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As novas estratégias tecnológicas das multinacionais do setor das telecomunicações

The new technological strategies of multinationals in the telecommunications sector

RESUMO

O setor de equipamentos de telecomunicações é considerado um setor estratégico de alta tecnologia e precisa de grandes investimentos de longa data em P&D. Nas últimas três décadas, as estratégias tecnológicas das empresas multinacionais que controlam 80% do mercado mundial foram moldadas de acordo com dois padrões. Durante as décadas de 60 e 70, a administração pública de telecomunicações costumava selecionar a base técnica dos principais sistemas de equipamentos, financiar e realizar projetos de P&D em conjunto com empresas locais, para alocá-las às compras públicas. Isso permitiu fortalecer as empresas locais nos mercados nacional e internacional. Desde os anos 80, fusões e acordos tecnológicos geram um processo de concentração. As empresas japonesas e europeias intensificam seus investimentos diretos no mercado dos EUA. A concorrência cresce rapidamente no mercado desregulado de pequenos equipamentos.

PALAVRAS-CHAVE:
Telecomunicações; empresas multinacionais; globalização; política industrial

ABSTRACT

The industry of telecommunications equipment is considered a strategic high-technology sector and needs large long-time investments in R&D. During the last three decades, the technological strategies of multinationals corporations which control 80% of the world market has been shaped according to two patterns. During the 60’s and 70’s, the telecommunications public administration used to select the technical basis of the main equipment systems, to finance and realize R&D projects jointly with local firms, to allocate them the public purchases. This has permitted to strengthen the local firms on the national and international markets. Since the 80’s, fusions, mergers and technological agreements traduce a concentration process. Japanese and European corporations intensify their direct investments in the US market. The competition grows rapidly in the deregulated small equipment market.

KEYWORDS:
Telecommunications; multinational companies; globalization; industrial­policy

1. INTRODUÇÃO

O objeto deste trabalho é estudar as transformações das estratégias tecnológicas utilizadas pelas EMNs - empresas multinacionais do setor dos equipamentos de telecomunicações. Nessas estratégias, encontra-se assegurada a possibilidade dessas empresas de se estabelecer e manter no mercado mundial, seja a partir de investimentos diretos, seja pelas exportações, seja pela cessão contratual de tecnologia. Pretendemos mostrar que essas estratégias podem ser caracterizadas como a necessidade de produzir e valorizar sistemática e permanentemente vantagens tecnológicas que representam elementos essenciais da competitividade dessas EMNs.

2. ESTRATÉGIA TECNOLÓGICA E MULTINACIONALIZAÇÃO

2.1. As vantagens tecnológicas no processo de multinacionalização

Este estudo se apoiará sobre teorias que põem em evidência a importância da tecnologia no processo de formação das empresas multinacionais. Autores como Hymer (1970HYMER, S. (1976) The international operations of the national firms: a study of ‘direct foreign investment . Cambridge, The MIT Press.), Buckley e Casson (1976BUCKLEY, P. & CASSON, M. (1976) The fature of the multinational enterprises. Nova York, Holmes and Meiers.) e Dunning (1981DUNNING, J.H. (1981) International production and the multinational enterprise, Londres, G. Allen & Unwin.) mostram que a expansão das EMNs é o resultado de uma estratégia de produção e valorização das vantagens tecnológicas.

Para Hymer, as EMNs dispõem de vantagens de natureza principalmente tecnológica que lhes permitem se implantar nos mercados externos caracterizados pela concorrência imperfeita. As imperfeições mencionadas pelo autor correspondem fundamentalmente às que foram analisadas por Bain (1956BAIN, J.S. (1956) Barriers new competition. Their character and consequences in manufacturing industries, Cambridge, Harvard University Press.): incertezas nos preços das matérias-primas ou componentes, longa duração do processo de fabricação e comprador único. Quando investem em filiais de produção no exterior, as empresas oligopolistas usam suas vantagens para reduzir as incertezas do mercado. A manutenção do controle sobre as filiais externas não passa necessariamente pela propriedade majoritária do capital, mas é um fator fundamental - que diferencia os investimentos diretos das outras operações internacionais - para a preservação das vantagens e para a eliminação dos potenciais concorrentes.

Para Buckley e Casson, as imperfeições da concorrência dizem respeito principalmente aos mercados de bens intermediários, e em primeiro lugar, à tecnologia. As EMNs que são empresas oligopolistas com importantes investimentos em P&D se tomam produtoras sistemáticas de inovações tecnológicas, expertise e know-how. Para valorizar as vantagens assim produzidas, elas internalizam o mercado da tecnologia, cuja circulação se dá dentro da estrutura da empresa. Dessa maneira, é possível para a empresa reduzir as incertezas do mercado.

Mas como nota Dunning, se a posse de vantagens, por um lado, e a capacidade de internalização, por outro, são condições necessárias para a expansão das EMNs, é preciso levar em conta alguns fatores de localização que orientam os investimentos diretos no exterior. Esses fatores correspondem a características socioeconômicas dos países de implantação, particularmente as condições de investimentos estrangeiros definidas pela legislação local e os níveis diferenciados de desenvolvimento científico e tecnológico da base industrial local.

A estratégia tecnológica das EMNs pode ser então caracterizada pela capacidade de organizar, planejar, financiar e produzir sistemática e permanentemente conhecimentos técnicos e expertise que estão na origem de suas vantagens específicas. Os resultados das atividades de P&D constituem, segundo Caves (1982CAVES, R.E. (1982) Multinational enterprise and economic analysis. Cambridge, Cambridge University Press.), um capital tecnológico, um conjunto de ativos imateriais que serão valorizados, seja pela exportação de produtos acabados, seja pela circulação internalizada no conjunto das filiais externas, seja por cessão contratual de tecnologia, seja, enfim, por acordos recíprocos entre EMNs1 1 Ver o estudo de Telesio (1979) sobre a importância dos contratos recíprocos de licenciamento de tecnologia entre EMNs. Jehl (1985JEHL, J. (1985) Le commece international de la technologie. Paris, Librairies Techniques.), num estudo sobre o comércio de tecnologia, considera que o elemento tecnológico ganha progressivamente autonomia em relação ao valor da parte em capital do investimento direto. Isso é notório quando há joint-venture em que a participação de um dos sócios é constituída pela cessão de uma tecnologia.

As estratégias das EMNs devem responder, portanto, a vários objetivos:

  • produzir vantagens específicas investindo em P&D;

  • adquirir essas vantagens junto a outras empresas;

  • valorizar esse conjunto de vantagens, não só pela circulação internalizada, mas também pela comercialização da tecnologia.

A definição e a concretização da estratégia tecnológica exigem que as empresas desenvolvam uma capacidade de aquisição e/ou produção dessas vantagens, uma capacidade de internalização dos mercados de bens intermediários, uma escolha correta da localização das filiais e um conhecimento do contexto da concorrência e das características socioeconômicas dos mercados de implantação.

2.2 As políticas industriais para os setores de alta tecnologia

Para entender a formação dessa competitividade tecnológica das EMNs num setor industrial de alta tecnologia, não se pode passar ao largo da participação do Estado no processo. Para Buckley e Casson, o Estado é responsável pela maior parcela da demanda de bens e equipamentos de alta tecnologia. Para Niosi e Faucher (1985FAUCHER, Ph. & NIOSI, J. (1985) “L’Etat et les firmes multinationales”, Études Internationales, vol. XVI, n 2, jun., págs. 239-259.), as grandes empresas industriais se beneficiam de um apoio direto do Estado que facilita, estimula e até subsidia a expansão nos mercados externos. Além disso, como mostra Nelson (1985NELSON, R.R. (1984) High-tecnology policies. A five-nations comparison, Washington, American Enterprises Institute for Public Policy Research.), os governos costumam definir políticas industriais apoiando o desenvolvimento de setores de alta tecnologia que sejam considerados estratégicos.2 2 Para definir um setor como estratégico, Nelson (1984) considera os seguintes critérios: alto valor agregado, produtos de uso estratégico em termos de soberania nacional e efeitos de estímulo ou de repasse de tecnologia sobre outros setores conexos. .Nesses setores, é necessário ter um certo número de empresas nacionais com uma posição dominante no mercado de maneira a, por um lado, garantir a autonomia do país em relação a equipamentos estratégicos e, por outro, produzir um efeito de estímulo ao avanço tecnológico dos setores compradores. Como os investimentos em P&D são em geral extremamente elevados, o apoio financeiro do Estado é indispensável para assegurar a formação da capacidade técnica das empresas nacionais. Isso se traduz concretamente pelo financiamento direto de alguns grandes programas de pesquisa realizados em instituições governamentais ou em associação com grandes empresas locais’3 3 Ver o estudo de Cohendet e Lebeau (1986) sobre os grandes programas dos governos europeus para a área espacial.

3. A INDÚSTRIA MUNDIAL DOS EQUIPAMENTOS DE TELECOMUNICAÇÕES

A capacidade produtiva mundial se concentra (80%) nos países mais industrializados da OCDE, que são também os maiores compradores.4 4 Os fabricantes de equipamentos no começo do século eram Western Electric, Strowger, Automatic Electric, Kellog Switchboard, nos EUA; AOIT, Thomson-Houston, na França; GEC, na Inglaterra; Siemens e Lorenz, na Alemanha; e LM Ericsson, na Suécia. Em 1985, as exportações mundiais de equipamentos foram de US$ 24,6 bilhões.5 5 Categoria SITC 764 do Yearbook of International Trade Statistics, ONU. O Japão é o principal exportador, com 30% do total, e outros oito países da OCDE respondem por 68%. Os EUA são os maiores importadores (31,8% do total mundial). Portanto, a maior parte do comércio mundial se realiza entre os países mais industrializados. Embora o mercado dos países em desenvolvimento apresente interessantes perspectivas de crescimento, fica na dependência da capacidade de realização de grandes investimentos públicos por parte dos governos.

Os equipamentos estão divididos em três categorias relacionadas com as funções que desempenham na infraestrutura dos serviços, e cada uma representa cerca de um terço do mercado mundial. São elas:

  • os grandes sistemas de comutação pública ou privada;

  • os equipamentos de transmissão, como cabos, sistemas de microondas ou satélites;

  • os equipamentos terminais ou periféricos.

As duas primeiras categorias correspondem a compradores públicos ou institucionais e a um mercado com forte característica monopsônica, e a terceira diz respeito a um mercado mais competitivo de consumidores ou usuários privados, atualmente apresentando a taxa maior de crescimento da demanda.

A indústria de equipamentos de telecomunicações é considerada um setor de alta tecnologia, que exige importantes investimentos em P&D a longo prazo. A capacidade de investimentos em pesquisa das EMNs corresponde hoje a cerca de 8% ou 12% do valor de suas vendas (Tabela 1), e é decisiva para permitir a entrada e a permanência no mercado mundial dos grandes equipamentos, em particular para os sistemas públicos de comutação e transmissão. Tal capacidade constitui uma das principais barreiras à entrada que deve enfrentar uma nova empresa que queira se estabelecer no mercado.

Tabela 1:
Investimentos em P&D das EMNS de equipamentos (em % das vendas)

É preciso enfatizar que, a partir dos anos 60, o Estado exerce um papel fundamental para a definição, o financiamento e a execução de importantes programas de pesquisa, dando de fato um apoio decisivo à formação da capacidade tecnológica das empresas locais. Os projetos de pesquisa são realizados conjuntamente pela administração pública e pelas grandes empresas locais, que dessa maneira podem desenvolver e dispor de tecnologias de ponta que lhes permitirão formular uma estratégia de multinacionalização.

Esse setor industrial é também considerado estratégico, tanto do ponto de vista econômico como do tecnológico, e objeto de políticas específicas em vários países industrializados, ao longo dos anos 60. As intervenções governamentais recorrem a dois mecanismos principais: a repartição das compras públicas entre fornecedores pré-escolhidos e o financiamento de programas de pesquisa realizados conjuntamente pelas agências governamentais e pelas empresas privadas.

O apoio do Estado diz respeito, portanto, a outra barreira à entrada de novas empresas, esta de natureza mais especificamente comercial e tão importante quanto a capacidade tecnológica. Trata-se das relações privilegiadas e estáveis que as empresas manufatureiras devem ser capazes de manter com as administrações ou empresas públicas de serviços de telecomunicações, seus grandes compradores tradicionais. Entretanto, quando os serviços dependem de companhias privadas - como é o caso nos EUA ou no Canadá -, isso não significa necessariamente maior concorrência entre fornecedores, já que se constata uma integração vertical entre os dois setores de atividades (serviços e manufatura) num mesmo grupo empresarial.6 6 Como é o caso da Western Electric, atualmente AT&T Technology, filial controlada totalmente pela AT&T, da General Telephone & Electronics, holding que agrupa atividades manufatureiras e de serviços; ou da Northern Telecom, controlada pela Bell Canada.

O mercado dos equipamentos aparece então como diretamente tributário da demanda do setor de serviços e também da capacidade de investimento, gestão e planejamento da infraestrutura de telecomunicações das administrações públicas. Mas essa demanda crescente por serviços cada vez mais diversificados se toma possível a partir das importantes transformações verificadas com a introdução das tecnologias de base microeletrônica e o desenvolvimento dos serviços de informática.

As administrações públicas têm um papel importante no que diz respeito à definição e ao financiamento dos objetivos da pesquisa, porque são elas que escolhem as opções técnicas fundamentais para os grandes sistemas de equipamentos públicos. Os importantes centros de pesquisa foram criados e financiados por essas administrações nos anos 1960-70, reconhecendo-se a importância estratégica de controlar e dominar a tecnologia dos grandes equipamentos de comutação pública. Ademais, a atribuição das encomendas públicas por um longo período de tempo garante as condições de comercialização, como também as necessidades de testar os equipamentos antes de passar à produção seriada oferecem um apoio à comercialização futura dos novos equipamentos.

4. AS ESTRATÉGIAS TECNOLÓGICAS DAS EMNS NOS ANOS 70

Em 1950, cinco empresas dividem 80% do mercado mundial; no final dos anos 70 elas são uma dúzia. As cinco mais antigas, criadas no final do século passado ou no início deste, são três empresas norte-americanas: Western Electric, filial industrial da AT&T (40% do mercado mundial) que tem filiais de produção no exterior até 1926; Automatic Electric, com duas filiais na Bélgica e na Itália; e ITT, cujas filiais compradas da AT&T7 7 Em 1926, a AT&T é obrigada por decisão judiciária, devido à lei “antitruste”, a se desfazer de suas filiais no exterior. A ITT, que era uma pequena companhia de serviços telefônicos no Caribe, adquire estas filiais para poder entrar no setor da fabricação de equipamentos. se localizam na França, na Inglaterra, na Itália, na Bélgica e na Alemanha. Duas outras empresas europeias, Ericsson e Siemens, se tomam multinacionais desde os primeiros anos deste século e implantam suas principais filiais em países vizinhos da Europa e em alguns países da América Latina. Todas essas empresas têm filiais no setor dos serviços de telefonia e telegrafia que servem de suporte para a comercialização dos equipamentos.

No decorrer dos anos 50, o mercado dos equipamentos apresenta um crescimento importante: ao final da guerra, as infraestruturas de serviços devem ser reconstruídas e modernizadas e a demanda por serviços aumenta rapidamente. As empresas mais antigas se consolidam e ampliam ou recuperam suas parcelas de mercado. Nos EUA, a GTE, ex-Automatic Electric, aumenta sua parcela de mercado frente ao quase-monopólio da AT&T comprando várias pequenas empresas manufatureiras do setor elétrico. A ITT, que aproveitou a guerra para se instalar no mercado interno norte-americano, tanto para as atividades de pesquisa quanto para a produção manufatureira, volta a ocupar no mercado europeu a posição dominante perdida durante os anos de guerra. Como a Ericsson, ela tem a vantagem de dispor da tecnologia de comutação do tipo crossbar, que as companhias públicas de serviços adotam como sistema nacional em vários países (França, Itália, Espanha)8 8 A Alemanha e a Inglaterra não adotam essa tecnologia e tal decisão terá um impacto negativo sobre o desenvolvimento tecnológico das empresas locais . A Siemens, ao contrário, vai demorar mais de vinte anos antes de poder retomar sua expansão externa interrompida pela guerra.

Ao longo dos anos 60, a indústria dos equipamentos deve responder à demanda crescente do setor de serviços, que se diversifica para responder às necessidades dos outros setores econômicos. Os governos de vários países industrializados (Inglaterra, Japão, França) decidem então apoiar o desenvolvimento da capacidade tecnológica de suas empresas nacionais em setores estratégicos como informática, microeletrônica e telecomunicações. As tecnologias desenvolvidas por esses setores industriais e pelos setores de serviços de tratamento e transmissão das informações exercem um impacto importante sobre as tecnologias dos equipamentos e serviços de telecomunicações.

As empresas aqui mencionadas, que até agora formam um oligopólio fechado, terão de definir novas estratégias tecnológicas em resposta à aparição de outras empresas multinacionais francesas, inglesas, canadenses e japonesas, que reintroduzem no mercado mundial uma concorrência baseada em vantagens tecnológicas.

No final dos anos 70, pode-se identificar sete novas EMNs, algumas delas já atuando no setor desde antes da Segunda Guerra, mas de maneira pouco significativa.

  • GEC - General Electric Company e Plessey, na Inglaterra, dividem o mercado britânico com a Standard Telephones and Cables (filial da ITT) e a Thorn Ericsson; essas duas empresas têm algumas filiais externas, principalmente na África do Sul e na Austrália;

  • CIT-Alcatel, filial da CGE - Compagnie Générale d’Electricité, e Thomsom Télécommunications, do grupo Thomson-Brandt-CSF conseguem tomar a liderança do mercado interno francês com apoio do PTT9 9 PTT: administração pública de correios e serviços telegráficos e telefônicos. , mas só têm algumas raras filiais no exterior;

  • Philips, primeiro grupo europeu da indústria eletrônica, é um produtor tradicional de equipamentos de radiotransmissão com duas filiais importantes na França e na Inglaterra; compra uma antiga filial da Siemens, expropriada pelo governo holandês ao final da guerra, e diversifica sua linha de produção entrando para o setor de comutação;

  • Northern Telecom, ex-filial da Western Electric, é a filial manufatureira da Bell Canada e controla 80% do mercado canadense; no final dos anos 70, começa a se implantar fortemente nos EUA, graças ao domínio de uma tecnologia eletrônica para centrais de comutação pública e privada;

  • NEC - Nippon Electric Company controla sozinha a maior parte do mercado japonês dos grandes equipamentos (comutação e transmissão); é a primeira empresa japonesa a se multinacionalizar comprando pequenas empresas do setor microeletrônico nos EUA.

Essas novas EMNs apresentam diversidades importantes tanto em relação à parcela do mercado mundial a que têm acesso, quanto ao volume de vendas, ao grau de diversificação setorial e de multinacionalização. Entretanto, algumas características comuns em suas estratégias podem ser evidenciadas.

Num primeiro momento, a forte demanda favorece o crescimento dessas firmas e permite que assumam uma posição dominante em seus respectivos mercados de origem. Essa primeira etapa é acompanhada por um aumento das exportações e pelo início dos investimentos diretos no exterior. As relações com o governo são estreitas e antigas e têm um papel importante numa primeira fase de expansão no mercado interno, que é um dos resultados das políticas governamentais de apoio a esse setor industrial. A diversificação setorial é importante, à exceção da Northern Telecom, da Western Electric e da Ericsson, cuja totalidade da produção manufatureira é composta de equipamentos de telecomunicações.

As estratégias tecnológicas das EMNs apresentam características novas em relação ao período anterior à guerra. Em primeiro lugar, pode-se constatar que essas EMNs investem maciçamente em P&D e criam ou ampliam suas instalações de pesquisa. Em segundo lugar, as relações tradicionais com as administrações públicas e as companhias de serviços tomam a forma de uma estreita cooperação para a escolha da tecnologia dos grandes equipamentos e para a realização das atividades de P&D. Além disso, o desenvolvimento tecnológico de outros setores conexos, em particular da informática e da microeletrônica, é aproveitado, levando em certos casos a uma diversificação setorial das empresas.

4.1. A importância das estruturas internas de P&D

A implantação de atividades internas de pesquisa é uma condição necessária para a manutenção dessas empresas no mercado mundial. Os investimentos em P&D representam de 5% a 8% do volume de faturamento em média (Tabela 1). A esses investimentos devem ser acrescidos os financiamentos obtidos a partir de contratos de pesquisa para os governos e os recursos dos projetos desenvolvidos em colaboração com as administrações públicas ou os centros de pesquisa das companhias de serviços.

Os sistemas de comutação e de transmissão são objeto de importantes transformações tecnológicas. Entre 1950 e 1980, introduzem-se importantes mudanças de natureza técnica em todas as categorias de equipamentos. No campo das transmissões, as transformações tecnológicas são ligadas à introdução das técnicas numéricas para os sistemas de multiplexagem e de modulação, etapa essencial para a formação das futuras redes numéricas integradas. Novos suportes de transmissão aparecem com os satélites e, no final dos anos 70, com as fibras óticas. No setor dos equipamentos periféricos, os sistemas de telefonia privada e de transmissão de dados são objeto de uma demanda crescente no final do período.

Mas é principalmente em torno do desenvolvimento de uma nova tecnologia de comutação eletrônica que se concentram os esforços de pesquisa das empresas (Tabela 2). Essas pesquisas exigirão investimentos da ordem de US$ 800 milhões, em média, durante dez a quinze anos, e têm por resultado o desenvolvimento de duas novas gerações tecnológicas de equipamentos de comutação pública.10 10 Na comutação espacial, a conexão entre duas linhas é ainda de natureza eletromecânica, mesmo com alguns componentes ·eletrônicos; na comutação temporal, a conexão não ocupa um espaço material fixo, pois se realiza segundo o princípio de modulação por impulsos. As primeiras centrais de comutação eletrônica espacial são colocadas no mercado no final dos anos 60 pelas empresas AT&T, ITT e Northern Telecom; as centrais de comutação temporal são comercializadas depois de 1975, em primeiro lugar pela Alcatel e pela Northern Telecom.

Tabela 2:
Desenvolvimento da comutação eletrônica

Essas tecnologias de comutação pública são desenvolvidas sobre uma base nacional a pedido dos governos de países industrializados (Inglaterra, França, Japão). Seu domínio e controle representam os objetivos essenciais das políticas industriais para o setor: eles permitem dispor de uma vantagem fundamental, utilizada pelas empresas para aumentar sua participação no mercado interno, para ter a garantia de receber as encomendas da administração pública e para depois se firmar nos mercados de exportação.

Em 1980, encontram-se disponíveis no mercado mundial oito sistemas diferentes de comutação eletrônica, enquanto só existiam três de tecnologias crossbar e dois de tecnologia rotativa. A introdução dessa nova geração tecnológica serve de suporte para uma reestruturação do mercado dos equipamentos que se caracteriza pela formação de grandes empresas nacionais capazes de exportar e investir em filiais de produção no exterior.

O desenvolvimento dessa tecnologia vai permitir também a diversificação na produção de novos equipamentos de comutação privada, cuja demanda cresce rapidamente no final da década de 70. De fato, as centrais de auto comutação privada têm suas capacidades e versatilidades ampliadas pela incorporação de componentes, microprocessadores e parte do software necessários aos grandes equipamentos públicos, ao mesmo tempo que veem seus preços progressivamente reduzidos.

4.2. A importância das tecnologias da microeletrônica e da informática

A indústria dos equipamentos de telecomunicações beneficia-se no plano tecnológico dos desenvolvimentos da indústria de componentes e da informática. Em 1975, a indústria de telecomunicações representa 11 % da demanda mundial de semicondutores. As empresas utilizam um grande número de circuitos impressos (memórias e microprocessadores) e têm, em geral, uma produção de semicondutores para consumo interno. Algumas delas, como NEC, Oki, Siemens, Plessey, Northern Telecom e Thomson, se diversificam nesse setor, no decorrer dos anos 70, não só adquirindo participações em empresas, na maioria dos casos americanas, mas também criando filiais próprias. Muitas se retiram do setor nos anos seguintes, limitando-se a produzir os circuitos integrados de natureza mais estratégica por suas necessidades particulares.

A informática também tem um papel importante no desenvolvimento da comutação eletrônica, pois as unidades de controle que operam as centrais são computadores de grande porte. Os fabricantes são levados a desenvolver uma capacitação interna em software, tanto para a concepção das centrais quanto para a manutenção e a assistência técnica e para a formação do pessoal de apoio. Se o uso da tecnologia microeletrônica permite reduzir a parte de material (componentes) no custo total de fabricação das centrais, a parte de programação, ao contrário, o amplia consideravelmente.

Entre 1960 e 1980, várias firmas europeias e japonesas de telecomunicações vão investir durante algum tempo no setor da informática (computadores de grande porte). Na Inglaterra, a GEC e a Plessey adquirem participações da ICL, mas as vendem em 1978. Em 1966, a Thomson e a CGE, na França, tomam o controle da CII. Entre 1974 e 1976, os governos francês, alemão e holandês criam conjuntamente a firma Unidata, joint-venture da CII, da Siemens e da Philips, que deveria se tornar o maior grupo europeu no setor da informática. Essa tendência não se confirma, e um movimento oposto se manifesta com o desinvestimento dessas empresas. Hoje, somente as empresas japonesas, como a NEC e a Fujitsu, mantêm ainda atividades manufatureiras no setor dos grandes computadores.

5. AS POLÍTICAS INDUSTRIAIS

O interesse dos governos pelo setor de telecomunicações, desde sempre, tem a ver com preocupações militares, e as duas Guerras Mundiais estiveram na origem de importantes desenvolvimentos tecnológicos. Além disso, a indústria de telecomunicações (serviços e equipamentos) apresenta um aspecto estratégico para o restante da economia, à medida que é indispensável para a implantação de uma infraestrutura de comunicação necessária a todos os outros setores de atividades econômicas. Os governos investiram de maneira sistemática desde o início dos anos 50, mas reduziram o volume de seus investimentos no final dos anos 70. Tais investimentos, ao longo de mais de duas décadas, tornaram possível a formulação de políticas industriais para um setor de alta tecnologia. Às tradicionais barreiras protecionistas, em proveito das empresas nacionais (incluindo-se aqui, num primeiro momento, as filiais locais de multinacionais), são acrescentados programas de ajuda e financiamento da pesquisa em benefício das empresas.

Essas políticas têm dois objetivos essenciais:

  • o desenvolvimento de uma capacidade tecnológica nacional como garantia de autonomia e soberania econômica;

  • a formação de grandes empresas nacionais competitivas no mercado mundial para esse setor de alta tecnologia.

O primeiro objetivo é diretamente relacionado com a dimensão estratégica das tecnologias da informação e se concretiza no apoio dado à pesquisa para o desenvolvimento da tecnologia de comutação eletrônica. O segundo responde à necessidade de estimular a expansão internacional das empresas num setor de ponta e passa pela atribuição preferencial das encomendas públicas às empresas nacionais.

As políticas industriais colocam a ênfase na questão do desenvolvimento tecnológico. Na maioria dos países, grande parte do financiamento e da realização da pesquisa são de responsabilidade das administrações públicas de serviços. Nos EUA e no Canadá, em consequência da gestão dos serviços por companhias privadas, o apoio governamental toma a forma de contratos de pesquisa atribuídos às empresas locais para que desenvolvam equipamentos relacionados com as necessidades do setor da defesa.

Nos países europeus e no Japão, uma parte das infraestruturas de P&D é constituída por centros de pesquisa comuns às empresas e ao Estado. Essas empresas que demoraram mais para criar uma base interna de P&D recebem um apoio, não só financeiro, como também institucional, por parte das administrações públicas que dispõem de seus próprios institutos. Na França, as atividades de pesquisa são realizadas em parte pelo CNET-- Centre National d’Etudes des Télécommunications, criado em 1943 pelos PTTs. Com os mesmos objetivos, são criados os Electrical Communications Laboratories pela NTI - Nippon Telegraph Telephone, no Japão, em 1952; o JERC - Joint Electric Research Comittee, pelo British Post Office, em 1956; o Ellemtel pelo Televerket, na Suécia, em 1971; e o CSELT pela STET, na Itália, em 1964.

No final dos anos 60, os governos resolvem então apoiar e financiar grandes projetos de pesquisa que devem permitir o desenvolvimento de novas tecnologias para os grandes sistemas de comutação e transmissão, e que serão realizados pelos centros de pesquisa mencionados (JERC, CNET, ECL, Ellemtel, CSELT), em colaboração com as empresas locais (Tabela 3).

Tabela 3:
Desenvolvimento de sistemas de comutação eletrônica

Na Alemanha e na Holanda, entretanto, as administrações públicas assinam contratos de pesquisa com as empresas, mas seus laboratórios não participam diretamente das atividades de P&D. A Philips desenvolve sistemas para o satélite holandês, e a Siemens elabora um sistema de comutação eletrônica em seus próprios laboratórios, segundo as especificações da Bundespost.

No Japão, as pesquisas são feitas em comum pela NTT e pelas firmas que pré-seleciona. Quando se alcança o estágio do protótipo, os trabalhos de desenvolvimento são repassados às empresas, mas a NTT permanece como proprietária da tecnologia. A Suécia adota um sistema similar.

Por outro lado, os desenvolvimentos tecnológicos da indústria da informática, da microeletrônica e das telecomunicações têm aspectos de sinergia, e as políticas industriais da França, da Inglaterra e do Japão vão ter como objetivo coordenar os esforços de inovação nesses três setores. No Japão, em 1974, o MITI e a NTT definem em conjunto o plano VLSI e coordenam a produção do setor de semicondutores de maneira a atender à demanda dos três setores industriais mencionados. O custo do financiamento da pesquisa é dividido entre o governo (40%) e os fabricantes (60%). Em 1978, o governo britânico planeja o desenvolvimento da indústria de semicondutores e sua aplicação à informática e às telecomunicações, prevendo para isso um financiamento de US$ 600 milhões, em cinco anos, para a pesquisa. Na França, o plano adotado em 1978 para cinco anos tem por objetivo primeiro responder às necessidades específicas dos ministérios das Telecomunicações e da Defesa. Na Itália, a companhia de serviços STET cria uma filial, a SGS-Ates, que se toma o terceiro produtor europeu de semicondutores. Finalmente, nos EUA, o governo se responsabiliza, entre 1958 e 1970, por 45% dos custos de P&D para semicondutores e assina contratos de compras sistemáticas para seus programas militares e espaciais (Truel, 1980TRUEL, J.L. (1980) L’industrie mondiale des semi-conducteurs. These de 3é cycle, Université de Paris-Dauphine.).

Por último, deve-se mencionar as medidas que vão estimular o crescimento das empresas nacionais. Como a administração pública de serviços é um comprador monopsônico, a definição da tecnologia dos equipamentos é um instrumento de seleção dos fabricantes e fornecedores. As administrações públicas usam, para isso, seu poder de definir as normas e funções técnicas dos equipamentos. Para estes, a regularidade das encomendas públicas facilita o crescimento no mercado interno e a penetração no mercado internacional. As encomendas públicas não só representam uma garantia de estabilidade das vendas, mas servem também como referências de qualidade e eficácia dos equipamentos junto aos compradores estrangeiros. As importações de equipamentos se dão em volume reduzido, segundo um modelo tradicionalmente protecionista. O princípio da homologação técnica dos equipamentos contribui para reforçar esse sistema de repartição das encomendas públicas por quotas entre os fornecedores tradicionais.

As políticas industriais definidas e implantadas entre 1960 e 1980 estabelecem um sistema de limitações de importação de maneira a garantir um mercado favorável ao desenvolvimento da capacidade tecnológica das empresas locais. Elas permitem a diminuição das barreiras· de natureza técnica à entrada das firmas nacionais e, consequentemente; a abertura do oligopólio mundial. As empresas conseguem não só adquirir vantagens tecnológicas em nível dos produtos, como também ampliam consideravelmente sua capacidade de inovação. Elas se diversificam em outros ramos da eletrônica, multiplicando dessa maneira os efeitos de spill-over dos esforços de pesquisa. Finalmente, aumentam sua capacidade de exportação.

6. AS NOVAS TENDÊNCIAS DA INDÚSTRIA MUNDIAL

Desde 1982, novas tendências estão aparecendo no seio da indústria mundial dos equipamentos de telecomunicações e devem conduzir a sua reestruturação. As pressões das companhias americanas para introduzir um maior grau de concorrência no mercado dos serviços têm por objetivo eliminar ou reduzir barreiras protecionistas. Essa abertura da concorrência se faz principalmente através do mercado dos grandes equipamentos. Entretanto, os mercados europeu e japonês permanecem até agora fortemente protecionistas.

Pode-se constatar um processo de concentração no mercado mundial dos grandes sistemas de equipamentos (comutação pública, fibras óticas) a partir do número crescente de associações entre grandes empresas. As multinacionais assinam cada vez mais acordos comerciais ou de desenvolvimento tecnológico, adquirem participações no capital de empresas concorrentes e se implantam, dessa maneira, em novos mercados. Essas mudanças podem ser consideradas como respostas a uma reativação da concorrência com a entrada de novas empresas.

A participação financeira das administrações públicas nos programas de pesquisa está sendo marcada pela diminuição dos recursos do Estado. Concluem-se vários acordos de desenvolvimento para produzir e comercializar novos produtos entre multinacionais do setor de telecomunicações e empresas dos setores de informática, eletrônica ou automação de escritório.

Tais mudanças parecem indicar três tendências principais:

  • um processo de concentração do mercado dos grandes equipamentos para o qual a capacidade de investimento em P&D é altíssima;

  • uma intensificação dos investimentos diretos das EMNs em outros países desenvolvidos com um mercado interno importante;

  • uma concorrência renovada no mercado dos equipamentos periféricos.

6.1 O processo de concentração no mercado dos grandes equipamentos

Entre 1984 e 1987, realizam-se várias associações importantes e um certo número de compras e tomadas de participação entre empresas americanas e europeias (Tabela 4), tendo como objeto principal a produção e a comercialização das grandes centrais públicas. Esse processo leva a uma diminuição do número de sistemas de comutação oferecidos no mercado mundial. Só há atualmente sete grandes fabricantes de centrais de comutação pública: AT&T e Northern Telecom, nos EUA e no Canadá; Ericsson, Siemens e GEC, na Europa; e NEC, no Japão.

Tabela 4:
Associações entre as EMNs de equipamento

Depois de submetida a um processo de desmembramento por decisão judiciária, em 1982, a AT&T fica livre para investir no estrangeiro e se diversificar setorialmente. Decide então associar-se à Philips, tendo em vista implantar-se no mercado europeu para comercializar suas centrais públicas (ESS-5). A filial comum, a ATP, recebe a tecnologia de comutação eletrônica da Western Electric, e a Philips oferece sua ampla rede internacional· de comercialização.

Em 1986, a CGE e a ITT assinam acordo para criar uma filial comum, a Alcatel NV, que agrupa as principais filiais europeias da ITT11 11 As filiais que fazem parte do acordo são: Standard Elektric-Lorenz, da Alemanha; Fate, da Itália; Bell Mfg, da Bélgica; Standard Electrica, da Espanha e de Portugal. A ITI tem 35% do capital dessa nova empresa, e a CGE, 55%. que investiram US$ 650 milhões, em 1985, em P&D. O acordo é acompanhado por amplo processo de transferência de tecnologia e cessão de um grande número de patentes. A Alcatel amplia, assim, sua parte nos mercados europeu e mundial e dobra a sua capacidade em P&D e fortalece sua estratégia de implantação no mercado americano porque a comercialização de seus equipamentos será agora feita pela ITT, que abandona definitivamente a fabricação das centrais System-12.

A Siemens e a GTE assinam um acordo de associação, em 1986, pelo qual a Siemens consegue uma participação majoritária (80%) nas filiais da GTE na Bélgica e na Itália. Uma filial comum, a Siemens Transmission Systems Inc., é criada para comercializar os seus equipamentos de transmissão nos EUA.

Alguns acordos de associação são assinados também entre firmas européias. A GEC tenta tomar o controle da Plessey em 1986, e as duas empresas acabam assinando um acordo de fabricação e comercialização conjuntas a ser viabilizado através da criação de uma filial, a GEC-Plessey Telecommunications (GPT). Em 1989, a GEC e a Siemens, após longa resistência da Plessey, assumem em conjunto o controle da empresa.

A CGCT, última filial francesa da ITT, é nacionalizada pelo governo francês, em 1982, sendo finalmente comprada, em 1986, pela Ericsson e pela Matra. A divisão de telefonia privada é adquirida pela Matra, enquanto a de telefonia pública passa a ser administrada em comum pela Matra, pela Ericsson e por dois outros grupos financeiros franceses.12 12 Indosuez, que controlava a CGE já antes da nacionalização, em 1981, e Bouyghes.

6.2 A intensificação dos investimentos externos

Desde 1982, as empresas europeias, canadenses e japonesas intensificam seus esforços para se implantar no mercado norte-americano, que representa de 35 a 40% do mercado mundial (já era da ordem de US$ 25 bilhões, em 1984). As encomendas de centrais de comutação pública alcançavam 3,4 bilhões, em 1985. Esse mercado está se abrindo à concorrência depois do desmantelamento da AT&T. A estratégia de implantação se caracteriza principalmente pelas aquisições de participação no capital de empresas americanas. Essas participações ou compras se iniciaram em 1975 e se intensificaram nos últimos dez anos.

Tal modalidade permite a essas empresas adquirir rapidamente uma rede de comercialização e valorizar suas vantagens tecnológicas, mas encontram ainda obstáculos de natureza técnica, comercial e financeira. Um dos objetivos é facilitar sua entrada no mercado apoiando-se numa rede de comercialização e adaptando alguns produtos às especificidades do mercado local. Mas normas técnicas diferentes constituem, ainda, fortes barreiras à entrada no mercado norte-americano, especialmente das empresas europeias.

Por outro lado, as empresas americanas tradicionalmente implantadas na Europa, como a ITT e a GTE, já se retiraram progressivamente desde a metade dos anos 70. A AT&T é a única a desenvolver uma estratégia ofensiva em direção ao mercado europeu, num primeiro momento pela associação com a Philips, depois adquirindo uma participação de 25% no capital da Olivetti e se associando com a CTNE, na Espanha, e a SGS-Ates, na Itália, para a produção de componentes microeletrônicos.

A Northern Telecom continua aumentando lentamente sua presença no mercado europeu pela venda de sistemas de telefonia privada e de transmissão de dados. Ela diversifica as atividades de sua filial na Inglaterra e tem acordos de cooperação tecnológica com a empresa GEC.

O mercado japonês permanece bastante fechado às importações e aos investimentos diretos até o começo dos anos 80. As firmas japonesas são pouco implantadas na Europa e, da mesma maneira, as empresas europeias têm poucas atividades no Japão.

Ao contrário, as empresas norte-americanas têm demonstrado um interesse crescente pelo mercado interno japonês, que continua reservado aos fornecedores locais. O governo dos EUA desenvolve uma ofensiva contra esse protecionismo e, em 1980, consegue a assinatura de um primeiro acordo comercial com a NIT, que se compromete a comprar das firmas americanas equipamentos periféricos e de interconexão.13 13 As centrais de comutação privada e sistemas de telefonia de negócios (Telecommunications Business System). O desequilíbrio comercial em prejuízo dos EUA permanece elevado, mesmo com esse acordo comercial bilateral renovado duas vezes. Mas a desregulamentação do mercado para alguns equipamentos e serviços, em consequência da privatização da NIT, deve favorecer às firmas norte-americanas. Deve-se notar ainda a multiplicação dos acordos de associação entre companhias de serviços japonesas e americanas depois da adoção de várias leis, em 1984, que permitem a criação de empresas privadas no setor dos serviços.14 14 Três leis, adotadas pelo Parlamento japonês em 1984, acabam com o monopólio da NTT e da KDD. Ver Y. Ito, (1986).

6.3 A abertura do oligopólio para os equipamentos periféricos

A partir de 1980, os segmentos do mercado que conhecem uma demanda crescente por parte do setor de negócios (bancos, seguros, grandes empresas industriais, agências de imprensa) e dos consumidores particulares são os sistemas de telefonia privada e auto comutadores e de telefonia móvel-celular, os modems, as estações terrenas para recepção-transmissão por satélite. Essa parcela do mercado se desenvolve dentro de uma lógica mais competitiva, pois a comercialização desses equipamentos não é mais regulada pelas administrações públicas.

Novas empresas aparecem nessas faixas de mercado, como a Mitel, no Canadá; a SAT, a Schneider, a AOIT, e a Matra, na França; a Nokia, na Finlândia; a DSC, a Rolm ou a TIE, nos EUA.15 15 A Jeumont-Schneider tem filiais de produção de PABX na Índia e na Tunísía; a Matra se associou à Ericsson; a Mitel tem filiais de produção na Irlanda e se associou à Píoneer, no Japão. Alguns países europeus, como a Espanha, a Finlândia e a Noruega, cujo processo de industrialização para setores de alta tecnologia foi mais tardio, começam a desenvolver uma capacidade de produção industrial para esses equipamentos. Em muitos casos, essas empresas recompram antigas filiais estrangeiras16 16 A Nokia comprou a filial local da Ericsson; a Matra comprou uma parte da CGCT, ex-filial da ITT; a Mitel foi criada por ex-engenheiros da Northern Telecom. ou se associam a empresa multinacional, como a Companhia Telefônica Nacional da Espanha fez com a AT&T e a Ericsson.

6.4 Os custos crescentes da P&D e os acordos de desenvolvimento tecnológico

A elevação considerável dos custos da pesquisa conduz a um processo de concentração no mercado dos grandes equipamentos públicos. As empresas são levadas a concluir entre si acordos para desenvolver novos equipamentos e diversificar suas linhas de produção e para rentabilizar e maximizar o retorno dos investimentos em P&D. Essa estratégia pode ser particularmente identificada no caso dos sistemas de telefonia celular ou das fibras óticas (Tabela 5).

Tabela 5:
Acordos de tecnologia para as fibras óticas

Alguns desses acordos são registrados entre empresas que atuam em setores industriais, usando uma base tecnológica semelhante, como a microinformática, a automação de escritórios, os serviços de informática e de transmissão de dados. Mas elas recorrem também a inovações tecnológicas de outros setores (indústria do vidro ou aeroespacial), necessárias ao desenvolvimento de novos equipamentos e novos serviços.

O desenvolvimento das fibras óticas exige um grande esforço de pesquisa a partir da metade dos anos 70. A tecnologia de fabricação da fibra pertence à Coming Glass, proprietária das patentes para a fabricação das fibras do tipo mono-mode, que responde essencialmente (90%) a uma demanda do setor das telecomunicações. A Coming assinou acordos de transferência de tecnologia com a maioria das empresas de telecomunicações.

6.5 A diminuição do engajamento do Estado

A década de 80 se caracteriza por certa diminuição da presença do Estado nas formas mencionadas anteriormente. As administrações públicas participam de maneira menos marcante da definição tecnológica dos equipamentos. Optam por um modo de gestão mais comercial da infraestrutura de base dos serviços de telecomunicações e menos intervencionista em relação às empresas industriais. Demonstram maior interesse no desenvolvimento das tecnologias de novos serviços de alto valor agregado.17 17 VAN ou Value added network: serviços de comunicações como transmissão de dados, fac-símile, correio eletrônico. A Comunidade Econômica Europeia retoma atualmente, embora de maneira muito mais limitada, um certo papel financiador das administrações públicas em apoio a projetos de pesquisa realizados conjuntamente por várias empresas europeias.

Essa diminuição do engajamento do Estado se manifesta desde 1980, através de três mudanças principais:

  • a redução dos investimentos em infraestrutura;

  • a privatização de algumas companhias ou de algumas categorias de serviços;

  • a redução do financiamento das atividades de P&D.

Se a década anterior foi marcada por importantes investimentos dessas companhias de serviços em P&D, que permitiram aumentar o grau de competitividade tecnológica das empresas industriais, os anos 80, ao contrário, se caracterizam por certo retraimento do setor de serviços em relação ao manufatureiro. Pode-se constatar uma redução generalizada dos investimentos em infraestrutura e, em particular, das encomendas de equipamentos nos principais países da OCDE, exceto na Suécia e na Alemanha.

As administrações públicas parecem agora se preocupar com sua excessiva dependência em relação a um fornecedor único e se esforçam por diversificar os beneficiários das encomendas públicas entre um maior número de empresas, inclusive filiais de EMNs. A gestão dos serviços procura responder a critérios comerciais de eficiência e rentabilidade, e não se ligar tanto à realização de objetivos específicos de políticas industriais.

As transformações na regulamentação do setor dos serviços significam uma transformação do apoio dos governos à formação da capacidade tecnológica das empresas nacionais. Em vez de um financiamento direto ao desenvolvimento de novos equipamentos, as companhias de serviços intensificam agora os investimentos no desenvolvimento da tecnologia de planejamento e operação de suas redes.18 18 Ver o estudo de Le Diberder (1983), evidenciando a importância crescente da formação de novas redes de serviços.

7. AS NOVAS FORMAS DE IMPUNTAÇÃO DAS EMPRESAS MULTINACIONAIS NOS PAÍSES DE INDUSTRIALIZAÇÃO TARDIA

As EMNs atenderam tradicionalmente à demanda dos países em desenvolvimento através das exportações ou, na primeira metade desse século, pela criação de companhias de serviços. Os altos investimentos de alguns países em desenvolvimento, nos dez últimos anos, tiveram como consequência o aumento da demanda por equipamentos e criaram condições favoráveis para a formação de uma indústria local. A possibilidade de desenvolver a produção de equipamentos de telecomunicações aparece então, seja favorecendo a implantação de filiais por certas EMNs, seja organizando joint-ventures entre EMNs e empresas locais, seja estimulando as transferências contratuais de tecnologia.

Desde 1980, vários acordos de transferência de tecnologia foram assinados entre EMN e as administrações públicas na Coréia, no Brasil, no México, na Argélia, na Índia e na China (Tabela 6). Esses acordos são acompanhados da criação de filiais comuns pelas EMNs e pelas empresas locais e, em muitos casos, a empresa pública que oferece os serviços tem uma participação no capital. Tais associações permitem o acesso à tecnologia dos equipamentos, especialmente às centrais de comutação eletrônica.

Tabela 6:
OS investimentos das EMNs nos países em desenvolvimento

8. CONCLUSÃO

Durante o período de grande expansão da indústria das telecomunicações nos anos 60-70, as empresas se beneficiaram do crescimento prolongado de um mercado protegido e do apoio financeiro e da participação direta do Estado nas atividades de P&D. As políticas industriais adotadas em alguns dos países industrializados permitiram aumentar a capacidade tecnológica das empresas locais, e novas EMNs apareceram no mercado mundial.

A desregulamentação e a privatização progressiva de alguns serviços, postas em prática recentemente nos EUA, na Inglaterra ou no Japão, estão na origem de uma redistribuição das cartas entre os principais atores do mercado: administrações públicas, companhias privadas de serviços e empresas produtoras. Uma das consequências mais importantes deve ser a abertura previsível dos mercados nacionais até agora reservados a alguns fornecedores tradicionais, o que contribuirá para uma redução das práticas protecionistas e das imperfeições da concorrência. A reestruturação atual do mercado mundial implica uma redefinição das regras da concorrência Inter oligopolista.

Os custos cada vez maiores da pesquisa, a concorrência renovada em certos segmentos do mercado e a relativa retirada do Estado são a causa de uma multiplicação dos acordos de cooperação e associação entre EMNs. Esses acordos, que permitirão uma produção maior e uma comercialização mais dinâmica das vantagens tecnológicas, são uma nova resposta à necessidade de financiamento de P&D e de valorização dos ativos tecnológicos.

Vários países em desenvolvimento conseguiram, nos últimos anos, formar uma base para a produção manufatureira de um certo número de equipamentos e apoiar a formação da capacidade tecnológica das empresas locais. Essa outra dimensão da abertura do oligopólio significa para as EMNs a necessidade de redefinir suas estratégias de exportação, as modalidades de investimentos no exterior e as condições de comercialização das tecnologias. O resultado é a diminuição total ou parcial dos investimentos diretos das EMNs, a generalização de associações com empresas locais e a multiplicação dos contratos de tecnologia.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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  • TRUEL, J.L. (1980) L’industrie mondiale des semi-conducteurs. These de 3é cycle, Université de Paris-Dauphine.
  • 1
    Ver o estudo de Telesio (1979) sobre a importância dos contratos recíprocos de licenciamento de tecnologia entre EMNs.
  • 2
    Para definir um setor como estratégico, Nelson (1984NELSON, R.R. (1984) High-tecnology policies. A five-nations comparison, Washington, American Enterprises Institute for Public Policy Research.) considera os seguintes critérios: alto valor agregado, produtos de uso estratégico em termos de soberania nacional e efeitos de estímulo ou de repasse de tecnologia sobre outros setores conexos.
  • 3
    Ver o estudo de Cohendet e Lebeau (1986COHENDET, P. & LEBEAU, A. (1987) Choix stratégiques et grands programmes cinil. Paris, Economica.) sobre os grandes programas dos governos europeus para a área espacial.
  • 4
    Os fabricantes de equipamentos no começo do século eram Western Electric, Strowger, Automatic Electric, Kellog Switchboard, nos EUA; AOIT, Thomson-Houston, na França; GEC, na Inglaterra; Siemens e Lorenz, na Alemanha; e LM Ericsson, na Suécia.
  • 5
    Categoria SITC 764 do Yearbook of International Trade Statistics, ONU.
  • 6
    Como é o caso da Western Electric, atualmente AT&T Technology, filial controlada totalmente pela AT&T, da General Telephone & Electronics, holding que agrupa atividades manufatureiras e de serviços; ou da Northern Telecom, controlada pela Bell Canada.
  • 7
    Em 1926, a AT&T é obrigada por decisão judiciária, devido à lei “antitruste”, a se desfazer de suas filiais no exterior. A ITT, que era uma pequena companhia de serviços telefônicos no Caribe, adquire estas filiais para poder entrar no setor da fabricação de equipamentos.
  • 8
    A Alemanha e a Inglaterra não adotam essa tecnologia e tal decisão terá um impacto negativo sobre o desenvolvimento tecnológico das empresas locais
  • 9
    PTT: administração pública de correios e serviços telegráficos e telefônicos.
  • 10
    Na comutação espacial, a conexão entre duas linhas é ainda de natureza eletromecânica, mesmo com alguns componentes ·eletrônicos; na comutação temporal, a conexão não ocupa um espaço material fixo, pois se realiza segundo o princípio de modulação por impulsos.
  • 11
    As filiais que fazem parte do acordo são: Standard Elektric-Lorenz, da Alemanha; Fate, da Itália; Bell Mfg, da Bélgica; Standard Electrica, da Espanha e de Portugal. A ITI tem 35% do capital dessa nova empresa, e a CGE, 55%.
  • 12
    Indosuez, que controlava a CGE já antes da nacionalização, em 1981, e Bouyghes.
  • 13
    As centrais de comutação privada e sistemas de telefonia de negócios (Telecommunications Business System).
  • 14
    Três leis, adotadas pelo Parlamento japonês em 1984, acabam com o monopólio da NTT e da KDD. Ver Y. Ito, (1986).
  • 15
    A Jeumont-Schneider tem filiais de produção de PABX na Índia e na Tunísía; a Matra se associou à Ericsson; a Mitel tem filiais de produção na Irlanda e se associou à Píoneer, no Japão.
  • 16
    A Nokia comprou a filial local da Ericsson; a Matra comprou uma parte da CGCT, ex-filial da ITT; a Mitel foi criada por ex-engenheiros da Northern Telecom.
  • 17
    VAN ou Value added network: serviços de comunicações como transmissão de dados, fac-símile, correio eletrônico.
  • 18
    Ver o estudo de Le Diberder (1983LE DIBERDER, A. (1983) La production des reseaux de télecommunications, Paris, Economica .), evidenciando a importância crescente da formação de novas redes de serviços.
  • 19
    JEL Classification: L96; L52.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 1992
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