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O padrão de financiamento na industrialização coreana* * O presente texto tem como base o item 4.4 de Canuto (1991a).

The financing pattern in the Korean industrialization

Resumo

Este artigo esboça algumas características básicas do padrão de finanças prevalecente durante o processo coreano de industrialização pesada nos anos setenta, bem como a reestruturação financeira pela qual a economia coreana conseguiu superar a crise da dívida externa nos anos oitenta. A ênfase é colocada na privatização coreana de bancos estatais e passivos externos correspondentes, em contraste com a absorção pelo Estado no caso brasileiro.

Palavras-chave:
Industrialização; investimento; setor bancário; crédito

Abstract

This paper sketches some basic features of the pattern of finance prevailing during the Korean process of heavy industrialization in the seventies, as well as the financial restructuring by which the Korean economy managed to cross over the foreign debt crisis in the eighties. Emphasis is laid upon Korean privatization of state banking and corresponding foreign liabilities, as contrasted to the state absorption in the Brazilian case.

Keywords:
Industrialization; investment; banks sector; credit

1. INTRODUÇÃO

A industrialização pesada sul-coreana, como as demais experiências de desenvolvimento industrial “tardio”, envolveu descontinuidades quantitativas e qualitativas nos processos locais de acumulação de capital, superáveis apenas mediante centralização financeira (Canuto, 1993CANUTO, O. (1993) “Aprendizado tecnológico na industrialização tardia”. Economia e Sociedade, n.2, agosto, pp. 171-89. ). Também como em outros casos, recorreu massivamente ao sistema bancário privado internacional nos anos 70, período em que se concentrou seu drive em direção à indústria pesada (metalurgia, química e metal-mecânica).

Por outro lado, peculiaridades da experiência coreana, em relação ao Brasil, por exemplo, podem ser apontadas:

  • uma descontinuidade financeira ainda mais acentuada, em decorrência da estrutura do capital local herdada de sua inserção internacional anterior;

  • menor participação de investimentos diretos externos e, portanto, maior presença relativa de ingresso de empréstimos externos e centralização de fundos por agentes locais ao longo da industrialização pesada;

  • tal centralização foi exercida majoritariamente pelo Estado, por meio de estatização do sistema bancário (1961-1981/83) e do comando sobre a liquidez externa ingressada; e

  • a Coréia do Sul pôde atravessar a crise do processo de endividamento externo das economias periféricas da primeira metade dos anos 80 sem rompimento da “normalidade” em suas relações financeiras com o exterior, ao mesmo tempo em que procedia a uma reestruturação com upgrading de seu parque industrial.

No presente texto, descrevemos sucintamente alguns aspectos centrais do padrão de financiamento industrial coreano nos anos 70 (seção 2), bem corno o ajustamento financeiro externo (seção 3) e modificações ocorridas em seu sistema financeiro (seção 4) na primeira metade dos anos 80.

2. O FINANCIAMENTO À INDUSTRIALIZAÇÃO PESADA

Após a reestatização do sistema bancário de âmbito nacional em 1961, o comando estatal sobre os fluxos de crédito interno e externo tornou-se quase absoluto. No lado interno, a única alternativa aos cinco bancos comerciais de atuação nacional era o reprimido mercado semilegal de crédito, sem amplitude nem condições de operação suficientes para transações significativas de crédito a baixo custo. A Tabela 1 mostra que, enquanto os bancos oficiais ofereciam empréstimos altamente subsidiados à exportação, o mercado semilegal funcionava com patamares de juros reais elevados.

Tabela 1:
Coréia do Sul- Taxas reais de juros, 1960-1984 (em%)

No tocante ao crédito externo, Park (1986PARK, Y-C. (1986) “Foreign debt, balance of payments, and growth prospects: the case of the Republic of Korea, 1965-88”. World Development 14(8), pp. 1019-58. ) ressalta a incapacidade das empresas sul-coreanas, nos anos 60 e 70, para obter empréstimos no exterior sem garantias de pagamento emitidas pelas instituições financeiras domésticas controladas pelo governo. Nesse contexto, “principalmente através do sistema de garantia, o governo “regulava” o acesso aos mercados internacionais de capital, a destinação setorial do capital externo e os tipos de projetos de investimento a serem financiados por empréstimos externos” (p. 1036).

A Tabela 2 complementa a Tabela 1, expondo também como, mediante valorização cambial, os custos reais, em moeda local, com juros dos empréstimos externos, foram rebaixados a patamares também negativos até o início dos anos 80.1 1 Três observações devem ser feitas: (a) a periodização na tabela esconde em parte a forte elevação de taxas de juros internacionais entre 1979 e 1982; (b) a sobrevalorização cambial, evidenciada na tabela, apesar de parcialmente compensada via subsídios financeiros, implicou, para as firmas beneficiadas por empréstimos, maior pressão exercida por metas de exportação associadas a muitos dos empréstimos; (c) as taxas de captação locais mantiveram-se em níveis próximos (Tabela 1 ), mediante corrosão inflacionária, enquanto as taxas de expansão monetária - conceitos M1 e M2 -tiveram médias anuais entre 25% e 43% ao longo da década de 70 (Park, 1986, p. 1031). Os déficits em conta corrente no balanço de pagamentos que acompanharam a industrialização dos anos 70 (Tabela 3) foram cobertos pelo recurso ao sistema financeiro privado internacional, período durante o qual a dívida externa bruta total cresceu de US$ 2 bilhões em 1970 para US$ 27 bilhões ao final de 1980 (Canuto, 1991aCANUTO, O. (1991a) Processos de Industrialização Tardia: o “Paradigma” da Coréia do Sul. Instituto de Economia da Unicamp, tese de doutorado, dezembro. , p. 195).

Tabela 2:
Coréia do Sul - Custo de empréstimos externos (médias anuais 1966-1983 - em %)
Tabela 3:
Coréia do Sul - Indicadores macroeconômicos (1978-1987 - em%)

Ao mesmo tempo, tal crédito externo somou-se ao crédito interno - ao investimento fixo e ao capital circulante, em alguns casos vinculados a metas de exportação - para compor a massa de fundos de financiamento para a indústria pesada. A Tabela 4 mostra como os empréstimos externos dentro da indústria foram dirigidos aos setores pesados, com destaque para a siderurgia estatal nos anos 70.

Tabela 4:
Coréia do Sul-Alocação de empréstimos externos (1966-1982)

A questão da descontinuidade quantitativa nos processos de acumulação de capital, intrínseca à industrialização pesada tardia (Canuto, 1993CANUTO, O. (1993) “Aprendizado tecnológico na industrialização tardia”. Economia e Sociedade, n.2, agosto, pp. 171-89. ), foi enfrentada mediante:

  1. a centralização de fundos investíveis - de origem interna ou externa - pelo Estado, por intermédio de seus bancos. Mesmo nos casos em que o aporte de recursos externos não passava diretamente pela intermediação bancária local, a monitoria estatal sobre o acesso direto das empresas locais ao crédito interno completava o comando centralizado. Park (1986PARK, Y-C. (1986) “Foreign debt, balance of payments, and growth prospects: the case of the Republic of Korea, 1965-88”. World Development 14(8), pp. 1019-58. , p. 1037) observa, inclusive, que, na maioria dos projetos, apenas uma parcela era financiada externamente, com o restante a ser obtido das fontes domésticas controladas pelo Estado. Com esse procedimento, o Estado virtualmente podia exercer o crivo decisório sobre todos os projetos maiores de investimento; e

  2. a alocação de tais fundos primordialmente direcionada à indústria pesada.

Conforme descrito por Amsden (1989AMSDEN, A. (1989) Asia ‘s Next Giant. Nova York, Oxford University Press. , pp. 81-5), a articulação intra-Estado envolvia um exercício de planejamento “de cima para baixo”, no qual a iniciativa e a prioridade de investimentos estavam quase sempre em propostas realizadas pelo próprio Estado ao setor privado.

A Tabela 5 revela como a industrialização pesada sul-coreana se fez acompanhar por um grau de alavancagem financeira de suas firmas só comparável ao caso japonês, ressalvando-se ainda que:

Tabela 5:
Razão dívida/capital próprio na indústria de transformação - Países selecionados (1974-1985 - em %)
  1. os dados referem-se a níveis médios para a razão dívida/capital próprio, enquanto na Coréia do Sul a alocação do crédito foi, nos anos 70, principalmente concentrada na indústria pesada e nos chaebol (os ultra diversificados conglomerados coreanos), seus executores. Para se ter uma ideia, no ano de 1983 os conjuntos dos 5 e 30 maiores conglomerados absorveram, respectivamente, 24% e 48% do total do crédito bancário (Steinberg, 1988STEINBERG, D. (1988) “Sociopolitical factors and Korea’s future economic policies”. World Development 16(1), pp. 19-34. , p. 33n), quando já passara o auge de seu crescimento com endividamento. Nos anos 70, também segundo Steinberg, enquanto a razão dívida/capital próprio média esteve em 360%, o mesmo índice situou-se em torno de 455% para os chaebol; e

  2. os conglomerados japoneses possuem bancos, circunstância em que seu endividamento se dá intrafirma. Os bancos estatais e o caráter “de cima para baixo” na definição de investimentos diferenciaram a experiência sul-coreana em relação ao consensus-building japonês. Na reprodução “tardia” do modelo japonês pela Coréia, a liderança estatal foi mais forte.

A Tabela 6 mostra a composição dos fluxos correntes de financiamento às empresas da indústria de transformação, destacando o papel dos empréstimos bancários locais e externos.

Tabela 6:
Coréia do Sul - Composição das fontes de fornecimento às corporações (S.A.) na indútria de transformações (1972-1984 - em%)

Uma peculiaridade do arranjo sul-coreano tornou-se, então, a “exposição” dos bancos estatais em relação aos chaebol e, simultaneamente, a vulnerabilidade destes em relação aos primeiros. Dados os níveis de alavancagem financeira e a concentração temporal dos investimentos na indústria pesada, tratava-se, ao menos durante o período, de um processo de crescimento com endividamento de cada grupo como um todo, no qual as receitas de suas atividades correntes eram usadas para compor a parcela de recursos próprios em novos investimentos, em vez de servir para o resgate das dívidas anteriores. Nesse contexto, quanto mais cresciam os chaebol, mais se tornava uma simbiose sua relação com o objetivo estatal de rápida industrialização.

3. O AJUSTAMENTO FINANCEIRO EXTERNO

Tal padrão de financiamento sofreu um duplo abalo no início dos anos 80, tanto pelo lado dos passivos externos, quanto pelo lado dos ativos problemáticos em vários setores com capacidade ociosa - navegação, construção civil pesada de exportação, petroquímica, maquinaria, metais não-ferrosos e outros. Contudo, diferentemente de outros casos na periferia - como o Brasil, por exemplo-, a Coréia do Sul pôde passar para uma nova fase sem atravessar uma ruptura traumática com o padrão anterior de financiamento externo. Vejamos como:

O patamar do investimento interno bruto no PIB manteve-se elevado mesmo nos primeiros anos da década de 80 (Tabela 3), acompanhando o esforço de transição na estrutura industrial, vale dizer, consolidação das novas prioridades (a eletrônica e a automobilística) e reestruturação de ramos fragilizados. Os resultados se fizeram sentir posteriormente, no crescimento com upgrading dos anos 80, puxado por exportações em segmentos com dinamismo tecnológico e de mercado na eletrônica e na automobilística, as quais permitiram gradual eliminação do déficit comercial de bens e serviços e em conta corrente, bem como redução absoluta na dívida externa. A própria recuperação do crescimento do PIB permitiu rápida ocupação de capacidade nos ramos à volta com ociosidade - como na maquinaria pesada, objeto de reestruturação no início dos anos 80 e já demonstrando recuperação em meados da década (World Bank, 1987WORLD BANK (1987) Korea: Managing the Industrial Transition. Washington. (2 vols.).).

Conforme visto na mesma Tabela 3, tal transição se deu em meio a fortes aumentos, enquanto proporções do PIB, na “renda líquida enviada ao exterior”, no déficit comercial de bens e serviços e, consequentemente, no déficit em conta corrente. Refinanciamento e novos recursos (cobrindo o déficit comercial de bens e serviços, além do serviço da dívida efetuado, sem pressão sobre as reservas cambiais - Tabela 7), às taxas de juros vigentes, elevaram a dívida externa de 35,8% do PIB em 1979 a 53,9% em 1985. Em 1986 aparece um saldo positivo no comércio de bens e serviços e em conta corrente, com redução da razão dívida externa total/PIB para 29,5% em 1987. Enquanto o PIB crescia a taxas anuais superiores a 11% entre 1985 e 1988, a dívida externa nominal declinava de US$ 46,8 bilhões em 1985 para US$ 28,5 bilhões em abril de 1989 (Mármora e Messner, 1990MÁRMORA, L. & MESSNER, D. (1990) “Los escombros teóricos de la investigación del desarrollo: una comparación entre Argentina y Corea del Sur”. Nueva Sociedad, ns 110, nov/dez., pp. 13-23. , p. 17), sem instabilização nas relações monetário-financeiras com o exterior, pelo contrário, com adaptação ao novo perfil do movimento da liquidez internacional, a julgar por seu uso crescente de securities como forma de captação de liquidez externa.2 2 Segundo lqbal (1988, pp. 146-7), “talvez o desenvolvimento particular mais importante nos mercados financeiros internacionais, nos anos recentes, tenha sido a tendência à securitização. ( ... )A parcela do financiamento mediante títulos de dívida (debt securities) cresceu de 21 % em 1981 a cerca de 52% em l985”. Para os países em desenvolvimento, “os empréstimos bancários caíram de US$ 53 bilhões em 1981 para US$ 14 bilhões em 1985, enquanto a emissão bruta de títulos se expandiu de US$ 4 bilhões para US$ 10 bilhões” - dos quais a Coréia do Sul foi um dos poucos países de destino.

Tabela 7:
Coréia do Sul- Dívida externa bruta (1978-1985 - US$ milhões)

A nosso juízo, três aspectos específicos à experiência sul-coreana são essenciais no entendimento de seu ajuste nas relações monetário-financeiras com o exterior:

  1. Os programas de reconversão industrial e de aceleração do upgrading na automobilística e na eletrônica prepararam a estrutura industrial para a possibilidades de crescer exportando, mediante inserção em segmentos com maior elasticidade-renda nos mercados mundiais e racionalização do parque já instalado. Evidentemente, o êxito da estratégia supôs: (a) o mesmo aprendizado tecnológico rápido que caracterizara a década anterior (Canuto, 1993CANUTO, O. (1993) “Aprendizado tecnológico na industrialização tardia”. Economia e Sociedade, n.2, agosto, pp. 171-89. ); e (b) fontes de financiamento (e tecnologia) para sustentar a transição, justamente num momento de intensificação nos déficits comerciais e na pressão exercida pelo serviço da dívida.

  2. Nesse contexto, a Coréia do Sul pôde encontrar alternativas à saída dos bancos norte-americanos e conseguiu manter a elevação do coeficiente dívida/PIB. Enquanto os empréstimos líquidos pelos grandes bancos dos Estados Unidos caíam de US$ 2,3 bilhões em 1981 para US$ 0,7 bilhões em 1983, com reversão dos fluxos para pagamento líquido de US$ 2,5 bilhões em 1984-1985, bancos japoneses e novos instrumentos de captação - securities - preenchiam a lacuna (lqbal, 1988IQBAL, F. (1988) “External financing for Korea: the next phase”. World Development 16(1) pp. 137-55. , p. 147). Bônus e títulos similares ascenderam, na composição do ingresso de crédito na Coréia, de 1,6% entre 1977 e 1981 para 10% em 1982 e 25,3% em 1984.

  3. A disponibilidade dessas duas fontes alternativas de financiamento afigurou-se viável, entre outras razões, em decorrência da estrutura do débito externo sul-coreano, no tocante à responsabilidade pelos encargos. Como se vê na Tabela 7, a despeito do fato de que o setor público participava intensamente, em termos absolutos, da ampliação da dívida, o setor privado e as instituições financeiras - incluindo os bancos privatizados entre 1981 e 1983 - somaram sempre mais de 50% do estoque de débitos de longo prazo. Um porcentual superior a 80% da dívida sempre esteve sob garantia governamental direta ou indireta. Contudo, isso não significou uma absorção pelo Estado dos passivos externos, apesar de problematizados pelas taxas de juros aumentadas e pela resistência à rolagem pelos credores norte-americanos.3 3 Sugeriremos adiante motivos para o não-recurso, por devedores sul-coreanos, à possibilidade de repasse ao Estado avalista.

Enquanto as empresas industriais começavam a se livrar dos empréstimos externos em 1981 (Tabela 6), o sistema financeiro em curso de privatização crescia em participação no estoque da dívida (Tabela 7). Ora, quem assumiu o controle acionário dos bancos foram os chaebol maiores (Leipziger, 1988LEIPZIGER, D.M.. (1988) “Industrial restructuring in Korea”. World Development 16(1), pp. 121-35. , p. 129), também dominantes nas instituições financeiras não bancárias que cresceram na década (Steinberg, 1988STEINBERG, D. (1988) “Sociopolitical factors and Korea’s future economic policies”. World Development 16(1), pp. 19-34. , p. 28, 33n), as quais eram exatamente as empresas que haviam sido os principais tomadores privados de empréstimos externos. Agora, nos anos 80, do ponto de vista dos compradores internacionais de securities e dos bancos japoneses, tratava-se de financiar estruturas patrimoniais de blocos de capital internacionalizados, cujos passivos em divisas tinham receitas regulares de exportação como contrapartida, além de uma necessidade de manter a normalidade em suas relações financeiras internacionais. No caso dos bancos japoneses, os elos comerciais, financeiros e tecnológicos já vinham da década anterior (Canuto 1991aCANUTO, O. (1991a) Processos de Industrialização Tardia: o “Paradigma” da Coréia do Sul. Instituto de Economia da Unicamp, tese de doutorado, dezembro. , pp. 184-94).4 4 Um confronto com a experiência brasileira, por exemplo, não poderia deixar de salientar que: (i) nesta, a razão dívida/PIB não chegou a patamares próximos de 50%-esteve, por exemplo, em 23% ( 1980), 30% (1984) ou 32% (1989); (ii) rules of thumb com base em coeficientes de exportações/PIB ou serviço da dívida/exportações nada significam sem a consideração dos saldos comerciais, e, nesse aspecto, enquanto os déficits comerciais no PIB coreano ascendiam vertiginosamente, em 1983 já emergiam superávits brasileiros, sem que se estabilizassem as relações com a comunidade financeira internacional; (iii) coeficientes de exportação/PIB elevados só representaram uma associação entre o crescimento coreano e o dinamismo econômico internacional dos anos 80 porque seus investimentos não estagnaram, nem mesmo no momento da transição em pleno auge da crise do endividamento periférico. Não se pode associar os diferenciais de crescimento entre as economias coreana e brasileira, nos anos 80, estritamente a diferentes graus estruturais de abertura comercial em meio a uma conjuntura externa favorável, sem se considerar o que condicionou a dinâmica dos investimentos em cada um dos casos; (iv) no Brasil, a participação direta do setor público na dívida externa total ascendeu de 52% (1973) para 63% (1978) e 76% (junho de 1984), desdobrando-se a crise de endividamento externo em um desequilíbrio entre agentes superavitários e deficitários em divisas em nível local, com consequentes dificuldades de refinanciamento externo, além da estagnação decorrente da erosão fiscal-financeira do Estado ao longo do processo. Em nosso entendimento, na Coréia, nenhum vínculo estratégico com o capital e o Estado japoneses teria sido condição suficiente para seu ajuste estrutural caso tivesse atravessado a crise com uma estrutura da dívida em que a responsabilidade dos encargos estivesse, como no Brasil, associada à insolvabilidade; (v) o upgrading industrial sul-coreano reforçou sua inserção internacional com base em uma estrutura de comércio na qual os termos de troca só melhoraram após o 2o Choque do Petróleo (World Bank, 1987, Tabela A4.2).

4. A REFORMA FINANCEIRA

As alterações no padrão de financiamento externo tiveram, simultaneamente, uma contrapartida em sua face interna, nas relações financeiras entre o Estado e os agentes privados locais. Dois foram os principais pontos da reforma financeira implementada nos primeiros anos da década de 80:

  1. a supracitada privatização dos bancos, de 1981 a 1983, incluindo a autorização para dois novos bancos de atuação nacional, sob a forma de joint ventures com bancos estrangeiros, em 1981 e 1982; e

  2. a desregulamentação das operações das instituições financeiras não bancárias (companhias de seguro, intermediárias de securities, financeiras de curto prazo etc.)

Esse movimento de liberalização financeira foi apontado na literatura ortodoxa como parte de uma reconversão sul-coreana aos “sólidos princípios neoclássicos”, em um pacote de reformas que teria abrangido também a substituição de incentivos setorialmente discriminatórios por estímulos a “funções” - de caráter geral, como atividades de P&D, bem como uma redução no protecionismo. Teria então ocorrido uma descoberta tardia das “virtudes” do liberalismo, uma autodissolução do projeto estatal relativamente “demiúrgico” que comandara a industrialização? No que segue, tentamos realçar como a reforma financeira manifestou a permanência dos atributos de seletividade, flexibilidade e antecipação a que sempre correspondeu a coerência na “autonomia relativa” do projeto estatal-desenvolvimentista sul-coreano (Canuto & Ferreira, 1989CANUTO, O. & FERREIRA, H. (1989) “Coréia do Sul e Taiwan: aspectos histórico-estruturais e de política industrial”. Suzigan, W. et alii, Reestruturação Industrial e Competitividade Internacional, São Paulo, SEADE pp. 341-411. ).

Antes de tudo, cumpre observar como as mudanças de foco estratégico, na planificação industrial, implicaram mudança de funções para a intermediação financeira, mudança reforçada pelos eventos econômicos externos.

A transição da montagem não qualificada para a “fabricação qualificada”, na eletrônica e na automobilística (Canuto, 1993CANUTO, O. (1993) “Aprendizado tecnológico na industrialização tardia”. Economia e Sociedade, n.2, agosto, pp. 171-89. ), completava um grande ciclo de investimentos em capital fixo financeiramente alavancados mediante intermediação financeira estatal. Com algumas exceções - como o aço, havia se montado um parque industrial pesado com capacidade instalada e incorporação de tecnologia mais que suficientes, ao menos por vários anos, para a produção interna e para exportação - em alguns casos, já citados, com capacidade excedente até muito elevada. Ora, não havia sentido ampliar as dimensões de tal parque industrial, mormente quando:

  1. internacionalmente, aguçava-se a capacidade ociosa nos setores de processamento contínuo (metalurgia, química pesada) e em alguns ramos metal-mecânicos (construção naval etc.), presente já desde os anos 70; e

  2. findara a era da liquidez abundante e de baixo custo dos anos 70, correspondente à superoferta de empréstimos à periferia no bojo da internacionalização dos sistemas bancários privados. O grau de “exposição” desses bancos em relação a países periféricos individualmente, a política monetária norte-americana, a crescente insolvabilidade dos devedores etc. compunham um cenário, então já visível, de ruptura com o padrão financeiro internacional anterior - uma questão já apontada pela “heterodoxia” da época.

As oportunidades de aprofundamento/diversificação industrial, em termos de mercados locais e/ou externos, por sua vez, não estavam em geral associadas a ondas de investimento em capital fixo na magnitude das anteriores (com raras exceções, como na siderurgia estatal, em que o êxito exportador da POSCO convivera com importações siderúrgicas líquidas em vários segmentos). Além disso, o amadurecimento dos investimentos dos principais chaebol e sua consolidação comercial e financeira internacional já lhes permitira entrar em nova fase. A Tabela 6 mostra como, entre 1981 e 1984, os desembolsos com a dívida externa das empresas industriais se deram em concomitância com seu maior autofinanciamento, sem que os chaebol tivessem deixado de crescer via take-over e de investir maciçamente na eletrônica (na qual os quatro maiores investiram US$ 3,5 bilhões em instalações, equipamentos e P&D, apenas em 1986 - World Bank, 1987WORLD BANK (1987) Korea: Managing the Industrial Transition. Washington. (2 vols.).).

Na eletrônica, bem como nas novas atividades de alta tecnologia eleitas como prioritárias (novos materiais, química fina), a direção da política de fomento industrial apontava agora para as atividades em P&D (Piragibe 1988PIRAGIBE, C. (1988) Relatório da Missão de Política Industrial à Ásia - 2ª Parte: Coréia do Sul. Ministério da Ciência e Tecnologia, março (mimeo. ).5 5 Os incentivos “funcionais” ao P&D de caráter geral’’ são setorialmente específicos! Nesse caso, incentivos fiscais e financeiros passariam a ser de apoio aos gastos privados em P&D. Não apenas isso; o padrão de gastos públicos teria de se modificar em direção a instituições e tarefas extra produtivas, isto é, para montagem de laboratórios de P&D, projetos de pesquisa conjunta entre firmas e o Estado, parques científico-industriais e outros tipos de infraestrutura e atividades que fazem a ponte entre ciência e tecnologia. Em lugar dos subsídios financeiros, bancados mediante endividamento externo, baixas taxas de captação da liquidez local “cativa” nos bancos oficiais, frouxidão na política monetária e subsídios orçamentários do governo, colocava-se agora a primazia de gastos diretos por este último. A propriedade estatal do sistema bancário exaurira sua funcionalidade no novo perfil da política industrial.

Adicionalmente, no tocante à estrutura de ativos e passivos bancários herdada do período anterior, repassada ao setor privado com a venda das ações dos bancos, os seguintes aspectos não podem ser esquecidos:

A privatização dos bancos não foi responsável por substancial alteração na capacidade e no estilo de gestão estatal dos patrimônios financeiros na economia sul-coreana. Uma característica da intermediação financeira estatizada, na Coréia, foi sempre o cumprimento de funções “ativas”, e não apenas das “passivas”, ou seja, não só das funções de aglutinação e repasse de liquidez e capital a juros.6 6 Sobre tais funções “passivas” e “ativas” na centralização financeira de capital, v. Tavares (1978, cap. 3), em que essa autora sugere a presença das primeiras, sem as segundas, na parcela da centralização financeira efetuada pelo Estado na industrialização brasileira. Na posição de credor ou, simplesmente, de regulador, o Estado ocupou, desde os anos 60, papel central não apenas na montagem, como também na reestruturação de setores, particularmente quando o aparato de suporte governamental estabelecido se revelava insuficiente para a “saúde” destes. Nesse último caso, quer as dificuldades se originassem de elementos fora de controle das firmas envolvidas, quer decorressem de opções estratégicas reveladas como equívocos ex post, a atuação governamental frequentemente incorporava “castigos”, e não só “estímulos”.

Diante de situações de sobrecapacidade - como em muitos casos ao final dos anos 70 - ou de baixa apropriação de economias de escala, o Estado capitaneou negociações em torno de fusões, especializações em segmentos distintos de mercado ou, simplesmente, saída de firmas. Frequentemente, o Estado usou sua posição - como credor e fonte de novos recursos subsidiados para reconversão de atividades produtivas - para deixar prevalecer ou para impor transferências de propriedade, com “queima” parcial ou total dos capitais vulnerabilizados. Nos casos de problemas estruturais e não apenas de “má gestão”, a transferência se dava, inclusive, a contragosto dos receptores dos ativos, como preço a ser pago por privilégios em outras atividades.

World Bank (1987)WORLD BANK (1987) Korea: Managing the Industrial Transition. Washington. (2 vols.)., Amsden (1989AMSDEN, A. (1989) Asia ‘s Next Giant. Nova York, Oxford University Press. ) e Chang (1990CHANG, H.J. (1990) Interpreting the Korean Experience - Heaven or Hell? University of Cambridge (mimeo). ) dão exemplos:

  • a firma que ocupava a maior parcela do mercado automobilístico nos anos 60 foi à falência na década posterior, em face da concorrência com o carro Pony da Hyundai e de sua incapacidade de adaptação após o Choque do Petróleo. O governo, como banqueiro, repassou as ações da empresa para a Daewoo;

  • na eletrônica, dificuldades financeiras da divisão de eletrônica de consumo do Grupo Taihan permitiram sua absorção pela Daewoo, sob os auspícios do governo;

  • na indústria de fertilizantes, o tratamento do excesso de capacidade passou por fusão e sucateamento programado, com anulação de ativos;

  • na indústria de cimento, a firma que dominava o mercado nos anos 70 acabou falindo por optar pela tentativa de tornar ótimo o uso de sua velha tecnologia, em vez de transitar para uma nova. Suas instalações produtivas foram transferidas pelo governo para um membro dos chaebol (Ssangyong);

  • na construção pesada de exportação - relevante, em nosso caso, pelos seus débitos com os bancos oficiais, firmas foram compelidas a se retirar de “concorrências” no exterior e outras a abdicar da gestão ou da propriedade para firmas mais fortes. Enquanto o número de firmas caía de 105 para 49 nos anos 80, 3 das 15 maiores foram repassadas a membros do grupo de chaebol, sem um movimento governamental de resgate do conjunto do setor;

  • na navegação - outro setor problemático para a carteira de ativos dos bancos - o governo interveio diretamente, definindo o tamanho da frota a permanecer e a correspondente estrutura de firmas;

  • na maquinaria, à volta com grande capacidade ociosa (equipamento elétrico pesado, motores a diesel, geradores, sistemas de comutação eletrônica), os maiores conglomerados receberam a incumbência da reestruturação, por meio de fusões e redistribuição de propriedade, com divisão de áreas de especialização;

  • na indústria de máquinas têxteis, o grupo Ssangyong foi obrigado pelo governo a assumir uma fábrica falida;

  • no que talvez seja a maior demonstração de força de gestão patrimonial, aquele que era o sexto maior conglomerado - Kukje - teve, em 1985, sua dissolução decretada, com seus ativos repartidos entre os demais - dando-se o mesmo com a Korea Shipbuilding Engineering Company e com outros casos de fragilização financeira, já após a privatização bancária.

A privatização dos bancos comerciais não alterou o caráter de “emprestador em última instância” do Estado, atributo passível de exercício tanto diretamente como pelos bancos, inclusive porque os principais setores ainda problemáticos - construção pesada e navegação - são os grandes inadimplentes nas carteiras dos bancos comerciais. No tocante aos demais setores relevantes, dominados pelos conglomerados, já se buscava a sua autonomização financeira, com ou sem a privatização bancária. Por outro lado, o momento ainda intermediário dessa transição impôs aos chaebol, independentemente do peso exercido pela estrutura de passivos externos e dos ativos problemáticos locais sobre os bancos, a exigência do controle acionário destes, detentores ainda de grande parte de seus débitos.

Uma nova estrutura de intermediação vem emergindo com a expansão das instituições financeiras não bancárias, após a desregulamentação de suas operações no início da década. Essas instituições, das quais os conglomerados são simultaneamente os maiores proprietários, credores e tomadores de crédito, expandiram sua parcela no total de depósitos no sistema financeiro de 27% em 1980 para 42% em 1985 (World Bank, 1987WORLD BANK (1987) Korea: Managing the Industrial Transition. Washington. (2 vols.)., Tabela A.7). Operando a taxas de juros menos distantes do mercado semilegal, essas instituições vêm substituindo os bancos ex-estatais na intermediação financeira, enquanto estes carregam, à parte, os principais restos da estrutura de ativos e passivos formada nos anos 70 - recebendo infusões de crédito do Bank of Korea, para a rolagem de débitos, nos casos considerados como estratégicos pelo governo (como a navegação, tida como de “segurança nacional”).

O déficit fiscal do governo, enquanto isso, foi gradualmente reduzido de 3,4% do PIB em 1981 para 1% nos últimos anos (Tabela 3), sem ter atravessado momentos de “fragilidade financeira” em sua sustentação. Para tanto, certamente contribuíram a eliminação de subsídios orçamentários não mais necessários e a ausência de uma absorção maciça de dívidas privadas, além da continuidade no crescimento econômico.7 7 Vale lembrar a permanência dos gastos militares e o fato de que, tanto antes quanto hoje; os gastos sociais pelo Estado têm sido pouco significativos. O ajuste fiscal se deu no bojo das relações entre o Estado e as empresas.

Em termos genéricos, a uma dada estrutura de ativos e passivos correspondem requisitos de fluxos que a tomam sustentável. Uma crise financeira decorre quase sempre de mudanças que gerem uma incompatibilidade ou dificuldade de adequação entre eles. No Brasil, a tentativa de adequação de fluxos como resposta à crise da dívida externa (receitas e despesas governamentais, comércio exterior etc.) implicou fortes pressões inflacionárias e recessivas sobre a economia, além de resultar em acúmulo de desequilíbrios nas contas públicas internas (Canuto, 1991 bCANUTO, O. (1991b) “La indústria brasileña y la apertura economica al exterior”. In Samper, E. et alii, La Reconversión Industrial - Colombia y Otras Experiencias, Bogotá, Fescol, pp. 111-25. ; Carneiro, 1993CARNEIRO, R. (1993) “Crise, ajustamento e estagnação: a economia brasileira no período 1974-89”. Economia e Sociedade n. 2, agosto, pp. 145-69. ; Tavares, 1993TAVARES, M.C. (1993) As Políticas de Ajuste no Brasil: Os Limites da Resistência. São Paulo: IESP/FUNDAP (Instituto de Economia do Setor Público da Fundação do Desenvolvimento Administrativo), Texto para Discussão nº 9.; e Baer, 1993BAER, M. (1993) O Rumo Perdido: A Crise Fiscal e Financeira do Estado Brasileiro. Rio de Janeiro, Paz e Terra. ). Na Coréia, as alterações ocorridas diretamente na estrutura de propriedade e valor dos ativos e passivos apressaram a saída da crise.

A continuidade do aprofundamento industrial coreano nos anos 80 foi possibilitada, entre outros aspectos, pela permanência da “autonomia relativa” do projeto estatal-industrialista, conforme expresso em sua capacidade de efetuar diretamente os ajustes patrimoniais, em consonância com as novas condições e necessidades de fluxos, internamente e em seu exterior. Até meados da década, foi fundamental o suporte financeiro e tecnológico por conglomerados japoneses, dentro de sua estratégia de relocalização de segmentos da metal-mecânica (exportando indiretamente componentes e equipamentos para os mercados ocidentais, contornando pressões protecionistas nestes) (Canuto 1991aCANUTO, O. (1991a) Processos de Industrialização Tardia: o “Paradigma” da Coréia do Sul. Instituto de Economia da Unicamp, tese de doutorado, dezembro. , item 4.6.). Por outro lado, tais possibilidades externas favoráveis à Coréia não teriam sido aproveitadas sem a contrapartida interna aqui esboçada.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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  • WORLD BANK (1987) Korea: Managing the Industrial Transition. Washington. (2 vols.).
  • 1
    Três observações devem ser feitas: (a) a periodização na tabela esconde em parte a forte elevação de taxas de juros internacionais entre 1979 e 1982; (b) a sobrevalorização cambial, evidenciada na tabela, apesar de parcialmente compensada via subsídios financeiros, implicou, para as firmas beneficiadas por empréstimos, maior pressão exercida por metas de exportação associadas a muitos dos empréstimos; (c) as taxas de captação locais mantiveram-se em níveis próximos (Tabela 1 ), mediante corrosão inflacionária, enquanto as taxas de expansão monetária - conceitos M1 e M2 -tiveram médias anuais entre 25% e 43% ao longo da década de 70 (Park, 1986PARK, Y-C. (1986) “Foreign debt, balance of payments, and growth prospects: the case of the Republic of Korea, 1965-88”. World Development 14(8), pp. 1019-58. , p. 1031).
  • 2
    Segundo lqbal (1988IQBAL, F. (1988) “External financing for Korea: the next phase”. World Development 16(1) pp. 137-55. , pp. 146-7), “talvez o desenvolvimento particular mais importante nos mercados financeiros internacionais, nos anos recentes, tenha sido a tendência à securitização. ( ... )A parcela do financiamento mediante títulos de dívida (debt securities) cresceu de 21 % em 1981 a cerca de 52% em l985”. Para os países em desenvolvimento, “os empréstimos bancários caíram de US$ 53 bilhões em 1981 para US$ 14 bilhões em 1985, enquanto a emissão bruta de títulos se expandiu de US$ 4 bilhões para US$ 10 bilhões” - dos quais a Coréia do Sul foi um dos poucos países de destino.
  • 3
    Sugeriremos adiante motivos para o não-recurso, por devedores sul-coreanos, à possibilidade de repasse ao Estado avalista.
  • 4
    Um confronto com a experiência brasileira, por exemplo, não poderia deixar de salientar que: (i) nesta, a razão dívida/PIB não chegou a patamares próximos de 50%-esteve, por exemplo, em 23% ( 1980), 30% (1984) ou 32% (1989); (ii) rules of thumb com base em coeficientes de exportações/PIB ou serviço da dívida/exportações nada significam sem a consideração dos saldos comerciais, e, nesse aspecto, enquanto os déficits comerciais no PIB coreano ascendiam vertiginosamente, em 1983 já emergiam superávits brasileiros, sem que se estabilizassem as relações com a comunidade financeira internacional; (iii) coeficientes de exportação/PIB elevados só representaram uma associação entre o crescimento coreano e o dinamismo econômico internacional dos anos 80 porque seus investimentos não estagnaram, nem mesmo no momento da transição em pleno auge da crise do endividamento periférico. Não se pode associar os diferenciais de crescimento entre as economias coreana e brasileira, nos anos 80, estritamente a diferentes graus estruturais de abertura comercial em meio a uma conjuntura externa favorável, sem se considerar o que condicionou a dinâmica dos investimentos em cada um dos casos; (iv) no Brasil, a participação direta do setor público na dívida externa total ascendeu de 52% (1973) para 63% (1978) e 76% (junho de 1984), desdobrando-se a crise de endividamento externo em um desequilíbrio entre agentes superavitários e deficitários em divisas em nível local, com consequentes dificuldades de refinanciamento externo, além da estagnação decorrente da erosão fiscal-financeira do Estado ao longo do processo. Em nosso entendimento, na Coréia, nenhum vínculo estratégico com o capital e o Estado japoneses teria sido condição suficiente para seu ajuste estrutural caso tivesse atravessado a crise com uma estrutura da dívida em que a responsabilidade dos encargos estivesse, como no Brasil, associada à insolvabilidade; (v) o upgrading industrial sul-coreano reforçou sua inserção internacional com base em uma estrutura de comércio na qual os termos de troca só melhoraram após o 2o Choque do Petróleo (World Bank, 1987WORLD BANK (1987) Korea: Managing the Industrial Transition. Washington. (2 vols.)., Tabela A4.2).
  • 5
    Os incentivos “funcionais” ao P&D de caráter geral’’ são setorialmente específicos!
  • 6
    Sobre tais funções “passivas” e “ativas” na centralização financeira de capital, v. Tavares (1978TAVARES, M.C. (1978) Ciclo e Crise - O Movimento Recente da Industrialização Brasileira. Tese de Concurso para Professor Titular, Faculdade de Economia e Administração da Universidade do Rio de Janeiro. , cap. 3), em que essa autora sugere a presença das primeiras, sem as segundas, na parcela da centralização financeira efetuada pelo Estado na industrialização brasileira.
  • 7
    Vale lembrar a permanência dos gastos militares e o fato de que, tanto antes quanto hoje; os gastos sociais pelo Estado têm sido pouco significativos. O ajuste fiscal se deu no bojo das relações entre o Estado e as empresas.
  • *
    O presente texto tem como base o item 4.4 de Canuto (1991a)CANUTO, O. (1991a) Processos de Industrialização Tardia: o “Paradigma” da Coréia do Sul. Instituto de Economia da Unicamp, tese de doutorado, dezembro. .
  • 9
    JEL Classification: O53; L52.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 1994
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