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Pressão externa e abertura comercial no Brasil

External pressure and commercial opening in Brazil

RESUMO

Este artigo discute a influência da pressão externa no processo de liberalização do comércio brasileiro. As condições sob as quais a pressão externa é definida são baseadas na abordagem de autores de políticas internacionais conhecidas como “realistas” e relacionadas aos interesses dos Estados, dependência de instrumentos específicos de pressão e vulnerabilidade à pressão. São analisados eventos como o declínio da hegemonia americana, a ascensão de países recém-industrializados, a globalização da economia internacional e a crise da dívida, que levaram a um aumento do conflito internacional durante a década de 1980, além de fatores domésticos, como o econômico. vulnerabilidade do Brasil.

PALAVRAS-CHAVE:
Pressão externa; globalização; liberalização; economia política internacional

ABSTRACT

This article discusses the influence of external pressure on the Brazilian trade liberalization process. The conditions under which external pressure is defined are based on the approach of international politics authors known as “realists” and related to the interests of the States, reliance on specific pressure instruments and vulnerability to pressure. Events such as the decline of the American hegemony, the rise of newly industrialized countries, the globalization of the international economy and the debt crisis, which led to an increase in international conflict during the l980’s are analysed, as well as domestic factors like the economic vulnerability of Brazil.

KEYWORDS:
External pressure; globalization; liberalization; international political economy

Neste artigo serão apresentados alguns elementos que ajudam a entender a relação entre pressão externa e a abertura comercial brasileira, no período recente. O interesse em analisar a relação entre a pressão externa e a mudança na política comercial decorre do fato de que o processo de liberalização das importações, verificado no Brasil a partir do final da década de 80, ocorreu simultaneamente a mudanças no sistema internacional que aumentaram a importância de medidas ligadas à redução da intervenção do Estado e à abertura dos mercados. Essas medidas faziam parte inclusive do receituário das agências de financiamento internacional.

Pressão externa é um fenômeno muito amplo e precisa ser delimitado para permitir a compreensão de sua influência sobre políticas domésticas, como a comercial. Essa delimitação inclui uma definição do que está sendo considerado como pressão externa, a determinação dos instrumentos de pressão e o estabelecimento de um método para sua apreensão. A partir desse método serão definidas as condições nas quais a pressão externa ocorre.

O conceito de pressão externa, aqui utilizado, refere-se à capacidade de um país A forçar outro B a fazer algo que em outras condições não faria. E os instrumentos de pressão considerados são as retaliações comerciais e condicionalidades, que representam instrumentos de pressão comercial e financeira, respectivamente.

Essa definição de pressão externa tem como pressuposto a ideia de que a pressão externa leva um determinado país a seguir uma direção contrária aos seus interesses, ou seja, a pressão externa e o interesse nacional são elementos opostos na determinação de políticas. Isso significa que para se analisar a influência da pressão externa isoladamente é preciso assumir que a pressão externa é o único determinante da mudança, mesmo no caso brasileiro, onde a abertura comercial também pode ser explicada por fatores domésticos.1 1 Diversos autores analisaram a abertura comercial brasileira do ponto de vista de fatores domésticos. Segundo Camargos Moreira, H. e A. Barbosa de Araújo (1984), o acúmulo de instrumentos inconsistentes e contraditórios na política de importações, destinados a atender diferentes objetivos, geraram a necessidade de tornar a política comercial mais racional. Para Suzigan, W. (1991), a manutenção do já esgotado processo de substituição de importações durante a década de 80, tornou necessária a adoção de uma política para adequar a estrutura da indústria brasileira ao novo padrão industrial internacional. Fritsch, W. e G. Franco (1990) criticaram o processo de substituição de importações por ter gerado ineficiência e por ser inadequado para a implantação de novas indústrias de alta tecnologia. De acordo com Tavares de Araújo Jr. e outros (1990), a base industrial brasileira era competitiva, o que não justificava a existência de proteção generalizada. Bresser-Pereira (1993) constata a ocorrência de uma crise do Estado nos anos 80, que se expressava na regulamentação excessiva da atividade econômica, que passou a gerar ineficiência e, na incapacidade de ação do Estado. Para explicar o ingresso da reforma na agenda do governo, Sola (1993) considera a hipótese da influência de três outros elementos, além das condicionalidades das agências financeiras internacionais e países da OECD: a consciência de novos desafios para a recuperação do crescimento, relacionada à exaustão do modelo anterior; o temor de uma crise hiperinflacionária; a legitimidade que as eleições diretas conferiram ao governo. Porém, não exclui a possibilidade de influência externa no processo.

Para a definição das condições nas quais a pressão externa se expressa foi utilizada a abordagem dos autores “realistas” da teoria da estabilidade hegemónica. Essa abordagem associa a pressão externa a situações de conflito entre países, que criam interesse de um país na modificação das políticas adotadas pelos demais. Entretanto, a possibilidade de um país realizar a pressão depende da existência de instrumentos que possibilitem ações concretas sobre os outros, que, no entanto, influenciarão as políticas domésticas apenas se o país pressionado for vulnerável a elas. As condições de ocorrência da pressão externa serão discutidas na primeira parte e referem-se a interesse e capacidade em pressionar e vulnerabilidade à pressão.

Na segunda parte serão apresentados eventos ocorridos no sistema internacional na década de 80 que aumentaram o potencial de conflito comercial no sistema internacional. Esses acontecimentos referem-se ao declínio relativo da hegemonia norte-americana, à ascensão dos países recentemente industrializados e à globalização da economia mundial. A crise da dívida é outro evento discutido pois aumentou a capacidade dos credores em exercer pressão sobre os países devedores. Na terceira parte será discutida a vulnerabilidade do Brasil a atos de pressão comercial e financeira e apresentados alguns comentários finais.

1. CONDIÇÕES DE EXPRESSÃO DA PRESSÃO EXTERNA

Os autores “realistas” da teoria da estabilidade hegemónica (Gilpin, 1981GILPIN, R. (1981) War and Change in World Politics. Cambridge University Press., 1987GILPIN, R. (1987) The Political Economy of International Relations. Princeton University Press.; Keohane, 1984KEOHANE, R.O. (1984) After Hegemony. Princeton University Press.; Krasner, 1976KRASNER, S.D. (1976) “State Power and the Structure of lnternational Trade”. World Politics, v. XXVIII, nº 3.) consideram que os Estados nacionais atuam como entes autônomos para maximizar o interesse nacional. O foco de análise é o sistema internacional. Estudam o papel do poder e das instituições internacionais e como esses elementos influenciam as possibilidades de cooperação entre países.

A necessidade de cooperação entre os países surge quando não existe harmonia.

Harmonia refere-se a uma situação na qual as políticas adotadas pelos diferentes países (para atender os seus próprios interesses) automaticamente permitem o alcance, pelos demais, dos seus próprios objetivos (Keohane, 1984KEOHANE, R.O. (1984) After Hegemony. Princeton University Press.). Quando não há harmonia, é necessário que os países ajustem suas políticas através de negociações, para que os efeitos negativos das políticas de um sobre os outros seja neutralizado. No processo de negociação, os países procuram induzir uns aos outros, através de pressões, a ajustarem suas políticas para permitir o alcance de seus próprios interesses.

Desta forma, o uso de pressão externa para modificar políticas domésticas está associado à existência de conflitos entre países. Esses conflitos criam o interesse de um país em utilizar a pressão externa, que se efetiva quando houver capacidade de pressão. Por capacidade de exercer pressão externa entende-se um conjunto de instrumentos e instituições que possibilitam a realização de ações sobre os demais países.

O interesse e a capacidade de um país influenciar a política adotada por outro se traduzem em atos concretos de pressão. Esses atos interferirão nas políticas domésticas apenas se o país pressionado for vulnerável a eles. Em suma, os elementos aqui levantados para estudar a relação entre pressão externa e a abertura comercial brasileira referem-se a interesse e capacidade em usar pressão, a ocorrência de atos concretos de pressão e a vulnerabilidade do país pressionado.

O interesse dos diversos países em pressionar pela abertura dos mercados está ligado ao aumento do conflito comercial. O potencial de conflito aumenta quando um país perde competitividade, quando surgem novos competidores no mercado internacional e quando aumentam as oportunidades dos produtos dos diversos países disputarem mercados. Essas situações referem-se a acontecimentos ocorridos ou consolidados durante a década de 80: o declínio relativo da hegemonia norte-americana, a ascensão dos países recentemente industrializados (NICs) e a globalização da economia mundial.

Os instrumentos e instituições que determinam a capacidade de pressão aqui considerados referem-se às possibilidades de retaliação previstas no GATT, que foram crescentemente utilizadas como instrumentos protecionistas; à legislação comercial norte-americana, modificada em 1988, o que aumentou a capacidade de pressão dos EUA; e as condicionalidades associadas a empréstimos das instituições financeiras internacionais. No caso das condicionalidades, a crise da dívida provocou um aumento na capacidade de pressão dos credores porque o poder ficou do seu lado nas negociações e porque a capacidade de persuasão desse instrumento aumentou, com a ampliação dos benefícios a ele associados. Esses instrumentos e instituições são expressão da pressão econômica, comercial e financeira.2 2 Instrumentos de pressão econômica são também instrumentos de divulgação de mensagens e ideias de um país a outro, segundo Baldwin (1985). Esse aspecto, ainda que relevante, não será considerado neste trabalho. Para uma discussão sobre o tema, ver Nassuno (1995).

A vulnerabilidade à pressão é um conceito relativo: dada uma situação de interdependência, o país mais vulnerável é o que mais perde com o rompimento da relação. Frente a atos concretos de pressão econômica é necessário verificar a vulnerabilidade comercial e financeira.

2. DECLÍNIO RELATIVO DA HEGEMONIA NORTE-AMERICANA

O declínio relativo da hegemonia norte-americana pode ser verificado na diminuição da sua participação no PIB e nas exportações mundiais e no aumento de seu déficit comercial (tabela 1).3 3 Os fatores que explicam declínio relativo da hegemonia norte-americana podem ser encontrados em Gilpin (1987) e Kennedy (1989).

Tabela 1
EUA - indicadores da Situação Econômica

A deterioração do saldo comercial provocou um aumento do sentimento protecionista. O sucesso dos demais países no comércio internacional foi atribuído ao uso de práticas desleais (dumping e subsídios) e ao fato de que se beneficiavam de concessões comerciais dos EUA superiores às que ofereciam em troca. Em resposta, os Estados Unidos deveriam exigir concessões unilaterais de seus parceiros e retaliar ações desleais.

Os EUA passaram a fazer uso de práticas predatórias no comércio exterior: forçar a abertura de mercado de seus parceiros comerciais e utilizar as regras existentes de comércio de forma distorcida. Adicionalmente, passaram a demandar que os outros países abrissem mercados para as empresas norte-americanas e garantissem os direitos de proteção intelectual no setor de serviços, especialmente financeiros e de telecomunicações, e nas indústrias de alta tecnologia.

O aumento do interesse dos EUA na modificação das políticas de seus parceiros comerciais foi acompanhado por uma mudança na legislação comercial norte-americana, em 1988, que aumentou a sua capacidade de pressão.4 4 Para maiores detalhes sobre a legislação comercial norte-americana, ver GATT (1990) e Nassuno (1995). Entre as medidas introduzidas com o Omnibus Trade Act, de 1988, destacam-se: foi facilitada a utilização de taxas antisubsídios e antidumping; foi criada a provisão “super 301” para combater práticas de comércio desleais através da identificação de países prioritários;5 5 Esses países teriam de eliminar as práticas em até três anos, sob pena de sofrerem retaliações. foram incluídas novas possibilidades de retaliação comercial, por desrespeito a direitos de propriedade intelectual, pela “special 301” e para a abertura do setor de telecomunicações, pelo “Telecommunications Trade Act of 1988”.

Em 1988, a autoridade para determinação, tomada de decisão e implementação de ações sob a seção 301 foi transferida do presidente para o Representante de Comércio (USTR). Com essa mudança, reduziu-se o peso de considerações de política externa mais ampla nas decisões referentes a conflitos comerciais (Wetter, 1988WETTER, T. (1988) “Análisis de la nueva Ley de Comercio de EE.UU. y sus efectos sobre America Latina y el Caribe”. Capitulos del SELA 20.).

O declínio relativo da hegemonia norte-americana provocou um aumento no interesse e na capacidade dos Estados Unidos utilizarem pressão externa na área comercial. O interesse norte-americano durante a década de 80 esteve associado à abertura do mercado dos demais países, tanto no setor de bens, quanto no de serviços. Visando seu alcance, a legislação comercial foi alterada, ampliando a capacidade de pressão.

3. ASCENSÃO DOS PAÍSES RECENTEMENTE INDUSTRIALIZADOS (NICS)

O grupo dos NICs, que inclui Hong Kong, Coreia do Sul, Taiwan, Cingapura, México, Brasil, entre outros, é composto por países que aumentaram rapidamente sua participação na produção e exportação mundial de manufaturas na década de 70. A pauta de exportações desses países apresentou uma alteração significativa: os produtos primários reduziram sua participação, enquanto manufaturados elaborados como máquinas e material de transporte aumentaram (tabela 2).

Tabela 2
Composição da Pauta de Exportações de NICs (%)

O surgimento de novos competidores no mercado internacional, ameaçando fornecedores tradicionais, coincidiu com um período de baixa atividade econômica e com a alta dos preços do petróleo, resultando na intensificação de demandas por proteção nos países desenvolvidos.6 6 Sobre as características do protecionismo da década de 80, ver, entre outros, Bhagwati (1991), Gilpin (1987), Hauser (1991).

Os países desenvolvidos passaram a questionar crescentemente a manutenção dos NICs no grupo de países subdesenvolvidos com direito a tratamento especial,7 7 Segundo a parte IV do GATT, os países subdesenvolvidos não precisam conceder tratamento recíproco nas negociações comerciais e podem ter tratamento preferencial pelos países desenvolvidos (GATT, 1986). devido ao seu desempenho exportador. Os NICs passaram a ser considerados como os free riders do sistema internacional de comércio, podendo beneficiar-se das concessões tarifárias negociadas entre os países industrializados sem ter que retribuir.

A expansão das exportações de manufaturados dos países recentemente industrializados e a impossibilidade de ter acesso a seus mercados - de bens e dos novos setores dinâmicos da economia mundial - fortemente protegidos, aumentaram o interesse dos países desenvolvidos na liberalização comercial e no uso de pressão com esse fim.

4. GLOBALIZAÇÃO DA ECONOMIA MUNDIAL

Um dos aspectos do processo de integração dos mercados internacionais conhecido como globalização, refere-se à mudança das estratégias das empresas transnacionais, que passaram a desenvolver fornecedores e ter instalações em várias partes do mundo. A internacionalização das empresas foi acompanhada por um aumento do fluxo de investimentos diretos ao redor do mundo. O estoque do investimento direto no exterior entre 1980 e 1990 passou de US$ 65 bilhões em 1980 para US$ 431 em 1990, no caso dos EUA e de US$ 204 bilhões para US$ 722 bilhões, no caso da Comunidade Europeia.8 8 Dados extraídos de Laubier, in IEDI (1994: 45). O surgimento de uma rede de investimentos estrangeiros aliada à redução do custo dos transportes aumentou a competição no mercado doméstico e internacional, aumentando as suspeitas de uso de práticas desfeais de comércio (Bhagwati, 1991BHAGWATI, J.N. (1991) The World Trading System at Risk. Harvester Wheatsheaf.).

A globalização também provocou um aumento do conflito internacional não diretamente associado a questões comerciais. Os países passaram a adotar políticas para atrair investimentos das empresas transnacionais, de forma que, “com a capacidade global das empresas multinacionais de transferir ou diversificar regionalmente as suas atividades, surgiu um novo tipo de competição entre os países, a competição locacional” (Thorstensen e outros, 1994THORSTENSEN, V, NAKANO, Y., FARIA LIMA, C. de, & SATO, C.S. (1994) O Brasil frente a um mundo dividido em blocos. São Paulo, Instituto Sul-Norte de Política Econômica e Relações Internacionais, Nobel.: 20, destaque dos autores).

Nessa competição, existem práticas que podem favorecer o país que as adota desde que seja o único a implementá-las. Este é o caso da política comercial estratégica. Em mercados de competição imperfeita dominados por oligopólios, onde a produção em larga escala, a experiência acumulada e a inovação tecnológica são os principais determinantes do comércio, a adoção de políticas específicas de proteção pode beneficiar mais um país, relativamente ao livre comércio, às expensas de seus competidores (Krugman, 1986KRUGMAN, P. (1986) “lntroduction: New Thinking about Trade Policy”. In Krugman, P. (ed.) Strategic Trade Policy and the New International Economics. The MIT Press.). Para que a adoção de medidas protecionistas por um país não provoque aumento do conflito comercial, é necessário que os demais adotem políticas passivas como a abertura comercial.9 9 Segundo a terminologia utilizada por Cooper (1986) para classificar as diferentes respostas que os países podem adotar para neutralizar os efeitos da interdependência sobre as economias nacionais, a adoção de uma política passiva significa aceitar a perda da autonomia econômica doméstica e abandonar qualquer tentativa de empreender ações independentes das determinadas pelos países aos quais o país está ligado por laços econômicos.

Finalmente, a nova estratégia das empresas multinacionais, que resulta num aumento do comércio intrafirma, representa um fator externo estrutural favorável à abertura comercial. A liberalização das importações passa a ser uma pré-condição para que os países atraiam investimentos das empresas transnacionais.

Em resumo, a globalização provoca aumento no conflito internacional em três aspectos básicos. Em primeiro, aumenta a competição entre produtos domésticos e importados, pois amplia as possibilidades de disputar o mercado internacional. Em segundo lugar, em segmentos do comércio mundial em que há ganhos de escala, complementaridade entre empresas de um mesmo setor e diferenciação de produtos, a utilização de pressão por um país visa garantir que os demais adotem comportamentos passivos. Em terceiro, em setores em que domina o comércio intrafirma, a estratégia das empresas globais influencia as políticas adotadas pelos países.

5. CRISE DA DÍVIDA

A crise da dívida provocou o aumento da pressão externa porque resultou numa alteração da relação de poder entre países devedores e credores, ampliando a capacidade dos credores de impor condições aos devedores. A discussão aqui realizada sobre a crise da dívida vai se restringir a esse aspecto.

Os bancos credores desenvolveram uma estratégia de atuação que reverteu o poder para seu lado. 10 10 Segundo Aggarwal (1987), quando a crise da dívida se iniciou, em 1982, os países devedores estavam numa posição mais forte do que os bancos porque estes não podiam forçar a manutenção dos pagamentos, nem ameaçar com a expropriação de ativos, como fariam com um devedor comum. Os bancos que detinham a maior parcela do débito formaram comitês diretores para negociar com os governos devedores. Esses comitês coordenaram as ações dos vários bancos, conferindo unidade à sua posição negociadora (Griffith-Jones, 1988GRIFFITH-JONES, S. (1988) “Debt Crisis Management, an Analytical Framework”, In Griffith-Jones, S. (ed.) Managing World Debt. New York, Harvester Wheatsheaf.).

Os devedores, em contraste com a organização do coletivo dos credores, aceitaram ou foram obrigados a aceitar negociações individuais. Os bancos, governos credores e organizações internacionais trabalharam contra a formação de um cartel de devedores, oferecendo vantagens maiores aos países que negociassem individualmente (Aggarwal, 1987AGGARWAL, VK. (1987) International Debt Threat. Institute of lnternational Studies. University of California.).

Os interesses dos credores e das organizações internacionais foram dominantes na administração da crise da dívida. A solução inicial implementada visava garantir o pagamento do serviço da dívida. Para gerar os recursos necessários, os países devedores deveriam implementar políticas para reduzir a demanda doméstica e desvalorizar a moeda. Os pacotes de refinanciamento do FMI e novos créditos concedidos pelos bancos privados foram vinculados à adoção dessas medidas, visando incentivar sua adoção.

À medida em que a solução inicial da dívida foi crescentemente questionada pelos devedores e por agentes nos países desenvolvidos que se beneficiavam do crescimento da região,11 11 Segundo Baer e Coes (1989), a resposta inicial para a crise da dívida dos países latino-americanos gerou conflitos internos nos EUA. Os setores internos, que competiam com importações provenientes da América Latina passaram a demandar a eliminação de programas de incentivo às exportações nesses países. Os setores exportadores queriam que os países latino-wamericanos liberalizassem sua política de importação. Roett (1986) afirma que o Congresso norte-americano passou a envolver-se na discussão sobre a crise da dívida a partir das queixas desses setores. novas propostas foram apresentadas.

Com o plano Baker, em 1985, os bancos privados e instituições multilaterais foram convocados a aumentarem seus empréstimos. Esse plano teve implicações sobre o instrumento de pressão financeira, as condicionalidades associadas aos empréstimos, embora não representasse uma mudança fundamental em relação à estratégia anterior.12 12 Para maiores detalhes e críticas sobre o plano Baker, ver Bogdanowicz-Bindert (l986). As políticas prescritas pelos credores passaram a incorporar não apenas a estabilização, mas também a liberalização da economia. Adicionalmente, com o plano Baker, foi reforçada a atuação do Banco Mundial na concessão de empréstimos vinculados à condicionalidade.13 13 Existem dois tipos de empréstimos do Banco Mundial vinculados à condicionalidade: os Structural Adjustment Loans (SALs) e os Sectoral Adjustment Loans (SECALs).

Em maio de 1989, com o plano Brady, ocorreu uma ruptura na gestão da crise da dívida, com a incorporação da possibilidade de redução da dívida. A ênfase na necessidade de políticas de ajuste estrutural permaneceu: passou a ser condição para os países devedores serem candidatos a programas de redução da dívida.

As diferentes estratégias para a administração da crise da dívida tiveram implicações importantes sobre a capacidade de pressão dos credores. Se considerarmos que a capacidade de persuasão de um instrumento de pressão é determinada pelo benefício líquido de ceder à pressão, as mudanças na condicionalidade com os planos Baker e Brady tornaram-na mais persuasiva, pois aumentaram os benefícios potenciais de adotar as políticas prescritas.

O aumento do conflito comercial decorrente do declínio da hegemonia norte-americana, da ascensão dos NICs, da globalização da economia mundial e o aumento da capacidade de pressionar, com as alterações da política comercial norte-americana e a transformação da condicionalidade resultaram em ações de pressão externa sobre o Brasil.

6. ATOS CONCRETOS DE PRESSÃO

Segundo Soares de Lima (1990SOARES DE LIMA, M.R. (1990) “A economia política da política externa brasileira: uma proposta de análise”. Contexto Internacional, 12.: 21), o Brasil passou a submeter-se crescentemente às regras do regime de comércio, devido à pressão exercida pelos países desenvolvidos. O país, juntamente com os demais NICs foi um”[d]os principais alvos de medidas que visam condicionar os eventuais benefícios resultantes das negociações multilaterais à aceitação dos deveres e obrigações do regime de comércio. Tais iniciativas, englobadas na denominação genérica de políticas de graduação, implicam tanto a retirada de tratamento diferencial e preferencial aos semi-industrializados, quanto a condicionalidade do acesso aos mercados industrializados à adoção de políticas comerciais consideradas apropriadas na perspectiva dos principais atores do regime de comércio”.14 14 Mudanças no Trade and Tariff Act dos EUA, de 1984, representam um exemplo do processo de graduação. Entre os critérios para a revisão anual dos países e produtos beneficiários do Sistema Geral de Preferências, foram incluídos: a competitividade da economia, o nível de desenvolvimento, o acesso ao mercado, a proteção à propriedade intelectual, a discriminação do investimento estrangeiro, as barreiras ao comércio de serviço etc. O Brasil submeteu-se à regras do regime de comércio para que o acesso de suas exportações aos mercados internos não fosse interrompido.

O conflito comercial do Brasil com os EUA acirrou-se na década de 80 devido ao aumento do superávit brasileiro, com a ampliação das exportações de manufaturados para os EUA sem a contrapartida de maiores importações de produtos norte-americanos e, devido à crescente importância dos setores de serviço e alta tecnologia.

O Brasil foi objeto de 6, das 87 investigações iniciadas sob a seção 301, no período de 1975 a 1991. A partir de 1987, a seção 301 foi acionada contra o Brasil em decorrência das investigações abertas pelo representante de comércio (USTR) sobre a reserva de informática e a não-concessão de patentes farmacêuticas, sendo o único país em desenvolvimento a sofrer retaliações, em 1988 (GATT, 1992GATT (1992) Trade Policies Review Mechanism: Brazil.). Na primeira ação substantiva sob a seção referente a telecomunicações, da lei de 1988, o Brasil foi incluído numa lista de observação juntamente com a Itália, Holanda, Finlândia, Inglaterra, Espanha e Taiwan (Business Week, 1989BUSINESS WEEK (1989) “On Trade, the US Sounds the Charge - and Comes Out Firing Blanks”. Fevereiro, 6.). Em 1989, foi aberta ação “super 301” em razão de barreiras amplas contra exportações norte-americanas.15 15 Com o anúncio da nova regulamentação brasileira de comércio exterior que eliminou as restrições quantitativas às importações, em março de 1990, a ação “super 30l” foi encerrada. O país foi mantido entre 1989 e 1993 em lista de observação prioritária sob a seção “special 301” e o governo norte-americano ameaçou com a imposição de sanções comerciais, caso o Congresso Nacional não aprovasse o projeto de lei sobre propriedade industrial.

O aumento da pressão externa sobre o Brasil pode ser verificado também nos processos sobre o uso de dumping e subsídios, que são regulamentados pelo GATT (1986aGATT (1986a) Texto do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio., 1986bGATT (1986b) The texts of the Tokyo Round Agreements.). Direitos compensatórios e taxas antidumping podem ser impostos por um país se, após uma investigação ficar comprovado que o subsídio ou dumping provocou dano material a uma indústria estabelecida ou impediu o estabelecimento de uma nova indústria. Esses casos permitem a utilização de tarifas retaliatórias para o país forçar seu parceiro comercial a modificar sua conduta.

Durante a década de 80, direitos antidumping e compensatórios foram utilizados de forma distorcida, como instrumentos de proteção, devido ao aumento da competição no mercado internacional.16 16 O fato de a comprovação de subsídio ou dumping e da relação com o dano material à indústria não ser clara e de não haver penalidades no GATT para queixas improcedentes, possibilitaram a utilização desses instrumentos para fins de proteção, segundo Bhagwati (1988). Como sobretaxas podem ser impostas temporariamente até o final da investigação se forem apresentadas evidências “razoáveis” que comprovem a acusação, foi possível a imposição de penalidades com base em acusações falsas, que no final da investigação não foram comprovadas.

Segundo Tavares de Araújo e Naidin (1989TAVARES DE ARAÚJO JR. & NAIDIN, L.C. (1989) “Salvaguardas, dumping e subsídios: a perspectiva brasileira”. Revista de Economia Política, v. 9, nº 2, abril-junho.), entre julho de 1980 e junho de 1987, as exportações brasileiras foram submetidas a 33 investigações de subsídios e 56 de dumping, abertas pelos EUA, Comunidade Europeia, Canadá e Austrália. Nesse período, o Brasil foi o país que mais sofreu processos entre os países em desenvolvimento e, em termos relativos (ponderado pelo valor médio de exportações), também sofreu mais processos do que os países desenvolvidos.

De julho de 1980 a maio de 1991, o Brasil foi objeto de 25 investigações de dumping pelos EUA, das quais 11 resultaram em sanções definitivas. Na lista de países que sofreram mais investigações de dumping pelos EUA, o Brasil ocupa a sexta posição, atrás do Japão, Alemanha, China, Taiwan e Coreia do Sul (IEDI, 1992IEDI (1992) “Política comercial americana”. Política Industrial ano I, nº1, outubro.).

De acordo com Tavares de Araújo e Naidin (1989TAVARES DE ARAÚJO JR. & NAIDIN, L.C. (1989) “Salvaguardas, dumping e subsídios: a perspectiva brasileira”. Revista de Economia Política, v. 9, nº 2, abril-junho.), apenas uma parte dos processos abertos contra o Brasil até 198617 17 19 de dumping e 10 de subsídios. foram concluídos com a aplicação de sobretaxas definitivas. Tal fato representa para os autores uma evidência de que os instrumentos foram usados como meios de proteção, reforçada pela constatação de que as ações estiveram concentradas em segmentos nos quais os produtos brasileiros eram competitivos - produtos siderúrgicos, alimentos e calçados.

Na década de 80 ocorreram também atos concretos de pressão financeira contra o Brasil. O país recebeu três empréstimos de ajuste setorial do Banco Mundial: dois na primeira metade da década, totalizando US$ 655 milhões, e um na segunda metade, no valor de US$ 500 milhões (Stallings, 1992STALLINGS, B. (1992) “International Influence on Economic Policy, Debt, Stabilization and Structural Reform”. In Haggard, S. e R. Kaufman (eds.) The Politics of Economic Adjustment: International Constraints, Distributive Policies and the State. Princeton University Press.).

O fato de os empréstimos do Banco Mundial terem sido de ajuste setorial (e não de ajuste estrutural) e terem diminuído no decorrer da década de 80 pode dar a impressão de que o país esteve menos sujeito à condicionalidade que os demais países latino-americanos. Entretanto, para se avaliar a pressão financeira, deve-se igualmente considerar a condicionalidade implícita.

A condicionalidade implica num tipo de recompensa: o país que adota as políticas prescritas recebe em troca recursos externos.18 18 O fato de o volume de empréstimos do Banco Mundial ter sido reduzido durante a década de 80 pode ser visto como uma punição por não adotar as políticas prescritas. Essa ponderação não foi feita apenas pelas instituições financeiras internacionais, mas também pelos bancos privados, agências bilaterais de ajuda e corporações multinacionais.

A ocorrência de déficits no balanço de capitais na década de 80, que se reverteram a partir de 1990, sobretudo com a retomada e aumento expressivo do investimento de portfólio, pode ser interpretada como a aplicação de uma condicionalidade implícita sobre o Brasil (tabela 3). No ano em que as reformas de ajuste estrutural tiveram grande avanço, os recursos externos retornaram. Esse retorno pode ser entendido como sendo resultado da redução do risco do país para os investidores estrangeiros, para o que contribuíram tanto a adoção de reformas estruturais como a perspectiva de finalização de um acordo da dívida (El-Erian, 1992EL-ERIAN, M. A. (1992) “Restoration of Access to Voluntary Capital Market Financing. The Recent Latin American Experience”. IMF Staff Papers, v. 39, nº 1, March.; Kuczyinski, 1992KUCZYNSKI, P.P. (1992) “International Capital Flows to Latin America: What is the Promise?”. Proceedings of the World Bank Annual Conference on Development Economics 1992.).19 19 Krugman (1995) confirma a importância da adoção de reformas de orientação de mercado para a retomada do influxo de recursos externos nos países devedores na década de 90. O autor identifica uma relação entre um processo auto-alimentado ocorrido no mercado financeiro e a adoção das políticas de ajuste estrutural. “This was a political economy cycle, in which governments were persuaded to adopt Washington consensus policies because markets so spectacularly rewarded them, and in which markets were willing to supply so much capital because they saw an unstoppable move toward policy reforms” (Krugman, 1995: 34).

Tabela 3
Brasil. Balanço de Pagamentos: Contas Selecionadas do Balanço de Capitais (US$ bilhões)

Verificou-se a ocorrência de atos concretos de pressão comercial e financeira contra o Brasil, durante a década de 80. O país sofreu ameaça de ser “graduado” pelos países desenvolvidos, perdendo o tratamento preferencial; diversas ações sob a seção 301 da legislação norte-americana foram iniciadas, assim como investigações de uso de dumping e subsídios com objetivos protecionistas; adicionalmente, foi sujeito à condicionalidade implícita. Cabe verificar agora a vulnerabilidade do Brasil a esses atos de pressão.

7. VULNERABILIDADE

A vulnerabilidade comercial do Brasil será avaliada a partir da participação do país no comércio internacional, da importância do comércio exterior para a economia do país e da relevância do país como fornecedor de seus principais parceiros comerciais.

A vulnerabilidade financeira, relacionada com o rompimento da relação financeira, ou seja, com a interrupção do pagamento do serviço da dívida, será avaliada em termos dos custos e benefícios associados tanto com o pagamento quanto com o não-pagamento do serviço. Se o benefício líquido do rompimento da relação financeira for superior ao da manutenção da relação, a vulnerabilidade financeira é pequena.

Durante a década de 80, o comércio exterior desempenhou um papel relativamente menos importante no Brasil do que nos demais países latino-americanos e do leste asiático, ficando a relação entre o fluxo de comércio e o PIB em torno de 16% (tabela 4).

Tabela 4
Brasil. Relação Comércio Exterior-PIB(%)

Entretanto, o comércio exterior foi importante pelo seu efeito dinamizador sobre a economia. Na década de 80, as exportações constituíram o motor do crescimento e passaram a representar uma parcela crescente da produção em todos os setores, especialmente no setor industrial (tabela 5).

Tabela 5
Brasil: Exportações em Relação ao Total da Produção do Setor(%)

O EUA, Canadá, Comunidade Europeia e a Zona de Livre Comércio Europeu (EFTA) constituíram os principais mercados de destino das exportações brasileiras, representando, em média, 58,5% do total na década de 80. A participação dos EUA isoladamente foi em média de 24% (tabela 6).

Tabela 6
Destino das Exportações Brasileiras (%)

Nas importações, embora os países desenvolvidos ocidentais tenham deixado de ser a principal origem, continuaram tendo uma participação importante de, em média, 46%. Se considerarmos as importações provenientes do Japão, representaram a principal fonte de importações. A participação dos Estados Unidos como fornecedor do Brasil foi, em média, de 20% (tabela 7). O Brasil, no entanto, teve pequena importância como fornecedor dos países desenvolvidos, em torno de 0,7% (tabela 8).

Tabela 7
Origem das Importações Brasileiras (%)
Tabela 8
Participação do Brasil Como Fornecedor dos Países Desenvolvidos* (US$ bilhões)

O fato de os países desenvolvidos serem os principais mercados para as exportações brasileiras e importantes fornecedores para o Brasil, associado à pouca importância do país como fornecedor dos países desenvolvidos, indicam que o rompimento das relações comerciais com esses países seria mais prejudicial ao Brasil. Adicionalmente, como o desempenho da economia brasileira esteve associado às exportações, se as relações comerciais fossem rompidas, haveria reversão do crescimento econômico. Isso significa que, com o rompimento de relações com os países desenvolvidos, o Brasil seria o país o mais prejudicado. Nessas condições o país era mais vulnerável que os seus principais parceiros comerciais.21 21 Arslanian (1994) ao analisar as ações dos EUA contra o Brasil confirma a ideia da vulnerabilidade comercial de uma outra forma. Segundo o autor, as ações norte-americanas foram balizadas pela capacidade do país-alvo implementar medidas contra-retaliatórias. Ainda que a Alemanha e o Japão representassem maior ameaça aos interesses norte-americanos, os países mais expostos a ações unilaterais dos EUA foram aqueles, como o Brasil, para os quais os Estados Unidos eram um mercado importante e que tinham pouca importância como fornecedores, não sendo capazes de contra-retaliação.

A vulnerabilidade financeira pode ser analisada a partir dos custos e benefícios associados com a manutenção do pagamento do serviço da dívida e com a interrupção do pagamento do serviço da dívida (rompimento da relação financeira). A estratégia adotada pelo Brasil foi a de não romper a relação financeira e o benefício a ela associado seria o de ser recompensado com aumento de recursos externos disponíveis ao país.

Entretanto, o benefício correspondente à essa estratégia não se concretizou. Devido à interrupção dos empréstimos voluntários de médio e longo prazo e diminuição das linhas de curto prazo a partir do segundo semestre de 1982, não ocorreu o esperado influxo de recursos externos (tabela 9). Tal fato, associado ao aumento das taxas de juro internacionais, à elasticidade relativa da oferta de empréstimos de fontes não-bancárias, à redução e posterior interrupção de empréstimos involuntários dos bancos comerciais estrangeiros, à diminuição dos investimentos diretos líquidos, tornou o Brasil um exportador líquido de recursos na década de 80 (Nogueira Batista Jr., 1987NOGUEIRA BATISTA JR., P. (1987): “Formação de capital e transferência de recursos ao exterior”. Revista de Economia Política v. 7, nº 1, janeiro-março.).

Tabela 9
Brasil. Transferência de Recursos Financeirosao Exterior (1982-90) (em US$ milhões)

Essa transferência de recursos ao exterior teve efeitos negativos sobre a economia brasileira, restringindo a capacidade de importar, comprometendo a capacidade de abastecer o mercado interno, agravando a situação financeira do setor público e reduzindo a disponibilidade de recursos para investimentos (Nogueira Batista Jr., 1987NOGUEIRA BATISTA JR., P. (1987): “Formação de capital e transferência de recursos ao exterior”. Revista de Economia Política v. 7, nº 1, janeiro-março.). O investimento, que tinha representado cerca de 24% do PIB entre 1974 e 1980 foi reduzido para 17,6% entre 1981 e 1990 (Suzigan, 1993SUZIGAN, W. (1993) “Institutional Policy and the Challenge of Competitiveness”. In Baer, W. e J. S. Tulchin (eds.) Brazil and the Challenge of Economic Reform. Woodrow Wilson Center Special Studies. Washington, The Woodrow Wilson Center Press.).

O agravamento da situação financeira do setor público reduziu as iniciativas para desenvolvimento de ciência e tecnologia, uma vez que o setor público era o principal fornecedor de recursos para esse setor. Na década de 80, o Brasil apresentou um gasto em pesquisa e desenvolvimento de 0,7% do PIB, inferior aos gastos dos países desenvolvidos e NICs asiáticos (tabela 10). Esse processo aumentou o desnível tecnológico entre o Brasil e os países industrializados, dificultando sua integração no novo paradigma tecnológico. A inserção do Brasil na economia internacional mesmo no seu papel tradicional de exportador de recursos naturais e produtos com uso intensivo de mão-de-obra barata tornou-se problemática, pois a tendência internacional era de que o progresso técnico também fosse incorporado nessas áreas (Suzigan, 1993SUZIGAN, W. (1993) “Institutional Policy and the Challenge of Competitiveness”. In Baer, W. e J. S. Tulchin (eds.) Brazil and the Challenge of Economic Reform. Woodrow Wilson Center Special Studies. Washington, The Woodrow Wilson Center Press.).

Tabela 10
Investimento em Pesquisa e Desenvolvimento - P&D (Década de 80)

Assim, os benefícios associados à manutenção do pagamento do serviço não se concretizaram. O pagamento do serviço resultou apenas em custos: o da própria transferência de recursos ao exterior e outros custos a ela associados (redução do investimento e não-realização de pesquisa e desenvolvimento). Se o Brasil rompesse a relação financeira teria benefícios líquidos, pois deixaria de arcar com esses custos.22 22 No que diz respeito ao custo no futuro decorrente do rompimento da relação financeira - a perda de acesso do país ao mercado internacional - Conybeare (1990) afirma ser também pouco provável de ocorrer. Existe a possibilidade de os bancos atuarem individualmente como free riders, concedendo créditos ao país inadimplente e lucrando à custa dos demais, que mantivessem o corte do crédito. Os bancos credores, por sua vez teriam perdas, com a interrupção da transferência de recursos. A vulnerabilidade financeira estava mais do lado dos bancos que do Brasil.

A menor vulnerabilidade financeira do país relativamente aos bancos credores foi possível devido à ocorrência de superávits comerciais expressivos durante a década de 80, que geraram os recursos para realizar a transferência para o exterior. De 1980 a 1982, o déficit do balanço de transações correntes, provocado pelos juros, foi coberto pela conta de capitais, que a partir de 1983 reduziu-se, tornando-se crescentemente negativa. Em contrapartida, o balanço comercial manteve saldos elevados (tabela 11). O fato de a menor vulnerabilidade financeira do Brasil ter sido possibilitada pelo comércio exterior reforçou a vulnerabilidade comercial do país.

Tabela 11
Brasil. Balanço de Pagamentos e Reservas (US$ bilhões)

8. COMENTÁRIOS FINAIS

Este artigo apresentou alguns elementos para se pensar a relação entre a pressão externa e a abertura comercial brasileira. Para apreender um fenômeno amplo e complexo como a pressão externa, foi necessário delimitá-lo. Partindo da abordagem dos autores da teoria da estabilidade hegemônica, a pressão externa aqui considerada refere-se à pressão econômica, comercial e financeira. As condições para verificar a ocorrência de pressão envolvem a existência de interesse e capacidade de pressão, de atos concretos de pressão e de vulnerabilidade do país pressionado.

Eventos ocorridos e consolidados no sistema internacional na década de 80 criaram situações de conflito que aumentaram o interesse e a capacidade dos países desenvolvidos em pressionar pela liberalização comercial. Os EUA passaram a utilizar práticas predatórias para induzir seus parceiros a modificarem suas políticas, com a fragilização de sua situação econômica. Ainda que a principal ameaça aos interesses norte-americanos não fosse representada por países como o Brasil, o país tornou-se um dos principais alvos dessas medidas devido à sua vulnerabilidade comercial.

Os países desenvolvidos passaram a questionar crescentemente o tratamento preferencial dado aos NICs com a sua ascensão como exportadores de manufaturados, aumentando a pressão para que modificassem suas políticas comerciais e se adequassem às regras vigentes.

Com o processo de globalização da economia mundial, a pressão externa pela liberalização comercial assumiu duas formas. Pela primeira, a nova estratégia de um ator externo - as empresas transnacionais - definiu as políticas possíveis que podiam ser adotadas pelos demais países. Pela segunda, a competição entre os vários países para se apropriarem de mercados externos e externalidades associadas a algumas atividades produtivas, gerou pressão para que os demais adotassem comportamentos passivos.

A capacidade dos países desenvolvidos imporem condições aos demais aumentou com a crise da dívida porque a organização da ação coletiva pelos credores reverteu o poder para o seu lado e porque o instrumento de pressão, a condicionalidade, tornou-se mais persuasiva no decorrer do tempo. Aumentaram os benefícios associados à adoção das políticas prescritas pelos credores.

A pressão externa envolveu o uso de instrumentos como a seção 301 da legislação comercial norte-americana, tornada mais agressiva em 1988, e o uso de ações antidumping e antissubsídios com finalidades protecionistas. Adicionalmente, o país foi objeto da aplicação de uma condicionalidade implícita, de forma que todo ingresso de recursos externos ficou condicionado à adoção das políticas prescritas pelos credores.

No que diz respeito à vulnerabilidade, pode-se afirmar que o país era vulnerável na área comercial porque os países desenvolvidos representavam os principais mercados e fornecedores para o Brasil e porque as exportações constituíram o elemento dinâmico da economia brasileira na década de 80. A vulnerabilidade financeira, ao contrário, era relativamente menor. Dado que o país realizou uma transferência líquida de recursos aos credores, e essa transferência teve efeitos negativos sobre a capacidade de investimento e sobre as condições econômicas do país, se a relação financeira fosse rompida, o país seria o menos prejudicado.

Em resumo, neste trabalho é verificada a ocorrência de pressão comercial sobre a mudança da política de importações realizada no Brasil. Para se avaliar a importância desse fator, relativamente a fatores domésticos na abertura comercial brasileira, seria necessário realizar a comparação com uma outra situação de mudança de política na qual os mesmos elementos - pressão externa e determinantes domésticos - estivessem envolvidos.

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  • 1
    Diversos autores analisaram a abertura comercial brasileira do ponto de vista de fatores domésticos. Segundo Camargos Moreira, H. e A. Barbosa de Araújo (1984CAMARGOS MOREIRA, H. & BARBOZA DE ARAÚJO, A. (1984) Política brasileira de importações: uma descrição. Série Estudos de Política Industrial e Comércio Exterior, nº 1. Rio de Janeiro, IPEA/INPES.), o acúmulo de instrumentos inconsistentes e contraditórios na política de importações, destinados a atender diferentes objetivos, geraram a necessidade de tornar a política comercial mais racional. Para Suzigan, W. (1991SUZIGAN, W. (1991) “O plano de estabilização e a política industrial”. Revista Brasileira de Economia, v. 45, nº especial, janeiro.), a manutenção do já esgotado processo de substituição de importações durante a década de 80, tornou necessária a adoção de uma política para adequar a estrutura da indústria brasileira ao novo padrão industrial internacional. Fritsch, W. e G. Franco (1990FRITSCH, W. & FRANCO, G. (1990) “Política industrial, competitividade e industrialização: aspectos da experiência brasileira recente”. Planejamento e Políticas Públicas nº 3.) criticaram o processo de substituição de importações por ter gerado ineficiência e por ser inadequado para a implantação de novas indústrias de alta tecnologia. De acordo com Tavares de Araújo Jr. e outros (1990TAVARES DE ARAÚJO JR., J., HAGUENAUER, L. & MACHADO, J.B.M. (1990) “Proteção, competitividade e desempenho exportador da economia brasileira nos anos 80”. Pensamiento Iberoamericano, nº 17.), a base industrial brasileira era competitiva, o que não justificava a existência de proteção generalizada. Bresser-Pereira (1993BRESSER-PEREIRA, L.C. (1993d) Uma interpretação da América Latina: a crise do Estado (mimeo).) constata a ocorrência de uma crise do Estado nos anos 80, que se expressava na regulamentação excessiva da atividade econômica, que passou a gerar ineficiência e, na incapacidade de ação do Estado. Para explicar o ingresso da reforma na agenda do governo, Sola (1993SOLA, L. (1993) “Estado, transformação econômica e democratização no Brasil”. In Sola, L. (ed.) Estado, mercado e democracia: política e economia comparadas. Paz e Terra.) considera a hipótese da influência de três outros elementos, além das condicionalidades das agências financeiras internacionais e países da OECD: a consciência de novos desafios para a recuperação do crescimento, relacionada à exaustão do modelo anterior; o temor de uma crise hiperinflacionária; a legitimidade que as eleições diretas conferiram ao governo.
  • 2
    Instrumentos de pressão econômica são também instrumentos de divulgação de mensagens e ideias de um país a outro, segundo Baldwin (1985BALDWIN, D.A. (1985) Economic Statecraft. Princeton: Princeton University Press.). Esse aspecto, ainda que relevante, não será considerado neste trabalho. Para uma discussão sobre o tema, ver Nassuno (1995NASSUNO, M. (1995) Pressão externa e abertura comercial no Brasil. Tese de Mestrado. EAESP/FGV).
  • 3
    Os fatores que explicam declínio relativo da hegemonia norte-americana podem ser encontrados em Gilpin (1987GILPIN, R. (1987) The Political Economy of International Relations. Princeton University Press.) e Kennedy (1989KENNEDY, P. (1989) Ascensão e queda das grandes potências. Transformação econômica e conflito militar de 1500 a 2000. Tradução de The Rise and Fall of Great Powers. Editora Campus.).
  • 4
    Para maiores detalhes sobre a legislação comercial norte-americana, ver GATT (1990GATT (1990) Trade Policy Review: United States. Report by the Government of the United States of America.) e Nassuno (1995NASSUNO, M. (1995) Pressão externa e abertura comercial no Brasil. Tese de Mestrado. EAESP/FGV).
  • 5
    Esses países teriam de eliminar as práticas em até três anos, sob pena de sofrerem retaliações.
  • 6
    Sobre as características do protecionismo da década de 80, ver, entre outros, Bhagwati (1991BHAGWATI, J.N. (1991) The World Trading System at Risk. Harvester Wheatsheaf.), Gilpin (1987GILPIN, R. (1987) The Political Economy of International Relations. Princeton University Press.), Hauser (1991HAUSER, H. (1991) “Das GATT und die Uruguay-Runde”; Wirtschaftsforderung-Dokumentation zur Wirtschaftskunde. Gesellschaft zur Foerderung der schweizerischen Wirtschaft, Zurique.).
  • 7
    Segundo a parte IV do GATT, os países subdesenvolvidos não precisam conceder tratamento recíproco nas negociações comerciais e podem ter tratamento preferencial pelos países desenvolvidos (GATT, 1986GATT (1986a) Texto do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio.).
  • 8
    Dados extraídos de Laubier, in IEDI (1994IEDI (1994) “Investimentos diretos”. Política Industrial, ano II, nº 7, julho.: 45).
  • 9
    Segundo a terminologia utilizada por Cooper (1986COOPER, R. (1986) Economic Policy in an Interdependent World. The MIT Press.) para classificar as diferentes respostas que os países podem adotar para neutralizar os efeitos da interdependência sobre as economias nacionais, a adoção de uma política passiva significa aceitar a perda da autonomia econômica doméstica e abandonar qualquer tentativa de empreender ações independentes das determinadas pelos países aos quais o país está ligado por laços econômicos.
  • 10
    Segundo Aggarwal (1987AGGARWAL, VK. (1987) International Debt Threat. Institute of lnternational Studies. University of California.), quando a crise da dívida se iniciou, em 1982, os países devedores estavam numa posição mais forte do que os bancos porque estes não podiam forçar a manutenção dos pagamentos, nem ameaçar com a expropriação de ativos, como fariam com um devedor comum.
  • 11
    Segundo Baer e Coes (1989BAER, W. & D.V COES (1990) “As políticas norte-americanas e a dívida e o comércio da América Latina”. Revista de Economia Política, v. 10, nº 3 (39).), a resposta inicial para a crise da dívida dos países latino-americanos gerou conflitos internos nos EUA. Os setores internos, que competiam com importações provenientes da América Latina passaram a demandar a eliminação de programas de incentivo às exportações nesses países. Os setores exportadores queriam que os países latino-wamericanos liberalizassem sua política de importação. Roett (1986ROETT, R. (1989): “How the Haves Manage the Have-Nots’: Latin America and the Debt Crisis”. In Stallings, B. & R. Kaufman (eds.) Debt and Democracy in Latin America. Boulder, Westview Press.) afirma que o Congresso norte-americano passou a envolver-se na discussão sobre a crise da dívida a partir das queixas desses setores.
  • 12
    Para maiores detalhes e críticas sobre o plano Baker, ver Bogdanowicz-Bindert (l986BOGDANOWICZ-BINDERT, C.A. (1986) “The Debt Crisis: the Baker Plan Revisited”, Journal of Interamerican Studies and World Affairs, v. 28, nº 3, Fall.).
  • 13
    Existem dois tipos de empréstimos do Banco Mundial vinculados à condicionalidade: os Structural Adjustment Loans (SALs) e os Sectoral Adjustment Loans (SECALs).
  • 14
    Mudanças no Trade and Tariff Act dos EUA, de 1984, representam um exemplo do processo de graduação. Entre os critérios para a revisão anual dos países e produtos beneficiários do Sistema Geral de Preferências, foram incluídos: a competitividade da economia, o nível de desenvolvimento, o acesso ao mercado, a proteção à propriedade intelectual, a discriminação do investimento estrangeiro, as barreiras ao comércio de serviço etc.
  • 15
    Com o anúncio da nova regulamentação brasileira de comércio exterior que eliminou as restrições quantitativas às importações, em março de 1990, a ação “super 30l” foi encerrada.
  • 16
    O fato de a comprovação de subsídio ou dumping e da relação com o dano material à indústria não ser clara e de não haver penalidades no GATT para queixas improcedentes, possibilitaram a utilização desses instrumentos para fins de proteção, segundo Bhagwati (1988BHAGWATI, J.N. (1988) Protectionism. The MIT Press.).
  • 17
    19 de dumping e 10 de subsídios.
  • 18
    O fato de o volume de empréstimos do Banco Mundial ter sido reduzido durante a década de 80 pode ser visto como uma punição por não adotar as políticas prescritas.
  • 19
    Krugman (1995KRUGMAN, P. (1995) “Dutch Tulips and Emerging Markets”. Foreign Affairs v. 74, nº 4, julho-agosto.) confirma a importância da adoção de reformas de orientação de mercado para a retomada do influxo de recursos externos nos países devedores na década de 90. O autor identifica uma relação entre um processo auto-alimentado ocorrido no mercado financeiro e a adoção das políticas de ajuste estrutural. “This was a political economy cycle, in which governments were persuaded to adopt Washington consensus policies because markets so spectacularly rewarded them, and in which markets were willing to supply so much capital because they saw an unstoppable move toward policy reforms” (Krugman, 1995KRUGMAN, P. (1995) “Dutch Tulips and Emerging Markets”. Foreign Affairs v. 74, nº 4, julho-agosto.: 34).
  • 20
    Áustria, Austrália, Bélgica, Canadá, Dinamarca, Finlândia, França, Alemanha, Islândia, Irlanda, Itália, Japão, Luxemburgo, Holanda, Nova Zelândia, Noruega, Espanha, Suécia, Suíça, Reino Unido, EUA.
  • 21
    Arslanian (1994ARSLANIAN, R.P. (1994) “Os países alvo do unilateralismo comercial norte-americano”. Política Externa, v. 3, nº 3, dezembro.) ao analisar as ações dos EUA contra o Brasil confirma a ideia da vulnerabilidade comercial de uma outra forma. Segundo o autor, as ações norte-americanas foram balizadas pela capacidade do país-alvo implementar medidas contra-retaliatórias. Ainda que a Alemanha e o Japão representassem maior ameaça aos interesses norte-americanos, os países mais expostos a ações unilaterais dos EUA foram aqueles, como o Brasil, para os quais os Estados Unidos eram um mercado importante e que tinham pouca importância como fornecedores, não sendo capazes de contra-retaliação.
  • 22
    No que diz respeito ao custo no futuro decorrente do rompimento da relação financeira - a perda de acesso do país ao mercado internacional - Conybeare (1990CONYBEARE, J. A.C. (1990) “On the Repudiation of Sovereign Debt: Sources of Stability and Risk”. Columbia Journal of World Business, XXV, 1 e 2, Spring/Summer.) afirma ser também pouco provável de ocorrer. Existe a possibilidade de os bancos atuarem individualmente como free riders, concedendo créditos ao país inadimplente e lucrando à custa dos demais, que mantivessem o corte do crédito.
  • 23
    JEL Classification: F60; F54.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 1998
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