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Ajuste empresarial, empregos e terceirização

Firm adjustment, employment and sub-contracting

RESUMO

Este artigo analisa o impacto da subcontratação no mercado de trabalho e a ineficiência que pode resultar dele. A subcontratação está parcialmente associada ao aumento no emprego de serviços e à diminuição no emprego na indústria no início dos anos 90. Assim, a subcontratação pode diminuir a qualidade do emprego e os incentivos à acumulação de capital humano, uma vez que os serviços tendem a valorizar menos o capital humano do que a manufatura e têm relações de trabalho mais informais e instáveis. Esse cenário pode se deteriorar se as empresas subcontratadas enfrentarem restrições de crédito. Devido à existência de externalidades, o investimento em capital humano seria sub-ótimo, mesmo que as empresas contratadas estivessem dispostas a investir nas empresas subcontratadas.

PALAVRAS-CHAVE:
Terceirização; demanda de trabalho; condições de trabalho; capital humano

ABSTRACT

his article analyses the impact of sub-contracting on the labor market and the inefficiency that may result from it. Sub-contracting is partially associated with the increase in services employment and the decrease in manufacturing employment in the early 1990s. Thus, sub-contracting may decrease job quality and incentives to human capital accumulation, since services tend to value human capital less than manufacturing and have more informal and unstable labor relations. This scenario may deteriorate if the sub-contracted firms face credit constraints. Due to the existence of externalities, investment in human capital would be sub-optimal even if contracting firms were willing to invest in the sub-contracted ones.

KEYWORDS:
Outsourcing; labor demand; working conditions; human capital

1. INTRODUÇÃO

Existe enorme escassez de informações sistemáticas sobre o processo de ajuste e reestruturação das empresas nos anos recentes. As informações em nível agregado mostram que houve uma redução do emprego industrial da ordem de 20% entre 1989 e 1993 e um crescimento da produtividade do trabalho na indústria de 30% no mesmo período. Parte da redução do emprego industrial pode ser explicada pela adoção de técnicas de gestão e tecnologias poupadoras de trabalho e parte pelo processo de terceirização, sempre que se referir à migração de trabalhadores do setor industrial para o setor de serviços1 1 Nos casos em que a terceirização envolve movimentos de trabalhadores no interior do setor industrial, os efeitos líquidos ou agregados sobre o nível de emprego e produtividade são nulos.

A principal contrapartida da queda do emprego industrial nos anos 90 não foi o aumento da taxa de desemprego, mas um forte crescimento da participação do setor terciário na ocupação total e do grau de informalidade das relações de trabalho2 2 A taxa de desemprego do início dos anos 90 não atingiu os níveis verificados no período de crise da economia brasileira no início dos anos 80. Para tal ponto ver Amadeo et al. (1993). . O crescimento da participação do setor terciário está, pelo menos em parte, associado ao processo de terceirização. Vale dizer que terceirização não significa terciarização. A terceirização refere-se à subcontratação de empresas para executar alguma atividade para a empresa contratante. Assim, tanto as empresas industriais podem ser terceiras de outras quanto as empresas do próprio setor terciário também terceirizaram algumas de suas atividades. Apesar disso, o artigo focaliza os efeitos da terceirização de serviços por parte da indústria. Isso se justifica pelo fato de que, por um lado, as principais atividades terceirizadas estão no setor serviços. Além disso, como a indústria se caracteriza pela produção de tradables, qualquer ineficiência resultante do processo de terceirização implicará perda de competitividade internacional, o que não é tão marcante no caso em que as empresas que terceirizam pertencem ao setor terciário - que produz basicamente non-tradables.

No setor terciário predominam empresas de pequeno porte, que, em geral, oferecem empregos de baixa qualidade e valorizam relativamente menos capital humano. De fato, esse setor apresenta uma proporção relativamente elevada de trabalhadores informais e uma alta rotatividade do trabalho. É um erro imaginar que as condições básicas de funcionamento das empresas no setor terciário mudarão com a terceirização. É esperado que a parceria entre as empresas contratantes e terceirizadas poderá aumentar o investimento em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) e em formação profissional nestas últimas. Isso acontecerá, pois as empresas contratantes têm interesse em que a qualidade dos serviços gerados pelas empresas terceiras satisfaça seus padrões de qualidade. Mas parte dos investimentos necessários depende do acesso ao crédito e a informações, que as empresas do setor terciário não possuem. Além disso, e este é o principal ponto deste trabalho, os investimentos necessários - em particular, investimentos “genéricos”, como formação geral dos trabalhadores e pesquisa - geram extemalidades, e, por isso, há uma tendência natural ao subinvestimento, num ambiente competitivo e não-cooperativo.

A pergunta óbvia que se pode fazer é se a tendência ao subinvestimento já não existia antes da terceirização. Em princípio, sim. No caso de P&D menos, porque as leis de patentes reduzem os problemas de property rights que inibem esses investimentos. Mas, no caso de investimentos em capital humano, isso não é tão evidente. Tome-se o caso de investimento em formação genérica dos trabalhadores. Se a empresa contratante financia esse investimento para a empresa terceirizada, outras empresas contratantes se beneficiam do investimento, e essa é a origem do subinvestimento. Não houvesse a terceirização, a empresa tenderia a resolver o problema de property rights usando meios que induzissem o trabalhador a permanecer na empresa. Portanto, é razoável pensar que a tendência ao subinvestimento pode aumentar com a terceirização.

Este trabalho tem como objetivo principal analisar o impacto da terceirização sobre o mercado de trabalho e as possíveis ineficiências na relação entre as empresas contratantes e terceiras. Para tanto, o trabalho está organizado da forma como segue. A seção seguinte, de caráter descritivo, contém uma análise do emprego e salário dos setores industrial e de serviços diante da crise econômica e do processo de ajuste estrutural do início dos anos 90. Na seção 2.1, descrevem-se as características mais marcantes do processo de reestruturação das empresas. Na subseção seguinte, apresenta-se a evolução da ocupação por setor e posição na ocupação. Na subseção 2.3 analisam-se as características típicas dos trabalhadores e dos postos de trabalho dos setores industrial e de serviços.

Em seguida, na seção 3, discutem-se as características da terceirização e como essas características podem levar a que o investimento em capital humano nas empresas terceirizadas seja “subótimo”, com ganhos de eficiência inexplorados. Na quarta seção, apresentamos um modelo que formaliza a discussão da seção anterior e que mostra as dificuldades para atingir o nível ótimo de investimento devido à falta de coordenação e ao comportamento oportunista dos agentes. Por fim, descrevemos as principais conclusões do trabalho e implicações de políticas públicas.

2. REESTRUTURAÇÃO, EMPREGO E TERCEIRIZAÇÃO

No início dos anos 90 foram adotadas uma série de medidas de estímulo à competição - privatizações, legislação antitruste, liberalização comercial e novas regras para os investimentos diretos - e medidas de estímulo à competitividade - aqui estão compreendidos os programas de Apoio à Capacitação Tecnológica, de Produtividade e Qualidade e o de Competitividade Industrial. A ideia era que esses instrumentos exporiam as empresas a uma maior competição interna e externa, forçando a sua reestruturação de forma a aumentar a produtividade e, portanto, a competitividade dos seus produtos. De fato, diante desse cenário, as empresas brasileiras adotaram medidas para a reestruturação da produção tais como a concentração nas linhas de produto, economias de escopo, terceirização de diversas atividades, compactação dos processos produtivos com corte de pessoal, programas de qualidade, etc.3 3 Para maiores detalhes ver Coutinho & Ferraz (1994).

As estatísticas de emprego mostram que nesse período houve uma forte queda do emprego industrial, que teve como contrapartida principal o crescimento do setor terciário na ocupação total e do grau de informalidade das relações de trabalho. Esta seção principal analisa como se deu o processo de ajuste empresarial, qual a tendência ocupacional nos anos 90 e quais as características dos trabalhadores no setor industrial - que tem registrado queda da participação na ocupação total - e no setor terciário - que tem aumentado a participação na ocupação total.

Para tanto, na subseção 2.1, a partir de informações da Gazeia Mercantil, descrevem-se as características mais marcantes do processo de reestruturação das empresas. As perguntas a serem respondidas aqui dizem respeito ao comportamento do nível de emprego e da produtividade do trabalho e à natureza e nível de sucesso no processo de reestruturação com base em dados desagregados por empresas.

Na subseção 2.2, com base nos dados do SEADE/DIEESEDIEESE. (1993) “Trabalhadores frente à terceirização”. Pesquisa DIEESE, nº 57, maio., descrevemos como evoluiu a composição setorial da mão-de-obra na Grande São Paulo de 1989 a 1993. Nesse particular buscamos identificar as principais tendências do emprego com o objetivo de identificar o peso dos processos de desindustrialização, terciarização e informalização do emprego nos últimos anos4 4 A análise de São Paulo se explica pelo fato de que aí existe o maior parque industrial e, portanto, produzem-se relativamente mais bens tradables. Além disso, as informações disponíveis mais recentes pertenciam a essa pesquisa. .

Em seguida, a partir de tabulações especiais da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), analisam-se as características dos trabalhadores e dos postos de trabalho nos setores industrial e de serviços. Aqui buscamos identificar as principais diferenças entre os trabalhadores e postos de trabalho típicos dos setores industrial - de onde têm saído os trabalhadores - e de serviços - para onde têm ido os trabalhadores.

2.1 As características do processo de reestruturação das empresas

No Brasil é difícil dispor de dados sobre empresas que permitam uma análise quantitativa cuidadosa do processo de ajustamento e reestruturação empresarial. O que buscamos fazer aqui é mensurar, através de dados retirados dos Balanços Anuais da Gazeta Mercantil, os efeitos do processo de reestruturação sobre o nível de emprego e produtividade do trabalho. Os dados referem-se aos resultados de 1989 a 1992. Esse foi o período em que a maior parte das mudanças estruturais da economia brasileira se iniciaram (privatizações, abertura comercial e financeira) e em que a economia viveu a mais rigorosa recessão do pós-guerra. É claro que os efeitos das reformas estruturais e da recessão se confundem, e é difícil separá-los. Em todo caso, dado que até meados de 1994 não havia ainda uma recuperação do emprego formal e do emprego industrial, pode-se supor que parte não-desprezível do que se passou com o emprego entre 1989 e 1992 tem caráter estrutural.

O estudo se baseia numa amostra composta pelas três maiores empresas de cada um dos principais subsetores dos setores industrial, mineral, comercial e de serviços. No total, são 230 empresas pesquisadas.

Os dados do Balanço Anual utilizados foram os seguintes:

  • receita operacional líquida convertida em dólares pela taxa de câmbio comercial do dia do balanço; e

  • número de funcionários.

Com base nesses dados foi calculada uma medida de produtividade do trabalho, simplesmente dividindo o faturamento operacional líquido pelo número de funcionários. A Tabela 1 mostra a variação percentual entre 1989 e 1992 do emprego (número de funcionários) e da produtividade do trabalho para cada empresa. Além disso, nessa tabela apresenta-se o “tipo de ajustamento” por que passou a empresa.

Tabela 1
Tipos de ajustamento empresarial (maiores empresas do Brasil; total de empresas: 230)

Através do exame da Tabela 1 pode-se concluir o seguinte:

  • O emprego cresceu (ou permaneceu constante) nas três principais empresas dos seguintes subsetores: refrigerantes, cigarros, hospitais, convênios de saúde, saneamento básico, ônibus urbanos e aviação. Em todos os demais subsetores o comportamento das empresas foi dissimilar, com incidência de empresas em que o emprego cresceu e empresas em que decresceu sendo que as primeiras representam a minoria dos casos.

  • Houve redução do nível de emprego em 60% das empresas, sendo que em parcela não-desprezível de casos a redução chegou à casa dos 50%. Em 23% das empresas não houve mudança no nível de emprego e em 17% houve aumento do nível de emprego.

  • As empresas em que não houve variação no emprego foram classificadas como “a” se houve crescimento do faturamento e como “d” se houve queda do faturamento. Logo, o primeiro recorte, por variação no emprego, coloca 83% das empresas entre os tipos “a” e “d” e apenas 17% - empresas com aumento do emprego - entre as categorias “b” e “c”.

  • Somente nas empresas dos tipos “c” e “d” a produtividade do trabalho caiu. Essas são as empresas em que o faturamento e o emprego caíram, mas não o suficiente para que a produtividade aumentasse (empresas do tipo “d”), ou em que o emprego cresceu (empresas do tipo “c”). O conjunto das empresas “c” e “d”, em que o ajustamento não ocorreu ou foi malsucedido, respectivamente, representa 21% das empresas.

  • Nas demais empresas (79% da amostra) houve aumento de produtividade, seja com redução do emprego e crescimento do faturamento (tipo “a” com 68% das empresas) seja, com aumento do emprego e crescimento do faturamento (tipo “b”, com 11% das empresas).

  • Por último é interessante notar que no caso de muitos subsetores, o tipo de ajustamento varia de empresa para empresa. Isso significa que empresas que sofreram choques semelhantes reagiram e ajustaram-se diferentemente. Tome-se o caso de “máquinas rodoviárias”, por exemplo: a Caterpillar (empresa do tipo “a”) teve redução de emprego de 50,5% e aumento de produtividade de 37,8%; a Fiat Allis (empresa tipo “d”) teve redução de 2,0% de emprego e redução da produtividade de -0,93%; por último, a Komatsu (empresa tipo “c”) teve aumento de emprego de 69,5% e queda de produtividade de -6,1 %.

Em conclusão, pode-se observar que, em geral, as empresas se ajustaram com sucesso (com aumento de faturamento e produtividade do trabalho), mas houve enorme redução no número de funcionários.

2.2 Perfil setorial e ocupacional da força de trabalho

A despeito da redução do emprego nas principais empresas brasileiras, a recessão do início dos anos 90, as reformas estruturais e o processo de ajuste e reestruturação empresarial não implicaram aumento acentuado da taxa de desemprego, que segundo os dados do IBGE permaneceu abaixo de 6,5%. Em grande parte, isso foi possível devido ao crescimento do emprego no setor terciário.

Esse setor foi capaz, nos últimos anos, de gerar empregos e aumentar significativamente sua participação relativa no emprego total. Ou seja, a tendência à terciarização, que já vinha acontecendo desde o início da década de 80, é reforçada nos anos 905 5 Em Amadeo et al. (1994) estima-se que o emprego no setor terciário aumentou mais de 50% entre 1981 e 1989. Além disso, como o setor terciário cresceu relativamente mais e o setor secundário manteve sua participação praticamente constante, houve uma “substancial terceirização do emprego em atividades urbanas” nesse período. .

Tomando o caso da Grande São Paulo, a Tabela 2 revela que, enquanto a indústria apresentou uma variação negativa do nível ocupacional de 1990 a 1993, o setor serviços registrou crescimento. Em 1990 e em 1992, anos marcados por forte retração do nível de atividade industrial, verificou-se uma queda do nível de ocupação industrial para as três posições na ocupação (com carteira, sem carteira e conta própria). Quando a economia consegue recuperar o fôlego, em 1991 e em 1993, os níveis de ocupação dos conta própria e do emprego sem carteira de trabalho assinada na indústria aumentaram. Mas, como essas categorias representam uma parcela pequena dentro do total de ocupados na indústria, o seu crescimento não superou a queda do emprego com carteira de trabalho assinada, resultando numa variação negativa da ordem de 28% do emprego total industrial nesses anos.

Tabela 2
Variação anual do nível de ocupação por setor e posição na ocupação na Grande São Paulo (%)

O setor de prestação de serviços teve um crescimento de 21% do nível de ocupação, com forte ênfase do segmento conta própria. Quando desagregado por posição na ocupação, verifica-se que o emprego com carteira de trabalho assinada e o trabalho por conta própria registraram taxas de crescimento positivas em todos os anos. O emprego sem carteira no setor serviços teve um decréscimo em 1990 e em 1992.

A Tabela 3 mostra que o aumento da terciarização6 6 O trabalho analisa somente a parte do setor terciário referente a serviços. Vale dizer, no entanto, que o emprego no setor comércio também cresceu substancialmente. no início dos anos 90 foi acompanhado por um aumento do grau de informalidade, medido tanto pelos empregados sem carteira de trabalho assinada quanto pelos trabalhadores por conta própria.

Tabela 3
Distribuição dos ocupados por posição na ocupação nos meses de setembro de cada ano para a Grande São Paulo %

A reestruturação empresarial e a recessão implicaram não somente queda do emprego industrial, mas, também, redução na participação do emprego com carteira de trabalho assinada na ocupação total. A queda da participação dos assalariados na ocupação total foi liderada pelo decréscimo monotônico do emprego com carteira de trabalho assinada, que caiu 14% no período como um todo.

A contrapartida dessa forte queda do emprego com carteira foi um aumento da participação na ocupação total do emprego sem carteira de trabalho assinada e do trabalho por conta própria. No entanto, a participação dos trabalhadores por conta própria cresceu relativamente mais (32%) que a dos sem carteira (9%). Ou seja, a crise acelerou a tendência de crescimento da participação dos trabalhadores por conta própria verificada desde 19867 7 Ver Amadeo et al. (1993). .

Ao longo dos últimos anos foram introduzidas novas técnicas e métodos organizacionais que visam o aumento da produtividade e, portanto, da competitividade dos produtos. As empresas passaram a focalizar suas atividades, deixando a cargo de empresas terceiras a prestação dos serviços complementares ao processo de produção. Com isso, busca-se obter ganhos de produtividade com a especialização das empresas nas suas atividades principais, aproveitando suas vantagens comparativas.

Combinando os fatos, é bastante plausível que o aumento do emprego no setor serviços esteja, em alguma medida, correlacionado com o processo de terceirização ocorrido nesse período. Dito de outra forma, é plausível que haja uma importante interseção entre os processos de terceirização e de terciarização do emprego. Se isso de fato ocorre, parece interessante examinar as diferentes características dos trabalhadores e dos postos de trabalho na indústria e no setor de serviços.

2.3 Características dos trabalhadores nos setores industrial e de serviços

Em face da inexistência de dados especificamente voltados para o diagnóstico do processo de terceirização, a análise desta seção toma por base dados referentes aos empregados do setor serviços, em subsetores em que há evidências de que existe um grande número de empresas “terceiras”8 8 Os subsetores são: alimentação, limpeza e conservação, segurança e vigilância, manutenção e reparação, armazenagem, serviço auxiliar de comércio, serviço auxiliar de transporte rodoviário, serviço auxiliar de seguro, serviços jurídicos, de contabilidade, de assessoria e de engenharia e arquitetura. . Assim, para estudar a composição da força de trabalho empregada nas empresas terceiras, utilizou-se como proxy os trabalhadores empregados no setor serviços.

A fonte de informações utilizada nessa seção é uma tabulação especial da PNAD de 1989 e 19909 9 Como o interesse era combinar características do trabalhador e do posto de trabalho, essa pesquisa se mostrou satisfatória. Infelizmente o último ano disponível da PNAD é 1990, que representa o início do processo de ajuste. . O universo de análise limita-se aos empregados com e sem carteira de trabalho na indústria de transformação e no setor de prestação de serviços. O total da amostra final atinge aproximadamente 22 mil observações; expandida ela representa 20 milhões de trabalhadores.

O total de trabalhadores empregados nos setores industrial e de serviços caiu entre 1989 e 1990. Ambos os setores registraram queda em termos absolutos do número de empregados. Entretanto, em consonância com os dados examinados na seção anterior, essa queda foi mais acentuada no setor industrial, que respondeu por 87% dos empregos perdidos entre 1989 e 1990. Isso provocou uma queda da participação do emprego industrial no total de trabalhadores e um consequente aumento da participação do emprego no setor serviços. Entretanto, a proporção de trabalhadores no setor industrial no emprego total ainda é mais alta que a de serviços em 199010 10 Isso se deve à seleção da amostra. Primeiro, excluímos o setor público, agricultura, comércio e outros. Além disso, dentro dos setores de prestação de serviços e de serviços auxiliares, selecionamos somente os subsetores que representam as atividades que mais foram terceirizadas. Também não levamos em conta os trabalhadores por conta própria, que têm uma participação alta e crescente na ocupação do setor serviços. .

A ideia básica da análise a seguir é examinar os possíveis efeitos da terceirização tomando por base as características típicas dos trabalhadores e dos postos de trabalho nos setores industrial - de onde têm emigrado os trabalhadores - e de serviços - para onde têm imigrado os trabalhadores. Procuramos mostrar que o setor industrial “valoriza” o capital humano dos seus trabalhadores muito mais que o setor de serviços, e que, portanto, a migração intersetorial da força de trabalho pode implicar perdas de eficiência. É evidente que essa implicação se baseia em uma análise “estática”, isto é, tomando por base as características dos trabalhadores e dos postos de trabalho existentes antes de iniciar-se a onda de terceirização. É possível que as novas empresas terceiras passem a operar com métodos e cultura muito diferentes daqueles das empresas típicas do setor de serviços captadas por essa amostra de 1989/90.

A Tabela 4 mostra que a distribuição dos trabalhadores por nível educacional nos setores industrial e de serviços é bem semelhante. A participação de trabalhadores analfabetos é maior no setor serviços que na indústria. Já para aqueles com mais de 11 anos de estudo, a indústria tem uma participação relativamente mais alta. A proporção de trabalhadores com 5 a 11 anos de estudo no setor serviços é ligeiramente maior que a do setor industrial. Essa diferença ainda registrou uma queda de 1989 para 1990.

Tabela 4
Distribuição dos trabalhadores por nível educacional, faixa etária, posição na ocupação e tempo de serviço (%)

Entre 1989 e 1990 ocorreu (i) uma queda da participação dos trabalhadores menos educados e (ii) um aumento da participação dos muito educados nos dois setores em análise. Como a participação do emprego na indústria caiu de 1989 para 1990, pode-se dizer que o ajuste efetuado pelas empresas foi basicamente diminuir a participação dos trabalhadores menos qualificados dentro do seu quadro de pessoal. No setor serviços, apesar de a intensidade do ajuste ser menor, verifica-se também uma queda do emprego dos trabalhadores menos qualificados (até quatro anos de estudo) e um aumento dos trabalhadores com mais de cinco anos de estudo. Esses dados indicam que na primeira fase do ajuste (entre 1989 e 1990) houve uma tendência a valorizar os trabalhadores mais educados e qualificados.

A análise por faixa etária revela que o setor serviços emprega a maioria dos jovens. Assim, esse setor pode ser visto como uma porta de entrada para os jovens que ingressam no mercado de trabalho. Vale ressalvar, entretanto, que também no emprego industrial a participação dos jovens é alta. A participação dos grupos extremos da distribuição etária é mais alta no setor serviços do que na indústria. Ou seja, os trabalhadores em idade mais produtiva têm participação mais alta na indústria.

O grau de formalização - medido pela proporção de empregados com carteira de trabalho assinada - para a população em análise é de aproximadamente 78%. Na indústria, verifica-se que existe uma alta formalização das relações de trabalho (84%) em comparação com o setor serviços (62%). Grande parte dos trabalhadores empregados no setor serviços é contratada à margem da legislação trabalhista.

Em consonância com os dados apresentados na seção anterior, a Tabela 4 mostra ainda que houve uma pequena queda do grau de formalização na indústria de 1989 para 1990. Isso pode ter ocorrido tanto pela incerteza dos empregadores em relação à retomada do crescimento (principalmente no caso de novas contratações) quanto como uma estratégia para diminuir os custos do trabalho. No setor serviços verifica-se um ligeiro aumento do grau de formalização das relações de trabalho.

Cerca de 43% da força de trabalho empregada no setor serviços tem menos de um ano de “casa”, enquanto para o grupo de trabalhadores que tem mais de cinco anos no mesmo emprego a participação mais alta é no setor industrial. Vale destacar, portanto, que existe uma diferença importante na participação dos grupos extremos entre a indústria e serviços.

Essa diferença aumenta entre 1989 e 1990. Nos dois setores verifica-se uma queda da participação do grupo de trabalhadores com menos de um ano de serviço e aumento dos outros grupos. Na indústria, entretanto, o aumento da participação do grupo com mais de cinco anos de serviço é tão forte que ultrapassa a proporção de trabalhadores com menos de um ano de serviço. Esse fato não é verificado para o caso de serviços, em que, em 1990, a participação dos trabalhadores com menos de um ano de serviço ainda é a mais alta.

Assim, o principal problema em relação aos empregos oferecidos pelo setor serviços é que, para grande parte dos trabalhadores alocados nesse setor, as relações de trabalho são muito instáveis. Isso certamente tem consequências sobre a produtividade, visto que relações de trabalho com estas características em geral são incompatíveis com investimentos em formação e treinamento profissional.

A seguir examinamos o ganho salarial do trabalhador típico de uma determinada característica em relação ao grupo que recebe o mais baixo salário médio do setor respectivo. Por exemplo, por nível educacional serão calculados os ganhos salariais médios dos trabalhadores pertencentes aos grupos educacionais de 5 a 8, 9 a 11 e de mais de 11 anos de estudo em relação aos trabalhadores sem instrução.

Como pode ser visto na Tabela 5, nos dois setores os ganhos salariais são extremamente elevados e crescem com o aumento do nível de instrução11 11 Em Barros, Mello & Pero (1993), quando foram introduzidas as variáveis idade e região de residência como controles para estimar o ganho salarial em relação à educação dos empregados com carteira, os resultados não se mostraram muito sensíveis. . No entanto, o setor industrial, além de ter um salário médio mais alto, é o que mais valoriza o capital humano de seus trabalhadores, pagando salários mais elevados aos trabalhadores mais qualificados.

Tabela 5
Ganho em termos de In do salário médio em relação ao grupo que percebe menor salário médio %

Entre 1989 e 1990, os ganhos aumentaram para todos os grupos na indústria, exceto para aqueles com mais de 11 anos de estudo. No setor serviços, o ganho salarial diminui para todos os grupos educacionais.

A análise por faixa etária revela que o pico do ganho salarial muda de 1989 para 1990 na indústria, ficando entre os trabalhadores com idade entre 45 e 54 anos. Já para o setor serviços o pico salarial ocorre na faixa etária 25-4412 12 É importante ressaltar que, em Barros, Mello & Pero (1993), quando foram introduzidas como controles as variáveis educação e região de residência para estimar o ganho salarial em relação à idade para os empregados com carteira de trabalho assinada, os resultados se mostraram extremamente sensíveis. Os dados sem controles tinham seu pico entre 36 e 45 anos. Quando controlamos, o pico passou para 46-55 anos. . Nesse setor houve um decréscimo do ganho salarial relativo para todas as faixas etárias de 1989 para 1990. Ou seja, o setor serviços passou a valorizar relativamente menos a experiência do trabalhador entre 1989 e 1990.

Quando examinamos o perfil do trabalhador segundo a posição na ocupação, verifica-se, primeiramente, que o salário médio do empregado com carteira é mais alto que o daquele sem carteira nos dois setores. Segundo, a posse da carteira de trabalho na indústria. representa ganhos mais altos que em serviços. Ou seja, o setor industrial valoriza mais a posse da carteira de trabalho do que o setor serviços.

Por último, os dois setores apresentam ganhos salariais crescentes com a experiência no trabalho. Mais uma vez, a inclinação da reta dos ganhos salariais relativos na indústria é mais alta que em serviços. Em outras palavras, a indústria é o setor que mais valoriza a permanência do trabalhador na empresa.

3. A TERCEIRIZAÇÃO E O PERIGO DE SUBINVESTIMENTO EM CAPITAL HUMANO

É bem conhecido o fato de que o ganho social com o investimento em capital humano é maior que o ganho privado, ou seja, ele gera extemalidades positivas. Quando se realiza um investimento em educação e treinamento, o trabalhador não só adquire habilidade para realização da tarefa a que o investimento se destina como também a capacidade de “aprender a aprender”13 13 Para maiores detalhes sobre a questão ver Amadeo et al. (1993). . Essa capacidade de aprendizado está se tornando cada vez mais importante se considerarmos que a velocidade das mudanças técnicas e organizacionais tem exigido uma adaptação rápida dos trabalhadores.

Vimos, no entanto, que a abertura comercial e a recessão no início dos anos 90 afetaram a composição setorial do emprego no Brasil, no sentido de diminuir a participação do setor industrial, que valoriza mais o capital humano. Podemos dizer que a redução do emprego industrial foi consequência, ao menos em parte, da reestruturação dos processos de produção e da organização do trabalho. Muitas atividades que antes eram realizadas pela própria indústria foram terceirizadas.

As evidências apontam para o fato de que a maior parte das empresas terceiras pertence ao setor serviços14 14 Segundo dados do DIEESE, a terceirização predominou nas seguintes atividades: faxina/limpeza, segurança/portaria, transporte, restaurante, manutenção e projetos/engenharia. No universo de análise estudado na seção anterior exclui-se a atividade projeto/engenharia, que, no entanto, é a que registra ainda a menor proporção relativa. . Como foi visto anteriormente, esse setor contrata, predominantemente, mão-de-obra com baixo nível educacional e pouca experiência. A maioria é contratada à margem da legislação trabalhista, o que gera relações de trabalho instáveis - prova disso é a predominância de trabalhadores com menos de dois anos de “casa”. Os trabalhadores têm, em média, ganhos salariais com a educação menores que na indústria, ou seja, o setor serviços valoriza menos o capital humano.

A questão que se coloca a partir da identificação dessa tendência à terciarização e terceirização é como isso pode afetar a capacidade de adaptação da economia como um todo às mudanças de ambiente. É claro que a terceirização, quando não é motivada por razões espúrias, proporciona um aumento de eficiência da economia devido à “focalização” nas atividades principais. No entanto, a competitividade das empresas industriais pode vir a ser prejudicada pela incapacidade de as firmas terceiras se adaptarem, rápida e adequadamente, a mudanças técnicas. Essa preocupação se deve basicamente à baixa propensão de as firmas terceiras investirem em capital humano e em uma relação de trabalho mais estável, criando condição para que os trabalhadores cresçam profissionalmente. Isso será tão mais importante quanto maior for a complementaridade técnica entre a empresa contratante e a contratada e quanto mais firma-específico for o trabalho efetuado pela contratada.

As considerações acima sugerem que pode ocorrer uma demanda não atendida por serviços de alta qualidade. Se existe um mercado para serviços de qualidade mais elevada, por que as empresas do setor serviços não mudariam o padrão de investimento em capital humano para responder a essa demanda? A maioria das empresas do setor serviços é de pequeno porte15 15 Em Saboia (1994) verificou-se que 87% dos trabalhadores desse setor pertencem a estabelecimentos com menos de dez pessoas ocupadas. Além disso, do total de empregados sem carteira, 72% pertencem a estabelecimentos com menos de dez pessoas ocupadas. Essa proporção para os empregados com carteira é de 17%. , e, por isso, enfrenta restrições no mercado de crédito e de informações. A incapacidade do setor serviços de responder à demanda por aumento de qualidade se deve, portanto, às próprias características das empresas que atuam nesse setor.

Essa ineficiência poderia ser, em parte, superada se a firma que terceiriza realizasse investimentos em educação e treinamento para os trabalhadores da firma contratada. No entanto, como os investimentos em capital humano e outros, tais como pesquisa e desenvolvimento, geram externalidades positivas, essa solução ainda geraria um nível de investimento subótimo. Isso dá margem para que sejam formuladas políticas públicas visando atingir o nível ótimo de investimento em capital humano, que maximiza a eficiência da economia. Na seção seguinte, desenvolvemos um modelo teórico que formaliza essas ideias.

4. UM MODELO TEÓRICO

Considere n firmas (às quais vamo-nos referir como contratantes) que atuam em competição monopolística no mercado de produto e que compram um serviço de uma outra firma (que será chamada de contratada). As n firmas contratantes têm funções de demanda e de custos idênticas. Tanto firmas contratantes como contratada operam com retornos constantes de escala, mas o custo unitário de produção das contratantes depende negativamente do investimento (por unidade de produção) realizado na contratada, ou seja, a qualidade dos serviços prestados pela firma contratada afeta diretamente a produtividade dos fatores das firmas contratantes. Embora o modelo apresentado seja válido para uma discussão mais geral, trataremos basicamente de investimento em capital humano devido à motivação deste artigo. Vamos supor ainda que a firma contratada não realiza investimentos em si mesma porque não tem acesso ao mercado de crédito ou não tem informação sobre o valor desse investimento para as firmas contratantes16 16 Uma outra hipótese conveniente é a de que a firma contratada tenha lucro zero, quer as contratantes invistam nela quer não. Estamos, portanto, eliminando problemas de property rights e a possibilidade de que a contratada tenha um comportamento oportunista para com as contratantes. A contratada seria oportunista se, uma vez realizado o investimento, cobrasse das contratantes um preço pelos seus serviços tal que elas não conseguissem nem mesmo cobrir o custo do investimento. Essa hipótese é útil para simplificar a exposição e isolar o efeito em que estamos interessados. Além disso, já existe abundante literatura tratando de subinvestimento devido a problemas de property rights e a comportamento oportunista. O leitor interessado nesse aspecto da relação entre as firmas contratantes e terceira deve procurar, por exemplo, Williamson (1981), Tirole (1988), Dietrich (1994), Noorderhaven (1994) e McMillan (1990). .

Uma firma contratante qualquer i maximiza seu lucro tomando como dadas as decisões das demais contratantes (denotadas genericamente pelo subscrito j) sobre preços e investimento na firma contratada. O problema da firma i é, portanto:

M a x p p I i [ P i - c ( I i + β Σ j I j ) - α I i ] D ( p i , p j ) (1)

Em que pi é o preço da firma i, Ij é o nível de investimento (por unidade de produto) da firma i na firma contratada, pj e Ij são preço e investimento de uma outra contratante qualquer j, com ji. D(p i , pj ) é a função demanda enfrentada pela firma i dado que suas n-1 competidoras fixaram preços iguais a pj. c é o custo unitário de uma firma contratante, sendo c<0 e c>0. Além disso -c(0)>α e -c()<α, em que α é o custo de uma unidade de investimento, β é uma medida da externalidade que o investimento de uma contratante na contratada gera para as demais contratantes; β pertence ao intervalo (0,1). β próximo de zero indica que o investimento realizado por uma contratante na contratada é bastante idiossincrático, ou seja, é um investimento em capital humano específico à contratante. Um b próximo de um, ao contrário, indica que o investimento se faz em capital humano mais geral (por geral entenda-se igualmente útil às n firmas contratantes).

As condições de primeira ordem são17 17 Estaremos supondo as condições de segunda ordem satisfeitas. :

D ( P i , P j ) + [ P i - c ( I i + β Σ j i I j ) - α I i ] D l ( p i , p j ) = 0 (2)

- c ( I i + β Σ j i I j ) = α (3)

A equação (3) é uma curva de reação que, para cada nível de investimento I j escolhido pelas n-1 outras contratantes, dá o nível ótimo de investimento ótimo da firma i. A equação (2) também é uma curva de reação que, para cada par (Ii, Ij) compatível com (3) e cada dado pj das n-1 concorrentes, dá o preço ótimo da firma i.

Devido à simetria entre as n firmas contratantes, as curvas de reação apresentadas acima geram equilíbrio de Nash simétrico (pj=pj=p*, Ii=Ij=I*,p/i, j), caracterizado por:

D ( p * , p * ) + [ p * - c ( ( 1 + β ( n - 1 ) ) I * ) - α I * ] D 1 ( p * , p * ) = 0 (4)

- c ( ( 1 + β ( n - 1 ) ) I * ) = α (5)

Nosso próximo passo é examinar como se comportaria uma agência encarregada de escolher de forma centralizada os níveis ótimos de investimento das n firmas compradoras18 18 Do ponto de vista do bem-estar do consumidor os preços devem continuar a ser escolhidos sem coordenação, do contrário haveria um resultado de conluio. Dado o nível ótimo de investimento escolhido pela agência central, cada firma contratante escolheria seu preço com base na equação (2) do modelo. . O problema do planejador é:

M a x I l , ..., I n Σ i n 1 = [ p i - c ( ( I i + β Σ j i I j ) - α I i ] D ( p i , p j ) (6)

A simetria entre as firmas e as condições de primeira ordem fazem com que o investimento ótimo (igual para todas as firmas) escolhido pela agência seja dado implicitamente pela equação:

- c ' ( ( 1 + β ( n - 1 ) ) I * * ) = α 1 + β ( n - 1 ) (7)

Com I** e a curva de reação (2), utilizando mais uma vez a simetria, chega-se ao preço e à quantidade de equilíbrio para cada firma contratante (serão iguais, mais uma vez), que denotaremos por p** e D(p**, p**). c>0 implica I*<I**. Além disso, uma curva de demanda minimamente bem comportada19 19 Basta que a curva de receita marginal seja negativamente inclinada. implica p*>p** e D(p*, p*)<D(p**, p**).

A coordenação dos investimentos em capital humano da firma contratada também implica aumento do lucro de cada contratante, uma vez que o problema da agência central é a maximização da soma dos lucros das n contratantes, levando em conta as extemalidades positivas do investimento. Portanto, a cooperação (coordenação) das decisões de investimento leva a um resultado Pareto superior ao obtido sob não-cooperação. É nesse sentido que podemos dizer que a falta de coordenação leva a um subinvestimento em capital humano na firma contratada. Pela equação (7) é possível dizer que o subinvestimento será tanto maior quanto maior for β, ou seja, quanto menos firma-específicos forem os investimentos de cada contratante.

A cooperação entre as n firmas compradoras não é um equilíbrio de Nash, apesar de ser Pareto superior à não-cooperação. É fácil checar que, dado que as outras n-I firmas adotam a estratégia de investir o nível ótimo I**, a enésima firma tem incentivo para atuar como free-ride, investindo menos que isso. Esse comportamento oportunista é o que leva ao subinvestimento. Um equilíbrio cooperativo estável só pode ser obtido se for possível coibir o oportunismo20 20 Esse é um resultado bem conhecido para o dilema dos prisioneiros jogado em um período, de que o modelo apresentado é um exemplo. Só modificando os payoffs dos jogadores é possível obter um equilíbrio de Nash. No jogo repetido é possível que a cooperação seja obtida como equilíbrio de Nash, desde que a taxa de desconto intertemporal não seja muito alta. Urna referência a esse respeito é Fudenberg & Tirole (1991). .

5. CONCLUSÃO

A economia brasileira vem passando por um profundo processo de ajuste e reestruturação nos últimos quatro anos. A recessão e o aumento da competição externa levaram as empresas a modificar a organização do trabalho e a terceirizar diversas atividades, principalmente serviços, redefinindo seu tamanho. Parte dessa tendência à terceirização pode ser considerada espúria, ou seja, não é motivada por uma autêntica diferença de eficiência produtiva, mas sim pela redução dos custos trabalhistas. Serviços que antes eram realizados pela própria firma, empregando trabalhadores formais, passaram a ser comprados de empresas terceiras que empregam trabalhadores sem carteira de trabalho e com condições precárias de trabalho. Esse processo implica uma piora das condições de trabalho na economia, que se reflete no crescimento do grau de informalidade das relações de trabalho.

Mesmo nos casos em que a terceirização tem raízes num aumento de eficiência devido à “focalização” das empresas na sua atividade principal, é possível que o resultado seja insatisfatório do ponto de vista de capacidade de adaptação da economia a inovações técnicas e outras mudanças no ambiente em que operam as firmas. Isso se deve basicamente às características do setor serviços no Brasil. Esse setor, comparado à indústria, valoriza menos o capital humano de seus trabalhadores, paga salários em média mais baixos e parcela considerável dos seus empregados tem relações de trabalho informais e menos duradouras. Além disso, como as empresas do setor serviços são, na sua maioria, de pequeno porte, elas enfrentam restrições de crédito e de informações. Essas restrições limitam as possibilidades de investimento em capital humano das empresas terceiras do setor serviços, mesmo que haja uma demanda não-atendida por serviços mais modernos e de mais alta qualidade.

As empresas compradoras de serviços poderiam superar essa falha de mercado investindo, elas mesmas, em treinamento da mão-de-obra das terceiras. Embora isso gere ganhos de eficiência, o investimento em capital humano resultante desse esquema de financiamento ainda seria subótimo devido à existência de externalidades positivas que esse tipo de investimento gera. Quanto menos “firma contratante-específico” for o investimento, ou seja, quanto maior a externalidade gerada, maior a ineficiência resultante. A realização do nível ótimo de investimento depende de mecanismos que impeçam que as firmas tenham um comportamento de free-rider.

Em termos de política econômica, o mecanismo de incentivo à cooperação das empresas contratantes pode consistir no direcionamento do crédito à formação de redes. Dado que num ambiente não-cooperativo o nível de investimento é subótimo, as agências públicas de fomento deveriam agir no sentido de punir as grandes empresas, em geral contratantes, que não incluíssem em seus projetos investimentos nas empresas terceirizadas. Essa punição apareceria na forma de restrições no acesso a créditos públicos de empresas que não contemplassem em seus projetos a formação de redes de fornecimento de serviços e identificassem falhas ou ineficiências nas empresas contratadas devido à “subvalorizarão” do capital humano.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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  • WILLIAMSON, O. E. (1981) “The economics of organization: the transaction cost approach”. American Journal of Sociology, 87(3): 548-77.
  • 1
    Nos casos em que a terceirização envolve movimentos de trabalhadores no interior do setor industrial, os efeitos líquidos ou agregados sobre o nível de emprego e produtividade são nulos.
  • 2
    A taxa de desemprego do início dos anos 90 não atingiu os níveis verificados no período de crise da economia brasileira no início dos anos 80. Para tal ponto ver Amadeo et al. (1993AMADEO, E., et al. (1993) “Ajuste estrutural e flexibilidade do mercado de trabalho no Brasil”. Perspectivas da Economia Brasileira - 1994. Rio de Janeiro, IPEA.).
  • 3
    Para maiores detalhes ver Coutinho & Ferraz (1994COUTINHO, L. & FERRAZ, J.C. (coord.). (1994) “Estudo da competitividade da indústria brasileira”. Campinas, Papirus.).
  • 4
    A análise de São Paulo se explica pelo fato de que aí existe o maior parque industrial e, portanto, produzem-se relativamente mais bens tradables. Além disso, as informações disponíveis mais recentes pertenciam a essa pesquisa.
  • 5
    Em Amadeo et al. (1994AMADEO, E. et al. (1994) “A natureza e o funcionamento do mercado de trabalho desde 1980”. Série Seminários DIPES/IPEA, nº 5, 11/94, agosto.) estima-se que o emprego no setor terciário aumentou mais de 50% entre 1981 e 1989. Além disso, como o setor terciário cresceu relativamente mais e o setor secundário manteve sua participação praticamente constante, houve uma “substancial terceirização do emprego em atividades urbanas” nesse período.
  • 6
    O trabalho analisa somente a parte do setor terciário referente a serviços. Vale dizer, no entanto, que o emprego no setor comércio também cresceu substancialmente.
  • 7
    Ver Amadeo et al. (1993AMADEO, E., et al. (1993) “Ajuste estrutural e flexibilidade do mercado de trabalho no Brasil”. Perspectivas da Economia Brasileira - 1994. Rio de Janeiro, IPEA.).
  • 8
    Os subsetores são: alimentação, limpeza e conservação, segurança e vigilância, manutenção e reparação, armazenagem, serviço auxiliar de comércio, serviço auxiliar de transporte rodoviário, serviço auxiliar de seguro, serviços jurídicos, de contabilidade, de assessoria e de engenharia e arquitetura.
  • 9
    Como o interesse era combinar características do trabalhador e do posto de trabalho, essa pesquisa se mostrou satisfatória. Infelizmente o último ano disponível da PNAD é 1990, que representa o início do processo de ajuste.
  • 10
    Isso se deve à seleção da amostra. Primeiro, excluímos o setor público, agricultura, comércio e outros. Além disso, dentro dos setores de prestação de serviços e de serviços auxiliares, selecionamos somente os subsetores que representam as atividades que mais foram terceirizadas. Também não levamos em conta os trabalhadores por conta própria, que têm uma participação alta e crescente na ocupação do setor serviços.
  • 11
    Em Barros, Mello & Pero (1993BARROS, R.P, MELLO, R e PERO, V. (1993) “Informal labor contracts: a solution or a problem?”. Texto para discussão DIPES/IPEA, nº 5, 193, fevereiro.), quando foram introduzidas as variáveis idade e região de residência como controles para estimar o ganho salarial em relação à educação dos empregados com carteira, os resultados não se mostraram muito sensíveis.
  • 12
    É importante ressaltar que, em Barros, Mello & Pero (1993BARROS, R.P, MELLO, R e PERO, V. (1993) “Informal labor contracts: a solution or a problem?”. Texto para discussão DIPES/IPEA, nº 5, 193, fevereiro.), quando foram introduzidas como controles as variáveis educação e região de residência para estimar o ganho salarial em relação à idade para os empregados com carteira de trabalho assinada, os resultados se mostraram extremamente sensíveis. Os dados sem controles tinham seu pico entre 36 e 45 anos. Quando controlamos, o pico passou para 46-55 anos.
  • 13
    Para maiores detalhes sobre a questão ver Amadeo et al. (1993AMADEO, E., et al. (1993) “Ajuste estrutural e flexibilidade do mercado de trabalho no Brasil”. Perspectivas da Economia Brasileira - 1994. Rio de Janeiro, IPEA.).
  • 14
    Segundo dados do DIEESEDIEESE. (1993) “Trabalhadores frente à terceirização”. Pesquisa DIEESE, nº 57, maio., a terceirização predominou nas seguintes atividades: faxina/limpeza, segurança/portaria, transporte, restaurante, manutenção e projetos/engenharia. No universo de análise estudado na seção anterior exclui-se a atividade projeto/engenharia, que, no entanto, é a que registra ainda a menor proporção relativa.
  • 15
    Em Saboia (1994SABOIA, J. (1994) “Pequenos empreendimentos: potencial e desafios”. IEI/UFRJ, junho, mimeo.) verificou-se que 87% dos trabalhadores desse setor pertencem a estabelecimentos com menos de dez pessoas ocupadas. Além disso, do total de empregados sem carteira, 72% pertencem a estabelecimentos com menos de dez pessoas ocupadas. Essa proporção para os empregados com carteira é de 17%.
  • 16
    Uma outra hipótese conveniente é a de que a firma contratada tenha lucro zero, quer as contratantes invistam nela quer não. Estamos, portanto, eliminando problemas de property rights e a possibilidade de que a contratada tenha um comportamento oportunista para com as contratantes. A contratada seria oportunista se, uma vez realizado o investimento, cobrasse das contratantes um preço pelos seus serviços tal que elas não conseguissem nem mesmo cobrir o custo do investimento. Essa hipótese é útil para simplificar a exposição e isolar o efeito em que estamos interessados. Além disso, já existe abundante literatura tratando de subinvestimento devido a problemas de property rights e a comportamento oportunista. O leitor interessado nesse aspecto da relação entre as firmas contratantes e terceira deve procurar, por exemplo, Williamson (1981WILLIAMSON, O. E. (1981) “The economics of organization: the transaction cost approach”. American Journal of Sociology, 87(3): 548-77.), Tirole (1988TIROLE, J. (1988), The Theory of Industrial Organization. Cambridge, MA., The MIT Press), Dietrich (1994DIETRICH, M. (1993) “The economics of quasi-integration”. Review of Political Economy, 6(1): 1-18.), Noorderhaven (1994NOORDERHAVEN, N. G., (1994) “Transaction cost analysis and the explanation of hybrid vertical inter-firm relation”. Review of Political Economy 6(1): 19-36.) e McMillan (1990McMILLAN, J. (1990) “Managing suppliers: incentive systems in Japanese and U. S. industry”. California Management Review, Summer, pp 38-54.).
  • 17
    Estaremos supondo as condições de segunda ordem satisfeitas.
  • 18
    Do ponto de vista do bem-estar do consumidor os preços devem continuar a ser escolhidos sem coordenação, do contrário haveria um resultado de conluio. Dado o nível ótimo de investimento escolhido pela agência central, cada firma contratante escolheria seu preço com base na equação (2) do modelo.
  • 19
    Basta que a curva de receita marginal seja negativamente inclinada.
  • 20
    Esse é um resultado bem conhecido para o dilema dos prisioneiros jogado em um período, de que o modelo apresentado é um exemplo. Só modificando os payoffs dos jogadores é possível obter um equilíbrio de Nash. No jogo repetido é possível que a cooperação seja obtida como equilíbrio de Nash, desde que a taxa de desconto intertemporal não seja muito alta. Urna referência a esse respeito é Fudenberg & Tirole (1991FUDENBERG, Drew & TIROLE, J. (1991) Game Theory. Cambridge, MA., The MIT Press.).
  • 21
    JEL Classification: J23; J81; J01.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 1996
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