a política para a indústria eletrônica em países como o Brasil, a Índia e a Coréia do Sul, que é de consulta obrigatória.

Os novos paradigmas organizacional e tecnológico (revolução microeletrônica) caracterizam este final de século.

A concentração da dinâmica desse processo em meia dúzia de países, que monopolizam 94% da produção mundial (Piragibe, 1988PIRAGIBE, Clelia. (1988) “Política para a Indústria Eletrônica nos Novos Países Industrializados: Lições para o Brasil”, Automação, Competitividade, Trabalho: A Experiência Internacional. São Paulo: Editora Hucitec, pp. 221-284.) em equipamentos eletrônicos, augura uma reformulação e reestruturação fantástica na divisão internacional do trabalho. A nova base técnica que sustenta a revolução da biotecnologia, ciência dos materiais, a robótica etc., repercutirá decisivamente na reestruturação econômica e política do planeta. Nesse contexto, os 6% são partilhados fragmentariamente por países como Brasil, Índia, Coréia do Sul (em fase de take off?), com expectativas terríveis.

Na América Latina nenhuma onça ou condor parece ter ou evidenciar a capacidade (Ah! Brasil!) de ao menos estabelecer um modus-vivendi com a águia, o urso, o tigre, ...

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • BRANDÃO, Marco A. L. (1990) “Robótica no Japão”, mimeo, Grupo Dinâmica de Sistemas, Departamento de Engenharia mecânica, EESC-USP.
  • BRANDÃO, Marco A. L. (1989) “Robótica Industrial: Dados e Estatísticas”, mimeo, Grupo Dinâmica de Sistemas, Departamento de Engenharia Mecânica, EESC-USP, 1989.
  • BRANDÃO, Marco A. L. (1989) “Japão e CCQ: Contribuição para o Debate sobre um Modelo”, mimeo, Grupo Dinâmica de Sistemas, Departamento de Engenharia Mecânica, EESC­USP.
  • ISHITANI, Hisachi & Kaya, Yoichi. (1989) Robotization in Japanese Manufacturing Industries, Technological Forecasting and Social Change, 35, pp. 97-131.
  • LONGO, Carlos, (1989) “As Lições que Vêm da Ásia”, Revista da Indústria, n. 25, pp. 29-33.
  • MARCOVITCH, Jacques. (1989) “O Novo Contexto Mundial, Desafio Tecnológico e a Integração Latino-Americana”, Revista de Administração, São Paulo, 24(2), abril/junho, pp. 5-13.
  • NOGUEIRA, Franco. (1957) “A Luta pelo Oriente”, Estudo de Ciências Políticas e Sociais, Ministério do Ultramar, Portugal, 1957.
  • PIRAGIBE, Clelia. (1988) “Política para a Indústria Eletrônica nos Novos Países Industrializados: Lições para o Brasil”, Automação, Competitividade, Trabalho: A Experiência Internacional São Paulo: Editora Hucitec, pp. 221-284.
  • SBRAGIA, Roberto. (1985) “Desenvolvimento Tecnológico e Incentivos para P&D: A Experiência da Coréia”, Revista de Administração, v. 20(4), out/dez., pp. 25-32.
  • SUZUKI, Martins. (1990) O Japão Diz Não: O que Akio Morita da Sony e Shintano Ishihara Têm a Dizer dos EUA, 1990.
  • TAUILE, José R. (1985) “Robótica Industrial: Reflexões sobre um Novo Limiar”, Revista Brasileira de Tecnologia, v. 16(5), set./out., pp. 5-18.
  • TORII, Yasuhiko. (1989) “Robotization in Korea: Trend and Implication for Industrial Development”, TFSC, 35, pp. 97-131.
  • JEL Classification: L63.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 1992
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