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Dependência, dumping social e nacionalismo

Dependence, social dumping and nationalism

RESUMO

Este artigo sugere que as cláusulas antidumping na Organização Mundial do Comércio podem ter um impacto positivo no crescimento dos países do Terceiro Mundo. O aumento dos custos de mão de obra causado pressionaria por mudanças técnicas mais rápidas, acelerando o crescimento. Os possíveis desequilíbrios de curto prazo nas contas correntes seriam temporários e desapareceriam no longo prazo. Também se argumenta que as alianças políticas para introduzir tais cláusulas em uma organização internacional podem ser uma mudança importante no cenário político mundial, trazendo esperança de futuras relações internacionais prevalecentes que possam ser mais positivas para o crescimento do Terceiro Mundo.

PALAVRAS-CHAVE:
Divisão internacional do trabalho; qualidade o trabalho; antidumping

ABSTRACT

This paper suggests that antidumping clauses in the World Trade Organization could have a positive impact in the growth of Third World countries. The labor cost increases caused would pressure for faster technical change, accelerating growth. The possible short-term unbalances in the current accounts would be temporary and would vanish in the long-term. It is also argued that the political alliances to introduce such clauses in an international organization could be an important change in the world political scene, bringing hope of forthcoming prevailing international relations that could be more positive for Third World growth.

KEYWORDS:
International labor division; labor quality; antidumping

1. INTRODUÇÃO

Ao final da Rodada Uruguai do Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT), os países desenvolvidos levantaram uma discussão sobre o que tem sido chamado de Dumping Social. Eles argumentam que a baixa condição de vida a que os trabalhadores dos países subdesenvolvidos estão submetidos leva a um aumento de competitividade dos produtos destes países no comércio internacional, que não se baseia em um critério de eficiência econômica. Ao contrário, se o objetivo da eficiência econômica for visto como sendo o bem-estar social, essa vantagem será produto da ineficiência econômica.

As autoridades brasileiras logo se pronunciaram contrárias a esse debate, por julgarem que ele representa uma forma velada de introduzir proteção a empresas ineficientes no Primeiro Mundo, que não sejam capazes de competir com as empresas do Terceiro Mundo. Os nacionalistas também se posicionam contra qualquer medida no âmbito da nova Organização Mundial do Comércio (que virá a suplantar o GATT) que venha a introduzir penalidades aos países que não cumpram normas de padrão mínimo social. Essas duas visões têm conseguido passar a ideia de que normas sociais nos acordos multilaterais de comércio seriam prejudiciais à sociedade brasileira.

A hipótese deste trabalho é que a opção que se coloca aos países subdesenvolvidos de se submeterem a metas de desenvolvimento social sob pena de retaliação comercial é a primeira grande oportunidade que têm de importar os benefícios dos avanços sociais e políticos das classes trabalhadoras do Primeiro Mundo.1 1 A preocupação com o meio ambiente foi uma oportunidade anterior, porém ela não atingiu frontalmente o grande problema do Terceiro Mundo, que é o baixo desenvolvimento econômico e social. Apesar do rápido desenvolvimento social por que passaram as economias centrais no pós-guerra, as suas relações com os países do Terceiro Mundo não têm ajudado a alavancar o desenvolvimento do bem-estar social nestes últimos. Muitas vezes, ao contrário, essas relações até mesmo contribuem para retardar o desenvolvimento social no Terceiro Mundo. Apesar de ser prejudicial às burguesias da periferia no curto prazo, a penalização ao descumprimento de metas de longo prazo que visem a eliminar o dumping social pode representar um importante impulso para o desenvolvimento social dos países periféricos.

Este artigo se divide em cinco seções. A segunda seção discute as formas possíveis de estabelecimento de penalidades contra o dumping social. A terceira seção discute o impacto da melhoria nas condições de vida dos trabalhadores gerada de forma exógena (por razões políticas) a partir de desenvolvimentos teóricos recentes. A quarta seção analisa o possível impacto de tais medidas nas exportações da periferia, desenvolvendo um teste empírico via auto regressão vetorial para o caso do Brasil. A seção cinco discute através da ótica da Teoria da Dependência como a ideia de criar mecanismos anti-dumping social pode trazer uma nova era para as relações internacionais. A seção seis reúne as principais conclusões do artigo.

2. A INSTITUCIONALIZAÇÃO DE RESTRIÇÕES AO DUMPING SOCIAL

A origem da preocupação dos países desenvolvidos está no fato de os salários em vários setores econômicos serem mais altos, o que faz com que eles percam competitividade internacional em relação aos países subdesenvolvidos. Ou seja, a maior abundância em outros fatores de produção como capital humano, infraestrutura econômica ofertada pelo governo e disponibilidade de tecnologia pode não ser suficiente para compensar os diferenciais de salários. Um caso clássico é o da agricultura, em que a maior sofisticação tecnológica dos países desenvolvidos é clara, porém, ainda assim eles têm dificuldades de competir eficientemente no mercado internacional. Tome-se o exemplo da produção de açúcar na Flórida e no Havaí por um lado e no Nordeste brasileiro por outro. A maioria do corte nos dois estados americanos é feita mecanicamente; há maior aplicação de adubos e defensivos agrícolas, tanto que a produção por hectare de terra é maior que no Brasil. Todo o processo de produção é permeado por um maior controle do homem sobre a natureza via maior aplicação de conhecimento e mecanização das diversas tarefas. Ao mesmo tempo, no Nordeste brasileiro há muito menos controle racional do processo produtivo. O corte é feito ainda em grande parte manualmente e o desenvolvimento de espécies ajustadas às condições de clima e solo está bem aquém do que o que se encontra nos Estados Unidos. Apesar disso, os custos de produção no Nordeste brasileiro são inferiores aos custos no Havaí e na Flórida, pois o baixo custo da mão-de-obra compensa as vantagens tecnológicas.2 2 Dados de custo de produção são regularmente fornecidos por Landell Mills Commodities, Oxford.

A mais rápida difusão de tecnologia entre os países verificada nas últimas décadas faz com que esse tipo de problema se acentue. Os países desenvolvidos vêm perdendo a capacidade de competição em um número crescente de setores e aceleradamente. Diante disso, eles visam com a proposta de políticas anti-dumping social diminuir os efeitos do baixo custo da mão-de-obra na competitividade relativa do Terceiro Mundo e tentar frear esse processo de dificuldade crescente de competir com os produtores instalados no Terceiro Mundo.

Como as demais normas do GATT que podem demandar uma reestruturação econômica em alguns países, é de se esperar que qualquer meta de alteração do padrão de vida de trabalhadores disponha de um longo período para que os ajustes necessários sejam levados adiante e o cumprimento de tal norma possa vir a ser reclamado pelos demais países-membros. No caso das discussões sobre subsídios à agricultura, por exemplo, deram-se ao todo dez anos para que todos os ajustes fossem feitos. Da mesma forma, o ajuste a um padrão mínimo de vida para os trabalhadores, que seja estabelecido pela OMC, deverá também dispor de um longo período para que haja as necessárias adaptações. Nesse caso, as diversas metas certamente poderiam ser cumpridas em etapas, de forma que somente após um longo período de ajuste, talvez 15 ou 20 anos, os países fossem requeridos a satisfazer condições mínimas de vida para os seus trabalhadores. Com isso haveria uma redução gradual das disparidades de padrão de vida nos diversos países do mundo.

Obviamente a homogeneização teria que ser feita de acordo com condições particulares de cada país. Não seria justo que um país como a Guiné-Bissau tivesse que cumprir as mesmas metas que o Brasil no mesmo período de tempo. Ou seja, os países teriam que ser agrupados pela renda per capita, como indicada após correção pela paridade do poder de compra. As metas seriam estabelecidas por grupos. Ou seja, países de maior renda per capita poderiam ter metas mais rigorosas a serem cumpridas dentro de um mesmo intervalo de tempo. As metas poderiam ser distribuídas no tempo, de acordo com um cronograma de satisfação preestabelecido, como ocorre com o acordo final para a agricultura na Rodada Uruguai. Com isso as pressões externas seriam sentidas em todo o decorrer do período de ajuste, não só a partir do seu término.

Quando algum país achasse que um outro está descumprindo metas preestabelecidas, ele deveria inicialmente recorrer à OMC para ela avaliar se o seu pré-julgamento procede. Confirmando-se o clamor, haveria pressão para o país cumprir as cláusulas preestabelecidas. Se este não respondesse positivamente, a OMC poderia liberar o país reclamante a impor restrições comerciais ao país que não estivesse cumprindo as metas preestabelecidas.

O fundamental a se enfatizar é que os países disporiam de um longo período de ajuste às metas preestabelecidas e que essas metas teriam que ser realistas com a renda per capita do país. Ou seja, não se requereria que o padrão de vida dos trabalhadores nos países subdesenvolvidos subisse imediatamente aos níveis encontrados nos países desenvolvidos. Apenas que eles convergissem para níveis alcançáveis. As metas podem ser estabelecidas a partir de experiências históricas e análise de custos de cada meta particular. O estabelecimento delas requereria uma maior capacidade da ciência econômica de mensurar condições de vida. Está havendo muito desenvolvimento nessa área, sendo a ideia de correção pela paridade de poder de compra apenas um exemplo.3 3 O índice de desenvolvimento humano do PNUD é um exemplo desse esforço. Ver UNDP (1991). Com certeza o fortalecimento da ideia de se combater o dumping social provocará grandes investimentos em tecnologia de mensuração de condições sociais para que se possa dispor de controle efetivo.

3. PADRÃO DE VIDA DO TRABALHADOR E CRESCIMENTO ECONÔMICO

Apesar de a teoria ortodoxa confirmar a ideia intuitiva de que um aumento do custo da mão-de-obra é prejudicial ao desenvolvimento econômico, estudos recentes, tanto teóricos quanto empíricos, têm mostrado que a realidade não é essa. O estímulo ao desenvolvimento tecnológico e ao investimento em capital humano são dois fatores que têm sido recentemente enfatizados como cruciais para o crescimento econômico e ambos podem reverter a relação intuitiva entre crescimento e custo da mão-de-obra.

Modelos de crescimento que seguem a tradição de Solow (1956SOLOW, R. (1956) “A contribution to the theory of economic growth”, Quarterly Journal of Economics , 70(1): 65-94. ) enfatizam que quando a tecnologia se desenvolve exogenamente os salários de equilíbrio de longo prazo tendem a crescer junto com a produtividade. Mais particularmente, assume-se uma função de produção do tipo Cobb-Douglas como definida na equação:

Y = A K α H L 1 - α (1)

em que Y é o produto, K é o estoque de capital, L é o emprego, H é um índice de produtividade do trabalho e A é uma constante. Nesses modelos a oferta de trabalho é tomada como exogenamente determinada e H cresce por consequência de desenvolvimentos tecnológicos exogenamente determinados. Para se obter o equilíbrio nesses modelos supõe-se que a taxa de juros é definida pela produtividade marginal do capital, o que implica que:

Y K = r = α A K H L α - 1 (2)

Como consequência, K cresce à mesma taxa que (HL) se a taxa de juros no equilíbrio for constante, como é o caso.4 4 Ver Apêndice. Combinando-se esse fato com a equação (1) podemos ver que Y também cresce à mesma taxa que K. Definindo-se o salário por unidade de trabalho L como sendo igual à produtividade marginal de L (condição para equilíbrio no mercado de trabalho), temos que o salário em equilíbrio é definido por:

Y L = W = 1 - α Y L (3)

Essa equação e o fato de que Y cresce à mesma taxa que (HL) implicam que o salário cresce à mesma taxa de crescimento de H. Ou seja, o crescimento do salário é definido a partir do crescimento exógeno da produtividade do trabalho. A partir desses resultados podemos deduzir a primeira proposição relevante para este trabalho:

Proposição 1: Qualquer mudança do salário que possa retirar o mercado de trabalho de equilíbrio não afetará o equilíbrio de longo prazo da economia e do salário.

Essa conclusão provém do fato de que a longo prazo a relação entre K e HL é constante e que Y é determinado a partir de K e HL. Como a existência de desequilíbrio provisório não afeta H, L ou a taxa de juros de equilíbrio,5 5 O fato de que há apenas uma taxa de juros de equilíbrio na economia é demonstrado no apêndice. W de equilíbrio é determinado a partir da equação (3) sem que seja afetado por desvios do equilíbrio. Obviamente esse resultado depende da ideia de estabilidade do modelo de crescimento, ou seja, que a economia tenda a convergir para o seu equilíbrio de longo prazo. Uma das condições para que isso seja verdade é que:

Proposição 2: Quando não estiver sujeito a restrições, o salário tenderá a convergir para o seu equilíbrio de longo prazo, representado pela equação (3).

Não trataremos aqui da estabilidade do modelo neoclássico de crescimento, pois ela está bem documentada na literatura.6 6 Ver por exemplo Solow (1956) e Chiang (1992). Uma outra conclusão do modelo neoclássico relevante aqui é que:

Proposição 3: O salário de equilíbrio de longo prazo depende exclusivamente da produtividade do trabalho, que é definida a partir de fatores exógenos.

Isso ocorre porque Y é definido a partir de K e HL e K tende a manter uma relação constante com HL, que é exogenamente determinado. Consequentemente, a equação (3) implica que o salário de equilíbrio de longo prazo também é determinado a partir de H e L.

Da equação (1), podemos deduzir:

Y L = A K H L α H (4)

Dessa equação podemos concluir:

Proposição 4: A renda per capita de equilíbrio (supondo que a população toda trabalha) é uma função linear da produtividade do trabalho.

Como (KJHL) é constante no equilíbrio de longo prazo (ver apêndice APÊNDICE A TAXA DE JUROS DE EQUILÍBRIO NUM MODELO NEOCLÁSSICO No modelo de crescimento neoclássico tradicional o consumidor é tomado como maximizando a função utilidade, que pode ser definida como: U = ∫ 0 ∞ C 1 - σ 1 - σ e - p t d t (10) A maximização dessa função está sujeita à restrição orçamentária: K ∙ = Y - C (11) A solução desse problema resulta em: C ∙ C = r - ρ σ (12) A combinação das equações (1) e (2) no texto implica em: Y K = r α (13) A equação (12) garante que o crescimento do consumo só será constante se r for constante. Ou seja, a ideia de crescimento balanceado requer que a taxa de juros seja constante no equilíbrio. Consequentemente, pode-se perceber das equações (11) e (13) que para um r constante tem-se que C e K crescem à mesma taxa. A equação (13) implica que esta taxa é a mesma taxa de crescimento de Y, que por sua vez é a mesma taxa de crescimento de HL (ver texto). Como o crescimento de HL é definido por forças exógenas, a taxa de crescimento de equilíbrio de C também é determinada por fatores exógenos. Consequentemente, a equação (12) implica que há apenas uma taxa de juros r de equilíbrio nesse modelo, a qual é completamente determinada pelo crescimento de HL e não depende de condições prévias de desequilíbrio que possam ter existido. ), (Y/L) é uma função linear de H. Uma consequência dessa proposição, junto com a proposição 2, é que nenhum choque à economia que retire o mercado de trabalho de seu equilíbrio de longo prazo afetará a renda per capita de equilíbrio.

Contudo, estudos empíricos mostram que o mercado de trabalho dificilmente está em um equilíbrio de longo prazo sem desemprego. Ao contrário, as economias capitalistas tendem a ter mercados de trabalho que flutuam bastante, e desvios do equilíbrio de longo prazo tendem a ser altamente persistentes (Bali, 1990). Ou seja, percebeu-se que o mercado de trabalho está sujeito a um alto grau de histerese (Blanchard & Summers, 1988BLANCHARD, O. & SUMMERS, L. (1988) “Hysteresis and the European unemployment problem”. In: Cross, R. ed., Unemployment, Hysteresis and the Natural Rate Hypothesis. Nova York, Basil Blackwell. , e Coe, 1988COE, D. (1988) “Hysteresis effects in aggregate wage equations”. In: Cross, R. ed., Unemployment, Hysteresis and the Natural rate Hypothesis. Nova York, Basil Blackwell . ). A persistência do desequilíbrio no mercado de trabalho consiste hoje num importante tópico da macroeconomia.7 7 Ver por exemplo o livro de Layard, Nickell & Jackman (1991).

Poder de barganha dos sindicatos (Blanchard, 1991BLANCHARD, O. (1991) “Wage bargaining and unemployment persistence”, NBER Working Paper, # 3664, March. ) e ideia de justiça na determinação dos salários (Akerlof & Yellen, 1990AKERLOF, G. & YELLEN, J. (1990) “The fair wage-effort hypothesis and unemployment” Quarterly Journal of Economics, 55(2): 255-83. ) são apenas algumas das ideias utilizadas para explicar os desequilíbrios do mercado de trabalho. Essas explicações têm em comum a ênfase no papel de forças políticas na determinação dos salários. Em termos mais gerais poderíamos dizer que elas enfatizam a introdução da influência de fatores extraeconômicos que afetam a economia via determinação dos salários. Ou seja:

Proposição 5: O mercado de trabalho está sujeito a choques exógenos que atingem os salários diretamente e que por isso entram na economia via salários.

Utilizando-se dessa ideia, Barros (1994BARROS, A. (1994) “O papel dos salários reais na determinação da renda: um teste empírico para o Brasil”, Revista Brasileira de Economia, 3(48): no prelo. ) desenvolveu um teste empírico com dados para o Brasil para verificar se esses choques exógenos introduzidos via salários teriam um efeito positivo ou negativo no PIB. A sua conclusão foi de que tais choques têm um efeito positivo e permanente no PIB. Ou seja, a ideia embutida no modelo de crescimento de Solow de que uma variação positiva nos salários que o retire do equilíbrio de longo prazo não tem efeito no equilíbrio de longo prazo do PIB e dos salários não é confirmada pelos dados.8 8 Outros testes empíricos utilizando-se de modelos de equilíbrio geral computáveis e lineares foram previamente desenvolvidos para mais de um país da América Latina. Os resultados desses testes não são completamente conclusivos. Tais testes, porém, sofrem de sérias restrições metodológicas. Ver Barros (1994).

Paralela à preocupação com os desequilíbrios no mercado de trabalho, a teoria econômica recentemente vem também aperfeiçoando o modelo de crescimento. A primeira ideia importante introduzida nesses modelos, por Romer (1986ROMER, P. (1986) “Increasing retums and long-run growth”, Journal of Political Economy, 94(5): 1002-1037. ), é que externalidades positivas podem desempenhar um papel importante no crescimento econômico. Posteriormente, duas outras ideias que desempenham hoje papel fundamental na teoria do crescimento foram introduzidas. Lucas (1988LUCAS JR., R. (1988) “On the mechanics of economic development”. Journal of Monetary Economics , 22(1): 3-42. ) enfatizou o papel da acumulação de capital humano gerada pelo incentivo econômico dos agentes como motor do crescimento econômico. Romer (1990ROMER, P. (1990) “Endogenous technological change”. Journal of Political Economy , 98(5): s71-sl02. ) introduziu nos modelos a hipótese de que o incentivo econômico dos agentes para investir em tecnologia também desempenha um papel fundamental no crescimento econômico. Em ambos os modelos o crescimento passou a ser gerado endogenamente a partir dos incentivos dos agentes para aumentar a produtividade da economia. Ambas as ideias já faziam parte da literatura sobre desenvolvimento econômico, mas foram pela primeira vez incluídas formalmente em modelos de crescimento econômico.

Barros (1993aBARROS, A. (1993a) “Real wages and economic growth: a structuralist hypothesis in an endogenous growth model”. In: SBE, Anais do XV Encontro Brasileiro de Econometria, vol. 1, Belo Horizonte. e 1993bBARROS, A. (1993) ‘’The role of wage stickiness on economic growth”. In: ANPEC, Anais do XXI Encontro Nacional de Economia, vol. 1, Belo Horizonte, ANPEC. ) utilizou-se desses dois modelos para demonstrar que em ambos os casos a existência de desvios dos salários de equilíbrio teria um impacto no equilíbrio de longo prazo da renda. Ou seja, com a introdução das duas fontes endógenas de crescimento econômico mencionadas no parágrafo anterior, fatores exógenos que vierem a retirar o salário do seu equilíbrio de longo prazo têm como consequência afetar também o equilíbrio de longo prazo, como sugerido pelo teste empírico previamente mencionado. No modelo de crescimento previamente discutido, poderíamos dizer que o parâmetro A e a variável H na equação (1) não são fixos nem independentes de choques exógenos nos salários. Quando há um aumento dos salários por determinação política, por exemplo, geram-se incentivos na economia para acelerar o acúmulo de H ou para aumentar A.

Mais especificamente, quando o custo do trabalho aumenta, gera-se desemprego desse fator de produção e toma-se mais rentável transferir recursos para setores mais intensivos nos demais fatores de produção.9 9 A formalização desse argumento utilizando-se o modelo de Romer (1990) pode ser vista em Barros (1993b). Sendo a produção de tecnologia mais intensiva em capital humano, haverá uma transferência de recursos para este setor, que acelerará o desenvolvimento tecnológico. Com isso, quando a economia chegar a um novo equilíbrio de longo prazo, ela o fará com uma maior produtividade do trabalho. Consequentemente, a renda de equilíbrio a cada instante será maior do que se não houvesse o aumento exógeno do salário. Em termos mais gerais podemos dizer que, quando há um aumento no custo do trabalho, também aumenta o incentivo dos empresários para investir em tecnologia. Como consequência, aumentos exógenos do salário levam a um aumento da renda, como sugerido pelo teste empírico de Barros (1994BARROS, A. (1994) “O papel dos salários reais na determinação da renda: um teste empírico para o Brasil”, Revista Brasileira de Economia, 3(48): no prelo. ).

No que diz respeito ao investimento em capital humano, quando há desemprego, gera-se um incentivo para que os indivíduos invistam mais em capital humano por algumas razões que vale mencionar: (i) com a existência de desemprego pelo fato de os salários estarem mais altos do que o requerido para que a economia opere em pleno emprego, haverá mais empenho dos trabalhadores no treinamento e aprendizagem direta no trabalho, com vistas a evitar o desemprego; (ii) havendo desemprego, os novos entrantes no mercado de trabalho se sentirão mais pressionados a aumentar a sua qualificação com vistas a se tomarem mais competitivos e evitar o desemprego; (iii) o tempo desempregado pode ser ocupado em qualificação pessoal.10 10 Esses argumentos são apresentados em Barros (1993a). A formalização do seu efeito no equilíbrio de longo prazo da renda num modelo similar ao de Lucas (1988) também pode ser encontrado em Barros (1993a).

Como conclusão temos que um aumento dos custos do trabalho que tenha origens exógenas às forças de mercado serve de elemento acelerador do crescimento econômico. Dessa forma, pressões advindas da OMC para que os países em desenvolvimento aumentem o padrão de vida dos seus trabalhadores podem ser positivas para o crescimento econômico desses países. Obviamente também haverá um efeito positivo no nível de desenvolvimento humano, já que o aumento do custo da mão-de-obra leva a um aumento da renda dos que se têm beneficiado menos dos aumentos da renda per capita nos países subdesenvolvidos.

4. CUSTO DA MÃO-DE-OBRA E COMÉRCIO INTERNACIONAL

Um argumento levantado pelos opositores da proposta de inclusão de restrições ao dumping social na determinação das relações sociais é o de que o aumento do custo da mão-de-obra irá penalizar as exportações dos países em desenvolvimento, levando a problemas nas suas balanças de pagamento. Um possível problema dessa natureza, contudo, caso se verifique, deve ocorrer apenas no curto prazo, poucos meses após a introdução de melhorias do bem-estar dos trabalhadores. Assim mesmo, caso haja antecipação de que tal aumento de custo deve ocorrer com tempo suficiente para que os agentes econômicos reestruturem suas produções, não haverá razão para retração nas exportações. Os países sujeitos a aumentos no custo da mão-de-obra devem mudar a sua especialização movendo suas exportações para setores que sejam mais intensivos em capital físico e humano e menos intensivos em trabalho. Quando o aumento do custo da mão-de-obra atingir todos os países, teremos uma reestruturação dos preços relativos na economia internacional, com os produtos mais intensivos em mão-de-obra tendo os seus preços elevados. Caso os produtos mais intensivos em capital (físico e humano) tenham demandas se expandindo mais rapidamente, é até mesmo possível que um país aumente o ritmo de crescimento das suas exportações com um aumento dos salários, pois ele se tomará comparativamente mais competitivo em produtos com demanda crescendo mais aceleradamente.

O argumento acima tem como consequência teórica crucial que o aumento do custo da mão-de-obra não tem necessariamente um impacto negativo nas exportações, ao contrário do que às vezes se argumenta, podendo até mesmo ter um efeito positivo. Essa conclusão é fundamental para complementar o argumento apresentado na seção anterior: que aumentos nos salários advindos de decisões políticas forçadas por acordos multilaterais devem ter um impacto positivo no desenvolvimento das economias subdesenvolvidas. Sendo essa hipótese sobre impacto nas exportações de aumentos no custo da mão-de-obra testável, desenvolveu-se um teste empírico para ela, usando-se dados do Brasil.

Neste teste utilizou-se uma auto regressão vetorial para se medir o impacto de um choque exógeno nos salários sobre as exportações. Mais especificamente, partiu-se do modelo:

A L X t = M e t (5)

em que A(L) é um polinômio no operador de defasagem L (que faz ZtLi=Zt-i, para qualquer i ∈ N); Xt é um vetor-coluna definido como [∆xt ∆wt]’; ∆xt e ∆wt são a primeira diferença dos logaritmos naturais das exportações e dos salários reais, respectivamente; M é uma matriz quadrada (2x2) definida como:

a 11 0 a 21 a 22

e et é um vetor-coluna definido como [ext ewt]’. ext e ewt são choques independentes entre si que entram no sistema afetando tanto as exportações quanto os salários reais no momento em que atingem a economia (ext) e que atingem apenas o salário real no primeiro momento (ewt), afetando as exportações apenas através do efeito da primeira variável nesta última. Com este modelo, mesmo assumindo-se que A(0) é uma matriz identidade, poderíamos dizer que ∆xt e ∆wt estão contemporaneamente correlacionados.

A definição dos choques ext e ewt é tal que ex, não tem um significado claro, podendo representar mudanças exógenas tanto de produtividade como de demanda, por exemplo, não só relativas ao setor exportador, mas também à economia em geral ewt contudo, tem um significado econômico mais preciso, pois representa apenas aquelas mudanças autônomas na economia que atingem inicialmente apenas os salários. O objetivo de nosso estudo empírico é exatamente fazer uma análise qualitativa do efeito de tais mudanças na exportação.

O modelo acima pode ser estimado numa forma reduzida em que o erro seria definido por ut=ult u2t', sendo:

a 11 0 a 21 a 22 e x t e w t = u 1 t u 2 t

A hipótese de independência dos erros implica que eles não são correlacionados e consequentemente a covariância deles é zero. Por normalização, as variâncias de ext e ewt podem ser tomadas como qualquer valor previamente definido. Assumiremos que elas são iguais a um.11 11 Alternativamente, poderíamos supor que a11 = a22 = 1, como mais tradicional em modelos econométricos. A suposição de que as variâncias são iguais a um simplifica o método utilizado e não afeta os resultados, por isso optamos por essa normalização. Utilizando-se dessa restrição, é possível estimar os coeficientes a11, a21 e a22 a partir da matriz de variância/covariância de ut. Ou seja, fazendo Eut ut=Ω, temos que:

M Ψ M ! = Ω (6)

em que Ψ é uma matriz identidade que representa a matriz de variância/covariância de et. A independência desses erros assegura que essa matriz seja diagonal com σχ2=σw2=1 na diagonal, em que σχ2 e σw2 são as variâncias de ext e ewt, respectivamente. A equação (6) tem três relações independentes e três parâmetros a serem estimados: a11, a21 e a22. Consequentemente, ela é identificável.

A partir da equação (5) pode-se obter:

X t = A L - 1 M e t (7)

em que A(L)-1M é um polinômio no operador de defasagem provavelmente de ordem infinita. Cada termo em V desse polinômio mostra o efeito dos choques et-i na primeira diferença dos logaritmos das variáveis endógenas do modelo. Consequentemente, para se obter o efeito dinâmico dos choques no logaritmo das variáveis deve-se proceder à soma de todos os coeficientes do polinômio A(L)-1M.

Diante disso, utilizou-se o seguinte método de estimação. Primeiro estimou-se a forma reduzida da equação (5), que é definida por:

A L X t = u t (8)

Em seguida estimaram-se os parâmetros a11, a21 e a22 a partir da equação (6), obtendo-se com isso a matriz M. Procedeu-se daí para a estimação do efeito dinâmico representado na equação (7), acumulando-os posteriormente para se obter o efeito no nível das variáveis. Um exercício de simulação foi utilizado para estimar os desvios-padrões dos efeitos dinâmicos. Para isso, gerou-se uma amostra de 1.000 simulações a partir dos desvios-padrões dos coeficientes da equação (8). A suposição de normalidade dos erros foi adotada, tendo como consequência que β~N(b,(X’X)-1) e Ω-1~Wishart((TS)-1,T), em que N representa a distribuição normal e Wishart a distribuição de Wishart.

As séries utilizadas foram trimestrais, sendo os salários reais uma composição de dados do IBGE para salário médio na indústria brasileira de 1973:1 a 1985:4 e salário médio em São Paulo de 1986: 1 a 1992:4. Ambos foram deflacionados pelo IPC-SP. As exportações foram definidas em dólares americanos. Todos os dados foram agregados a partir de séries mensais. Os salários industriais foram utilizados dessazonalizados de acordo com método definido por Sims (1974) e previamente aplicado em Barros (1994BARROS, A. (1994) “O papel dos salários reais na determinação da renda: um teste empírico para o Brasil”, Revista Brasileira de Economia, 3(48): no prelo. ) para essa mesma série. Apesar disso, ainda se incluíram dummies sazonais em todas as estimações.

Para que esse método seja adequado há algumas suposições que devem ser verdadeiras. A primeira delas é que a primeira diferença dos salários reais e das exportações deve ser estacionária (I(0)) e a segunda é que as variáveis em nível não sejam cointegradas. Testes de integração para essas variáveis foram desenvolvidos em Barros (1994BARROS, A. (1994) “O papel dos salários reais na determinação da renda: um teste empírico para o Brasil”, Revista Brasileira de Economia, 3(48): no prelo. ) e não foram repetidos.12 12 Os testes aplicados foram os desenvolvidos por Phillips e Perron e sintetizados por Perron (1988). Eles sugerem que ∆xt e ∆wt são ambas I(0). Contudo, eles não descartam a hipótese de que há uma tendência determinística nas exportações. Diante disso, mesmo após a diferenciação das variáveis em nível ainda se incluiu uma tendência determinística nas regressões. Como não há razão teórica para que as duas variáveis do modelo sejam cointegradas, não houve maior preocupação com essa possibilidade.13 13 Mesmo que obtivéssemos através de testes que as duas variáveis do modelo são cointegradas não poderíamos impor essa restrição às estimações, pois essa cointegração deveria ser apenas por causa de circunstâncias fortuitas do período em que as séries foram definidas. Ela não teria uma razão de ser estrutural. Ou seja, tal restrição seria errônea.

Para as estimações, a equação (8) foi especificada como:

X t = A 0 + B 0 S + B 1 T + i = 1 12 A t X t - 1 + u t (9)

em que A0 é um vetor (2 x 1) de constantes, Ai é uma matriz (2 x 2) de parâmetros, B0 é uma matriz (2 x 5) de parâmetros, S é um vetor (5xl) de dummies sazonais e dummies para anos atípicos14 14 Inspeção visual dos dados mostrou que as variáveis tiveram comportamento anormal nos trimestres 1986: 1 e 1986:4. Por isso incluíram duas dummies com um nestes trimestres e zero nos demais trimestres. , B1 é um vetor (2 x 1) de parâmetros e T é o vetor-tempo. Utilizou-se o método dos mínimos quadrados para essa estimação. A inclusão de doze defasagens foi definida a partir da combinação de vários critérios. Entre eles testes com taxa de verossimilhança de seleção de defasagens,15 15 Ver Lutkepohl (1991, pp. 121-5) para detalhes desse teste. uso de R2 corrigido e uso da estatística de Ljung-Box. Os resultados das estimações das equações reduzidas estão nas Tabelas 1 e 2.

Tabela 1:
Equação estimada para a primeira diferença do logaritmo natural das exportações
Tabela 2:
Equação estimada para a primeira diferença do logaritmo natural dos salários

A Figura 1 traz o resultado que nos interessa: o efeito dinâmico no logaritmo das exportações de um choque autônomo nos salários reais. Incluiu-se também um intervalo de confiança para o efeito dinâmico que inclui o verdadeiro valor do efeito com 90% de probabilidade se a distribuição dos efeitos dinâmicos for normal, como sugerido por Lutkepohl (1991LUTKEPOHL, H. (1991) Introduction to Multiple Time Series Analysis. Berlin, Springer-Verlag. , pp. 97-104). Os resultados para alguns trimestres selecionados também aparecem na Tabela 3. Como se vê o efeito é inicialmente baixo e oscilante. No trimestre em que a inovação atinge a economia o efeito é zero por definição. No trimestre seguinte ele é negativo, porém já é revertido no segundo semestre.

Figura 1:
Efeito dinâmico nas exportações de uma inovação autônoma nos salários (Valor absoluto do efeito no último período igual a um)

Tabela 3:
Efeito dinâmico nas exportações de inovações autônomas nos salários

No quarto trimestre ele volta a ser negativo, porém já retoma a ser positivo a partir do quinto trimestre. A partir do segundo ano é que o efeito se torna inquestionavelmente positivo, mantendo-se assim até o resto do período incluído na Figura 1 (vinte anos). Porém, a partir do 17º trimestre (início do quinto ano) ele deixa de ser significativamente diferente de zero a 90%. Estes resultados indicam que não há razão para se supor que uma mudança autônoma nos salários, que afete as exportações apenas depois de afetar os salários, tenha um efeito negativo nas exportações. Ao contrário, se se tiver de esperar algum efeito diferente de zero, há mais razão para que ele seja positivo no médio e no longo prazo. Consequentemente, a preocupação de que um aumento no custo da mão-de-obra possa reduzir as exportações brasileiras não procede.

5. DUMPING SOCIAL E DEPENDÊNCIA

Tradicionalmente na América Latina podemos identificar três segmentos políticos que são fortes na maioria dos países da região. O primeiro, que chamaremos de popular, é mais favorável à intervenção estatal com o fim de prover mais intensamente serviços de infraestrutura social e fomentar políticas de redistribuição de renda em favor dos mais pobres. O segundo é mais liberal, tende a promover a inserção das economias latino-americanas no mercado internacional e concentra os esforços governamentais em políticas de melhoria da qualidade das infraestruturas econômicas. Denominaremos esse segundo segmento de conservador, por estar reproduzindo um padrão de desenvolvimento que prevaleceu na América Latina no século passado e início deste. O terceiro segmento pressiona o governo para concentrar esforços no investimento em infraestrutura econômica e alia-se aos setores populares contra o excesso de liberalismo dos conservadores, defendendo intervenção governamental para proteger os agentes econômicos internos da competição internacional. Denominaremos esse segmento de nacional-populista.

O segmento popular tradicionalmente rejeita a integração internacional e sempre suspeitou das propostas de políticas advindas do Primeiro Mundo, por julgar que elas sempre refletem os interesses das economias centrais e que são perniciosas ao desenvolvimento dos países periféricos. Nesse sentido esse segmento tende a se aliar ao nacional-populismo em defesa das empresas nacionais. Os conservadores, por seu lado, tendem a ser receptivos às propostas advindas do Primeiro Mundo, porque elas em geral favorecem o liberalismo e a integração de nossas economias à economia internacional.

Uma extensão feita pelos setores populares é que as propostas de políticas vindas do Primeiro Mundo terão sempre como consequência inibir o aumento da renda dos setores populares e atrasar o desenvolvimento econômico brasileiro. Historicamente isso ocorre porque as propostas vindas do Primeiro Mundo normalmente chegam aqui pelas mãos dos conservadores, cujos interesses são conflitantes com os dos setores populares. Porém, as propostas possíveis de ser geradas no exterior não necessariamente refletirão sempre os interesses dos setores conservadores. O que ocorreu é que os setores que tradicionalmente se aliaram aos interesses estrangeiros na América Latina, os conservadores, sempre favoreceram políticas contrárias à melhoria do bem-estar da população, pois o seu liberalismo inibia o incentivo a investimentos em infraestrutura social. Adicionalmente, seu interesse sempre foi o de manter a nossa base de competitividade internacional, que foi o baixo custo da mão-de-obra. Consequentemente, a hegemonia de indivíduos com interesse em maximizar lucros nesses setores políticos garantiu que as políticas salariais levassem à reduzida participação dos assalariados nos ganhos de produtividade na economia e manutenção da concentração de renda.

Paralelamente às disputas políticas entre os três segmentos mencionados na América Latina, houve também disputas políticas internas nos países desenvolvidos. Durante todo este século, a influência política dos trabalhadores nesses países esteve aumentando. Esse processo levou a uma mudança da hegemonia política nesses países. O resultado é que hoje os governos na maioria deles têm uma forte participação dos trabalhadores na definição de suas políticas. Particularmente nas relações internacionais a influência dos trabalhadores tem sido menor, limitando-se praticamente à proteção do emprego doméstico, que, apesar da pressão nesse sentido, tem se mostrado tarefa difícil, como pode ser visto pela tendência de desemprego estrutural alto na maioria dos países desenvolvidos, principalmente na Europa.

A proposta de estabelecer medidas internacionais para diminuir o impacto perverso nas economias desenvolvidas do dumping social praticado nos países subdesenvolvidos é uma consequência dessa influência dos trabalhadores no poder político dos países centrais. Obviamente, essa proposta também reflete o interesse dos empresários desses países que não se estabeleceram nos países periféricos e têm amargado perdas devidas à concorrência de produtos vindos da periferia a preços mais baixos do que os que eles podem praticar. A aliança desses dois setores voltou-se contra os tradicionais aliados das nossas elites conservadoras, que são as empresas que estenderam suas atividades e as que mantêm comércio intenso com a periferia. Enquanto os dois primeiros setores poderão beneficiar-se com a imposição de medidas restritivas ao dumping social, os dois últimos certamente tenderão a perder.

Uma vez que o desenvolvimento econômico e social dos países subdesenvolvidos é o objetivo último, não cabe analisar a proposta de política apenas pela sua origem e pelos interesses políticos no Primeiro Mundo a que ela poderá servir. É necessário averiguar o seu impacto na economia do país subdesenvolvido. Nesse caso particular de medidas anti-dumping social, o efeito dinâmico, que se refletirá no nosso desenvolvimento de longo prazo, pode ser positivo. Vimos na seção 3 que o impacto de tais medidas, se adequadamente tomadas, seria positivo para o crescimento econômico da periferia. Mais precisamente, esse efeito positivo virá acompanhado de melhoria do bem-estar dos segmentos da população que têm sido excluídos dos benefícios do desenvolvimento até então. Ou seja, o impacto no desenvolvimento será bem maior do que o que poderá ser apreendido apenas pelo seu efeito positivo na renda per capita.

Essa proposta de medidas de restrição ao dumping social pode ser um passo importante para forjar uma nova aliança que poderá influir na determinação das regras das relações internacionais. Essa aliança será entre os trabalhadores do centro, os da periferia e os setores empresariais do Primeiro Mundo que não têm tido condições de expandir suas atividades para os países subdesenvolvidos. No caso particular da proposta de restrição ao dumping social, e certamente em diversos outros casos, os interesses dessa aliança podem vir a ser mais favoráveis à convergência dos níveis de desenvolvimento entre os diversos países.

6. CONCLUSÃO

Neste artigo vimos que a proposta de impor restrições ao dumping social praticado no Terceiro Mundo, se levada adiante, estará trazendo para o cenário de política internacional a influência de uma nova articulação entre setores sociais nos países desenvolvidos e subdesenvolvidos. Ao contrário da articulação que prevaleceu até então, nesse caso as políticas resultantes poderão beneficiar os setores que tradicionalmente têm sido excluídos dos benefícios gerados pelas relações entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos, como também poderão impulsionar o desenvolvimento econômico da periferia. No caso particular da proposta de políticas anti-dumping social, vimos que o seu impacto será positivo para o desenvolvimento da periferia.

Antes de condenar a inclusão de cláusulas em acordos na OMC que permitam aos países desenvolvidos pressionar os subdesenvolvidos por não satisfazerem condições sociais mínimas, é importante que se analise em detalhes que tipo de proposta está sendo feita, pois muito provavelmente ela poderá alavancar o desenvolvimento econômico dos países subdesenvolvidos. É necessário que os setores nacionalistas abandonem o maniqueísmo de achar que tudo que possa parecer uma imposição dos países desenvolvidos aos subdesenvolvidos necessariamente será prejudicial a esses últimos. Como vimos, esse não será o caso nessa proposta em particular.

Vimos também que o argumento utilizado por aqueles que rapidamente se opu­seram à proposta de inclusão de medidas anti-dumpingsocial nas negociações da OMC não procede nem teórica nem empiricamente. Tais medidas, se estabelecidas após preparação adequada, não teriam um impacto negativo nas balanças de pagamento dos países periféricos. Elas apenas levariam a uma reestruturação das exportações, o que pode até mesmo aumentar o ritmo de crescimento delas.

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  • UNDP (United Nations Development Program) (1991) Human Development. Nova York, United Nations.
  • 1
    A preocupação com o meio ambiente foi uma oportunidade anterior, porém ela não atingiu frontalmente o grande problema do Terceiro Mundo, que é o baixo desenvolvimento econômico e social.
  • 2
    Dados de custo de produção são regularmente fornecidos por Landell Mills Commodities, Oxford.
  • 3
    O índice de desenvolvimento humano do PNUD é um exemplo desse esforço. Ver UNDP (1991UNDP (United Nations Development Program) (1991) Human Development. Nova York, United Nations.).
  • 4
    Ver Apêndice APÊNDICE A TAXA DE JUROS DE EQUILÍBRIO NUM MODELO NEOCLÁSSICO No modelo de crescimento neoclássico tradicional o consumidor é tomado como maximizando a função utilidade, que pode ser definida como: U = ∫ 0 ∞ C 1 - σ 1 - σ e - p t d t (10) A maximização dessa função está sujeita à restrição orçamentária: K ∙ = Y - C (11) A solução desse problema resulta em: C ∙ C = r - ρ σ (12) A combinação das equações (1) e (2) no texto implica em: Y K = r α (13) A equação (12) garante que o crescimento do consumo só será constante se r for constante. Ou seja, a ideia de crescimento balanceado requer que a taxa de juros seja constante no equilíbrio. Consequentemente, pode-se perceber das equações (11) e (13) que para um r constante tem-se que C e K crescem à mesma taxa. A equação (13) implica que esta taxa é a mesma taxa de crescimento de Y, que por sua vez é a mesma taxa de crescimento de HL (ver texto). Como o crescimento de HL é definido por forças exógenas, a taxa de crescimento de equilíbrio de C também é determinada por fatores exógenos. Consequentemente, a equação (12) implica que há apenas uma taxa de juros r de equilíbrio nesse modelo, a qual é completamente determinada pelo crescimento de HL e não depende de condições prévias de desequilíbrio que possam ter existido. .
  • 5
    O fato de que há apenas uma taxa de juros de equilíbrio na economia é demonstrado no apêndice APÊNDICE A TAXA DE JUROS DE EQUILÍBRIO NUM MODELO NEOCLÁSSICO No modelo de crescimento neoclássico tradicional o consumidor é tomado como maximizando a função utilidade, que pode ser definida como: U = ∫ 0 ∞ C 1 - σ 1 - σ e - p t d t (10) A maximização dessa função está sujeita à restrição orçamentária: K ∙ = Y - C (11) A solução desse problema resulta em: C ∙ C = r - ρ σ (12) A combinação das equações (1) e (2) no texto implica em: Y K = r α (13) A equação (12) garante que o crescimento do consumo só será constante se r for constante. Ou seja, a ideia de crescimento balanceado requer que a taxa de juros seja constante no equilíbrio. Consequentemente, pode-se perceber das equações (11) e (13) que para um r constante tem-se que C e K crescem à mesma taxa. A equação (13) implica que esta taxa é a mesma taxa de crescimento de Y, que por sua vez é a mesma taxa de crescimento de HL (ver texto). Como o crescimento de HL é definido por forças exógenas, a taxa de crescimento de equilíbrio de C também é determinada por fatores exógenos. Consequentemente, a equação (12) implica que há apenas uma taxa de juros r de equilíbrio nesse modelo, a qual é completamente determinada pelo crescimento de HL e não depende de condições prévias de desequilíbrio que possam ter existido. .
  • 6
    Ver por exemplo Solow (1956SOLOW, R. (1956) “A contribution to the theory of economic growth”, Quarterly Journal of Economics , 70(1): 65-94. ) e Chiang (1992CHIANG, A. (1992) Elements of Dynamic Optimization. Nova York, McGraw-Hill. ).
  • 7
    Ver por exemplo o livro de Layard, Nickell & Jackman (1991LAYARD, R., NICKELL, S. & JACKMAN, R. (1991) Unemployment. Oxford, Oxford University Press. ).
  • 8
    Outros testes empíricos utilizando-se de modelos de equilíbrio geral computáveis e lineares foram previamente desenvolvidos para mais de um país da América Latina. Os resultados desses testes não são completamente conclusivos. Tais testes, porém, sofrem de sérias restrições metodológicas. Ver Barros (1994BARROS, A. (1994) “O papel dos salários reais na determinação da renda: um teste empírico para o Brasil”, Revista Brasileira de Economia, 3(48): no prelo. ).
  • 9
    A formalização desse argumento utilizando-se o modelo de Romer (1990ROMER, P. (1990) “Endogenous technological change”. Journal of Political Economy , 98(5): s71-sl02. ) pode ser vista em Barros (1993BARROS, A. (1993) ‘’The role of wage stickiness on economic growth”. In: ANPEC, Anais do XXI Encontro Nacional de Economia, vol. 1, Belo Horizonte, ANPEC. b).
  • 10
    Esses argumentos são apresentados em Barros (1993aBARROS, A. (1993) ‘’The role of wage stickiness on economic growth”. In: ANPEC, Anais do XXI Encontro Nacional de Economia, vol. 1, Belo Horizonte, ANPEC. ). A formalização do seu efeito no equilíbrio de longo prazo da renda num modelo similar ao de Lucas (1988LUCAS JR., R. (1988) “On the mechanics of economic development”. Journal of Monetary Economics , 22(1): 3-42. ) também pode ser encontrado em Barros (1993a).
  • 11
    Alternativamente, poderíamos supor que a11 = a22 = 1, como mais tradicional em modelos econométricos. A suposição de que as variâncias são iguais a um simplifica o método utilizado e não afeta os resultados, por isso optamos por essa normalização.
  • 12
    Os testes aplicados foram os desenvolvidos por Phillips e Perron e sintetizados por Perron (1988PERRON, P. (1988) “Trends and random walks in macroeconomic time series”. Journal of Economic Dynamics and Control, 12(2/3): 297-332. ).
  • 13
    Mesmo que obtivéssemos através de testes que as duas variáveis do modelo são cointegradas não poderíamos impor essa restrição às estimações, pois essa cointegração deveria ser apenas por causa de circunstâncias fortuitas do período em que as séries foram definidas. Ela não teria uma razão de ser estrutural. Ou seja, tal restrição seria errônea.
  • 14
    Inspeção visual dos dados mostrou que as variáveis tiveram comportamento anormal nos trimestres 1986: 1 e 1986:4. Por isso incluíram duas dummies com um nestes trimestres e zero nos demais trimestres.
  • 15
    Ver Lutkepohl (1991LUTKEPOHL, H. (1991) Introduction to Multiple Time Series Analysis. Berlin, Springer-Verlag. , pp. 121-5) para detalhes desse teste.
  • 16
    JEL Classification: F16; J81.

APÊNDICE

A TAXA DE JUROS DE EQUILÍBRIO NUM MODELO NEOCLÁSSICO

No modelo de crescimento neoclássico tradicional o consumidor é tomado como maximizando a função utilidade, que pode ser definida como:

U = 0 C 1 - σ 1 - σ e - p t d t (10)

A maximização dessa função está sujeita à restrição orçamentária:

K = Y - C (11)

A solução desse problema resulta em:

C C = r - ρ σ (12)

A combinação das equações (1) e (2) no texto implica em:

Y K = r α (13)

A equação (12) garante que o crescimento do consumo só será constante se r for constante. Ou seja, a ideia de crescimento balanceado requer que a taxa de juros seja constante no equilíbrio. Consequentemente, pode-se perceber das equações (11) e (13) que para um r constante tem-se que C e K crescem à mesma taxa. A equação (13) implica que esta taxa é a mesma taxa de crescimento de Y, que por sua vez é a mesma taxa de crescimento de HL (ver texto). Como o crescimento de HL é definido por forças exógenas, a taxa de crescimento de equilíbrio de C também é determinada por fatores exógenos. Consequentemente, a equação (12) implica que há apenas uma taxa de juros r de equilíbrio nesse modelo, a qual é completamente determinada pelo crescimento de HL e não depende de condições prévias de desequilíbrio que possam ter existido.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 1995
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