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Uma análise estruturalista da inflação e da estabilização* * Revisado em agosto de 1991. Agradecemos os comentários de Stephen Marglin, Lance Taylor, Alain Lipietz e Jaime Ros, bem como o trabalho editorial de Erich Antelo. Traduzido por Ricardo Borges Costa.

A structuralist analysis of inflation and stabilization

RESUMO

Este artigo desenvolve um modelo em que o conflito distributivo entre capital e trabalho é a força motriz que gera pressões inflacionárias em uma economia de mercado. No modelo, a taxa de inflação é uma função da capacidade das empresas de repassar aumentos de custos a preços e do poder relativo das associações de trabalhadores e empregados no processo de negociação coletiva. Um dos principais resultados dessa estrutura analítica é que a estrutura das relações capital/trabalho em um país, o processo de negociação coletiva e a estrutura das organizações sindicais são importantes determinantes das pressões inflacionárias. Como resultado, as reformas institucionais que promovem a cooperação nas relações capital/trabalho são de grande importância nas políticas de estabilização, para que os custos sociais da estabilização sejam minimizados. A seção resume os principais pontos do artigo.

PALAVRAS-CHAVE:
Inflação; estabilização; conflito distributivo

ABSTRACT

This paper develops a model in which the distributive conflict between capital and labor is the driving force which generates inflationary pressures in a market economy. In the model the rate of inflation is a function of the capacity of firms to pass increases in costs to prices and of the relative power of workers and employees associations in the process of collective bargaining. One of the main results of this analytical framework is that the structure of the capital/labor relations in a country, the process of collective bargaining and the structure of unions organizations are important determinants of inflationary pressures. As a result, institutional reforms which promote cooperation on capital/labor relations are of great importance in stabilization policies, if the social costs of stabilization are to be minimized.

KEYWORDS:
Inflation; stabilization; distributive conflict

1. INTRODUÇÃO

O objetivo deste artigo é integrar três fatores que influem na determinação da taxa de inflação e do nível de atividade numa economia acometida por um processo inflacionário crônico: os fatores inerciais, o conflito distributivo e o nível de demanda agregada. Desenvolve-se um modelo em que a indexação plena de preços e salários e o conflito pela distribuição da renda entre salários e lucros podem coexistir mesmo em posições de equilíbrio.1 1 Posições de equilíbrio se caracterizam por uma situação de estabilidade em três fatores: taxa de inflação, nível de utilização da capacidade instalada e distribuição da renda entre salários e lucros. Esta conclusão modifica a noção convencional segundo a qual a presença persistente do conflito distributivo só é compatível com uma situação de equilíbrio inflacionário quando a indexação de preços e salários é imperfeita.

Como objetivo de desenvolver esse argumento, organizamos este trabalho como segue. Na seção 2, estabelecem-se as condições de um equilíbrio inflacionário e distributivo. A seção 3 é dedicada à discussão do equilíbrio de demanda. Na seção 4, apresentamos a determinação do equilíbrio macroeconômico, isto é, a determinação simultânea da taxa de inflação, do nível de utilização da capacidade instalada e da distribuição da renda. Na seção 5, a dinâmica de curto prazo do modelo é examinada e comparada com a dinâmica do modelo estruturalista convencional (kaleckiano). Na seção 6, estudam-se os processos de administração da demanda e política de rendas. A seção 7 fecha o trabalho com uma discussão dos planos de estabilização adotados em regime de inflação alta e instável. As condições de estabilidade do modelo são examinadas no apêndice APÊNDICE Condições de estabilidade Neste apêndice, analisaremos as condições de estabilidade do modelo completo. As duas equações dinâmicas descrevem, respectivamente, o comportamento da participação dos lucros na renda e o comportamento da utilização da capacidade: H π , z = π ∘ = 1 - π { ξ z - z ¯ [ α ' + α z - z ¯ + β z - z ¯ ¯ + + γ π - π ¯ ] + μ K i π , z - s π z } G π , z = z ∘ = θ k i π , z - s π z z A jacobiana é dada pelas derivadas parciais de H e G em relação a 1t e z J = G z G π H z H π onde, lembrando que se estão analisando os pontos de equilíbrio: G z = θ k z i - s π z G π = θ k π i - s z z H z = 1 - π α + β ξ z - z ¯ + μ k z i - s π H π = 1 - π ξ γ z - z ¯ + μ k π i - s z A característica da jacobiana é dada por: T = θ k z i - s π z + 1 - π ξ γ z - z ¯ + μ k π i - s z e o determinante por: Δ = γ k z i - s π - α + β k π i - s z θ z 1 - π ξ z - z ¯ Um resumo das condições de e4stabilidade suficientes é mostrado no quadro a seguir. Condições de Estabilidade Modelo Condição Caso Expansionista z < z ' estável z ' < z < z instável z > z ¯ Sela Estagnacionista z < z ¯ e d π d z | i s < d π d z | g = 0 estável z ¯ < z < z ' e d π d z | i s > d π d z | g = 0 estável z > z ¯ e d π d z | i s < d π d z | g = 0 Sela z > z ' e d π d z | i s > d π d z | g = 0 instável onde z'=z¯-μγξkπi-sz .

2. EQUILÍBRIO DISTRIBUTIVO E INFLACIONÁRIO

Neste trabalho adotamos a visão keynesiana de que os trabalhadores só podem negociar com base em salários. O salário real e a participação dos salários na renda dependem das decisões agregadas dos agentes quanto à alocação de sua riqueza e dispêndio, bem como da política de preços das empresas. Assim, desenvolvemos um modelo em que os sindicatos e as empresas negociam salários, as empresas determinam o nível de preços em função de suas expectativas com relação ao nível de demanda por seus produtos e os consumidores e investidores determinam o nível de demanda. A distribuição de renda (a participação dos lucros) e o nível de atividade (o grau de utilização da capacidade instalada) são endogenamente determinados.

Desenvolvem-se nesta seção as noções de equilíbrio inflacionário e distributivo. Quando a economia está em situação de equilíbrio, tanto a taxa de inflação quanto a distribuição de renda entre salários e lucros mantêm-se em níveis estacionários. Começamos por estudar a formação dos salários, depois a formação dos preços e, finalmente, a distribuição de renda.

A taxa de variação dos salários (w) depende da taxa de inflação passada, do grau de mobilização da força de trabalho e da capacidade esperada das empresas de lançar margens sobre os custos. Formalizamos a equação dos salários da seguinte maneira:

w = v P t - 1 + g h ; f (1)

onde v é o fator de indexação, P t-1 é a taxa de inflação do período anterior, h é a capacidade (esperada) das empresas de lançar margens sobre os custos e f é o grau de mobilização da força de trabalho. A função (g) expressa o “poder de barganha líquido de capitalistas e trabalhadores”, que, em última análise, determina o tamanho do desvio sofrido pela variação efetiva dos salários em relação ao fator de indexação.

Nas economias em que a taxa de inflação é cronicamente elevada, a taxa de ajustamento dos salários está normalmente ancorada por uma taxa oficial de indexação, estabelecida pelo governo, que pode ser maior ou menor que a taxa de inflação do período anterior, isto é, na equação 1, v(P t-1 ) ≶ P t-1 . De acordo com essa formulação, a função poder de barganha líquido (g) mede a eficácia da política salarial adotada pelo governo. Neste texto, assumiremos que v(P t-1 ) = P t-1 , isto é, que a indexação dos salários à inflação passada é plena.2 2 Há casos em que o governo, para reduzir a taxa de inflação, estabelece um fator de indexação menor que a inflação do período anterior. Contudo, a evolução efetiva dos salários depende da capacidade dos sindicatos de resistir à sua diminuição, isto é, depende da combinação do fator de indexação com o poder líquido de barganha ou fator g.

O segundo fator que afeta a taxa de variação dos salários é o grau de mobilização da força de trabalho, função f (...) da equação 1. Essa função depende da taxa de desemprego, do grau de insatisfação dos trabalhadores com o salário médio real vigente e de um conjunto de fatores políticos e institucionais. Esses últimos são influenciados pelo estágio de organização do movimento trabalhista, pelo nível de repressão política e pela estrutura de negociação coletiva.

Quanto maior a taxa de desemprego aberto, maior é o custo representado pela perda do emprego3 3 Veja Schor (1984) e Bowles & Boyer (1988). e mais difícil se torna para os sindicatos organizar e mobilizar os trabalhadores. Quanto menor o grau de mobilização, tanto menor é o poder de influência dos sindicatos sobre a taxa de variação dos salários.4 4 Até que ponto a taxa de desemprego aberto pode ser considerada uma boa medida da capacidade mobilizadora dos sindicatos é uma questão que depende do grau de segmentação do mercado de trabalho. No caso de um nível baixo de segmentação, os trabalhadores desempregados no setor formal podem substituir trabalhadores empregados no setor informal. Assim, a taxa de emprego no setor formal (e não mais a de desemprego) passa, nesse caso, a ser a variável que se deve considerar. Se, contudo, o mercado é altamente segmentado, os trabalhadores de um setor não podem transitar para outro e, portanto, a taxa de desemprego aberto se torna uma medida razoável da influência potencial do poder dos sindicatos de afetar os salários. Em lugar da taxa de desemprego, utilizaremos no modelo o grau de utilização da capacidade instalada para representar o efeito do nível de atividade sobre o grau de mobilização.5 5 A taxa de utilização da capacidade instalada não é um perfeito substituto para a taxa de desemprego. Existem diferenças setoriais entre a oferta disponível de trabalho e de capital. Há também diferenças entre a oferta agregada de capital e trabalho, que serão aqui ignoradas. Assumiremos que existe um relacionamento estável entre a taxa de desemprego e o grau de utilização da capacidade, e que a economia chegará simultaneamente a uma situação de pleno emprego e plena utilização da capacidade instalada. Em suma, admitiremos que z = 1 - u, onde z é o grau de utilização da capacidade e u, a taxa de desemprego.

Outro elemento que afeta a mobilização da força de trabalho é o grau de insatisfação com o salário médio real vigente. O grau de insatisfação - uma medida do conflito distributivo - é a diferença entre o salário real visado e o salário médio vigente. Alternativamente, o grau de insatisfação pode ser medido com a diferença entre a participação efetiva dos lucros e a participação dos lucros que corresponde ao salário visado.6 6 Se a produtividade do trabalho é fixa (o que supomos ser verdadeiro), há uma relação linear e inversa entre o salário real e a participação dos lucros na renda: π = (1 - ωh), onde ω é a participação dos lucros, co, o salário real e b, a relação trabalho/produção. Quanto maior esta diferença, maior é a insatisfação e o grau de conflito distributivo.

A definição do salário visado e da participação visada na renda é um tanto polêmica. De acordo com os “inercialistas”, o salário visado deveria ser igual à média ponderada de uma série de salários reais anteriores em que os salários mais recentes teriam maior peso. No limite, se a taxa de inflação é estável, o salário visado será igual ao salário médio vigente e a inflação será totalmente inercial. Em nosso ponto de vista, o salário visado será diferente de acordo com a economia considerada e, dada uma mesma economia, de acordo com o período considerado. Consideramos que o salário visado é fixo no curto prazo, mas pode ser alterado no longo prazo. Nesse sentido, é uma variável estrutural que sofre a influência de fatores econômicos e históricos.7 7 Neste modelo, o salário visado desempenha o mesmo papel do salário de subsistência da economia política clássica. As mudanças do salário visado podem advir de mudanças individuais na arena política (a subida ao poder de um partido socialista) ou ser simples decorrências do aumento da produtividade. Nesta discussão, trataremos o salário visado como um dado.

Entre os elementos que afetam o grau de mobilização do trabalho, encontram-se fatores institucionais e políticos. A organização do movimento trabalhista, a legitimidade dos dirigentes sindicais, o ambiente político, a estrutura da relação capital-trabalho e as negociações coletivas são, todos eles, fatores importantes que afetam a mobilização. Nas economias capitalistas democráticas, o desemprego é normalmente a principal arma usada para reduzir o ativismo dos sindicatos. Nos países latino-americanos, contudo, os regimes autoritários utilizam a repressão política como um instrumento direto de redução da mobilização. Tais fatores não podem ser formalizados com a mesma precisão com que se formalizam os outros, porém não devem ser negligenciados.

Para resumir a discussão sobre os determinantes da mobilização da força de trabalho, podemos escrever a função f (...) em forma linear da seguinte maneira:

f = β ' z - z ¯ ¯ + γ ' π - π ¯ (2)

onde z é o grau efetivo de utilização da capacidade instalada, z¯¯ está relacionado à “taxa estrutural de desemprego”8 8 A taxa estrutural de desemprego está associada a todas as formas de desemprego voluntário (tais como a procura), bem como às discrepâncias entre o tamanho e a composição do capital e o tamanho e a capacitação da força de trabalho disponível. , π é a participação efetiva dos lucros na renda e π-π é o grau de insatisfação ou defasagem distributiva. Tanto z-z¯¯ quanto π-π afetam f de maneira positiva: quando o grau de utilização é alto demais quando comparado ao grau estrutural, ou a participação dos lucros é alta demais comparada com a participação visada, a capacidade dos sindicatos de mobilizar os trabalhadores aumenta. Assim, os parâmetros β’ e γ’ são positivos.

Passamos agora a tratar da capacidade das empresas de lançar margens de lucro sobre seus custos. É comum encontrar na literatura sobre a inflação o pressuposto de que as empresas modificam suas margens seguindo a variação de seus custos variáveis, de tal maneira que as margens médias seriam virtualmente constantes ao longo do tempo. Aqui, trataremos o comportamento real das margens de lucro e da participação dos lucros na renda como variáveis endógenas.

Consideramos que as firmas tenderão a aumentar suas margens à medida que a economia se aproxima de uma situação de utilização planificada da capacidade instalada. Quando isso ocorre, as empresas passam a não ter receio de perder sua participação no mercado se aumentarem os preços, porque as outras empresas do mercado provavelmente também farão o mesmo. Isso será tão verdadeiro quanto o permitir a estrutura competitiva de cada indústria individualmente.9 9 A capacidade das firmas de lançar margens sobre custos também depende de parâmetros estruturais tais como o grau de abertura da economia. De maneira geral, consideraremos que o fator h é afetado de maneira positiva pela diferença entre o grau efetivo e o grau planificado (ou desejado) de utilização da capacidade instalada (z):

h = 1 + ξ z - z ¯ (3)

onde s é um parâmetro positivo. Assim, quando a economia trabalha com uma utilização planificada da capacidade z-z¯, as empresas lançarão margens plenas, isto é, h = 1.

Quanto maior a capacidade das empresas de aumentar suas margens (ou quanto maior a capacidade esperada), maiores serão os reajustes de salários que estarão dispostas a aceitar. Durante um período em que o grau de utilização da capacidade instalada é elevado, a capacidade de aumentar as margens será maior que num período em que o mercado consumidor está desaquecido, e as firmas serão mais flexíveis na negociação com os sindicatos. Podemos agora voltar à equação dos salários (equação 1) para escrevê-la em sua forma completa10 10 O parâmetro a representa a linearização da função g[h(...)] e os parâmetros β e γ, a linearização de g[f(...)]. :

w - P t - 1 = α ' + α z - z ¯ ¯ + γ π - π ¯ (4)

Voltando agora à equação da inflação, consideraremos que; ao fixar a taxa de variação de seus preços, as empresas aplicam integralmente o fator de indexação (P t-1 ). A taxa de inflação será maior ou menor que o fator de indexação, dependendo da maior ou menor capacidade das empresas de incorporar a seus preços uma variação de salários superior ao fator de indexação, dependendo também da situação (de excesso de demanda ou excesso de oferta) do mercado consumidor. Esta é dada pela diferença, a cada instante, entre o valor desejável para os investimentos e o volume real de poupanças (ambos como uma proporção do capital), representados respectivamente por Ki e Ks . Assim, numa situação de excesso de demanda, o investimento é maior que a poupança, ou Ki - Ks > 0.

A equação da inflação tem três componentes: o fator de indexação (P t-1 ), a capacidade de lançar margens (h) sobre o fator líquido de negociação (g) e a situação de excesso de demanda no mercado consumidor. Pode-se formalizá-la da seguinte maneira:

P - P t - 1 = h g + j K i - K s

e, na forma linear, temos:

P - P t - 1 = 1 + ξ z - z ¯ α ' + α z - z ¯ + β z - z ¯ ¯ + γ ' π - π ¯ + μ K i - K s (5)

A seguir, algumas considerações acercada equação da inflação. Em primeiro lugar, deve ficar claro que, em princípio, z¯ e z¯¯ são diferentes. A taxa de desemprego estrutural corresponde a um determinado grau de utilização da capacidade que pouco tem a ver com o nível desejável. O mercado de trabalho pode alcançar uma situação de quase pleno emprego a um nível de utilização da capacidade de 90% (z¯¯ = 0,9), mas as empresas poderão adotar como referência um nível diferente de utilização da capacidade para modificar suas margens de lucro, por exemplo 80% (z¯¯ = 0,8). Com base nisso, pode-se apenas concluir que o nível de atividade afeta de maneira diferente o mercado de trabalho e o mercado consumidor, por um lado, e o comportamento dos sindicatos e das empresas, por outro.

Uma segunda consideração refere-se à diferença entre o efeito da utilização da capacidade sobre a capacidade de lançar margens (h) e o efeito direto do excesso de demanda sobre a inflação. As margens reais poderão aumentar se, mesmo com a economia operando em níveis muito baixos de utilização da capacidade, as empresas aumentarem seus preços como uma reação a uma situação de excesso de demanda no mercado consumidor. Um aumento repentino da demanda agregada, independentemente do grau de utilização, pode provocar dois efeitos extremos: um ajustamento somente pelo lado da produção (ou utilização da capacidade) ou um ajustamento somente pelo lado dos preços.11 11 Esta é uma dicotomia interessante, embora tenha levado a extremos na análise estruturalista recente. Negligenciar a reação dos preços pode implicar políticas equivocadas, como argumentaremos a seguir. A combinação dos dois efeitos também é uma possibilidade - na realidade, esta é a possibilidade considerada em nosso modelo.

A reação das empresas a um excesso de demanda (em situações de baixa utilização da capacidade) varia de uma economia para outra e de setor para setor. Na literatura, é frequente encontrar-se o pressuposto de que, enquanto houver capacidade ociosa, as empresas responderão somente pela mudança no nível de utilização. De acordo com um modelo estruturalista típico, o efeito sobre os preços de um excesso de demanda (µ) é zero, e o fator h é igual a 1 até o ponto em que a economia atinge a utilização plena da capacidade instalada.12 12 A grande maioria dos modelos estruturalistas para a inflação adota esses pressupostos, que, de fato, constituem um dos principais ingredientes dos modelos utilizados na formulação dos choques heterodoxos. Taylor (1985) é uma exceção a esta regra. O autor considera a variação dos salários como uma função do excesso de demanda no mercado de trabalho e a variação dos preços como uma função tanto da variação dos custos (salários) quanto do excesso de demanda no mercado consumidor. Além disso, considera-se que os salários permanecem constantes até o momento em que a economia atinge o pleno emprego13 13 O pressuposto de que z¯-z¯¯ está implícito nesses modelos, isto é, que o grau de utilização correspondente à taxa estrutural de desemprego é o mesmo grau de utilização que corresponde ao planejado pelas empresas. . Ultrapassando-se esse ponto, a inflação acelerar-se-á porque os salários passarão a crescer e as margens serão aumentadas devido ao aumento de h.14 14 Ver Rowthorn (1981) para uma dicotomia de modelos em que o elemento de diferenciação é o tamanho de h dependendo do grau de utilização da capacidade. Para z<z¯, o ajustamento é inteiramente realizado através da variação na utilização, h permanece fixo e igual a 1 e os preços permanecem constantes. Quando z alcança l, isto é, quando a capacidade instalada é “totalmente” utilizada, somente as margens, e, portanto, os preços, são ajustados como reação à variação da demanda. Em Marglin (1984) z=z¯, ex-hipótese, e a combinação de uma demanda excessiva com um conflito distributivo determina o surgimento de um processo inflacionário. O modelo para a inflação de Dutt (1987) considera que tanto os trabalhadores quanto os capitalistas têm uma concepção própria do que seria uma distribuição ideal da renda e que o nível de atividade não afeta os salários nem as margens de lucro. Num certo sentido, trata-se de um modelo puro para o conflito distributivo.

Aqui devemos considerar três efeitos distintos. O efeito da variação da taxa de desemprego sobre os salários, o efeito de mudanças na relação entre o grau planejado e o grau efetivo de utilização da capacidade sobre a capacidade de lançar margens e o efeito direto de um excesso de demanda sobre a inflação, independentemente do grau de utilização.15 15 Agradecemos a Stephen Marglin por salientar a importância de tal distinção. Em economias com taxas de inflação muito altas, devido ao ruído introduzido pela dispersão dos preços relativos, as curvas de demanda tendem a tornar-se inelásticas, e as empresas conseguem aumentar preços sem risco de perder seus fregueses. Neste caso específico, seria um equívoco não fazer a distinção entre o efeito direto do excesso de demanda sobre a inflação, o efeito da utilização da capacidade sobre as margens e o efeito da taxa de desemprego sobre os salários. Desenvolveremos a diferença entre os três efeitos quando passarmos à discussão da dinâmica de curto prazo.

Uma última consideração refere-se às diferentes respostas dos setores oligopolizados e competitivos às situações de excesso de demanda. Nos setores oligopolizados, a interdependência entre as principais empresas de uma indústria determina uma reação às mudanças na demanda e nos custos em que a razão entre preços e custos variáveis sofre muito pouca alteração durante o ciclo. Tal reação está muito bem descrita nos modelos estruturalistas ou kaleckianos, nos quais o parâmetro do excesso de demanda é zero (µ = 0) e o fator h oscila em torno de 1, ou seja, é relativamente independente do grau de utilização da capacidade. Isso apenas significa que a participação dos lucros e as margens de lucro reais nesses setores são relativamente estáveis durante o ciclo.

Nos setores competitivos, a interdependência não é um fator tão importante, e as empresas tenderão a aumentar seus preços como resposta a um excesso de demanda (especialmente quando o nível dos estoques for baixo) e a alterar suas margens como resposta à variação no grau de utilização da capacidade. Nesses setores, tanto o fator h quanto o parâmetro µoscilam durante o ciclo e, portanto, variam também as margens reais e a participação dos lucros. Em suma, tanto os preços (ou taxas de inflação) quanto as variáveis distributivas são mais voláteis em setores competitivos que em setores oligopolizados. Dados os níveis relativos de oferta e demanda, as empresas no setor oligopolizado conseguem se defender melhor contra os choques inflacionários que as do setor competitivo. Durante um processo de expansão da demanda, contudo, a posição relativa do setor competitivo tende a tornar-se mais favorável.

De volta ao modelo, verificamos que o comportamento da margem real (i) e da participação dos lucros na renda (n) é dado pela seguinte expressão16 16 O ponto colocado sobre a variável indica que se trata de sua taxa de variação absoluta durante um período de tempo, ou seja, dada a variável x, o valor considerado é dx/dt onde t é o tempo. :

π 1 - π ι = 1 - π p - w = π = 1 - π { ξ z - z ¯ [ α ' + α z - z ¯ + + β z - z ¯ ¯ + γ π - π ¯ ] + μ K i - K s } (6)

Definimos o equilíbrio inflacionário como a situação em que a taxa de inflação é estável. A condição para o equilíbrio inflacionário no presente modelo é que o poder líquido de barganha entre trabalhadores e capitalistas é zero (g = 0). No caso de uma indexação integral dos salários e preços, isto é, v(P t ) = P t-1 , o equilíbrio corresponderá a uma situação de “inflação inercial pura” em que, obviamente, P t = P t-1 .17 17 Alternativamente, se v = 0 - o sistema não possui qualquer mecanismo de indexação -, o equilíbrio corresponderá a uma situação em que o nível de preços é estável. Se o fator de indexação é menor que um e maior que zero, o sistema convergirá gradualmente para uma posição de estabilidade de preços. Se, no entanto, for maior que um, a inflação acelerar-se-á sem limite.

Quando o fator que corresponde ao poder líquido de barganha é zero, a seguinte relação expressa a condição de equilíbrio inflacionário no espaço <z,1t>:

g = 0 = > π = α z ¯ + β z ¯ ¯ + γ π ¯ - α ' γ - α + β γ z (7)

o que implica que a inclinação da curva de equilíbrio é dada pela expressão:

d π d z | g = 0 = - α + β γ (8)

O equilíbrio distributivo é uma situação em que as variáveis distributivas assumem um valor estável, isto é, quando π=τ=0. O lugar dos pontos no espaço <z, π> ­para para os quais satisfaz-se a condição de equilíbrio é:

π = 0 = > d π d z | π = 0 = - ξ g + ξ z - z ¯ α + β + μ K z i - K z i ξ z - z ¯ + μ K π i - K π i (9)

A Figura 1 apresenta a curva do equilíbrio inflacionário, representado por g = 0. Note-se que, acima da curva, para uma dada participação dos lucros, o grau de utilização é maior que aquele correspondente a g = 0, indicando que o fator de poder líquido de barganha é positivo. Assim, acima da curva, g > 0 e a inflação está em aceleração.

Figura 1:
Equilíbrio Inflacionário

O comportamento da participação dos lucros e a inclinação da curva π=0 dependem do valor do poder líquido de barganha (g), do grau de utilização (z) e das derivadas parciais de Ki e Ks em relação a z e a π. Retornaremos à noção de equilíbrio distributivo depois de discutir as condições para o equilíbrio da demanda agregada.

3. EQUILIBRIO DA DEMANDA AGREGADA

O equilíbrio entre renda e dispêndio, ou equilíbrio da demanda agregada, corresponde à situação em que a poupança é igual ao investimento. Supondo que a propensão a poupar salários seja zero e que a propensão a poupar lucros seja s, a poupança, como uma proporção do capital, pode ser escrita da seguinte maneira:

K s = S K = S P P X ' X ' K = s π z (10)

onde K é o estoque de capital, P é o volume dos lucros e X’ é o nível potencial de produção. Assim, a poupança como uma proporção do capital depende da propensão a poupar lucros, da participação dos lucros na produção e do grau de utilização da capacidade18 18 Se recordarmos que, por definição, a taxa de lucro (r) é dada por r = πz, fica evidente que a equação 10 é a equação de Cambridge. .

Quanto à função de investimento, vamos considerar que as empresas levam em conta dois fatores básicos em sua decisão de investir. Em primeiro lugar, investirão mais quanto maior for o lucro esperado por unidade de produção, ou a margem de lucro esperada, e, dada a razão trabalho/produção, quanto maior for a participação dos lucros na produção. Mas não é só a lucratividade por unidade de produção que pesa na decisão de investir. Para uma dada margem de lucro, as empresas investirão mais quanto maior for o grau esperado de utilização da capacidade. É a combinação desses dois fatores que determina a taxa de lucro - em última análise, a principal condicionante do investimento. Assim, a razão investimento/capital pode ser escrita da seguinte maneira19 19 Para uma discussão sobre as formulações alternativas para a função de investimento, ver Steindl (1952), Rowthorn (1981), Taylor (1983, 1988), Dutt (1985, 1987), Marglin (1984), Marglin & Bhaduri (1986, 1988) e Amadeo (1986, 1987). :

K i = I K = K i z , π K z i > 0 e K π i > 0 (11)

O equilíbrio da demanda requer a equalização das razões Ks e Ki . Um grupo de curvas de equilíbrio de demanda pode ser traçado no espaço <z, π>,. A posição das curvas dependerá da propensão a poupar lucros e dos componentes exógenos da demanda agregada, dentre eles o déficit do governo. A inclinação da curva de equilíbrio da demanda - que denominamos doravante como curva i = s ou curva is - é dada por:

d π d z | i s = - K z i - s π K π i - s z (12)

Em princípio, à inclinação dessa curva pode ser positiva ou negativa. A condição convencional de estabilidade, segundo a qual a poupança é mais sensível à variação do nível de atividade ou da utilização da capacidade do que o investimento,20 20 Marglin & Bhaduri (1988) referem-se a essa condição como a condição keynesiana. implica que sπ>Ksi, que é um numerador positivo. Contudo, a poupança pode ser mais ou menos sensível que o investimento à variação na participação dos lucros. Se o investimento responde de maneira elástica a uma mudança na participação dos lucros, o denominador na equação 11 poderá ser positivo, em cujo caso a inclinação da curva de demanda será também positiva. Um aumento na participação dos lucros estará associado a um aumento no grau de utilização da capacidade. Marglin & Bhaduri se referem a este como o “caso expansionista”. Se o efeito de uma mudança na distribuição de renda sobre o consumo for mais forte do que sobre o investimento, a curva is terá uma inclinação negativa. Tal situação é conhecida como o “caso estagnacionista”. Neste texto, concentraremos nossa análise no último caso.

A Figura 2 mostra a curva de equilíbrio da demanda correspondente ao caso estagnacionista. Os pontos abaixo da curva de equilíbrio estão associados às situações em que a participação dos lucros é menor que a participação de equilíbrio, situações de excesso de demanda, portanto. Os pontos acima dizem respeito às situações de excesso de oferta.

Figura 2:
Equilíbrio da demanda - Caso estagnacionista

Para que tenhamos uma equação dinâmica para o grau de utilização da capacidade, devemos considerar o seguinte relacionamento entre a utilização da capacidade, o nível de produção e o nível potencial de produção:

X = z X '

que implica uma relação entre suas taxas percentuais de variação:

z * z = X * X - x ' * X '

Uma vez que o foco de nossa análise será dirigido para o curto prazo, podemos ignorar as mudanças no estoque de capital e supor que X*=0. Na mesma linha do trabalho de Marglin & Bhaduri (1986MARGLIN, S. & BHADURI, A. (1986). “Distribution, capacity utilization and growth”, mimeo, WIDER/UNU.), podemos afirmar que a variação da produção (e, dada nossa suposição, também da utilização da capacidade) é proporcional à diferença entre a razão do investimento desejado e a razão da poupança:

z = θ k i π , z - s π z z θ > 0 (13)

Esta equação implica que a utilização da capacidade estará em posição de repouso somente quando o sistema estiver colocado sobre a curva is, isto é, em situação de equilíbrio de demanda.

4. EQUILÍBRIO MACROECONÔMICO

O equilíbrio macroeconômico é definido como a situação em que o mercado consumidor está em equilíbrio (i=s) e a condição tanto para o equilíbrio inflacionário quanto para o equilíbrio distributivo está presente. Dada a configuração do sistema (propensão a poupar, “espíritos animais”, déficit do governo e determinantes do comportamento das funções f e h), os níveis de equilíbrio da capacidade das empresas de lançar margens (h), do grau de mobilização do trabalho (f), da participação dos lucros (π) e do grau de utilização da capacidade (z) são simultaneamente determinados. Quando o sistema é desviado do equilíbrio, a participação dos lucros e o grau de utilização da capacidade se ajustam simultaneamente.21 21 Em geral, salários, preços e utilização da capacidade se ajustam às situações de desequilíbrio. No caso kaleckiano, a participação dos lucros é dada (h = 1 e μ e 0), e somente a utilização da capacidade se ajusta. A Figura 3 mostra a posição de equilíbrio.

Figura 3:
Equilíbrio macroeconômico

No equilíbrio, a taxa de inflação e a participação dos lucros serão constantes e o sistema estará em uma situação de equilíbrio de inflação inercial pura. Note-se, contudo, que este equilíbrio não implica a ausência de conflito. De fato, a participação dos lucros de equilíbrio pode ser maior que a participação visada, implicando uma insatisfação por parte dos trabalhadores e um conflito distributivo. Na Figura 3, a participação de equilíbrio (π) é maior do que a participação visada (π¯). No segundo quadrante, a curva e corresponde ao nível de conflito medido por π-π¯. Quanto maior a participação de equilíbrio, maior será o grau de conflito. Contudo, se o sistema está em equilíbrio, o conflito é apenas latente e não se manifesta através da aceleração da inflação. Isto é, no grau de utilização de equilíbrio (e taxa de desemprego correspondente), os sindicatos não conseguem transformar a insatisfação dos trabalhadores com a distribuição da renda em mudanças nos salários diante do fator de indexação.

Deve-se também salientar que o grau de utilização da capacidade de equilíbrio pode tanto ser maior quanto menor que o grau que torna a capacidade de lançar margens (h) igual a 1. O nível de equilíbrio de h depende da relação entre z e z¯. Na Figura 3, o quarto quadrante mostra a linha h. Para os valores de z menores que z¯, a capacidade de lançar margens é menor que 1 e vice-versa.

Quando há um excesso de demanda no mercado consumidor (nos pontos à esquerda da curva is), haverá forças empurrando a participação dos lucros para cima. Se z<z¯ (isto é, a capacidade de incorporar a variação dos custos aos preços é menor que 1), os salários devem estar crescendo em relação ao fator de indexação para equilibrar o efeito direto do excesso de demanda sobre os preços, e fazer π=0. Em outras palavras, o poder líquido de barganha g deve estar positivo. Por outro lado, quando há um excesso de oferta, os salários devem estar caindo para fazer π=0, implicando um valor negativo de g, Assim, para z<z¯, a curva π=0 é decrescente.22 22 Seguindo a mesma linha de raciocínio, pode-se demonstrar que, quando z>z¯, a curva π∘=q0 é crescente.

5. DINÂMICA DE CURTO PRAZO

A dinâmica de curto prazo do modelo que aqui descrevemos depende crucialmente da resposta dos salários à diferença entre as taxas estrutural e real de desemprego, da resposta da capacidade de lançar margens à diferença entre a utilização plena (ou planejada) e a utilização real da capacidade e da resposta direta da inflação ao excesso de demanda.

Com o objetivo de destacar as características deste modelo, podemos compará-lo com um modelo kaleckiano estilizado. No modelo kaleckiano, z¯-z¯¯ são muito grandes e raramente são atingidos. Na prática, considera-se que os salários não dependem da taxa de desemprego e a capacidade de lançar margens (h) é igual a 1, independentemente do nível de atividade - em termos do modelo, tais pressupostos implicam que: α = β ~ = 0. Além disso, o efeito direto do excesso de demanda sobre a inflação é desprezado, vale dizer que µ = 0. 23 23 Este parece um modelo adequado para descrever o setor oligopolizado quando a economia opera com capacidade ociosa e desemprego. Não é, entretanto, um modelo adequado para descrever uma economia com um setor competitivo relativamente grande e uma inflação crônica. Na realidade, em modelos do tipo kaleckiano, somente a utilização da capacidade responde ao excesso de demanda. Nessas circunstâncias, a taxa de variação dos salários e dos preços é dada por:24 24 Esta é a interpretação de a’ na equação do preço: reflete a capacidade das empresas de lançar margens plenas sobre os custos e, como consequência, a capacidade dos trabalhadores de aumentar os salários de a’. Pode-se considerar que α’ = 0, em cujo caso a equação do preço seria dada por: p = γ π - π ¯ e p = 0 quando π-π¯

w = P = P t - 1 + α ' + γ π - π ¯

Note-se que somente um único nível de participação dos lucros é consistente com uma situação de equilíbrio inflacionário e distributivo, a saber:

π * = π ¯ - α ' / γ

Para qualquer participação dos lucros maior que π˙, a inflação sofre uma aceleração sem limite. Assim, num modelo kaleckiano com indexação plena, a existência de conflito é incompatível com uma taxa de inflação estável. Somente no caso de a indexação ser incompleta, digamos, quando v(P t-1 ) - λP t-11 , com λ < 1, é que o sistema convergirá para uma situação de inflação estável cum conflito. Nesse caso, se os capitalistas fossem capazes de impor uma participação dos lucros maior que ic, digamos n’, a taxa de inflação de equilíbrio seria dada por:

P = α + γ π ' - π ¯ 1 - λ

Note-se que, quanto maior o fator de indexação (λ), maior será a taxa de inflação. No limite, quando λ = 1, a taxa de inflação tenderá a disparar se π-π¯-α'/γ. Nesse modelo, portanto, a indexação plena e o conflito não podem coexistir no equilíbrio.

A Figura 4 mostra o caso kaleckiano. O nível de preços será estável se n, isto é, a participação dos lucros, for menor que a participação visada para compensar o efeito de a.’ sobre a inflação. Essa taxa será tanto maior quanto maior for o fator de indexação. Na figura (segundo quadrante), quando π-π¯'>π˙ e λ1 < λ2, a taxa de inflação de equilíbrio correspondente a λ2 será maior que a correspondente λ1

Figura 4:
O modelo kaleckiano

Um modelo intermediário entre o kaleckiano e o que desenvolvemos neste trabalho também deixaria de considerar a resposta dos salários à variação na taxa de desemprego e a resposta das margens de lucro à variação na utilização da capacidade. Levaria em conta, contudo, o efeito direto do excesso de demanda no mercado consumidor sobre a taxa de inflação (µ > 0).25 25 Formalmente, o modelo seria descrito pelas seguintes equações: w = P t - 1 + γ π ¯ - π P = P t - 1 + γ π ¯ - π + μ i π , z - s π z π ∘ = 1 - π μ i π , z - s π z A inclinação da curva π∘=0 seria dada por: d π d z | π ∘ = 0 = - K z i - s π K π i - s z = d π d z | i = s Neste modelo, não só a utilização da capacidade, mas também a taxa de inflação e, portanto, as margens reais e a distribuição de renda responderiam à variação no excesso de demanda no mercado consumidor.

Nosso modelo acrescenta ao mencionado acima o efeito da variação do nível de atividade sobre os salários e sobre a capacidade das empresas de lançar margens. Aqui, tanto o conflito distributivo quanto a taxa de desemprego afetam a mobilização da força de trabalho. As margens reais, por sua vez, dependem da relação entre o grau vigente e o grau planejado de utilização da capacidade, e também da magnitude do excesso de demanda (ou oferta) no mercado consumidor.

A Figura 5 mostra o caso de equilíbrio estável no modelo estagnacionista.26 26 As condições de estabilidade tanto no modelo estagnacionista quanto no expansionista são estudadas no apêndice. Nas regiões A e D, a participação dos lucros é muito elevada se comparada àquela que se verifica ao longo da curva do equilíbrio de demanda agregada (i = s), e como o modelo é estagnacionista, há uma tendência de a utilização da capacidade cair. O oposto é verdadeiro nas regiões B e C. Nas regiões A e B, a participação dos lucros é muito alta se comparada à curva do equilíbrio distributivo. A região A corresponde às situações de excesso de oferta, excesso esse que tende a reduzir as margens e a participação dos lucros.27 27 Esse efeito advém do fator de excesso de demanda da equação do preço. Por outro lado, se a capacidade de lançar margens é suficientemente pequena [z-z¯ é muito negativo], o efeito de um fator de conflito distributivo positivo, que implica um valor positivo para g, também determina uma queda na participação dos lucros simplesmente porque o aumento dos salários não está sendo totalmente repassado.28 28 Se a capacidade de lançar margens fosse maior que um, o efeito nas margens reais seria positivo. O efeito líquido sobre as margens dependeria do tamanho relativo do efeito direto do excesso de demanda sobre os preços e também de seu efeito indireto através do aumento de salários e da capacidade de lançar margens. O mesmo raciocínio pode ser aplicado às outras regiões.

Figura 5:
O modelo completo

Como já mencionado, neste modelo a presença de uma defasagem distributiva não é incompatível com uma situação de indexação plena e equilíbrio inflacionário inercial. Ao contrário do modelo kaleckiano estilizado, em que os salários são determinados somente pela defasagem distributiva, aqui o equilíbrio distributivo e inflacionário resulta do equilíbrio entre as duas forças que afetam o poder de barganha dos sindicatos: a defasagem distributiva e a situação de excesso de demanda no mercado de trabalho. Assim, supondo-se a existência de uma indexação plena de salários e preços e dependendo da taxa de desemprego, qualquer nível de participação dos lucros poderia ser compatível com uma situação de equilíbrio inflacionário.

As implicações políticas desse resultado são muito importantes. Em um modelo kaleckiano, enquanto houver equilíbrio distributivo, isto é, enquanto π=π˙, as mudanças nos determinantes da demanda agregada afetarão somente a utilização da capacidade. No modelo completo apresentado aqui, a variação da demanda agregada afeta o equilíbrio de forças entre negociadores, afetando, portanto, a taxa de inflação e a distribuição da renda. Assim, a implicação em termos de formulação de políticas do modelo kaleckiano é que a demanda não importa, ao passo que, no modelo discutido aqui, a demanda desempenha um papel central nas políticas de estabilização.

De acordo com a abordagem inercialista, se a economia está em uma situação de equilíbrio distributivo e inflação inercial pura, a eliminação do fator de indexação e um congelamento de preços serão suficientes para conter a inflação, não importa o que aconteça com o nível de demanda agregada. De acordo com nosso modelo, a situação inicial de equilíbrio só é compatível com um nível de demanda agregada e utilização da capacidade. Assim, apenas uma pequena variação da demanda será suficiente para lançar a economia numa trajetória inconsistente com o congelamento de preços.

6. AS POLÍTICAS DE ESTABILIZAÇÃO

Três tipos de políticas de estabilização podem ser estudados com a ajuda deste modelo: políticas ortodoxas de restrição da demanda, políticas de rendas e choques heterodoxos. Na Figura 6.1, é considerado o efeito de um deslocamento à esquerda da curva i = s devido a uma redução do déficit fiscal e/ou devido à disponibilidade de crédito. Uma situação de excesso de oferta será o primeiro efeito determinante de uma redução na taxa de inflação e na participação dos lucros. Numa segunda fase, a utilização da capacidade começará a cair. A queda na utilização (e no emprego) reduzirá a mobilização da força de trabalho e a capacidade das empresas de lançar margens. Contudo, se z-z¯, h será menor que um, implicando que a inflação de preços cairá menos que a inflação de salários, determinando assim um aumento da participação dos lucros. Assim, a restrição da demanda tende a reduzir as taxas de inflação, a utilização da capacidade e o emprego, aumentando as margens e a participação dos lucros.

Figura 6.1:
Política de restrição da demanda

Uma alternativa para reduzir a taxa de inflação é uma política de rendas. Em um regime político autoritário, uma alternativa é aumentar a repressão e reduzir a capacidade de mobilização da força de trabalho. Isso reduzirá o valor dos parâmetros β e γ e deslocará a curva g = 0 para a direita (ver Figura 6.2). Se h for menor que um, a inflação de salários cairá mais que a inflação de preços, determinando um aumento da participação dos lucros. Esse aumento, por sua vez, determinará uma redução na utilização e, portanto, uma redução da inflação de salários e preços. O resultado final será o mesmo que se consegue através de uma política de restrição de demanda.

Figura 6.2:
Política de rendas

Com base na discussão acima, fica claro que seria um tanto difícil implementar uma política negociada de rendas em uma economia com características de estagnação. Os sindicatos não aceitariam um plano que determinasse uma queda tanto do salário real quanto do nível de emprego. Em uma economia do tipo expansionista, o salário real e a participação dos salários na renda também cairiam, mas haveria um aumento tanto da utilização da capacidade quanto do emprego. Parece, portanto, que para que uma política negociada de rendas seja bem-sucedida, é preciso que haja ou uma forte resposta dos investimentos a mudanças na lucratividade, ou uma política ativa de demanda por parte do governo. Na Figura 6.2, um deslocamento para a direita da curva i = s poderia combinar uma redução da inflação com um aumento da utilização e do emprego.

7. CONCLUSÃO: POLÍTICAS DE ESTABILIZAÇÃO EM REGIMES DE INFLAÇÃO ELEVADA

Em termos bem simples, o problema das políticas de estabilização em regimes de inflação alta (e instável) é conseguir trazer o sistema de volta a uma “região estável”. Com base na análise desenvolvida aqui, fica evidente que isso pode requerer a combinação de uma política de rendas com uma política de administração da demanda. Essa combinação, por sua vez, poderá requerer instituições que possibilitem que a política de rendas seja eficaz e que as agruras de um controle da demanda sejam aceitáveis para a sociedade.

Um choque heterodoxo é um tipo de política de rendas. O pressuposto básico da tese inercialista é que a economia está em uma situação de equilíbrio inflacionário e distributivo, isto é, uma situação de inflação inercial pura, e que as curvas g = 0 e de equilíbrio da demanda não sofrerão qualquer mudança significativa depois do choque. Se essas condições são realmente verdadeiras, então a inflação é de fato neutra em termos da distribuição da renda e do nível de atividade, podendo ser eliminada através da abolição do fator inercial e de um controle de preços e salários. Uma questão importante na discussão dos programas heterodoxos diz respeito à situação inicial da economia. Se o plano for precedido por um período de inflação alta e acelerada, há uma probabilidade de que a economia não esteja em situação de equilíbrio distributivo e inflacionário. Nesse caso, torna-se difícil controlar preços e salários. O fato de a economia não estar em situação de equilíbrio distributivo significa que a atual combinação entre salários reais e grau de utilização da capacidade é incompatível com um congelamento.

Como qualquer política de rendas, o sucesso dos choques heterodoxos depende de um certo grau de aquiescência implícita dos principais atores sociais, ou então de uma negociação explícita entre eles. Quanto maior o grau de aquiescência ou negociação, maior a credibilidade do governo na implementação do plano. Por razões estratégicas, os choques heterodoxos não podem ser precedidos por uma negociação, mas sua implementação pode ser imediatamente seguida por uma negociação, tal como em Israel.29 29 Contudo, se o governo é legítimo e detém um certo grau de credibilidade, uma abordagem gradual baseada em negociações pode ser preferível ao choque. Em essência, o argumento é o de que, através de uma negociação constante, é mais fácil fazer os ajustamentos necessários diante da ocorrência de efeitos não previstos. Esse argumento é desenvolvido em Amadeo & Camargo (1988).

Uma negociação nem sempre é viável. É preciso que haja uma estrutura institucional adequada. Uma estrutura em que os principais grupos sociais estejam organizados de maneira centralizada para que o próprio processo de negociação coletiva seja centralizado. Um sistema centralizado garante que todos os principais grupos estejam representados no processo de negociação e sintam-se responsáveis pela implementação do programa, impedindo a ação de free riders. O grau de sincronização dos ajustes salariais “contribui para que os trabalhadores se pautem por ‘relatividades justas’, que podem beneficiar outros grupos em detrimento do grupo considerado”.30 30 Tarantellí, p. 206. Isto é particularmente verdadeiro em períodos de inflação alta e instável, em que os sindicatos e as empresas tentam defender-se das incertezas quanto à inflação futura.

Na ausência dessas instituições, é muito difícil implementar uma política de rendas bem-sucedida. No Brasil, tais instituições não existiam quando da aplicação do choque heterodoxo. Depois de vinte anos de regime militar, o movimento trabalhista estava muito desorganizado e fragmentado. Havia também razões políticas para a ausência de negociações. Os empresários não consideravam os sindicatos atores legítimos em nível nacional. O nível de credibilidade do governo era bastante baixo, o que o impossibilitava de conclamar à negociação. Por outro lado, depois de anos de achatamento, os salários começavam a se recuperar e os sindicatos não estavam muito sensíveis ao apelo da negociação.

Em Israel, o programa foi negociado. Depois do choque e alguma negociação, foi assinado um acordo salarial entre o Histadrut (a poderosa federação de sindicatos) e os empregadores. Essa negociação fez com que sindicatos e empresários se tornassem responsáveis pelo sucesso do plano. É obvio que isso reduz a chance de que um grupo importante se sinta excluído. Se os atores sociais não são consultados, cada grupo passa a ser um potencial free rider.

Um terceiro fator que afeta o desempenho dos choques heterodoxos é o comportamento da demanda. Em geral, uma política de restrição da demanda poderia afetar a dinâmica do sistema após o choque, aumentando as chances de um pouso tranquilo. Um certo grau de restrição à demanda evita o surgimento de pressões inflacionárias. A importância das políticas de demanda é maior no caso de um programa não negociado que no caso de um programa negociado, ou no caso de se haver atingido um equilíbrio distributivo antes do plano. Nos últimos dois casos, o problema distributivo estaria, por assim dizer, resolvido, isto é, o tamanho do fator de poder líquido de barganha (fator g) é zero ou próximo de zero.

A demanda também afeta a distribuição de renda entre os agentes nos setores competitivo e oligopolizado devido aos seus diferentes padrões de formação de preços e salários. Não nos detivemos em explorar tais diferenças neste artigo, deixando sua análise para um trabalho posterior. Mostraremos que essas diferenças acrescentam instabilidade ao sistema, especialmente em situações de congelamento de preços e excesso de demanda.

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  • 1
    Posições de equilíbrio se caracterizam por uma situação de estabilidade em três fatores: taxa de inflação, nível de utilização da capacidade instalada e distribuição da renda entre salários e lucros.
  • 2
    Há casos em que o governo, para reduzir a taxa de inflação, estabelece um fator de indexação menor que a inflação do período anterior. Contudo, a evolução efetiva dos salários depende da capacidade dos sindicatos de resistir à sua diminuição, isto é, depende da combinação do fator de indexação com o poder líquido de barganha ou fator g.
  • 3
    Veja Schor (1984SCHOR, S. (1985). “Changes in the cyclical pattern of real wages evidence from nine countries”, Economic Journal, 95.) e Bowles & Boyer (1988BOWLES, S. & BOYLER, L. (1987). “Income distribution, labour discipline, and unemployment”, mimeo, WIDER/UNU.).
  • 4
    Até que ponto a taxa de desemprego aberto pode ser considerada uma boa medida da capacidade mobilizadora dos sindicatos é uma questão que depende do grau de segmentação do mercado de trabalho. No caso de um nível baixo de segmentação, os trabalhadores desempregados no setor formal podem substituir trabalhadores empregados no setor informal. Assim, a taxa de emprego no setor formal (e não mais a de desemprego) passa, nesse caso, a ser a variável que se deve considerar. Se, contudo, o mercado é altamente segmentado, os trabalhadores de um setor não podem transitar para outro e, portanto, a taxa de desemprego aberto se torna uma medida razoável da influência potencial do poder dos sindicatos de afetar os salários.
  • 5
    A taxa de utilização da capacidade instalada não é um perfeito substituto para a taxa de desemprego. Existem diferenças setoriais entre a oferta disponível de trabalho e de capital. Há também diferenças entre a oferta agregada de capital e trabalho, que serão aqui ignoradas. Assumiremos que existe um relacionamento estável entre a taxa de desemprego e o grau de utilização da capacidade, e que a economia chegará simultaneamente a uma situação de pleno emprego e plena utilização da capacidade instalada. Em suma, admitiremos que z = 1 - u, onde z é o grau de utilização da capacidade e u, a taxa de desemprego.
  • 6
    Se a produtividade do trabalho é fixa (o que supomos ser verdadeiro), há uma relação linear e inversa entre o salário real e a participação dos lucros na renda: π = (1 - ωh), onde ω é a participação dos lucros, co, o salário real e b, a relação trabalho/produção.
  • 7
    Neste modelo, o salário visado desempenha o mesmo papel do salário de subsistência da economia política clássica. As mudanças do salário visado podem advir de mudanças individuais na arena política (a subida ao poder de um partido socialista) ou ser simples decorrências do aumento da produtividade.
  • 8
    A taxa estrutural de desemprego está associada a todas as formas de desemprego voluntário (tais como a procura), bem como às discrepâncias entre o tamanho e a composição do capital e o tamanho e a capacitação da força de trabalho disponível.
  • 9
    A capacidade das firmas de lançar margens sobre custos também depende de parâmetros estruturais tais como o grau de abertura da economia.
  • 10
    O parâmetro a representa a linearização da função g[h(...)] e os parâmetros β e γ, a linearização de g[f(...)].
  • 11
    Esta é uma dicotomia interessante, embora tenha levado a extremos na análise estruturalista recente. Negligenciar a reação dos preços pode implicar políticas equivocadas, como argumentaremos a seguir.
  • 12
    A grande maioria dos modelos estruturalistas para a inflação adota esses pressupostos, que, de fato, constituem um dos principais ingredientes dos modelos utilizados na formulação dos choques heterodoxos. Taylor (1985TAYLOR, L. (1985). “A stagnationist model of economic growth”, Cambridge Journal of Economics.) é uma exceção a esta regra. O autor considera a variação dos salários como uma função do excesso de demanda no mercado de trabalho e a variação dos preços como uma função tanto da variação dos custos (salários) quanto do excesso de demanda no mercado consumidor.
  • 13
    O pressuposto de que z¯-z¯¯ está implícito nesses modelos, isto é, que o grau de utilização correspondente à taxa estrutural de desemprego é o mesmo grau de utilização que corresponde ao planejado pelas empresas.
  • 14
    Ver Rowthorn (1981ROWTHORN, B. (1981). “Demand, real wages and economic growth”, Studi economici.) para uma dicotomia de modelos em que o elemento de diferenciação é o tamanho de h dependendo do grau de utilização da capacidade. Para z<z¯, o ajustamento é inteiramente realizado através da variação na utilização, h permanece fixo e igual a 1 e os preços permanecem constantes. Quando z alcança l, isto é, quando a capacidade instalada é “totalmente” utilizada, somente as margens, e, portanto, os preços, são ajustados como reação à variação da demanda. Em Marglin (1984MARGLIN, S. (1984). “Growth, distribution and inflation”, Cambridge Journal of Economics 8(2).) z=z¯, ex-hipótese, e a combinação de uma demanda excessiva com um conflito distributivo determina o surgimento de um processo inflacionário. O modelo para a inflação de Dutt (1987DUTT, A.K. (1987). “Alternative closures again: comments on growth, distribution and inflation”, Cambridge Journal of Economics.) considera que tanto os trabalhadores quanto os capitalistas têm uma concepção própria do que seria uma distribuição ideal da renda e que o nível de atividade não afeta os salários nem as margens de lucro. Num certo sentido, trata-se de um modelo puro para o conflito distributivo.
  • 15
    Agradecemos a Stephen Marglin por salientar a importância de tal distinção.
  • 16
    O ponto colocado sobre a variável indica que se trata de sua taxa de variação absoluta durante um período de tempo, ou seja, dada a variável x, o valor considerado é dx/dt onde t é o tempo.
  • 17
    Alternativamente, se v = 0 - o sistema não possui qualquer mecanismo de indexação -, o equilíbrio corresponderá a uma situação em que o nível de preços é estável. Se o fator de indexação é menor que um e maior que zero, o sistema convergirá gradualmente para uma posição de estabilidade de preços. Se, no entanto, for maior que um, a inflação acelerar-se-á sem limite.
  • 18
    Se recordarmos que, por definição, a taxa de lucro (r) é dada por r = πz, fica evidente que a equação 10 é a equação de Cambridge.
  • 19
    Para uma discussão sobre as formulações alternativas para a função de investimento, ver Steindl (1952STEINDL, J. (1952). Maturity and stagnation in american capitalism, Nova York: Monthly Review Press.), Rowthorn (1981ROWTHORN, B. (1981). “Demand, real wages and economic growth”, Studi economici.), Taylor (1983TAYLOR, L. (1983). Structuralist macroeconomics, Basic Books., 1988TAYLOR, L. (1987). “The real wage, output and inflation in the Third World”, mimeo, MIT.), Dutt (1985DUTT, A.K. (1984). “Stagnation, income distribution and monopoly power”. Cambridge Journal of Economics, 8., 1987DUTT, A.K. (1987). “Alternative closures again: comments on growth, distribution and inflation”, Cambridge Journal of Economics.), Marglin (1984MARGLIN, S. (1984). “Growth, distribution and inflation”, Cambridge Journal of Economics 8(2).), Marglin & Bhaduri (1986MARGLIN, S. & BHADURI, A. (1986). “Distribution, capacity utilization and growth”, mimeo, WIDER/UNU., 1988MARGLIN, S. & BHADURI, A. (1987a). “Profit squeeze, stagnationist models and Keynesian theory”, mimeo, WIDER/UNU.) e Amadeo (1986AMADEO, E. (1986). “Notes on distribution, accumulation and capacity utilization”, Contributions to Political Economy., 1987AMADEO, E. (1987). “The Role of capacity utilization in long-period analysis”, Political Economy.).
  • 20
    Marglin & Bhaduri (1988MARGLIN, S. & BHADURI, A. (1987a). “Profit squeeze, stagnationist models and Keynesian theory”, mimeo, WIDER/UNU.) referem-se a essa condição como a condição keynesiana.
  • 21
    Em geral, salários, preços e utilização da capacidade se ajustam às situações de desequilíbrio. No caso kaleckiano, a participação dos lucros é dada (h = 1 e μ e 0), e somente a utilização da capacidade se ajusta.
  • 22
    Seguindo a mesma linha de raciocínio, pode-se demonstrar que, quando z>z¯, a curva π=q0 é crescente.
  • 23
    Este parece um modelo adequado para descrever o setor oligopolizado quando a economia opera com capacidade ociosa e desemprego. Não é, entretanto, um modelo adequado para descrever uma economia com um setor competitivo relativamente grande e uma inflação crônica.
  • 24
    Esta é a interpretação de a’ na equação do preço: reflete a capacidade das empresas de lançar margens plenas sobre os custos e, como consequência, a capacidade dos trabalhadores de aumentar os salários de a’. Pode-se considerar que α’ = 0, em cujo caso a equação do preço seria dada por:
    p = γ π - π ¯
    e p = 0 quando π-π¯
  • 25
    Formalmente, o modelo seria descrito pelas seguintes equações:
    w = P t - 1 + γ π ¯ - π P = P t - 1 + γ π ¯ - π + μ i π , z - s π z π = 1 - π μ i π , z - s π z
    A inclinação da curva π=0 seria dada por:
    d π d z | π = 0 = - K z i - s π K π i - s z = d π d z | i = s
  • 26
    As condições de estabilidade tanto no modelo estagnacionista quanto no expansionista são estudadas no apêndice APÊNDICE Condições de estabilidade Neste apêndice, analisaremos as condições de estabilidade do modelo completo. As duas equações dinâmicas descrevem, respectivamente, o comportamento da participação dos lucros na renda e o comportamento da utilização da capacidade: H π , z = π ∘ = 1 - π { ξ z - z ¯ [ α ' + α z - z ¯ + β z - z ¯ ¯ + + γ π - π ¯ ] + μ K i π , z - s π z } G π , z = z ∘ = θ k i π , z - s π z z A jacobiana é dada pelas derivadas parciais de H e G em relação a 1t e z J = G z G π H z H π onde, lembrando que se estão analisando os pontos de equilíbrio: G z = θ k z i - s π z G π = θ k π i - s z z H z = 1 - π α + β ξ z - z ¯ + μ k z i - s π H π = 1 - π ξ γ z - z ¯ + μ k π i - s z A característica da jacobiana é dada por: T = θ k z i - s π z + 1 - π ξ γ z - z ¯ + μ k π i - s z e o determinante por: Δ = γ k z i - s π - α + β k π i - s z θ z 1 - π ξ z - z ¯ Um resumo das condições de e4stabilidade suficientes é mostrado no quadro a seguir. Condições de Estabilidade Modelo Condição Caso Expansionista z < z ' estável z ' < z < z instável z > z ¯ Sela Estagnacionista z < z ¯ e d π d z | i s < d π d z | g = 0 estável z ¯ < z < z ' e d π d z | i s > d π d z | g = 0 estável z > z ¯ e d π d z | i s < d π d z | g = 0 Sela z > z ' e d π d z | i s > d π d z | g = 0 instável onde z'=z¯-μγξkπi-sz .
  • 27
    Esse efeito advém do fator de excesso de demanda da equação do preço.
  • 28
    Se a capacidade de lançar margens fosse maior que um, o efeito nas margens reais seria positivo. O efeito líquido sobre as margens dependeria do tamanho relativo do efeito direto do excesso de demanda sobre os preços e também de seu efeito indireto através do aumento de salários e da capacidade de lançar margens.
  • 29
    Contudo, se o governo é legítimo e detém um certo grau de credibilidade, uma abordagem gradual baseada em negociações pode ser preferível ao choque. Em essência, o argumento é o de que, através de uma negociação constante, é mais fácil fazer os ajustamentos necessários diante da ocorrência de efeitos não previstos. Esse argumento é desenvolvido em Amadeo & Camargo (1988AMADEO, E. & CAMARGO, J.M. (1988a). “Policy implications of the labour mobilization model”, mimeo, PUC-RJ.).
  • 30
    Tarantellí, p. 206.
  • *
    Revisado em agosto de 1991. Agradecemos os comentários de Stephen Marglin, Lance Taylor, Alain Lipietz e Jaime Ros, bem como o trabalho editorial de Erich Antelo. Traduzido por Ricardo Borges Costa.
  • 31
    JEL Classification: E31; J52.

APÊNDICE

Condições de estabilidade

Neste apêndice, analisaremos as condições de estabilidade do modelo completo.

As duas equações dinâmicas descrevem, respectivamente, o comportamento da participação dos lucros na renda e o comportamento da utilização da capacidade:

H π , z = π = 1 - π { ξ z - z ¯ [ α ' + α z - z ¯ + β z - z ¯ ¯ + + γ π - π ¯ ] + μ K i π , z - s π z } G π , z = z = θ k i π , z - s π z z

A jacobiana é dada pelas derivadas parciais de H e G em relação a 1t e z

J = G z G π H z H π

onde, lembrando que se estão analisando os pontos de equilíbrio:

G z = θ k z i - s π z G π = θ k π i - s z z H z = 1 - π α + β ξ z - z ¯ + μ k z i - s π H π = 1 - π ξ γ z - z ¯ + μ k π i - s z

A característica da jacobiana é dada por:

T = θ k z i - s π z + 1 - π ξ γ z - z ¯ + μ k π i - s z

e o determinante por:

Δ = γ k z i - s π - α + β k π i - s z θ z 1 - π ξ z - z ¯

Um resumo das condições de e4stabilidade suficientes é mostrado no quadro a seguir.


Condições de Estabilidade

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 1992
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