Acessibilidade / Reportar erro

Evolução recente das rendas per capita estaduais no Brasil

The recent evolution of the per capita income of the Brazilian states

RESUMO

O objetivo deste artigo é atualizar a análise do processo de convergência da renda per capita do estado no Brasil, utilizando novos dados para o período 1986-1995. Os índices L e T de Theil são usados para mostrar que o processo de convergência, observado entre 1970 e 1985 e relatado em trabalhos anteriores, parou desde 1987. Algumas explicações possíveis para esse resultado também são exploradas.

PALAVRAS-CHAVE:
Crescimento econômico; renda per capita; convergência de renda

ABSTRACT

The purpose of this paper is to update the analysis of the process of convergence of state per capita incomes in Brazil, using new data for the period 1986-1995. Theil’s L and T indexes are used to show that the process of convergence, observed between 1970 and 1985 and reported in previous work, has come to a halt, since 1987. Some possible explanations for this result are also explored.

KEYWORDS:
Economic growth; per capital income; income convergence

Vários estudos, publicados nos últimos anos, apontaram para a ocorrência de um processo de convergência entre as rendas per capita (RPC) dos estados no Brasil, entre 1970 e 1985 (Azzoni, 1994AZZONI, C. (1994) “Crescimento econômico e convergência das rendas regionais: o caso brasileiro”. Anais do XXII Encontro Nacional de Economia (ANPEC), vol. 1, pp. 185-205.; Ellery Jr. e Ferreira, 1994ELLERY Jr., R. & FERREIRA, P. (1994) “Crescimento econômico e convergência entre as rendas dos estados brasileiros”. Anais do XVI Encontro Brasileiro de Econometria (SBE), pp. 264-86.; Ferreira e Diniz, 1995FERREIRA, A. & DINIZ, C. (1995) “Convergência entre as rendas per capita estaduais no Brasil”. Revista de Economia Política 15 (4), pp. 38-56.; Ferreira, 1995FERREIRA, A. (1996) “A distribuição interestadual da renda no Brasil (1950-85)”. Revista Brasileira de Economia 50 (4), pp. 469-85.).

A produção recente de estimativas dos PIBs estaduais para o período 1986-95, pelo IPEA, assim como a divulgação dos resultados da Contagem Populacional de 1996, pelo IBGE, tornaram possível estender a análise do processo de convergência no Brasil até a metade da década de 90.

Passando, de uma vez, a tal análise, a tabela 1 mostra a razão entre as rendas per capita dos estados e a RPC do Brasil, entre 1970 e 1995. O exame desta tabela revela que:

  1. As rendas per capita de nada menos do que 18 estados convergiram para a média nacional, naquele período de 25 anos.

  2. No caso de outros dois estados (Paraná e Santa Catarina), as rendas por habitante passaram de valores inferiores para valores superiores à média brasileira, encontrando-se, de todo modo, em 1995, mais próximas desta última do que em 1970.

  3. Não ocorreu mudança significativa na relação entre a RPC estadual e a RPC nacional, para os estados de Roraima e Pernambuco.

  4. Os poucos casos de divergência (apenas três) correspondem aos estados de Rondônia e Amapá, cuja renda per capita diverge “para baixo”, isto é, se reduz, como proporção da média nacional, entre o primeiro e o último ano considerados, e ao Distrito Federal, cuja RPC diverge “para cima”, entre aqueles mesmos anos.

  5. Os estados que apresentaram ganhos mais expressivos em sua situação relativa (dada pela razão entre a renda per capita estadual e a RPC brasileira), no período examinado, foram, em ordem decrescente, Paraná, Rio Grande do Norte, Mato Grosso/Mato Grosso do Sul, Sergipe, Distrito Federal, Santa Catarina, Minas Gerais e Goiás/Tocantins.

  6. De outro lado, perderam posição relativa, de acordo com o mesmo critério, entre 1970 e 1992, os estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Amapá, Rondônia e Rio Grande do Sul.

TABELA 1
Brasil: Rendas per Capita Estaduais e Regionais Como Proporção da Renda per Capita do Brasil - 1970-1995

As informações da tabela 1 foram utilizadas para estimar os índices L e T de Theil, mostrados na tabela 2. Tais índices, como se sabe, são dados por:

L = S i = 1 25 p i ln ( p i / y i ) T = S i = 1 25 y i ln ( y i / p i )

onde pi = participação da população do estado i na população do país, yi = participação da renda do estado i na renda interna, S = operador da soma e ln= loga­ritmo natural.1 1 A razão yi/pi, como é óbvio, corresponde aos dados da tabela 1.

TABELA 2
Brasil: Distribuição Interestadual da renda - Estimativas dos Índices Teil-1, Theil-t e V - 1970-1995

Para uma distribuição interestadual da renda perfeitamente igualitária, definida como a situação em que todos os estados apresentam a mesma renda per capita, os índices Theil-L e Theil-T serão iguais a zero. Enquanto este é o seu valor mínimo, não há valor máximo definido para os dois índices.

Na mesma tabela, juntamente com os valores estimados dos índices L e T de Theil, são apresentadas também estimativas para o coeficiente de variação “v”, dado pela razão entre o desvio-padrão e a média das rendas per capita estaduais:

v = ( 1 / Y * ) [ S ( Y i - Y * ) 2 / ( n - 1 ) ] 1 / 2 ,

onde Yi = renda per capita do estado i, Y* = média das rendas per capita estaduais2 2 Enquanto Y* é uma média aritmética simples, o que, nas demais passagens do texto, se designou como média nacional ou brasileira corresponde à mwédia aritmética, ponderada pela população, das RPC estaduais. e n = número de estados.

Valores de zero para “s” novamente indicam, como resulta óbvio do exame da expressão acima, a perfeita igualdade na distribuição da renda entre os estados.

A evolução dos índices L e T sugere que o período 1970-95 pode ser dividido em duas fases distintas, no que diz respeito ao processo de convergência entre as rendas per capita estaduais no Brasil. Na primeira fase, de 1970 a 1986, aqueles índices tenderam a se reduzir de forma contínua e relativamente rápida, vindo a alcançar, em 1986, um valor equivalente a pouco mais da metade daquele observado em 1970. A partir daí, os índices L e T registraram uma ligeira tendência de alta, em 1987 e 1988, e um lento declínio, entre 1989 e 1994, tendo neste último ano alcançado os valores mais baixos de todo o período analisado (0,111 e 0,099). Em 1995, os índices L e T se situaram nos níveis de 0,116 e 0,105, respectivamente. Este mesmo padrão é observado, grosso modo, na evolução do índice “v”, O processo de convergência, portanto, foi razoavelmente acelerado, especialmente entre 1975 e 1986, mas avançou muito pouco, nos últimos dez anos.

A tabela 3 mostra, na sua primeira coluna, o índice LR, que mede a desigualdade na distribuição inter-regional da renda, calculado, também com base nos dados da tabela 1, de forma análoga ao índice L, a partir da participação de cada região na renda interna e população do país, correspondendo, assim, a:

L r = S r = 1 5 p r ln p r / y r ,

onde Pr = participação da região r na população do Brasil e Yr = participação da região “r” na renda interna.

TABELA 3
Brasil: Distribuição Inter-Regional e Intra-Regional da Renda - Estimativas dos Índices LR e Lr

No que diz respeito à distribuição inter-regional da renda, o quadro que resulta do exame da tabela 3 não difere significativamente daquele descrito acima para a evolução da distribuição da renda entre os estados. A desigualdade inter-regional se reduz, entre 1970 e 1986, com o valor do índice LR passando de 0,148 para 0,087, entre aqueles dois anos. A partir daí, não se observam mais variações significativas naquele índice.

Examinando o processo de convergência entre as RPC estaduais, no período 1970-85, Ferreira e Diniz (1995FERREIRA, A. & DINIZ, C. (1995) “Convergência entre as rendas per capita estaduais no Brasil”. Revista de Economia Política 15 (4), pp. 38-56., p. 45), valendo-se de análise originalmente desenvolvida em Diniz (1993DINIZ, C. (1993) “Desenvolvimento poligonal no Brasil: nem desconcentração, nem contínua polarização”. Nova Economia 3 (1), pp. 35-64.), sugeriram que tal processo “decorreu de um conjunto de fatores relacionados com a ação da política econômica e com a lógica econômica da competição e da localização”, destacando entre outros: “o desenvolvimento e a ampliação da infraestrutura básica; o movimento das fronteiras agrícola e mineral; a ação direta do Estado em termos de investimentos e concessão de subsídios e incentivos fiscais; a crise econômica e política do Rio de Janeiro; a reversão da polarização industrial da área metropolitana de São Paulo; e os movimentos migratórios e as alterações na distribuição regional da população”.

No período 1986-95, a maior parte destas forças cessou de operar, levando, como seria, então, de esperar, à interrupção, evidenciada acima, do processo de convergência.

Com efeito, a convergência de rendas per capita depende crucialmente da expansão do investimento público e privado nas áreas novas e/ou atrasadas (de menor renda per capita) a um ritmo mais acentuado do que o verificado nas áreas já desenvolvidas (de renda per capita mais elevada). No contexto de crise fiscal e recessão econômica que caracterizou a maior parte do período sob exame, o investimento privado, os investimentos do governo e das empresas estatais (principalmente em infraestrutura básica e na produção de bens intermediários) e os incentivos fiscais e subsídios de crédito sofreram significativa redução, disso resultando o arrefecimento do processo de convergência entre as RPC estaduais.

Esta mesma redução dos investimentos em infraestrutura básica e dos incentivos fiscais e subsídios, somada ao fato de ter, em boa medida, se completado, no período sob exame, o processo de ocupação de áreas novas, no país, levaria ainda a expansão das fronteiras agrícola e mineral a perder impulso.

Por último, a crise econômica, que atingiu mais fortemente os estados mais industrializados e de maior renda per capita, tendeu a desestimular os movimentos de população em direção àqueles estados, contribuindo, também por este lado, para arrefecer o processo de convergência.

Embora os resultados agregados apresentados acima sugiram que a distribuição interestadual e inter-regional da renda se manteve basicamente inalterada, entre 1986 e 1995, mudanças significativas não deixaram de se verificar na posição relativa de alguns estados e regiões, naquele período.

Assim, por exemplo, do ponto de vista da relação entre as RPC estadual e nacional, o Distrito Federal (desde 1987) e os estados do Acre (a partir de 1988) e Paraná (desde 1992) apresentaram melhoras significativas de sua posição relativa, enquanto outros estados, como Amazonas e Sergipe, experimentaram perdas, até certo ponto expressivas.

Estas diferenças de performance se tornam mais evidentes quando se consideram as estimativas das rendas per capita regionais como proporção da média nacional, mostradas na tabela 1:

  1. As razões entre as rendas per capita das regiões Nordeste e Sudeste e a RPC nacional, depois de terem, respectivamente, se elevado (de 0,40 para 0,48) e decrescido (e 1,52 para 1,37), entre 1970 e 1985, se mantiveram praticamente constantes, a partir daquele último ano, com o que a distância relativa, em termos de renda por habitante, entre as regiões mais pobre e mais rica do país, vem se conservando basicamente inalterada, desde meados da década de 80.

  2. A RPC da região Norte, que se elevara de 58% para 81 % da renda per capita do país, entre 1970 e 1989, declina, como proporção da RPC nacional, a partir de 1990, reduzindo-se a apenas 72% do valor desta última, em 1995, movimento que parece ter se devido, principalmente, à crise da Zona Franca de Manaus, que se seguiu ao processo de liberação de importações e abertura da economia brasileira ao exterior, iniciado em 1990.

  3. No caso da RPC da região Centro-Oeste, a convergência para a renda por habitante do país é clara, tendo a renda per capita regional passado de 68% da média nacional, em 1970, para perto de 80%, em 1980-85, praticamente igualando-se àquela média, a partir de 1990. A par do bom desempenho relativo das economias de Mato Grosso e de Goiás, contribuiu decisivamente para essa melhora da posição relativa da região o significativo aumento da renda per capita do Distrito Federal, associado provavelmente à elevação real dos salários do funcionalismo federal, ocorrido no governo Sarney. Observe-se que, em 1988, o DF ultrapassou São Paulo, passando a constituir-se, desde então, na unidade da federação de renda per capita mais elevada.

  4. Por último, a renda per capita da região Sul tendeu a declinar, como proporção da RPC nacional, entre 1986 e 1991, mas voltou a recuperar-se vigorosamente a partir de 1992.

No que diz respeito à evolução das desigualdades intra-regionais, são também bastante diversificadas as tendências observadas entre as cinco regiões, no período pós-1985, como mostra a tabela 3:3 3 Os índices Lr, comentados abaixo, são dados por Lr=Spirln(pir/yir), onde pir = participação do estado i na população da região r e Y1r = participação do estado i na renda da região r.

  1. na região Norte, o índice Lr de desigualdade inter-regional oscila entre os valores de 0,020 e 0,031, entre 1970 e 1990, sem apresentar uma tendência definida, reduzindo-se, porém, continuamente, a partir de 1991, até chegar ao valor de 0,007, em 1995. A queda do índice, verificada neste último período, se deveu, em boa parte, à crise da Zona Franca de Manaus, que provocou a redução da renda per capita do estado do Amazonas, a maior da região, aproximando-a da média regional.

  2. na região Nordeste, o índice L, se eleva, entre 1970 e 1985, mas volta a se reduzir, a partir daí, assumindo, em 1995, um valor inferior ao de 1970. A distância entre as rendas per capita dos três estados de maior população na região se reduziu, no período mais recente, com a perda de posição relativa da Bahia e a recuperação das economias de Pernambuco e Ceará, movimentos que, conjugados, explicam a diminuição observada no índice de desigualdade intra-regional.

  3. na região Sudeste, que apresentava o mais elevado índice de desigualdade intra-regional em 1970, o rápido processo de convergência, observado entre 1970 e 1985, perde fôlego, na segunda metade da década de 80, com o valor do índice L, praticamente se estabilizando, a partir daí.

  4. na região Sul, o processo de convergência entre as rendas per capita estaduais avançou praticamente sem interrupção, no período analisado, com o índice L, se reduzindo para 0,0005, em 1995, o mais baixo índice de desigualdade intra-regional verificado no país, naquele ano.

  5. por último, na região Centro-Oeste, a tendência de convergência, observada entre 1970 e 1986, se reverteu, com o índice de desigualdade intra-regional se elevando a 0,105, em 1989, e decrescendo, a partir desse ano, sem, entretanto, retornar, em 1995, ao piso alcançado anteriormente. No último ano para o qual se dispõe da informação, a região Centro-Oeste, dentre as cinco macro-regiões em que convencionalmente se divide o país, era a que apresentava o mais elevado índice de desigualdade intra-regional. Este aumento da desigualdade intra-regional se explica pela ampliação da diferença entre a renda per capita do Distrito Federal e as rendas per capita de Mato Grosso e Goiás, ocorrida a partir de 1986.

A discussão conduzida acima sugere que a maior parte dos movimentos das RPC relativas e, portanto, dos índices de desigualdade, ocorridos na última década, refletem a influência de fatores conjunturais, não se constituindo, necessariamente, em tendências de longo prazo. Estas são determinadas fundamentalmente pela distribuição espacial do capital e da população, que sofreu mudanças relativamente pouco expressivas, no contexto de crise econômica que caracterizou a maior parte do período objeto da análise desenvolvida nesta nota.

Resta ver se, na nova situação de retomada do crescimento econômico, surgida a partir de 1993, o que parece ter sido um fenômeno de natureza conjuntural - a perda de fôlego do processo de convergência entre as rendas per capita estaduais, a partir de 1986 - se transformará numa tendência mais duradoura.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • AZZONI, C. (1994) “Crescimento econômico e convergência das rendas regionais: o caso brasileiro”. Anais do XXII Encontro Nacional de Economia (ANPEC), vol. 1, pp. 185-205.
  • CANO, W (1995) “Auge e inflexão da desconcentração econômica no Brasil”. Anais do XXIII Encontro Nacional de Economia (ANPEC), vol. 2, pp. 628-42.
  • DINIZ, C. (1993) “Desenvolvimento poligonal no Brasil: nem desconcentração, nem contínua polarização”. Nova Economia 3 (1), pp. 35-64.
  • ELLERY Jr., R. & FERREIRA, P. (1994) “Crescimento econômico e convergência entre as rendas dos estados brasileiros”. Anais do XVI Encontro Brasileiro de Econometria (SBE), pp. 264-86.
  • FERREIRA, A. (1996) “A distribuição interestadual da renda no Brasil (1950-85)”. Revista Brasileira de Economia 50 (4), pp. 469-85.
  • FERREIRA, A. & DINIZ, C. (1995) “Convergência entre as rendas per capita estaduais no Brasil”. Revista de Economia Política 15 (4), pp. 38-56.
  • 1
    A razão yi/pi, como é óbvio, corresponde aos dados da tabela 1.
  • 2
    Enquanto Y* é uma média aritmética simples, o que, nas demais passagens do texto, se designou como média nacional ou brasileira corresponde à mwédia aritmética, ponderada pela população, das RPC estaduais.
  • 3
    Os índices Lr, comentados abaixo, são dados por Lr=Spirln(pir/yir), onde pir = participação do estado i na população da região r e Y1r = participação do estado i na renda da região r.
  • 4
    JEL Classification: R11; O40.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 1998
Centro de Economia Política Rua Araripina, 106, CEP 05603-030 São Paulo - SP, Tel. (55 11) 3816-6053 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: cecilia.heise@bjpe.org.br