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Diferenciais de salários por gênero e cor: uma comparação entre as regiões metropolitanas brasileiras* * Os autores agradecem a Luiz Carlos Bresser-Pereira por sua atenção e seus comentários e sugestões à versão anterior deste trabalho.

Wage differentials by gender and color: a comparison between Brazilian metropolitan regions

RESUMO

O estudo analisa o comportamento das diferenças salariais considerando gênero e raça nas áreas metropolitanas brasileiras. Com base em uma amostra da PNAD (1989), foram examinados empiricamente o padrão das diferenças salariais nas áreas metropolitanas em geral e, posteriormente, foi feita uma comparação regional. Repensando pesquisas anteriores, este artigo revela que, em média, os salários dos homens são mais altos que as mulheres e os recebidos pelos brancos são superiores aos negros. Mesmo após a realização de uma série de controles, tais como: idade, bolsa de estudos, local de vida e raça (gênero). As diferenças de gênero revelaram-se mais homogêneas entre as regiões do que as diferenças raciais.

PALAVRAS-CHAVE:
Discriminação racial; discriminação de gênero; desigualdade salarial

ABSTRACT

The study analyses the wage differences behavior considering gender and race in the Brazilian metropolitan areas. Based on a sample from PNAD (1989) were empirically examined the pattern of the wage differences in the metropolitan areas in general and afterwards was made a regional comparison. Restressing previous researches, this paper reveals that, in average, either the men wages are higher than the women as well as those received by white people are superior than the blacks. Even after the realization a series of controls, such as: age, scholarship, place of living and race (gender). The gender differences revealed to be more homogeneous among the regions rather than the race differences.

KEYWORDS:
Racial discrimination; gender discrimination; wage inequality

1. INTRODUÇÃO

O fato de indivíduos diferentes perceberem diferentes rendimentos no mercado de trabalho é algo fácil de se verificar em qualquer economia. Em alguns países, como é o caso do Brasil, essa dispersão de rendimentos mostra-se demasiado elevada.

Há uma série de argumentos que podem ser utilizados para explicar as diferenças observadas nos salários de diferentes indivíduos: diferentes qualificações; compensações por diferenças não-pecuniárias como, por exemplo, insalubridade e maiores riscos de acidentes de trabalho; engajamento em carreiras com diferentes perspectivas de progresso; inserção em atividades mais ou menos sujeitas ao desemprego etc.

Nos estudos sobre diferenciais de salários, uma das questões que tem chamado a atenção dos analistas refere-se à situação em que indivíduos igualmente produtivos são diferentemente avaliados com base em atributos não produtivos. Neste caso, diz-se que existe discriminação no mercado de trabalho.

As investigações sobre discriminação no mercado de trabalho têm caminhado em duas direções básicas: discriminação por gênero e discriminação por raça (cor e etnia). Observações de que, em média, indivíduos de cor preta ganham menos que os de cor branca e que mulheres ganham menos que homens, constituem uma evidência de que existe discriminação no mercado de trabalho? Para uma resposta afirmativa seria preciso garantir que tais diferenciais sejam verificados para trabalhadores comparáveis, em termos de produtividade e preferências.

É exatamente neste ponto que reside a principal dificuldade dos estudos empíricos sobre discriminação. Nunca teremos certeza de que todas as variáveis importantes foram controladas para que possamos afirmar que, de fato, os trabalhadores são comparáveis. Entretanto, cabe ressaltar que esse problema não é exclusivo aos estudos sobre discriminação e nem mesmo aos estudos empíricos de economia. Por exemplo, o fato de um grupo de pacientes que toma uma certa droga apresentar uma maior percentagem de cura do que outro grupo que não toma a droga, constitui uma evidência da eficiência do medicamento em questão? Seriam os grupos estatisticamente comparáveis?

As dificuldades para obtermos uma conclusão definitiva sobre a existência, ou não, de discriminação no mercado de trabalho não implica, porém, que nada possa ser dito a respeito. É verdade que nem sempre as evidências se mostram tão contundentes que o “julgamento” de uma certa hipótese se torna algo relativamente simples de ser realizado. Por vezes, dúvidas e polêmicas se arrastam indefinidamente. No caso específico da discriminação no mercado de trabalho, uma série de estudos realizados para os EUA bem como para o Brasil1 1 Para o caso do Brasil ver, por exemplo, Silva (1980a) e Camargo e Serrano (1983). Para os EUA ver, Cain (1986). têm apontado, sistematicamente, que tanto os salários das mulheres são inferiores ao dos homens como os salários dos indivíduos de cor preta são inferiores aos de cor branca, mesmo após a realização de uma série de controles. Tais evidências têm levado um grande número de autores a sugerir que o mercado de trabalho discrimina mulheres e indivíduos de cor preta. Entretanto, esta questão ainda se encontra distante de um consenso.2 2 Para uma discussão acerca dos diferenciais de salários, observados para o Brasil, entre indivíduos brancos e não-brancos, como uma evidência de discriminação no mercado de trabalho, ver a controvérsia Silva (1980a), Castro (1980) e Silva (1980b).

Nem tanto com o propósito de discutir a pertinência da hipótese de discriminação no mercado de trabalho e mais com um caráter descritivo, este estudo se propõe a avaliar o comportamento dos diferenciais de salários por gênero e cor, em especial, no que se refere as diferenças regionais; visto que as comparações regionais têm, de uma forma geral, sido remetidas a um segundo plano na literatura especializada.

2. CARACTERIZAÇÃO DA AMOSTRA

Os dados utilizados neste estudo foram obtidos a partir de uma sub-amostra da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) de 1989. A PNAD é uma pesquisa elaborada pelo IBGE, baseada em uma amostra probabilística de domicílios. A pesquisa tem âmbito nacional e, para o ano de 1989, foram amostrados 70.834 domicílios, correspondendo a 301.312 indivíduos. A sub-amostra delimitada é constituída por todos os indivíduos que:

  1. sejam residentes em uma das nove regiões metropolitanas do país;

  2. não sejam funcionários públicos;

  3. possuam 10 anos de idade ou mais;

  4. sejam assalariados (registrados ou não);

  5. trabalhavam ou haviam trabalhado na semana de referência;

  6. não declararam trabalhar em ocupações agropecuárias e outras atípicas dos centros urbanos;

  7. não declararam possuir rendimentos em produtos/mercadorias;

  8. declararam pertencer a um dos seguintes grupos de cor: preta, parda e branca; e

  9. possuíam declaração em todas as variáveis estudadas.

Adotando o critério de seleção acima, a amostra final contou com 28.287 indivíduos, distribuídos segundo a região de residência, gênero e cor,3 3 O IBGE considera quatro categorias para o indivíduo se classificar quanto à característica cor: branca, preta, parda (incluindo-se nesta categoria o indivíduo que se declarou mulato, índio, mameluco ou cafuso); e amarela (compreendendo-se nesta categoria o indivíduo que se declarou de raça amarela). Contudo, essa classificação não permite, dentro da categoria parda, a identificação de indivíduos descendentes de raça negra ou indígena. conforme a tabela 1.

Tabela 1
Distribuição dos Indivíduos Segundo Gênero e Cor por Região Metropolitana

As variáveis selecionadas para o estudo foram: região metropolitana, gênero, cor, idade, anos de estudo, salário e jornada de trabalho.

A variável anos de estudo mede os anos de estudo concluídos. Assim, para um indivíduo que cursa a oitava série do primeiro grau foram imputados sete anos de estudo, enquanto para um indivíduo que não frequenta a escola e chegou a concluir a oitava série do primeiro grau foram imputados oito anos de estudo. O intervalo desta variável é de zero à dezessete anos, onde dezessete anos de estudo foram imputados a todos aqueles que frequentam ou frequentaram os cursos de mestrado ou doutorado.

No que se refere ao mercado de trabalho, as variáveis restringem-se apenas à ocupação principal. Para o cálculo dos salários (W) foi adotado um procedimento de correção pelas horas normalmente trabalhadas. Mais precisamente, o salário foi definido como a renda mensal que o trabalhador receberia caso trabalhasse 48 horas por semana:

W = R .48 H

onde: R = renda mensalmente recebida na ocupação principal

H = número de horas normalmente trabalhadas por semana.

3. DIFERENCIAIS DE SALÁRIOS POR GÊNERO E COR NO BRASIL METROPOLITANO

Na presente seção, os diferenciais por gênero e cor são analisados tomando-se o conjunto das regiões metropolitanas; enquanto na seção seguinte, uma comparação dos diferenciais, entre as diversas regiões, será realizada.

Os dados referentes ao salário médio por gênero e cor, reportados na tabela 2, mostram que, para o conjunto das regiões metropolitanas, os homens ganham, em média, 58,38% a mais do que as mulheres. Já os indivíduos de cor branca ganham 143,72% a mais do que os de cor preta e 102,70% a mais que os de cor parda. Por fim, os de cor parda ganham 20,24% a mais do que os de cor preta.

Tabela 2
Salário Médio (em Salário Mínimo) por Gênero e Cor

Pelo menos parte desses diferenciais poderiam ser explicados por diferenças nos atributos individuais observados nos diferentes grupos (anos de estudo, idade etc.) e região de residência. Por exemplo, com relação aos anos médios de estudo, apresentados na tabela 3, notamos que o grupo de cor branca o qual apresenta o maior salário médio, possui também a maior média dos anos de estudo. O mesmo raciocínio é válido para a comparação entre o grupo de cor parda e o grupo de cor preta. No entanto, no que se refere aos salários por gênero, o nível educacional parece não atuar de forma compensatória dos diferenciais observados. O grupo de mulheres apesar de apresentar uma menor média salarial possui um maior nível de escolaridade.

Tabela 3
Anos Médios de Estudo por Gênero e Cor

Vale ressaltar que, se por um lado, as mulheres apresentam uma maior média de anos de estudo em relação aos homens, por outro, elas são, em média, mais jovens, o que pode vir a indicar diferenças na experiência no trabalho. Informações sobre a média de idade por gênero e cor, para o conjunto das regiões metropolitanas, são reportadas na tabela 4.

Tabela 4
Média de Idade por Gênero e Cor

Com o intuito de isolar o efeito das diferenças do nível de escolaridade, da idade e da região de residência sobre os diferenciais de salários entre os diversos grupos, a seguinte equação de salários foi estimada:

log W 1 = α + β 1 I D A D E i + β 2 I D A D E 2 i + β 3 A N O _ E S T i + β 4 G E N i + β 5 B R A N C A i + β 6 P R E T A i + j = 1 8 ψ j R j i + e i (1)

onde: IDADE = idade do indivíduo

IDADE2 = idade ao quadrado4 4 A variável idade ao quadrado foi incluída para captar o decréscimo de renda que provavelmente ocorre quando o indivíduo atinge determinada idade, em virtude de uma redução na produtividade do trabalho. Assim, o sinal esperado seria positivo para a idade e negativo para a idade ao quadrado.

ANO_EST = anos de estudo do indivíduo

GEN = variável dummy que se iguala a 1 se o indivíduo for homem

BRANCA= variável dummy que assume valor 1 se o indivíduo for de cor branca

PRETA = variável dummy que assume valor 1 se o indivíduo for de cor preta

Rj = conjunto de oito variáveis dummy para as regiões metropolitanas de Fortaleza, Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba e Porto Alegre (que assumem valor 1 se o indivíduo residir na respectiva região)

Os resultados obtidos, a partir da estimação da equação (1), via mínimos quadrados ordinários, são apresentados na tabela 5.

Tabela 5

A estimativa mostra que os salários crescem com os anos de estudo (em torno de 14,75% por ano de estudo) e apresentam a forma de um “U” invertido em relação à idade (crescem até 48,93 anos de idade e passam a decrescer a partir de então). Quanto às regiões, São Paulo apresenta o maior nível salarial, seguido por Curitiba, Porto Alegre, Belo Horizonte, Salvador, Rio de Janeiro, Belém, Fortaleza e Recife. A diferença dos salários de São Paulo e Recife é de 108,44%, a favor da primeira região. Com relação ao diferencial por gênero, observou-se que um homem obtém, em média, um salário 59,83% superior ao de uma mulher com idêntica cor, idade, anos de estudo e região de residência.

Quanto às variáveis dummy de cor, notou-se que os indivíduos de cor branca ganham, em média, 18,23% a mais do que os de cor parda. Já os indivíduos de cor preta apresentaram um diferencial de salário negativo de 6,39% em relação aos de cor parda. É interessante ressaltar que Silva (1980aSILVA, N. V (1980a) “O preço da cor: diferenciais raciais na distribuição de renda no Brasil”. Pesquisa e Planejamento Econômico, 10 (1)), em um estudo realizado para o estado do Rio de Janeiro, não encontra um diferencial de salário significativo entre indivíduos de cor preta e parda.5 5 O estudo de Silva refere-se aos diferenciais de salários por cor. A sua fonte de dados é o censo brasileiro de 1960. A amostra utilizada é constituída por homens não frequentando a escola, com idades de 10 a 64 anos, pertencentes a grupos de cor branca, mulata e negra e residentes nos antigos estados da Guanabara e do Rio de Janeiro. No nosso caso, o diferencial, apesar de pequeno, se mostrou estatisticamente significativo. Entretanto, como poderá ser observado a seguir, o resultado de Silva é similar ao aqui obtido, quando apenas a região metropolitana do Rio de Janeiro é considerada.

Na análise desenvolvida acima, procurou-se verificar qual o diferencial de salário esperado para dois indivíduos quaisquer, quando se tem conhecimento que os mesmos possuem gênero (cor) distinto(a), mas todas as demais características, em questão, idênticas. Outro aspecto interessante seria averiguar como os diferenciais esperados se alteram em função de mudanças nessas mesmas variáveis. Dado o pequeno diferencial observado entre os indivíduos de cor preta e parda, e tendo em vista uma simplificação na exposição, optou-se, nesta investigação, por delimitar apenas dois grupos de cor: brancos e não-brancos.

Para o caso dos diferenciais por cor a regressão que gostaríamos de estimar seria:

D I F 1 = α + β 1 G E N i + β 2 A N O _ E S T i + β 3 I D A D E i + β 4 I D A D E 2 i + j = 1 8 ψ j R j i + e i (2)

onde: DIF; = logarítimo do salário se branco - logarítimo do salário se não-branco.

O problema dessa especificação é que não é possível observar diferenciais de salários individuais: um mesmo indivíduo ou é branco ou não-branco. Entretanto, se idade, educação, gênero, cor e região fossem as únicas características relevantes para determinação dos salários, tais coeficientes poderiam ser obtidos através de uma regressão dos salários, contra essas variáveis, onde a cor apareceria como uma variável dummy, não apenas de intercepto, mas também de inclinação.6 6 Por exemplo, admita que apenas a idade e duas regiões são consideradas. I1 é uma variável dummy que é igual a 1 quando o indivíduo é branco e I2 é outra variável dummy que é igual a 1 quando o indivíduo reside na região 2. A equação de salários seria: log W 1 = α 1 + α 2 I 1 + ( β 1 + β 2 I 1 ) I D A D E 1 + ( β 3 + β 4 I 1 ) I D A D E 2 1 + ( β 5 + β 6 I 1 ) I 2 + e i e, portanto o diferencial de salário esperado seria dado por: D I F 1 = α 2 + β 2 I D A D E 1 + β 4 I D A D E 2 1 + β 6 I 2 Este procedimento foi adotado e os resultados aparecem na tabela 6.

Tabela 6

Podemos observar, com base na tabela acima, que o diferencial de salários entre brancos e não-brancos parece não se alterar com a idade, uma vez que os coeficientes Idade e Idade2 não são estatisticamente significativos. Com relação às regiões, e considerando-se o nível de significância de 20%, apenas para São Paulo, Belo Horizonte e Salvador os diferenciais mostram-se diferentes de Belém (respectivamente, -6,26%, 6,12% e 28,64%). Porém, quando o nível de significância de 10% é considerado, apenas Salvador apresenta-se diferente de Belém (os diferenciais de salários para Salvador diferem dos de Belém em nível de significância de 1%). Os resultados indicam, ainda, que os diferenciais de salários por cor são proporcionalmente mais elevados entre as mulheres do que entre os homens (em torno de 7,32%). Entretanto, o resultado mais expressivo diz respeito ao comportamento dos diferenciais com relação à variável anos de estudo.

O diferencial de salários entre brancos e não-brancos apresenta uma taxa de crescimento em torno de 3,03% por ano de estudo. Para melhor ilustrar esta evidência, uma regressão de salários foi realizada para duas amostras restringidas:7 7 O procedimento adotado foi regredir, via mínimos quadrados ordinários, o logarítimo dos salários contra as variáveis Idade, Idade2, e as variáveis dummy de cor, gênero e regiões. uma constituída apenas por indivíduos com zero anos de estudo e outra constituída apenas por indivíduos com 11 anos de estudo. No primeiro caso, o diferencial de salários entre brancos e não-brancos é de 7,24%, enquanto no segundo, o diferencial é de 37,23%.

Tais evidências poderiam sugerir que a taxa de retorno por ano de estudo é mais elevada para os brancos do que para os não-brancos.8 8 Uma regressão de salários, similar à apresentada na tabela 5 (equação 1), foi estimada separadamente: uma apenas para os brancos e outra apenas para os não-brancos. No primeiro caso, os salários apresentaram uma taxa de crescimento por ano de estudo de 16,11%, enquanto no segundo, uma taxa de 12,70%. Para uma discussão mais elaborada sobre a taxa de retorno da escolaridade de brancos e não-brancos, ver Silva (1980a). Isso poderia, inclusive, constituir uma das possíveis explicações para a menor média de anos de estudo verificada para os não-brancos. Trata-se da hipótese de discriminação antecipada, ou seja, por perceberem uma menor taxa de retorno por anos de estudo, os membros desse grupo possuem uma menor motivação para a obtenção de maiores níveis de educação formal.9 9 Para uma discussão sucinta acerca da hipótese de discriminação antecipada ver Bruegel (1987).

O mesmo procedimento adotado para o caso dos diferenciais entre brancos e não-brancos foi utilizado na investigação dos diferenciais de salários entre homens e mulheres. Os resultados obtidos são apresentados na tabela 7.

Tabela 7

Conforme as estimativas por região e considerando o nível de significância de 5%, apenas para o Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre e Curitiba os diferenciais de salários, entre homens e mulheres, mostram-se diferentes de Belém (respectivamente, -17,39%, -15,19%, -9,79% e -9,55%).

Os resultados obtidos indicam, ainda, que os diferenciais de salários por gênero são proporcionalmente mais elevados entre os não-brancos do que entre os brancos (em torno de 3,77%), isto ao considerarmos um nível de significância de 10%. Esta evidência, vem ressaltar a pior condição salarial, a qual estão submetidas as mulheres não-brancas. A partir da tabela 6, notamos que o diferencial por cor é mais elevado entre as mulheres do que entre os homens, aqui observamos que o diferencial por gênero é mais elevado entre os não-brancos do que entre os brancos.

Enquanto o diferencial de salários por cor mostrou-se crescer com os anos de estudo, o comportamento do diferencial de salários por gênero apresentou um padrão diverso, decrescendo a uma taxa de 1,00% por ano de estudo. Considerando as mesmas regressões de salários realizadas separadamente para indivíduos com zero anos de estudo e para indivíduos com onze anos de estudo observamos um diferencial de 68,41% no primeiro caso e 55,84% no segundo.10 10 Note-se que a hipótese de discriminação antecipada parece não ter plausibilidade para o caso das mulheres. Aqui ocorre o contrário, as mulheres “possuem” uma maior taxa de retorno por anos de estudo e são, em média, mais “educadas” do que os homens. Quando a regressão de salários (similar à equação 1) foi estimada, separadamente, apenas para as mulheres e apenas para os homens, a taxa de crescimento dos salários por ano de estudo apresentou-se em torno de 15,40%, no primeiro caso, e 14,29%, no segundo.

Com relação à idade, o diferencial de salários, entre homens e mulheres, apresentou a forma de um “U” invertido, crescendo até 48,14 anos de idade e decrescendo a partir de então. Isso poderia indicar uma possível divergência na relação idade-experiência profissional entre os homens e as mulheres. Vale ressaltar que um dos argumentos utilizados para explicar o fato de mulheres receberem, em média, um salário inferior ao dos homens, baseia-se na suposição de que, em média, as mulheres possuem uma menor produtividade no trabalho: seja por uma menor aquisição de capital humano, em especial à experiência no trabalho, seja por uma maior “preferência” por postos de trabalho menos produtivos. As mulheres, no papel de mães e esposas, acabariam por sofrer uma maior descontinuidade no mercado de trabalho e/ou demandariam postos de trabalho que, apesar de menos produtivos, permitiriam uma maior dedicação à família.11 11 Para uma discussão sucinta de tais questões, ver Rubery (1987).

No último caso, as mulheres teriam, em média, uma maior preferência por postos de trabalho cuja jornada seja menos extensiva (“part-time”) e/ou por aqueles onde o esforço (responsabilidade, intensidade etc.) seja mais ameno, mesmo que isso signifique menores salários. No que tange a questão da intensidade do trabalho, a mesma não é passível de controle neste estudo. Já, no que se refere à jornada de trabalho, os dados não revelaram uma grande diferença entre a jornada média de homens e mulheres, situando-se em torno de 44,12 e 42,09 horas semanais, respectivamente.

Retornando à questão da relação idade-experiência, a suposta maior descontinuidade das mulheres no mercado de trabalho pode se mostrar relevante para nossa análise, uma vez que o diferencial de salários, entre homens e mulheres, foi controlado pela idade e não pela experiência no trabalho. Assim, parte do diferencial de salários, entre homens e mulheres, poderia ser explicado pelos padrões distintos na relação idade-experiência. Da mesma forma, poderia, ainda, explicar por que, ao contrário dos grupos de cor, o diferencial de salários por gênero se mostrou sensível às variáveis de idade. Para melhor analisar esta questão, uma equação de salários foi estimada, separadamente, para seis grupos de idade. Em todos os casos, considerou-se apenas os indivíduos situados na faixa de 5 a 8 anos de estudo.12 12 A equação estimada foi o logarítimo dos salários contra as variáveis dummy de cor, gênero e regiões. Os resultados para os diferenciais por gênero estão reportados na tabela 8, onde pode-se observar um salário mais elevado para os homens em todos os grupos de idade. O ponto que merece destaque refere-se ao fato de que mesmo para os jovens, entre 16 e 20 anos de idade, que, presumidamente, possuem uma menor responsabilidade familiar, o diferencial de salários por gênero ainda se mostra significativamente favorável aos homens.

Tabela 8

4. COMPARAÇÃO REGIONAL DOS DIFERENCIAIS DE SALÁRIOS POR GÊNERO E COR

Com intuito de melhor comparar os diferenciais de salários por gênero e cor, entre as diversas regiões metropolitanas brasileiras, a regressão de salários original (equação 1) foi estimada separadamente para cada uma das regiões. Os diferenciais obtidos por essas regressões são sumarizados na tabela 9, e como forma de contraposição estão reportados também os diferenciais totais de salários (sem controle).

Tabela 9

Conforme a tabela 9, podemos observar que os diferenciais (com controle) entre homens e mulheres e entre indivíduos de cor branca e parda apresentaram sinais positivos e significativos no nível de 1%, para todas as regiões metropolitanas. Com relação aos diferenciais entre os indivíduos de cor preta e parda, à exceção de Belém e São Paulo, todos apresentaram sinais negativos. Entretanto, considerando-se o nível de significância de 5%, apenas para Belo Horizonte e Salvador os salários dos indivíduos de cor preta se mostraram inferiores aos dos de cor parda (-8,42% e -8,85%, respectivamente).

É interessante ressaltar que, para todas as regiões, o diferencial de salários entre indivíduos de cor branca e parda se reduz sensivelmente quando idade, anos de estudo e gênero são controlados, indicando que essas variáveis “explicam” a maior parcela desses diferenciais. Entretanto, o mesmo raciocínio não pode ser estendido para os diferenciais por gênero, que não apresentam reduções muito expressivas quando os controles por idade, anos de estudo e cor são efetuados. Ao contrário, os diferenciais se elevam para a maioria das regiões.

Com relação aos diferenciais por cor, destaque deve ser dado a Salvador e São Paulo que apresentaram, respectivamente, o maior e o menor diferencial de salários entre indivíduos de cor branca e parda (51,13%, para Salvador e 9,97%, para São Paulo). É curioso observar que a região que apresenta o maior diferencial de salários entre indivíduos de cor branca e parda é exatamente aquela que possui a menor proporção de indivíduos de cor branca. Na tentativa de melhor analisar a relação existente entre os diferenciais por gênero e cor e a proporção destes grupos na população total, na tabela 10 foram reportados os diferenciais (com controle), juntamente com a proporção de homens e indivíduos de cor branca. Por motivos de simplificação, optou-se, novamente, por agrupar os indivíduos de cor preta e parda.

Tabela 10

Como forma de resumir a relação entre os diferenciais de salários dos grupos de cor e gênero e a proporção destes grupos na população total, foram calculados os coeficientes de correlação simples (Pearson) e de correlação por ordem (Spearman) entre a primeira e a terceira coluna, e entre a segunda e quarta coluna, da tabela 10. No primeiro caso, os resultados foram de -0,30 para o coeficiente de correlação simples e -0,12 para o coeficiente de correlação de ordem. No segundo caso, o coeficiente de correlação simples e o coeficiente de correlação de ordem situaram-se aos níveis de -0,43 e -0,28, respectivamente. Não obstante o baixo valor dos coeficientes de correlação, o que torna qualquer interpretação muito duvidosa, nos dois casos a relação se mostrou inversa: quanto maior a proporção dos grupos “favorecidos” menor é o diferencial de salários a seu favor.

Um outro aspecto interessante a ser investigado diz respeito à relação entre os diferenciais por cor e gênero nas diversas regiões, ou seja: verificar se as regiões que apresentam maiores (menores) diferenciais por cor são também aquelas nas quais os diferenciais por gênero são os mais elevados (reduzidos). Para tanto, foram calculados os coeficientes de correlação simples e correlação de ordem entre as duas primeiras colunas da tabela 10. Os coeficientes de correlação simples e de ordem apresentaram magnitudes bastante ínfimas e sinais distintos (0,15 e -0,05, respectivamente), não sugerindo, assim, a existência de qualquer “padrão de similaridade” entre os diferenciais por cor e os diferenciais por gênero.

Finalizando esta seção, o último ponto que gostaríamos de destacar refere-se à relação existente entre a taxa de variação dos diferenciais de salários por ano de estudo e a diferença do nível médio de escolaridade, observados para os grupos em análise. Na seção anterior vimos que o diferencial entre brancos e não-brancos cresce com os anos de estudo, enquanto o diferencial entre homens e mulheres decresce. Pudemos observar também que, em média, os brancos são mais “educados” que os não-brancos e que as mulheres são mais “educadas” que os homens. Diante disso, levantou-se a hipótese de que os grupos com menores (maiores) taxas de retorno por ano de estudo teriam uma menor (maior) motivação para obtenção de maiores níveis de educação formal. Por este raciocínio poderíamos esperar que nas regiões onde a taxa de variação dos diferenciais de salários por ano de estudo é mais elevada, a média dos anos de estudo seria, proporcionalmente, menor para os grupos “menos favorecidos”. Para averiguar tal suposição, as regressões dos diferenciais por gênero e cor (cujos resultados foram reportados na tabela 6 e 7) foram reestimadas separadamente para cada região. Na tabela 11, são apresentadas a variação do diferencial de salários por ano de estudo e a diferença da média dos anos de estudo, por gênero e cor, para cada uma das regiões metropolitanas.

Tabela 11

Conforme a tabela acima e considerando um nível de significância de 5%, podemos verificar que, em todas as regiões, o diferencial de salários entre brancos e não-brancos tende a se elevar com os anos de estudo. No que se refere à variação dos diferenciais por gênero com relação aos anos de estudo, à exceção de Salvador e Curitiba, para todas demais regiões os resultados obtidos reproduzem o sinal do coeficiente encontrado para o conjunto das regiões metropolitanas. Entretanto, considerando o nível de significância de 5%, apenas para Belém, Fortaleza, Recife e São Paulo os diferenciais de salários entre homens e mulheres mostraram uma tendência decrescente, reduzindo-se em torno de 3,92%, 2,15%, 1,88% e 1,09% por ano de estudo, respectivamente.

Adicionalmente, podemos perceber que as informações acerca dos anos médios de estudo por gênero e cor reportadas na tabela 3, para o conjunto das regiões, são “reiteradas” quando observamos que em todas as regiões metropolitanas, em média, os indivíduos de cor branca são proporcionalmente mais “educados” que os não-brancos, e os homens proporcionalmente menos “educados” que as mulheres.

No intuito de sumarizar a relação entre a taxa de variação dos diferenciais de salários por ano de estudo e as diferenças dos níveis médios de escolaridade, por gênero e cor, os coeficientes de correlação, simples e de ordem, foram calculados para a primeira e terceira, e para a segunda e quarta colunas da tabela 11. No caso dos grupos de cor, os resultados foram de 0,19 para o coeficiente de correlação simples e 0,07 para o coeficiente de correlação por ordem. Para os grupos de gênero, os coeficientes de correlação, simples e de ordem, foram 0,47 e 0,42, respectivamente.

Nos atendo apenas aos sinais dos coeficientes de correlação, para os dois casos os resultados poderiam sugerir que à uma maior taxa de retorno por ano de estudo estaria associada a um maior nível educacional. Contudo, para o caso dos grupos de cor os coeficientes apresentaram-se demasiado pequenos, de forma que os mesmos não podem ser tomados como evidências capazes de corroborar a hipótese de que o menor nível educacional verificado para os grupos não-brancos esteja associado à sua menor taxa de retorno por ano de estudo. Para os grupos de gênero, os coeficientes não apresentaram valores tão reduzidos quanto para os grupos de cor. Entretanto, tal associação parece mais problemática ser postulada para o caso de homens e mulheres do que para brancos e não-brancos.

5. INCLUSÃO DOS INDIVÍDUOS DE COR AMARELA NA ANÁLISE DOS DIFERENCIAIS DE SALÁRIOS POR COR PARA A REGIÃO METROPOLITANA DE SÃO PAULO

Como já salientado na seção 2 deste artigo, a sub-amostra da PNAD, utilizada para a análise dos diferenciais de salários, se restringiu aos indivíduos de cor branca, preta e parda. Entretanto, a PNAD fornece também informações sobre indivíduos de cor amarela. O motivo de tal exclusão resultou da pouca representatividade deste último grupo na amostra total. Para o conjunto das regiões metropolitanas constatou-se somente 104 indivíduos de cor amarela, representando 0,4% da amostra total. Com relação à participação regional, apenas São Paulo apresentou uma proporção superior à 1%,13 13 A participação dos indivíduos de cor amarela foi de 1,2% para São Paulo; 0,7% para Curitiba; 0,4% para Salvador; 0,1% para Belém, Recife, Belo Horizonte, Porto Alegre e Rio de Janeiro; e 0% para Fortaleza. abrigando 58,7% do total de indivíduos de cor amarela. Diante disto, resolveu-se incluir o grupo de indivíduos de cor amarela na análise dos diferenciais de salários apenas para a região metropolitana de São Paulo.

Com base na tabela 12, apresentada a seguir, podemos verificar que os indivíduos de cor branca ganham 83,33% a mais que os de cor preta e parda; enquanto os de cor amarela ganham 76,91% a mais que os de cor branca e 224,34% a mais que os de cor preta e parda.

Tabela 12
Salário Médio (em Salário Mínimo) por Gênero e Cor Região Metropolitana de São Paulo

Conforme observado anteriormente, para os grupos de cor, aqueles que apresentam maiores salários possuem também maior média de anos de estudo. A tabela 13 mostra que os indivíduos de cor amarela possuem uma média de anos de estudo em torno de 1,59 vezes maior que os indivíduos de cor branca e 2,28 vezes maior que os indivíduos de cor preta e parda.

Tabela 13
Anos Médios de Estudo por Gênero e Cor Região Metropolitana de São Paulo

Com o intuito de isolar o efeito das diferenças do nível de escolaridade, da -idade, e de gênero sobre os diferenciais de salários entre os grupos de cor, uma equação de salários, semelhante à equação (1), foi estimada e seus resultados apresentados a seguir,

Tabela 14

Restringindo-nos apenas às variáveis dummy de cor, podemos notar que os indivíduos de cor branca ganham, em média, 9,73% a mais do que os de cor preta e parda. Já os indivíduos de cor amarela apresentaram um diferencial de salário positivo de 3,65% em relação aos de cor preta e parda. Entretanto, tal diferencial não se mostrou estatisticamente significativo.

Do ponto de vista estatístico, não temos evidências conclusivas para diferenciar os salários dos indivíduos de cor amarela dos de cor preta e parda e, nem mesmo, dos de cor branca. Ainda assim, é curioso observar que esse grupo (indivíduos de cor amarela) que apresentava a maior média salarial, antes dos controles, passa a uma situação intermediária quando idade, educação e gênero são controlados.

6. SUMÁRIO E CONCLUSÕES

O objetivo desta investigação possui um caráter muito mais descritivo, no sentido de avaliar o comportamento dos diferenciais de salários, por gênero e cor, entre as diversas regiões metropolitanas brasileiras, do que o de realizar um estudo mais criterioso sobre discriminação no mercado de trabalho. Assim, não levamos em conta questões como a do viés de seleção nas estimativas dos diferenciais de rendimentos, a qual poderia ocorrer em virtude de se considerar apenas os assalariados do setor privado.14 14 Não apenas todos os trabalhadores deveriam ser considerados, mas também aqueles que estão fora do mercado de trabalho. Para uma discussão recente sobre o viés de seleção, nos salários de homens e mulheres, por não se considerar os adultos que não participam do mercado de trabalho, no caso brasileiro, ver Kassouf (1994). Por outro lado, pouca atenção foi dedicada à distinção entre os fatores que determinariam os menores rendimentos observados tanto para as mulheres como para os não-brancos. De qualquer forma, porém, acreditamos que estudos, como o aqui realizado, possam contribuir para uma melhor compreensão da questão, se não por fornecer respostas, por motivar outras investigações.

Este estudo, “confirmando” trabalhos anteriores, constata que, em média, tanto os salários dos homens são superiores aos das mulheres como os salários dos indivíduos de cor branca são superiores aos de cor preta e parda; mesmo após a realização de uma série de controles, no caso: idade, anos de estudo, região de residência e cor (gênero). Tais evidências são encontradas tanto para o conjunto das regiões metropolitanas como para cada uma dessas regiões, separadamente. Os diferenciais por gênero revelaram-se mais homogêneos entre as regiões, do que os diferenciais por cor (brancos e não-brancos). A região com maior diferenciação salarial por gênero (Belém) possui um diferencial 1,62 vezes maior que a região com a menor diferenciação (Rio de Janeiro), enquanto a região com maior diferenciação salarial por cor (Salvador) possui um diferencial 5,41 vezes maior que a região com a menor diferenciação (São Paulo).

Para o conjunto das regiões metropolitanas, os indivíduos de cor preta apresentaram um salário inferior aos de cor parda. Esse diferencial, apesar de pequeno (-6,39%), mostrou-se estatisticamente significativo. Entretanto, tomando as regiões separadamente, este resultado só pode ser confirmado para Salvador e Belo Horizonte.

Quando nenhum controle é realizado, para o conjunto das regiões, os diferenciais de salários são muito mais elevados entre os grupos de cor do que entre os grupos de gênero: os salários dos indivíduos de cor branca são, em média, 143,72% maiores que os de cor preta, enquanto os salários dos homens são, em média, 58,38% maiores que os das mulheres. Contudo, quando os controles são efetuados essa posição se inverte: o diferencial entre indivíduos de cor branca e de cor preta se reduz para 26,30%, enquanto o diferencial entre homens e mulheres passa a 59,83%. Este padrão é mantido quando se analisa cada uma das regiões separadamente.

Procuramos, ainda, averiguar se as regiões que apresentam maiores diferenciais por cor são também aquelas nas quais os diferenciais por gênero são mais elevados. Entretanto, nenhuma correlação neste sentido foi encontrada. Da mesma forma, investigamos a relação entre os diferenciais de salários dos grupos de cor e gênero e a proporção destes grupos na população. Neste caso, a relação sugerida é inversa: quanto maior a proporção dos “grupos salarialmente favorecidos”, em cada região, menor o diferencial de salários a seu favor. Contudo, os coeficientes de correlação se mostraram não muito elevados, o que torna duvidosa qualquer conclusão.

Outro aspecto, diz respeito ao comportamento dos diferenciais de salários perante as variáveis de controle, em especial idade e anos de estudo. Com relação aos grupos de cor, o diferencial de salários, entre brancos e não-brancos, não se revelou sensível a variações na idade e apresentou uma taxa de crescimento, em torno de 3,03%, por ano de estudo. Isto, associado ao fato de os não-brancos apresentarem uma menor média de anos de estudo, poderia sugerir a plausibilidade da hipótese de discriminação antecipada: devido a uma menor taxa de retorno por ano de estudo, os não-brancos poderiam sentir-se menos estimulados à adquirir maiores níveis de educação formal. Em virtude disso, averiguamos se as regiões com maiores taxas de crescimento dos diferenciais de salários por ano de estudo, entre brancos e não-brancos, apresentariam, também, um diferencial médio de anos de estudo mais elevado. Contudo, tal correlação não pode ser sugerida a partir dos resultados obtidos.

Quanto aos grupos de gênero, o diferencial de salários se mostrou sensível tanto a variações na idade como a variações nos anos de estudo. Neste último caso, o diferencial de salários entre homens e mulheres decresce à uma taxa de 1,00% por ano de estudo. Como as mulheres apresentaram uma maior média de anos de estudo, a hipótese de que os grupos com maiores taxas de retorno de escolaridade acumulam mais educação formal poderia ser, novamente, levantada. No entanto, a utilização desse argumento para explicar os diferenciais por gênero parece menos plausível. De qualquer modo, procuramos verificar a correlação para as diversas regiões metropolitanas. Os resultados obtidos apontam para uma correlação positiva entre as variações dos diferenciais de salários por ano de estudo, entre homens e mulheres, e as respectivas diferenças nos anos médios de estudo. Neste caso, os coeficientes de correlação situaram-se em níveis não tão reduzidos como para os grupos de cor.

Com relação à. sensibilidade observada do diferencial de salários, por gênero, frente a variações na idade, sugerimos que a mesma poderia indicar uma não similaridade na relação idade-experiência profissional, entre homens e mulheres. Entre os argumentos levantados, destacamos a maior descontinuidade das mulheres no mercado de trabalho e, por conseguinte, na aquisição de experiência profissional - decorrência de sua posição no contexto da unidade familiar. Entretanto, como o diferencial de salários foi controlado pela idade e não pela experiência, parte do diferencial observado poderia ser explicado pela divergência em tal relação entre homens e mulheres. Na tentativa de averiguar essa possibilidade, foram calculados os diferenciais por gênero, separadamente, para seis grupos de idade, dentro de uma mesma faixa educacional. A relação idade-experiência deveria apresentar uma maior similaridade entre os mais jovens, supondo-se que as mulheres jovens possuam ligações familiares menos “restritivas”, o que deveria se traduzir num menor diferencial de salários a favor dos homens. O diferencial observado para o grupo mais jovem, como esperado, foi o menor. Contudo, para todos os grupos de idade os diferenciais, entre homens e mulheres, mostraram-se positivos e relativamente elevados.

Por fim, resolveu-se incluir os indivíduos de cor amarela apenas na análise dos diferenciais por cor para a região metropolitana de São Paulo. O ponto que merece destaque é que este grupo possui, em média, um nível de salário e anos de estudo muito superiores ao apresentado pelos demais grupos. Entretanto, quando os diversos controles são realizados, não conseguimos evidências capazes de diferenciar os salários dos indivíduos de cor amarela dos demais grupos de cor.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • BRUEGEL, I. (1987) “Labour Market Discrimination”. In Eatwel, J., Milgate, M. & Newman, P. The New Palgrave: A Dictionary of Economics. London, The Macmillian Press Limited.
  • CAIN, G.G. (1986) “The Economic Analysis of Labor Market Discrimination: A Survey”. In Ashenfelter, D. & Layard, R. Handbook of Labor Economics. North-Holand.
  • CAMARGO, J.M. & SERRANO, F. (1983) “Os dois mercados: homens e mulheres na indústria brasileira”. Revista Brasileira de Economia, 37(4).
  • CASTRO, C.M. (1980) “O preço da cor: diferenciais raciais na distribuição de renda no Brasil - comentário”. Pesquisa e Planejamento Econômico, 10, (3).
  • KASSOUF, A.N. (1994) “The Wage Rate Estimation Using the Heckman Procedure”. Revista de Econometria, v. 14, nº 1.
  • RUBERY, J. (1987) “Women’s Wages”. In Eatwel, J., Milgate, M. & Newman, P. The New Palgrave: A Dictionary of Economics. London, The Macmillian Press Limited.
  • SILVA, N. V (1980a) “O preço da cor: diferenciais raciais na distribuição de renda no Brasil”. Pesquisa e Planejamento Econômico, 10 (1)
  • SILVA, N. V (1980b) “O preço da cor: diferenciais raciais na distribuição de renda no Brasil - réplica”. Pesquisa e Planejamento Econômico, 10, (3).
  • 1
    Para o caso do Brasil ver, por exemplo, Silva (1980aSILVA, N. V (1980a) “O preço da cor: diferenciais raciais na distribuição de renda no Brasil”. Pesquisa e Planejamento Econômico, 10 (1)) e Camargo e Serrano (1983CAMARGO, J.M. & SERRANO, F. (1983) “Os dois mercados: homens e mulheres na indústria brasileira”. Revista Brasileira de Economia, 37(4).). Para os EUA ver, Cain (1986CAIN, G.G. (1986) “The Economic Analysis of Labor Market Discrimination: A Survey”. In Ashenfelter, D. & Layard, R. Handbook of Labor Economics. North-Holand.).
  • 2
    Para uma discussão acerca dos diferenciais de salários, observados para o Brasil, entre indivíduos brancos e não-brancos, como uma evidência de discriminação no mercado de trabalho, ver a controvérsia Silva (1980aSILVA, N. V (1980a) “O preço da cor: diferenciais raciais na distribuição de renda no Brasil”. Pesquisa e Planejamento Econômico, 10 (1)), Castro (1980CASTRO, C.M. (1980) “O preço da cor: diferenciais raciais na distribuição de renda no Brasil - comentário”. Pesquisa e Planejamento Econômico, 10, (3).) e Silva (1980bSILVA, N. V (1980b) “O preço da cor: diferenciais raciais na distribuição de renda no Brasil - réplica”. Pesquisa e Planejamento Econômico, 10, (3).).
  • 3
    O IBGE considera quatro categorias para o indivíduo se classificar quanto à característica cor: branca, preta, parda (incluindo-se nesta categoria o indivíduo que se declarou mulato, índio, mameluco ou cafuso); e amarela (compreendendo-se nesta categoria o indivíduo que se declarou de raça amarela). Contudo, essa classificação não permite, dentro da categoria parda, a identificação de indivíduos descendentes de raça negra ou indígena.
  • 4
    A variável idade ao quadrado foi incluída para captar o decréscimo de renda que provavelmente ocorre quando o indivíduo atinge determinada idade, em virtude de uma redução na produtividade do trabalho. Assim, o sinal esperado seria positivo para a idade e negativo para a idade ao quadrado.
  • 5
    O estudo de Silva refere-se aos diferenciais de salários por cor. A sua fonte de dados é o censo brasileiro de 1960. A amostra utilizada é constituída por homens não frequentando a escola, com idades de 10 a 64 anos, pertencentes a grupos de cor branca, mulata e negra e residentes nos antigos estados da Guanabara e do Rio de Janeiro.
  • 6
    Por exemplo, admita que apenas a idade e duas regiões são consideradas. I1 é uma variável dummy que é igual a 1 quando o indivíduo é branco e I2 é outra variável dummy que é igual a 1 quando o indivíduo reside na região 2. A equação de salários seria:
    log W 1 = α 1 + α 2 I 1 + ( β 1 + β 2 I 1 ) I D A D E 1 + ( β 3 + β 4 I 1 ) I D A D E 2 1 + ( β 5 + β 6 I 1 ) I 2 + e i
    e, portanto o diferencial de salário esperado seria dado por:
    D I F 1 = α 2 + β 2 I D A D E 1 + β 4 I D A D E 2 1 + β 6 I 2
  • 7
    O procedimento adotado foi regredir, via mínimos quadrados ordinários, o logarítimo dos salários contra as variáveis Idade, Idade2, e as variáveis dummy de cor, gênero e regiões.
  • 8
    Uma regressão de salários, similar à apresentada na tabela 5 (equação 1), foi estimada separadamente: uma apenas para os brancos e outra apenas para os não-brancos. No primeiro caso, os salários apresentaram uma taxa de crescimento por ano de estudo de 16,11%, enquanto no segundo, uma taxa de 12,70%. Para uma discussão mais elaborada sobre a taxa de retorno da escolaridade de brancos e não-brancos, ver Silva (1980aSILVA, N. V (1980a) “O preço da cor: diferenciais raciais na distribuição de renda no Brasil”. Pesquisa e Planejamento Econômico, 10 (1)).
  • 9
    Para uma discussão sucinta acerca da hipótese de discriminação antecipada ver Bruegel (1987BRUEGEL, I. (1987) “Labour Market Discrimination”. In Eatwel, J., Milgate, M. & Newman, P. The New Palgrave: A Dictionary of Economics. London, The Macmillian Press Limited.).
  • 10
    Note-se que a hipótese de discriminação antecipada parece não ter plausibilidade para o caso das mulheres. Aqui ocorre o contrário, as mulheres “possuem” uma maior taxa de retorno por anos de estudo e são, em média, mais “educadas” do que os homens. Quando a regressão de salários (similar à equação 1) foi estimada, separadamente, apenas para as mulheres e apenas para os homens, a taxa de crescimento dos salários por ano de estudo apresentou-se em torno de 15,40%, no primeiro caso, e 14,29%, no segundo.
  • 11
    Para uma discussão sucinta de tais questões, ver Rubery (1987RUBERY, J. (1987) “Women’s Wages”. In Eatwel, J., Milgate, M. & Newman, P. The New Palgrave: A Dictionary of Economics. London, The Macmillian Press Limited.).
  • 12
    A equação estimada foi o logarítimo dos salários contra as variáveis dummy de cor, gênero e regiões.
  • 13
    A participação dos indivíduos de cor amarela foi de 1,2% para São Paulo; 0,7% para Curitiba; 0,4% para Salvador; 0,1% para Belém, Recife, Belo Horizonte, Porto Alegre e Rio de Janeiro; e 0% para Fortaleza.
  • 14
    Não apenas todos os trabalhadores deveriam ser considerados, mas também aqueles que estão fora do mercado de trabalho. Para uma discussão recente sobre o viés de seleção, nos salários de homens e mulheres, por não se considerar os adultos que não participam do mercado de trabalho, no caso brasileiro, ver Kassouf (1994KASSOUF, A.N. (1994) “The Wage Rate Estimation Using the Heckman Procedure”. Revista de Econometria, v. 14, nº 1.).
  • 15
    JEL Classification: J31; J71.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 1998
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