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A agenda de médio prazo no Brasil e o futuro da Petrobrás* * Uma versão preliminar do artigo foi lida por Ana Siqueira, Armando Castelar Pinheiro, Bruno Freire, Clarissa Lins, José Cláudio Linhares, José Márcio Camargo, Licínio Velasco Jr., Mário Pina. Nicolás Gadano, Rodrigo Fiães e por um parecerista anônimo da Revista de Economia Política. Os comentários de todos eles enriqueceram o conteúdo final do trabalho. Contudo, como de praxe, os erros porventura remanescentes são de responsabilidade exclusiva dos autores.

The medium-term agenda in Brazil and the future of Petrobrás

Resumo

Este artigo discute a possível privatização da Petrobrás. Argumenta-se que, apesar das razões econômicas que recomendam sua venda, provavelmente os pré-requisitos para ela não existirão no curto prazo. O objetivo do artigo é contribuir para a discussão desta proposta, através da organização dos argumentos relacionados à privatização - o “modelo YPF”. A alternativa é o “modelo PDVSA”, abrindo o setor de petróleo, mantendo a Petrobrás uma empresa estatal. Por fim, são sugeridas algumas questões para reflexão e apresentados alguns dados associados ao valor real da empresa.

Palavras-chave:
Privatização; Petrobrás; política industrial

Abstract

This paper discusses the possible privatization of Petrobrás. It is argued that, despite the economic reasons that recommend its sale, probably the prerequisites for it will not exist in the short term. The purpose of the paper is to contribute to the discussion of this proposal, through the organization of the arguments related to the privatization - the “YPF model”. The alternative is the “PDVSA model”, opening up the oil sector, with Petrobrás remaining a State-owned company. Finally, some issues for reflection are suggested and some data associated with the company’s actual value are presented.

Keywords:
Privatization; Petrobrás; industrial policy

1. INTRODUÇÃO

O tema da privatização passou a frequentar, com intensidade cada vez maior, a agenda de debates econômicos no Brasil desde o início dos anos 80, a ponto de se tornar um dos assuntos dominantes no conjunto de reformas adotadas no Brasil nos anos 90, abrangendo, entre outros, a desestatização, a abertura econômica e o acordo da dívida externa. Nesse contexto, o objetivo deste artigo é abordar e desenvolver de modo organizado alguns aspectos relacionados com a possível privatização da Petrobrás, procurando contribuir para um debate que está apenas começando, mas que poderá ocupar um espaço importante na agenda do país, a médio prazo.

No processo brasileiro de desestatização, podem ser distinguidas três fases. Na fase inicial, que correspondeu aos anos 80, foram feitas re-privatizações de empresas isoladas que tinham caído em poder do Estado por motivos alheios a uma estratégia geral de estatização da economia. Tratou-se, em geral, de empresas de porte pequeno ou médio, que no total dos pouco menos de quarenta processos da década, geraram uma receita total de vendas inferior a US$ 1 bilhão.1 1 Para uma análise da privatização nos anos 80, ver Pinheiro e Chrysostomo (1991). A fase seguinte, na primeira metade dos anos 90, caracterizou-se pela privatização de setores industriais tradicionalmente estatais - siderurgia, petroquímica e fertilizantes. Foram processos variados, mas em alguns casos envolvendo empresas grandes, com valores de até US$ 1,5 a 2 bilhões2 2 Para uma análise desta segunda fase, ver Pinheiro e Giambiagi (1994) e Mello (1994). . A terceira fase iniciou-se em 1995 com a privatização da Escelsa e envolve a privatização de serviços públicos.

Vendida a Vale do Rio Doce em 1997 e com os processos de alienação das empresas da Eletrobrás e da Telebrás já iniciados ou com perspectivas concretas de se iniciar a curto prazo, é natural que, em decorrência disso, se indague acerca do que irá acontecer, a longo prazo, com a quarta grande empresa estatal (EE) do setor produtivo estatal (SPE): a Petrobrás.

Cabe lembrar, a propósito, que a discussão a respeito da abrangência da desestatização tem se aprofundado ao longo do tempo. De fato, nos anos 80, quando a privatização no Brasil estava apenas começando, era politicamente inviável, por exemplo, pensar em vender a Usiminas, que, entretanto, acabou indo a leilão em 1991. Já na primeira metade dos anos 90, quando todo o setor siderúrgico estava sendo privatizado, não havia condições legais nem políticas de privatizar as telecomunicações, que atualmente o governo pretende desestatizar até 1998. Agora, na segunda metade dos anos 90, quando a privatização de setores como energia elétrica e telecomunicações está na ordem do dia, não há ainda condições de privatizar a Petrobrás. Contudo, o número de vozes em defesa dessa ideia tem aumentado e não é descartável que a proposta venha a ser debatida mais intensamente, com alguma chance de se tornar realidade a médio prazo.3 3 Em 1996, por exemplo, duas importantes autoridades - o presidente do BNDES e o diretor da Área Externa do Banco Central- se manifestaram, em tese, pessoalmente favoráveis à privatização da Petrobrás.

No futuro imediato, a ausência de uma maior discussão a respeito da eventual privatização da Petrobrás é compreensível, por um conjunto de motivos. Em primeiro lugar, ao ser votado o fim do monopólio por ocasião da reforma constitucional de 1995, o presidente da república, Fernando Henrique Cardoso, assumiu o compromisso político de, naquela ocasião, manter a Petrobrás sob controle estatal, compromisso esse que se traduziu na legislação complementar recentemente aprovada pelo Congresso Nacional e que preserva na lei o caráter estatal da Petrobrás. Em segundo lugar, após a aprovação da mudança do texto constitucional que tratava do monopólio da Petrobrás, é preciso estabelecer um ambiente de competição no setor de petróleo, tarefa que está apenas se iniciando e sem a qual a privatização da empresa correria o risco de apenas substituir um monopólio público por outro privado. Em terceiro lugar, devido ao congestionamento da agenda de votações sobre temas polêmicos no futuro próximo, é compreensível, por uma questão de estratégia, que não se abram novas frentes de batalha. Por último, a história recente das reformas no Brasil tem sido pautada pelo gradualismo e, nesse sentido, é lógico que o país priorize a conclusão dos processos de privatização já iniciados ou em vésperas de se iniciar.

Em relação a este último ponto, a agenda da privatização de 1997-9 deverá ser dominada por dois setores: telecomunicações e energia elétrica. No caso do primeiro setor, espera-se que as mais de 25 empresas subsidiárias da Telebrás sejam reorganizadas em cinco ou seis empresas regionais que, a seguir, seriam privatizadas. Por sua vez, a privatização das quatro empresas federais da área de geração de energia elétrica subsidiárias da Eletrobrás requer a venda das empresas estatais estaduais distribuidoras de energia elétrica, venda que deverá se intensificar em 1997. Consequentemente, após vendidas Furnas e Eletrosul no início de 1998, as outras duas empresas federais - CHESF e Eletronorte - provavelmente só estarão em condições de ser privatizadas na segunda metade de 1998.

Uma vez executado esse cronograma, o governo - qualquer que ele seja- estaria em condições de encarar o desafio de privatizar a Petrobrás. O momento preciso da eventual privatização da empresa, contudo, dependerá de uma série de fatores, a serem abordados no texto. O que se pretende com o artigo é justamente contribuir para a discussão do tema da privatização, na medida em que é desejável que a eventual venda da empresa seja antecedida de uma discussão tão rica quanto possível em torno do assunto.

O trabalho está organizado da seguinte maneira: após esta introdução, expõe-se a rationale teórica da privatização em geral e, logo a seguir, tenta-se reproduzir os argumentos favoráveis à estatização, no caso específico do setor de petróleo. Na quarta seção, defende-se a tese de que a continuidade da defesa da natureza estatal da Petrobrás, inclusive a longo prazo, relaciona-se mais fatores políticos do que com causas de natureza econômica. Posteriormente, discute-se a experiência internacional referente ao setor de petróleo em dois casos paradigmáticos na América Latina: os da Venezuela e da Argentina. Na sexta seção, discute-se qual pode ser uma estimativa do valor que teria a Petrobrás, caso fosse vendida. Por último, abordam-se algumas questões que deveriam constar de uma agenda mais ampla de reflexão sobre a desestatização da Petrobrás e sintetizam-se as principais conclusões do artigo.

2. A RACIONALIDADE TEÓRICA DA PRIVATIZAÇÃO

Há vários motivos que em geral costumam ser utilizados como justificativa da privatização. A seguir, faremos uma descrição dos principais argumentos levantados em defesa dessa posição4 4 Para uma abordagem teórica da privatização, ver Yarrow (1986) e Vickers e Yarrow (1991). .Há pelo menos dez pontos que costumam ser citados:

  1. Capacitação do setor privado. A ideia básica deste argumento é que o Estado não deveria se dedicar a atividades nas quais o setor privado estivesse plenamente capacitado a operar. Este argumento foi inicialmente utilizado para a crítica à atuação estatal em áreas nas quais ela constituía uma evidente aberração - por exemplo, editoria gráfica -, depois estendido a outras áreas, como a siderurgia e agora vem sendo utilizado também para a área de serviços públicos, como energia elétrica e telecomunicações.

  2. Redução da dívida pública. A utilização da receita de venda de ativos para o cancelamento de passivos reduz a vulnerabilidade financeira do governo, além de, eventualmente, poder acarretar também um benefício fiscal, quando a taxa de juros da dívida cancelada é maior do que a rentabilidade dos investimentos do Tesouro na forma de propriedade de empresas públicas.

  3. Retomada dos investimentos por parte das empresas privatizadas. A ideia é que o setor público, premido pela situação fiscal e com dificuldades de obter crédito, não teria condições de arcar com o volume de investimentos requerido para que o país possa crescer a uma taxa sustentada relativamente alta. Consequentemente, a venda de empresas para o setor privado permitiria a retomada dos seus investimentos, na forma de aportes de capital - que dificilmente ocorreriam caso continuassem sujeitas ao controle estatal - e/ou do maior endividamento que essas empresas poderiam ter. Este argumento tem sido utilizado com particular intensidade no caso de empresas com grandes necessidades de investimento, principalmente na infraestrutura.

  4. Modernização do parque industrial do país. O argumento é similar ao anterior, mas se relaciona com o esforço de investimento, não apenas para aumentar o volume quantitativo de produção, mas também para elevar os níveis de produtividade, através da incorporação de novas tecnologias, destinadas a aumentar a competitividade dos produtos produzidos no país.

  5. Concentração das atividades governamentais na provisão de bens e serviços tipicamente públicos. O argumento, neste ponto, é complementar ao de (i), porém sob a ótica da alocação eficiente de recursos humanos, entendendo-se que o governo deveria concentrar os seus esforços e os seus recursos naquelas áreas que lhe são inerentes, tais como a educação, a saúde, a justiça, a segurança e as atividades de regulação.

  6. Fortalecimento do mercado de capitais. Isto seria conseguido mediante a ampliação da colocação de ações junto ao público, com o tríplice benefício de aumentar o capital e as possibilidades de investimento das empresas, elevar a poupança doméstica e democratizar o mercado de capitais.

  7. Aumento da eficiência microeconômica. A hipótese subjacente a este argumento é que a empresa, sob controle privado, livre das injunções do controle estatal - como a repressão tarifária, a nomeação de apadrinhados políticos, a realização de investimentos não-rentáveis e/ou a imposição de controles administrativos prejudiciais ao dinamismo da empresa -, tende a ser mais ágil e eficiente do que a mesma empresa era antes de ser vendida5 5 As indicações disponíveis após a ainda incipiente experiência de privatização, no caso brasileiro, sugerem que, de fato, as empresas estatais privatizadas se tornaram mais eficientes depois da sua venda (Pinheiro, 1996). .

  8. Redução do déficit público. Este efeito é uma decorrência do ponto (vii), pois, admitindo que a empresa seja mais ágil e eficiente após a sua venda, o setor privado estaria disposto a pagar por ela um valor maior que o que ela vale para o governo, na medida em que a taxa de retorno privada for maior do que a taxa de retorno passível de ser verificada se a empresa permanecesse estatal. Paralelamente, isto geraria um maior nível de arrecadação de tributos para os cofres do Tesouro Nacional do que a receita de impostos observada antes de a empresa ser vendida. Ambos os efeitos implicam um benefício fiscal na forma de redução das necessidades de financiamento do setor público (NFSP)6 6 Para uma análise deste ponto, ver Giambiagi e Pinheiro (1997). .

  9. Estímulo à concorrência. Este é um argumento típico dos casos em que a atividade na qual o Estado participa é um monopólio ou um oligopólio. A ideia é que um ambiente mais competitivo implicará uma luta acirrada pelo mercado, com redução de custos do setor e aumento de eficiência microeconômica,

  10. Exemplo internacional. A ampla participação do Estado na economia seria herança de uma época na qual, seja pelo predomínio das ideias keynesianas em nível mundial e/ou pelo escasso amadurecimento do capital nacional, tal fato era comum em diversos países. Entretanto, após a onda de privatização iniciada no governo da sra. Thatcher na Inglaterra, combinada com: (a) a existência de processos similares em outros países europeus com tradição estatal - casos, por exemplo, da França e da Espanha; (b) os importantes processos de privatização em outros países da região latino-americana, como Chile, Argentina, México ou Peru; e ( e) genericamente, a derrubada do muro de Berlim, com todas as suas implicações ideológicas relacionadas com a atuação estatal na economia, de acordo com o argumento, a estatização deveria ser revista e o Brasil deveria se mirar no exemplo de outros países.

Os primeiros seis pontos figuram explicitamente como objetivos do Programa Nacional de Desestatização (PND), no artigo primeiro da Lei 8.031, de 1990, que representa o marco jurídico geral que serve de base à privatização no Brasil. De qualquer forma, os pontos restantes (vii) a (x) poderiam ter sido incorporados, com uma ou outra pequena mudança de redação, ao referido artigo, uma vez que são perfeitamente consistentes com o discurso das autoridades, dos empresários, dos economistas e da mídia que têm acompanhado o debate sobre a privatização no Brasil nos últimos anos. A seguir, iremos contrapor esses argumentos com aqueles em geral levantados em defesa da conservação do caráter estatal da Petrobrás.

3. A ARGUMENTAÇÃO EM FAVOR DO CARÁTER ESTATAL DA PETROBRÁS

Os argumentos tradicionalmente utilizados em defesa da participação estatal na economia relacionam-se com a existência de falhas de mercado, que exigiriam a intervenção de um agente exógeno - o governo-, como forma de impulsionar a economia, especialmente no caso daqueles setores nos quais o setor privado não estaria em condições ou não teria interesse em investir7 7 Para uma abordagem histórica da questão, ver Gerschenkron (1962). .

No Brasil, mais especificamente, os defensores do papel do Estado costumavam se referir ao mesmo como sendo estritamente complementar ao do setor privado, no sentido de que este não concorreria com o governo pelo mesmo espaço. O Estado, portanto, atuava - de acordo com essa visão - naqueles setores caracterizados por: (a) elevado montante de capital; (b) longa maturação do investimento; e (c) baixa rentabilidade. Exemplos históricos disso seriam, tipicamente, as indústrias básicas e parte da infraestrutura.

Estes argumentos, independentemente da sua validade ou não em épocas passadas, não são incompatíveis com a aceitação da privatização, bastando para isso que se comprove que o setor privado tem condições e interesse em entrar em um setor no qual o Estado era o agente por excelência. Em outras palavras, aquelas ideias servem tanto para explicar a natureza estatal da siderurgia entre as décadas de 40 e 80 - quando o setor privado não tinha participação relevante no setor-, como para justificar a sua privatização nos anos 90 - à luz do interesse e do amadurecimento do setor privado.

No caso específico do petróleo, entretanto, há razões de outra ordem que costumam ser alegadas no Brasil, não só em favor do papel historicamente exercido pelo Estado, mas também em defesa da continuidade do caráter estatal da empresa. Tais razões são, principalmente, as seguintes:

  1. O papel de indutora do desenvolvimento nacional. Alega-se que a empresa, preocupada com questões que vão além da pura e simples procura do lucro, teria uma função estratégica relevante, enquanto geradora de externalidades positivas para o desenvolvimento do país. Exemplos disso seriam o esforço de investimentos em pesquisa, com o qual a empresa sempre esteve comprometida, ou o seu empenho, no passado, em desenvolver uma rede de empresas fornecedoras de capital nacional.

  2. A importância estratégica de fazer investimentos de risco. De acordo com esse raciocínio, o setor privado, avesso ao risco, não estaria disposto a fazer certos investimentos, os quais podem, porém, ser de relevante interesse nacional, caso se revelem bem-sucedidos. A ideia é que as potencialidades do país não seriam plenamente aproveitadas se a empresa fosse privada.

  3. A segurança nacional. Deixar a Petrobrás em mãos privadas e, eventualmente, estrangeiras, tornaria o país muito vulnerável diante de grupos econômicos estrangeiros e até mesmo de outros governos, especialmente em caso de grave conflito, devido ao poder de pressão de quem fornece um produto vital para o transporte em todo o país.

  4. A situação de outros países. Em decorrência de (i) a (iii), alega-se, diversos países teriam o setor de petróleo controlado por uma empresa estatal. Consequentemente, a presença do Estado no setor de petróleo através da Petrobrás deveria ser vista não como um mero capricho estatizante, e sim como a aplicação em nível local do exemplo de vários outros casos nacionais.

A seguir, iremos analisar esses aspectos e interpretar até que ponto eles invalidam os argumentos pró-privatização levantados na seção anterior.

4. A SITUAÇÃO DA PETROBRÁS: LÓGICA FORMAL VERSUS LÓGICA POLÍTICA

A maioria dos argumentos levantados pelos defensores da natureza estatal da Petrobrás foram utilizados por ocasião do debate a respeito da quebra do monopólio do petróleo, quando da votação da Emenda Constitucional sobre a matéria, em 1995. Naquela oportunidade, além de enfatizar a necessidade de levantar maiores volumes de capital para o setor do que aqueles que a Petrobrás estaria em condições de obter, o governo mencionou, em defesa da sua proposta, os argumentos expostos a seguir.

No que diz respeito aos pontos (i) e (ii) da seção anterior, não ficaria claro porque o papel de indutora do desenvolvimento nacional e a realização de investimentos de risco não poderiam ser assumidos por empresas privadas. Uma empresa do porte da Petrobrás inevitavelmente, pelo seu porte, gera desenvolvimento para o país como um todo, com a existência de externalidades positivas em termos de emprego e renda. Ao mesmo tempo, pela natureza do setor, o risco é inerente ao negócio, na medida em que duas variáveis fundamentais para a lucratividade das empresas do setor - a existência ou não de petróleo nas áreas exploradas e o preço futuro do barril - estão sujeitas a uma grande margem de incerteza, embora, no resto do mundo, as empresas privadas tenham uma atuação de destaque. Além disso, mesmo que se concorde com os argumentos (i) e (ii) acima mencionados, a questão é saber até que ponto eles justificam a não-privatização da Petrobrás, em contraposição aos argumentos mencionados na seção 2.

Em relação ao ponto (iii), há dois elementos a considerar. Primeiro, que as mudanças verificadas desde o primeiro choque do petróleo tornam as questões referentes à segurança nacional menos importantes do que há 25 anos. De fato, na configuração atual do mercado mundial de petróleo, a entrada de novos produtores e o estímulo à produção de energias alternativas, além do menor preço real do produto em relação ao dos anos 70, tendem a diminuir o peso dos motivos ligados à segurança nacional como determinantes da propriedade estatal das empresas produtoras de petróleo. E segundo, que o risco de colapso de fornecimento por parte de algum grupo estrangeiro produtor, que eventualmente viesse a participar do controle da Petrobrás, não deve ser entendido como um óbice à privatização, tendo em vista que ele poderia ser evitado mediante a posse, por parte do governo, após a privatização, de uma golden share que obrigasse a empresa a cumprir com determinadas condições de suprimento, sob pena de desapropriação.

Por último, o ponto (iv) da seção 3 é afetado pelas mudanças em cursos em diversos países, tais como, por exemplo, a formação de “associações estratégicas”, da estatal PDVSA venezuelana com grupos estrangeiros ou a privatização da YPF argentina. Além disso, em alguns dos principais países produtores de petróleo, o setor está sob controle do Estado, simplesmente porque a empresa dominante do setor é tão importante, em termos relativos, que chega a ser mais forte do que o próprio governo, o que implicaria uma série de problemas se a empresa fosse privada. No caso brasileiro, embora a Petrobrás seja uma empresa de porte significativo, seu poder relativo não se compara com o que têm, por exemplo, vis-à-vis as respectivas economias, as empresas estatais produtoras de petróleo no âmbito dos países da OPEP.

Neste ponto, cabe introduzir uma ideia central deste artigo, que é o fato de que a maioria dos argumentos utilizados por aqueles que são favoráveis à privatização, em defesa da desestatização dos setores de siderurgia, petroquímica, telecomunicações e energia elétrica, aplica-se também ao caso do petróleo. Paralelamente, uma vez que o Brasil decidiu abrir o setor de petróleo à concorrência, a permanência da Petrobrás enquanto empresa estatal não tem muita lógica e pode acarretar uma série de problemas à empresa pelas maiores facilidades de contratação de pessoal altamente qualificado - inclusive de funcionários da própria Petrobrás - que suas concorrentes vão ter, devido às restrições financeiras do setor estatal. Há, nesse aspecto, um claro paralelo com o caso das telecomunicações, em que, uma vez aberto à competência, as empresas privadas que concorressem com as empresas do Grupo Telebrás teriam grande vantagem sobre estas, do ponto de vista gerencial, podendo contratar a mão-de-obra dessas empresas sem ter incorrido nos custos de formação da mesma, o que foi um dos motivos que levou à decisão oficial de privatizar todo o setor, vendendo as empresas estatais de telecomunicações.

Vejamos então os argumentos de (i) a (x) pró-privatização listados na seção 2 e o paralelo que pode ser feito no caso da Petrobrás:

  1. As empresas privadas poderiam estar plenamente capacitadas para operar no setor após a fase inicial de aprendizado, iniciada com o fim do monopólio.

  2. O potencial de abatimento da dívida pública em decorrência da eventual privatização da Petrobrás é significativo.

  3. Em mãos privadas e livre dos problemas financeiros e das amarras burocráticas próprias do setor público, a Petrobrás provavelmente ampliaria os seus investimentos, pelo maior acesso ao crédito que passaria a ter.

  4. Estando sujeita às regras de sobrevivência de qualquer empresa privada, o processo de modernização da empresa iria se acelerar.

  5. O petróleo não é um bem tipicamente público.

  6. O potencial de fortalecimento do mercado de capitais, caso a Petrobrás fosse privatizada, é evidente, dadas as dimensões da empresa.

  7. Sem os controles de todo tipo aos quais a empresa fica sujeita em função do seu caráter estatal, é razoável admitir que ela se tornaria mais eficiente.

  8. Da mesma forma que no caso de outras empresas, poderia haver algum impacto positivo em termos de redução do déficit público, em função, primeiro, do impacto do fim dos entraves burocráticos e da maior agilidade gerencial, que poderiam gerar um aumento da rentabilidade da empresa - com reflexo no seu preço de venda -; e segundo, do maior recolhimento de impostos a isso associado, além da menor carga de juros pagos pelo Tesouro.8 8 Admitindo que, em caso de cancelamento de dívida, a taxa de juros da dívida paga seja maior do que a rentabilidade das ações detidas pelo Tesouro enquanto acionista controlador

  9. A concorrência poderia ser estimulada, dependendo de quais forem as regras da regulação e do modelo de venda escolhido.

  10. Os casos da Argentina, Peru e o fato de outras empresas internacionais do setor serem privadas dão amparo à tese da privatização da Petrobrás.

Portanto, se (a) parte dos argumentos utilizados em defesa do fim do monopólio podem também servir de justificativa para privatizar a Petrobrás; e (b) os argumentos alegados em defesa da venda de uma Usiminas, uma Vale do Rio Doce ou uma TELESP, para citar apenas alguns casos, são válidos também para a venda da Petrobrás, a pergunta que surge é porque isso não tem constado com mais intensidade da agenda de debates do país9 9 É interessante registrar que mesmo participantes do debate sobre o petróleo, claramente insuspeitos de serem comprometidos com a preservação do status quo, como é o caso de Souza Dias e Pires (1994), esquivaram-se de propor de forma aberta, até recentemente, a privatização da Petrobrás. Em outras palavras, embora o número de pessoas que tem se manifestado nos últimos tempos em favor da tese seja maior do que há alguns anos, ele é certamente menor do que o coro de vozes que no seu momento defenderam a privatização de outras empresas estatais. .

A resposta a isso deve ser encontrada em outro terreno que não o técnico. Como lembram Gerchunoff e Torre a respeito da Argentina, refletindo por sua vez um ponto frisado em Waterbury (1989WATERBURY, J. (1989). “The political management of economic adjustment and reform”, in NELSON, J. (org.), Fragile coalitions: the politics of economic adjustment, Transaction Books.), “una cuestión capital para todo gobierno que lleva a cabo políticas de reforma en un marco institucional democrático es - de acuerdo a John Waterbury - la de calcular de qué manera el proceso de cambio habrá de afectar a los distintos miembros de su coalición de apoyo. Según este autor, la clave en el manejo de una coalicion de gobierno consiste en no antagonizar a muchos grupos o sectores al mismo tiempo” (Gerchunoff e Torre, 1996GERCHUNOFF, P. & TORRE, J.C. (1996). “Argentina: la política de liberalización económica bajo un Gobierno de base popular”. Buenos Aires: Instituto Torcuato Di Tella.: 26, grifos nossos).

Essa ideia referente à estratégia de implementação das reformas deve ser complementada por aquilo que é sintetizado por Velasco Jr. nestas palavras: “Os grupos de interesse, defensores do status quo, se enquadram, genericamente - sejam associações dos funcionários das empresas, sindicatos de classe, ou companhias consumidoras ou fornecedoras - no que Olson denomina de coalizões distributivas. São grupos onde a ação coletiva pode se dar de forma voluntária, por serem pequenos e possuírem metas bem definidas e pouco abrangentes. Ou seja, a mobilização contra as privatizações, por parte destes grupos, tende a ser automática e com alto grau de coesão, o que se contrapõe à mobilização dos que apoiam ou que se beneficiam desta política ... A introdução da reforma requer alguma autonomia em relação aos grupos de pressão. Mas nenhuma reforma pode ter sucesso sem que se apoie em uma nova coalizão de beneficiários, mesmo aquelas que têm como objetivo a redução do papel do Estado na economia. A implementação depende de apoio político de diferentes grupos de beneficiários do setor privado e, pelo menos, da aquiescência das maiores forças políticas que competem dentro do sistema político” (Velasco Jr., 1996VELASCO JR., L. (1996). “As privatizações no Brasil: período 1985/94 - fatores que favoreceram sua implementação”. IUPERJ, mimeo.: 19-20, grifos nossos).

Nesse sentido, quando em 1995 o governo propôs o fim do monopólio do petróleo, a necessidade de ganhar o centro político para a proposta - passível de apoiar o fim do monopólio, mas pouco propenso, na época, a aceitar a privatização da Petrobrás - levou-o a se comprometer com a continuidade da empresa em mãos estatais. Na ocasião, o acordo foi uma solução de compromisso que partiu do pressuposto de que, naquele momento, a prioridade era aprovar o fim do monopólio e não a venda da Petrobrás, tese que fatalmente dividiria a base de apoio parlamentar do governo e que, paradoxalmente, poderia levar à frustração da proposta oficial e à manutenção do status quo. Isto posto, o atual governo ficou inicialmente inibido para dar qualquer passo no sentido de privatizar a empresa. Entretanto, é possível que, mais cedo ou mais tarde, o tema da privatização da Petrobrás venha à tona, motivo pelo qual justifica-se o início do debate em torno da matéria.

5. A EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL E O CONTEXTO LATINO-AMERICANO: OS CASOS DA PDVSA E DA YPF

Depois do segundo choque do final dos anos 70 e, mais ainda, a partir do “contra-choque” de 1986, o setor de petróleo conheceu uma série de mudanças no cenário mundial, tanto na sua estrutura de mercado e determinação de preços como nas estruturas de controle e gestão das empresas. Há vários exemplos disso: o desenvolvimento dos mercados de Bolsa para o petróleo - Londres, Nova York, Cingapura - ; a integração vertical no downstream em nível internacional de grandes produtores de petróleo - Arábia Saudita, Venezuela, Kuwait etc. - a reabertura do upstream de alguns dos grandes produtores a empresas estrangeiras -Argélia, Venezuela-, a realização de joint-ventures entre países produtores e empresas estrangeiras, as privatizações parcial ou total - como na Argentina - etc10 10 Para uma análise das mudanças no setor de petróleo a nível mundial e do papel da OPEP, ver Ayoub (1994, a e b) e Boussena (1994). .

No contexto dessas mudanças e do aparecimento de casos de privatização de empresas de petróleo em outros países, nesta seção procuraremos apresentar as trajetórias diferentes que percorreram duas grandes empresas de petróleo na América Latina: a PDVSA, na Venezuela; e a YPF, na Argentina11 11 Na América Latina, estes são dois dos casos mais importantes de estratégias alternativas, de certa forma representativos do universo composto pelas empresas de petróleo da região. A estratégia da PDVSA foi similar à que foi seguida pela CEPE do Equador e pela Ecopetrol da Colômbia, com sua política de associações com empresas estrangeiras, enquanto o caso da YPF se assemelha ao da Petroperu peruana. Cabe fazer a ressalva de que na Colômbia a eventual privatização da empresa estatal está fora da agenda de discussões por envolver questões políticas muito delicadas, entre outras coisas pelo fato de que a empresa opera em áreas de atuação da guerrilha, o que o torna assunto de segurança nacional. Não tratamos do caso da PEMEX mexicana, pelo fato do seu processo de mudanças ter sido interrompido pela crise vivida pelo país desde o final de 1994. De qualquer forma, cabe registrar a aprovação, nesse país, da Lei de 1992, criando quatro “unidades de negócio”, com o surgimento das filiais de exploração e produção, de refino, de gás e de petroquímica de base, e de petroquímica, todas elas dependentes de uma estrutura central de tipo holding, organizada em três divisões - operações, finanças e administração. Para detalhes específicos sobre o caso do México, ver De la Vega (1994). . Ambas enfrentaram nos anos 90 dificuldades sérias com a preservação do status quo prevalecente na época e levaram os respectivos governos à constatação da necessidade de implementar mudanças significativas na atuação e operação dessas empresas. No primeiro caso, o peso das restrições políticas representou uma limitação à abrangência das mudanças que, embora importantes, ficaram restritas à realização de acordos de operação conjunta com empresas privadas. No segundo, as mudanças foram maiores e incluíram a própria privatização da companhia. Os dois casos aqui tratados constituem, portanto, dois modelos entre os quais deverá se dar a discussão acerca do futuro da Petrobrás12 12 Para uma análise sobre o futuro da Petrobrás em um ambiente concorrencial, ver Barboza (1996). .

5.1 O caso da PDVSA13 13 Para o caso da Venezuela, ver Contreras (1994), Domingo, Fargier, Mora, Ramirez, Rojas e Tonella (1996), Mora e Espinasa (1994) e Rodríguez (1994).

A empresa Petróleos de Venezuela Sociedad Anónima (PDVSA) foi criada em 1975, com o objetivo de administrar a indústria de petróleo nacionalizada em 1976. A história da PDVSA pode ser dividida em três etapas. A primeira foi a de sua consolidação e expansão. A segunda refere-se à internacionalização da empresa. A última é a abertura aos capitais privados.

Na primeira etapa, a principal tarefa da PDVSA era coordenar e unificar os diversos estilos de gestão correspondentes, até aquele momento, aos diferentes planejamentos das empresas estrangeiras. Inicialmente, para ganhar confiança e credibilidade no mercado internacional, a PDVSA garantiu a continuidade do abastecimento de petróleo, principalmente para os Estados Unidos e a Inglaterra, que representavam na época 38% das exportações de petróleo da Venezuela. Além disso, ainda do ponto de vista externo, era fundamental manter um bom relacionamento com os antigos concessionários, que controlavam a comercialização e as tecnologias de exploração, produção e refino de petróleo. Para resolver esse problema, foram firmados acordos de comercialização e de assistência tecnológica por um período de quatro anos. As refinarias venezuelanas foram reestruturadas e passaram a refinar o dobro de petróleo pesado. No mercado internacional, PDVSA procurou diversificar suas vendas e passou a exportar 20% de sua produção para a Europa.

Uma vez vitoriosa em sua estratégia de consolidação de empresa holding do petróleo na Venezuela, a PDVSA iniciou sua internacionalização. Esta consistiu na assinatura de acordos de associação com diversas empresas do exterior14 14 Cabe mencionar, entre outros, o acordo pioneiro com a Veba Oil - filial da Veba alemã- e os acordos com a Ab Nymas Petroleum sueca, com a Citgo Petroleum Corporation e com a Union Pacific Corporation. . De um modo geral, eles permitiram à PDVSA ampliar consideravelmente a capacidade de refino fora do país. O total de aquisições feitas pela PDVSA no exterior representou uma capacidade adicional de refino de 1,3 milhões de barris/dia, que somada à capacidade de refino interna - 1,2 milhões de barris/dia - fez da PDVSA a empresa pública dos países membros da OPEP com maior potencial de refino, ultrapassando até grandes empresas como Mobil, BP, Chevron e Texaco. A estratégia de internacionalização transformou a PDVSA em uma empresa essencialmente vendedora de produtos refinados, deixando em segundo plano a venda de petróleo bruto.

No início da década de 90, a PDVSA começou a terceira fase acima mencionada, de abertura interna ao capital privado. A estratégia obedeceu ao fato de que, com a queda do preço do petróleo na década de 80, o fluxo de caixa da PDVSA permitia uma margem de autofinanciamento muito baixa para atender ao investimento de longo prazo. O problema se complicava ainda mais porque muitos campos explorados pela PDVSA estavam próximos do esgotamento. Sem novos investimentos, a produção poderia sofrer uma redução expressiva. Por outro lado, o serviço da dívida externa venezuelana consumia cerca de 1/3 das receitas totais de exportação e 80% da renda petrolífera. Como consequência, o financiamento da PDVSA começou a ser realizado através de um crescente endividamento externo. Desse modo, a empresa concluiu que era preferível associar-se internamente a capitais privados do que contrair uma grande dívida externa. Essa etapa da abertura do setor de petróleo na Venezuela também pode ser subdividida em três fases.

A primeira fase teve início em 1992, quando o Ministério de Energia e Minas celebrou “convênios operativos” ou “contratos de serviço” com o objetivo de explorar campos petrolíferos marginais ou inativos. Isso, porém, não despertou muito entusiasmo por parte dos capitais que o país desejava atrair e foi considerado uma estratégia insuficiente.

Em 1993, deu-se partida à segunda fase, caracterizada por uma participação mais intensa do capital estrangeiro, mediante os “convênios de associação” ou “associações estratégicas”, restritas, contudo, à exploração de petróleos extra-pesados e de gás natural não-associado na costa do país.

Só no final de 1994 é que o governo propôs que a estratégia de estreitar os laços com as empresas estrangeiras fosse levada às últimas consequências e o país abrisse completamente a indústria de petróleo ao capital privado. O novo modelo, conhecido como “marco de convênios de associação para explorar hidrocarburos”, ou sistema de “contratos de partilha”, foi autorizado pelo Congresso em 04/07/1995. No início de 1996, haviam sido licitadas dez áreas entre mais de setenta empresas pré-qualificadas e já foram concedidas oito áreas para os seguintes consórcios/empresas: Mobil/Veba/ Nippon, Conoco, Elf/Conoco, Enron/Inelectra, BP/Amoco/Maxus, Pérez-Companc, Amoco e LL&E/Norcen/Benton. A estimativa é que o processo de abertura do setor de petróleo na Venezuela atraia investimentos privados diretos de cerca de US$ 25 bilhões, nos próximos dez anos.

A estratégia seguida pela Venezuela foi um meio termo entre a continuidade e a privatização. Não sendo politicamente realista alcançar esta última, nas circunstâncias específicas do país e devido aos problemas associados à preservação do status quo e dada ainda a necessidade de novos investimentos, a associação com outras empresas foi a forma encontrada de superar as dificuldades, mesmo preservando a propriedade de capital.

5.2 O caso da YPF15 15 Ver Instituto Liberal (1994).

A empresa Yacimentos Petrolíferos Fiscales (YPF) foi criada em 1922 e em 1955 assumiu o papel de agente especializado da União para as atividades referentes à exploração, produção, refino, transporte e comercialização de petróleo. Em 1958, foi aprovada a Lei 14.773, declarando as reservas de hidrocarbonetos sólidos, líquidos e gasosos de propriedade exclusiva da União. Ainda em 1958, o governo Frondizi anunciou a celebração de diversos contratos entre a YPF e empresas petrolíferas privadas para desenvolver a produção em zonas já em operação no país. A entrada de capitais privados no novo regime associativo permitiu quase triplicar, entre 1958 e 1962, o volume de produção de petróleo na Argentina, com as importações caindo de 57% para apenas 7% do consumo aparente nesses quatro anos, além de o país ter aumentado em 50% as reservas provadas no mesmo período. Em 1963, os contratos foram anulados. Depois disso, a produção estacionou no nível de 1962 e as importações atingiram 21% do consumo aparente de petróleo e derivados em 1965. Em 1967, foi aprovada a Lei 17.319, abrindo espaço para concessões para a exploração e o desenvolvimento privado da produção de petróleo e gás natural, além de permitir à YPF ter contratos de serviço e associações com o capital privado.

A Lei 17 .319 constituiu-se no marco teórico-legal que teve vigência até a época atual, permitindo que, sem necessidade de alterações constitucionais, a desregulamentação da indústria argentina de petróleo pudesse ser levada a cabo nos anos 90. As razões do relativo fracasso da aplicação dessa lei se deveram ao fato de que as concessões de exploração outorgadas à época, por terem sido aplicadas em áreas de interesse marginal, não produziram resultados concretos e as reservas permanecem estancadas no nível de 197316 16 A produção de petróleo em 1977, por sua vez, foi inferior à de 1972. . Diante desses indicadores, em abril de 1978, através da Lei 21. 778, o governo regulamentou a celebração de contratos de risco, mas a falta de ritmo e o escasso interesse técnico-econômico da maioria das áreas de produção licitadas determinaram que a produção, depois de atingir um máximo em 1980, declinasse de forma praticamente contínua até 1987.

No governo Alfonsín, foi anunciada uma nova política para o setor de petróleo, mais conhecida como Plano Houston. Este permitia que as empresas petrolíferas privadas tivessem acesso às licitações públicas, visando à exploração de áreas petrolíferas, ainda que na figura de contratistas. Apesar de as cláusulas contratuais terem conferido certa estabilidade aos acordos e de terem resultado na celebração de mais de 160 contratos, o novo plano não foi plenamente exitoso, por dois motivos. Por um lado, a incerteza política da época, com a provável derrota do governo nas eleições presidenciais de 1989 e o desconhecimento a respeito da política a ser seguida pelo governo seguinte desestimularam investimentos maiores. Por outro, as condições adversas atravessadas pelo mercado internacional de petróleo naquela ocasião também não favoreciam a realização de investimentos mais fortes.

Depois de 1989, entretanto, a edição de uma série de leis e decretos provocou uma transformação radical no setor de petróleo na Argentina, que culminou depois com a privatização da YPF e fez que a produção de petróleo, que tinha crescido a uma média de 1,0% a.a. nos vinte anos entre 1970 e 1990, aumentasse 8,3% a.a. no período 1990-517 17 As leis mais importantes foram a 23.696, de 1989, abrindo espaço para a reforma do Estado; e a 24.145, de 1992, referente à venda pública de ações da YPF. Entre essas duas datas, foram editados vários Decretos, permitindo a venda de áreas de produção marginal e de unidades não-estratégicas, a realização de joint-ventures em áreas centrais, a desregulamentação dos setores de petróleo e gás e a livre disponibilidade do petróleo. .

Na Argentina, a entrada do capital privado produziu um melhor conhecimento geológico das áreas concedidas através da introdução de novos métodos e trabalhos geofísicos. O resultado da participação do capital privado, além do aumento da produção, foi o crescimento das reservas em 29 % de 1990 a 1992. O incremento da produção, por sua vez, esteve associado à modificação de parâmetros operacionais, ao melhor monitoramento dos trabalhos, ao aumento do número de poços perfurados e à incorporação e melhoramento dos processos de recuperação secundária. Apesar de a mudança do ambiente produzida pela participação do capital privado, o caráter estatal da YPF - no contexto das dificuldades fiscais da Argentina - e os antigos problemas de gestão - relacionados com a falta de incentivos para o incremento da eficiência da empresa - continuavam sendo um entrave a um maior dinamismo do setor. Em função disso, programou-se a privatização da empresa, precedida de uma fase de ajustes, para torná-la mais competitiva.

Em 1990, depois de assumir a presidência da YPF, seu presidente considerou que ela valia entre US$ 3 e 4 bilhões e que, após as transformações prévias à privatização, poderia vir a ser avaliada entre US$ 7 e 8 bilhões. Quando a empresa foi privatizada, em 1993, seu valor de mercado em Bolsa era da ordem de US$ 7 bilhões. Para isso, deixou de ser uma companhia com mais de 50 mil funcionários, para ser uma empresa da ordem de 10 mil funcionários. Com tais mudanças, entre 1991-2 e 1993-4, os coeficientes de lucro por patrimônio líquido e de lucro sobre os ativos aumentaram 119% e 66%, respectivamente (Knoop, 1995KNOOP, C. (1995). “YPF Sociedad Anónima”. Harvard Business School, estudo de caso sobre a venda da YPF.)18 18 Em 1990, a empresa registrou US$ 581 milhões de prejuízo. Já em 1991 e 1992, em função dos primeiros resultados da reestruturação iniciada, observou-se um lucro de US$ 253 e 256 milhões, respectivamente, enquanto que em 1993, no primeiro ano depois de completada a reestruturação da YPF, ela obteve um lucro líquido de US$ 706 milhões, quase três vezes superior ao obtido em 1991-2. . Isso foi facilitado pelo fato de que o grau de ineficiência da YPF antes da privatização era tamanho, que certamente sua eficiência aumentaria. De qualquer forma, a mudança de objetivos e os novos incentivos associados à privatização tiveram um papel claramente fundamental na transformação ocorrida.

6. QUANTO VALE A PETROBRÁS?

A Petrobrás é controlada pelo governo federal, que possui 82 % das ações com direito a voto e 52 % das ações totais - tabela 1. No ranking da Petroleum Intelligence Weekly (PIW), a Petrobrás ocupa um lugar privilegiado na lista das maiores empresas de petróleo e gás do mundo. Comparada com as demais empresas latino-americanas, a Petrobrás fica atrás apenas da PEMEX e da PDVSA-ver tabela 2 19 19 Na tabela 2, o ano ao qual se refere a comparação é 1994. No caso da Petrobrás, especificamente, entretanto, a sua produção de petróleo refere-se a 1996. .

Tabela 1
Petrobrás - Composição acionária (%)
Tabela 2
Ranking da PIW

O Brasil possui 29 bacias sedimentares, porém as atuais reservas foram descobertas em somente oito bacias. A bacia mais importante é a de Campos, na qual a Petrobrás tem concentrado seus investimentos nos últimos vinte anos. De acordo com a Petrobrás, as reservas provadas de óleo em março de 1997 eram de 4,8 bilhões de barris e as de gás de 150 bilhões de metros cúbicos. A bacia de Campos é responsável por aproximadamente 80 % do total das reservas e 70 % da produção nacional de petróleo. Embora a produção tenha sido quase quintuplicada a partir do primeiro choque de 1973, isso não foi suficiente para o Brasil atingir a meta da autossuficiência e atualmente o país ainda importa algo mais de 1/3 do total de consumo nacional do produto.

Os segmentos de refino e transporte também são inteiramente dominados pela Petrobrás, que é responsável por 98% da capacidade de refino brasileiro. Segundo estudo recente (Siqueira, 1996SIQUEIRA, A. (1996). “Petrobrás - rating: outperformer”.Banco Icatu, maio.), o refino e o transporte seriam os pontos de maior ineficiência do Sistema Petrobrás. Isso ocorreria por razões técnicas e gerenciais. O segmento de distribuição é o único onde existe a presença de outras empresas além da Petrobrás. O setor de distribuição de derivados de petróleo no Brasil é o maior da América do Sul, movimentando anualmente uma receita de U$ 22 bilhões e investimentos da ordem de U$ 500 milhões. A BR-Distribuidora, pertencente ao Grupo Petrobrás, tem 37% do mercado, enquanto a Shell possui 23% e a Ipiranga, único grupo de capital nacional privado da área, tem 17% do mercado20 20 O resto desta seção está parcialmente baseado no estudo acima citado (Siqueira, 1996).

No que tange ao valor da Petrobrás, seu valor de mercado em Bolsa era de US$ 17 ,3 bilhões, no final de 1996 e de US$ 28,3 bilhões em meados de junho de 1997 - em ambos os casos em dólares da data correspondente-, valorização que acompanhou o mercado de ações21 21 Entre 31/12/1996 e 11/06/1997, o valor de mercado em Bolsa da Petrobrás, em dólares, aumentou 64%, enquanto o índice IBOVESPA, também em dólares, valorizou-se 58%. .

O trabalho de Siqueira (1996SIQUEIRA, A. (1996). “Petrobrás - rating: outperformer”.Banco Icatu, maio.) teve continuidade na forma de um trabalho de atualização, do qual a seguir são mostrados os principais resultados (Siqueira e Brito, 1997SIQUEIRA, A. & BRITO, M. (1997). “Petrobrás - call change from outperformer to market performer”. Banco Icatu, julho.). A atualização consistiu em avaliar o Grupo Petrobrás em três etapas. Na primeira, calculou-se o valor presente, através do fluxo de caixa descontado, das atividades próprias da companhia. Na segunda, estimou-se o valor líquido da soma de fatores que afetam a avaliação da empresa, tais como o valor das subsidiárias - com sinal positivo - ou dos pagamentos de impostos, dividendos etc., a serem feitos conforme provisão do último balanço - com sinal negativo. Finalmente, na terceira, avaliou-se o valor de mercado das possíveis joint-ventures a serem constituídas pela empresa. O passo seguinte consistiu em elaborar três cenários, marcados pelas seguintes características (ver tabela 3):

  • Cenário 1: Baixa flexibilidade. A Petrobrás continuaria estatal, sem fazer joint-ventures e atingindo o nível de produção de 1.350 milhares de barris/dia no ano 200022 22 Este número é inferior à meta de 1.530 milhares de barris/dia com a qual a Petrobrás tem trabalhado para o ano 2000. . Este cenário supõe escassas mudanças em relação à situação atual da empresa, com a crucial exceção da introdução de um ambiente de competição, pela entrada de novos produtores, na medida que a aprovação da nova Lei do Petróleo permitiria a presença de outras empresas em todas. as atividades da cadeia petrolífera. A interferência do governo no setor e na Petrobrás seria bastante reduzida, ampliando o papel das forças de mercado. A introdução da concorrência aumentaria a eficiência da Petrobrás através da redução de custos. Neste cenário, além das atuais empresas nacionais - como Ipiranga - e das estrangeiras - Shell, Esso e Texaco -, surgiriam novos interessados de capital nacional - Odebrecht, OAS etc. - e estrangeiro - Amoco, British Gas, PDVSA, Enron e YPF.

  • Cenário 2: Alta flexibilidade. A Petrobrás também continuaria estatal, tendo a mesma produção que no cenário 1, mas além disso, a partir de 1999, participaria de joint-ventures - com custos inferiores aos da Petrobrás-, na proporção de 40% de uma produção adicional crescente, que começaria sendo de 100 milhares de barris/dia em 1999 e atingiria 900 milhares de barris/dia em 2006. Neste caso, o ambiente de competição seria similar ao do cenário anterior. Entretanto, a empresa participaria dessa nova situação não só aumentando sua eficiência, mas também participando de associações com outras empresas, em moldes similares ao que ocorre na Venezuela com a PDVSA. É, atualmente, o cenário mais provável para o futuro imediato.

  • Cenário 3: Privatização. A Petrobrás seria vendida em 2004, assumindo-se a hipótese de que, em consequência, seu custo do investimento diminua substancialmente. Adicionalmente, adota-se a hipótese de que a participação nas joint-ventures aumentaria para 50%. O cenário implicaria repetir no Brasil a experiência de venda da empresa estatal de petróleo, como ocorreu na Argentina com a YPF.

Tabela 3
Avaliação da Petrobrás (US$ milhões)

Cabe chamar a atenção para as oscilações da relação preço-patrimônio líquido (tabela 4). Tais oscilações sugerem que a cotação das ações em Bolsa não deve ser o critério principal a ser levado em conta se ocorrer a venda da empresa e que, embora a Petrobrás seja cotada em Bolsa, dificilmente se poderia prescindir de uma avaliação muito cuidadosa das perspectivas de evolução do fluxo de caixa da empresa, no momento de definir o preço mínimo.

Tabela 4
Petrobras - Valor do patrimônio líquido e valor de mercado em Bolsa/a (US$milhões)

Os números acima indicam que, se for correta a hipótese de que a Petrobrás, após a privatização - já livre das injunções administrativas que a impedem de atingir o seu potencial-, se tornaria mais lucrativa, a empresa, caso venha a ser privatizada, valeria mais do que em um cenário em que ela continue sendo estatal. O valor efetivo da venda, contudo, vai depender de dois fatores. Por um lado, como a hipótese do cenário 3 é que a privatização ocorra só em 2004 e o Banco Icatu utiliza uma taxa real de desconto de 15%, a vantagem disso em termos de aumento de valor é bastante diluída, quando os benefícios daí decorrentes são trazidos a valor presente. Isso significa que, se a empresa fosse privatizada antes, o valor seria superior aos US$ 28 bilhões da tabela 3. Por outro, em nenhum dos três cenários se desconta o desequilíbrio atuarial do fundo de pensão da Petrobrás, o que é um fator de risco que deprimiria os valores de venda, em relação ao fluxo de caixa descontado reportado na tabela 3. A resultante de ambos os fatores sobre o valor da empresa, caso esta venha a ser vendida antes de 2004, é ambígua.

7. COMENTÁRIOS FINAIS

A privatização da Petrobrás está fora da agenda econômica e política do país, no futuro imediato. Em primeiro lugar, porque o compromisso do presidente da república de não privatizar a empresa se traduziu na preservação do seu caráter estatal, na recentemente aprovada lei que regulamentou o fim do monopólio. Em segundo, porque mesmo que o governo fosse favorável à tese, há outras questões relevantes que o Congresso deve decidir a curto prazo e, estrategicamente, não seria recomendável abrir uma frente de batalha referente a matéria tão polêmica. E, last but not least, a privatização dos setores elétrico e de telecomunicações - que concentrará as atenções do governo no futuro imediato - deverá se estender até 1998-9.

Entretanto, a mesma lógica econômica que conduz à defesa da tese da privatização para os setores que foram ou estão sendo privatizados, é igualmente válida para o caso do setor de petróleo. Dito de outra forma, a inclusão da Petrobrás no PND seria um ato coerente com a mesma filosofia que levou à privatização das dezenas de empresas que foram vendidas desde que o programa foi criado ou que deverão ser leiloadas entre 1997 e 1999.

Se as restrições políticas à privatização da Petrobrás prevalecerem no Brasil, a empresa deverá seguir uma estratégia similar à da PDVSA. Já se tais restrições forem removidas, a médio/longo prazo é possível que a Petrobrás seja vendida, assim como a YPF. Em qualquer situação, merece ser destacado que, dependendo da modalidade de venda, a receita do governo na privatização da Petrobrás poderia ser da ordem de US$ 18 bilhões, a preços de julho de 1997. Este número representa 63% - ou seja, a soma das participações do Tesouro e do BNDES no capital total - do valor da empresa no cenário de privatização da tabela 3, de US$ 28 bilhões.

A possibilidade de a Petrobrás vir a ser vendida dependerá em parte da existência de dois pré-requisitos técnicos importantes. São eles:

  • A continuidade das mudanças pelas quais vem passando o mercado mundial de petróleo, tais como a entrada de novos produtores, o uso de energias alternativas e o desenvolvimento dos mercados futuros, que tendem a diminuir a possibilidade de ocorrer um colapso do fornecimento e tornar os preços mais estáveis, diminuindo a justificativa para o Estado atuar como produtor no setor.

  • O estabelecimento de um ambiente regulatório apropriado23 23 Para algumas destas questões, ver Rigolon (1997). .

Este último ponto é crucial. De fato, tão importante quanto a propriedade, é o grau de competição existente no mercado24 24 Ver Gerchunoff (1992). . Neste sentido, cabe frisar que nem as características do mercado, nem as restrições ao grau de competição eventualmente existentes, são removidas, per se, mediante a privatização. Em outras palavras, é importante registrar que uma coisa é tornar uma empresa mais eficiente e outra, muito diferente, é aumentar a eficiência econômica e preservar o interesse do consumidor. A privatização costuma ter bons resultados em relação ao primeiro aspecto, mas os outros dois não podem prescindir da presença reguladora do Estado. Note-se que, no caso do petróleo, o instrumento da regulação deverá ser muito bem utilizado, principalmente no momento da definição do modelo de privatização. Essa regulação, ao contrário da de outras áreas sujeitas ao controle de agências específicas, terá que ter como preocupação básica muito mais a estrutura de mercado que o controle de preços25 25 Cabe lembrar que, ao contrário dos setores elétrico e de telecomunicações, o setor de petróleo não apresenta características de monopólio natural. Portanto, após a sua privatização, a política de preços dos derivados deverá ser livre para todos os segmentos de mercado, tomando-se como referência o mercado internacional. Enquanto isso, no setor elétrico, por exemplo, os preços da energia para o mercado residencial necessitam de uma regulação específica, dada a existência de um monopólio natural.

Note-se que, ao falar em regulação, há duas questões que se deve ter em mente. Primeiro, a necessidade de desenvolver uma cultura regulatória no país, algo que demanda tempo. E segundo, a possibilidade de existência de um trade off entre os critérios de eficiência produtiva - microeconômica - e alocativa - macroeconômica -, por questões ligadas à escala dos projetos.

À guisa de comentários finais, cabe fazer as seguintes observações relevantes a respeito do futuro da Petrobrás:

  • (i) A alternativa à privatização da empresa estatal de petróleo - aqui chamada de “modelo YPF” - é o que poderia ser chamado de “modelo PDVSA “, conforme o qual a Petrobrás continuaria sendo estatal, mas haveria um ambiente de competição e de eficiência crescente.

  • (ii) Em linhas gerais, pode existir alguma forma de trade off entre os objetivos de maximizar o valor de venda da empresa e de minimizar as resistências políticas à sua venda. Quanto menor for a pulverização da venda, maior poderá ser o preço a ser obtido, mas menor deverá ser o apoio político para a realização da operação. Inversamente, quanto maior for a importância que o governo conceder à minimização das resistências à venda, menor tenderá a ser a prioridade atribuída à maximização do preço.

  • (iii) Em função desse trade off, se o governo se dispuser a privatizar a Petrobrás, é importante que ele tenha uma estratégia específica para minimizar as resistências à sua venda, que provavelmente surgiriam no interior da corporação, mesmo que isso possa vir a sacrificar, em certa medida, o objetivo de maximizar a receita de privatização.

  • (iv) Analogamente ao que foi dito em (ii), também pode haver um trade off entre os objetivos de maximizar o valor da venda e de estimular a concorrência. Manter a empresa com seu poder atual e o grau de integração vertical que tem pode ser bom para o Estado enquanto vendedor, mas não é o ideal sob a ótica do Estado como agente regulador, pois a Petrobrás desestatizada teria um peso que nenhuma empresa privada tem no país, o que significa que seria uma empresa muito forte diante da agência reguladora encarregada da sua supervisão.

  • (v) O Estado deve conservar parte do seu poder, através de uma golden share.

Isto porque há situações em que o interesse de uma empresa pode entrar em conflito com o interesse do país. De um modo geral, nas economias capitalistas, isso não chega a configurar um problema, seja pelo fato de que o interesse de uma empresa específica é irrelevante, em um contexto de concorrência; seja porque, na presença de oligopólios, há instituições regulatórias que defendem o interesse do consumidor ou, em termos mais amplos, do país. O caso de uma eventual privatização da Petrobrás, porém, é específico, porque o peso da empresa não é irrelevante e a instituição regulatória pode não ter força ou amparo legal suficiente para se contrapor a determinadas decisões. À guisa de exemplo, um conflito que poderia surgir seria em caso de aumento das importações, em função do interesse de mudar o mix entre produção local e importações. Essa decisão, embora justificável em termos microeconômicos, pode ter efeitos negativos sobre o balanço de pagamentos. Face a tais questões, é fundamental que o Estado preserve parte do seu poder na empresa, dispondo de uma golden share, que lhe dê poderes específicos em certo tipo de decisões.

  • (vi) É crucial que se criem as condições para a existência de concorrência no setor de refino, para evitar que um virtual monopólio público venha a ser substituído por um monopólio privado. Isto porque o setor de distribuição tende naturalmente a ter uma maior concorrência, enquanto na exploração a tendência é que, com a abertura de novas áreas, aos poucos o grau de concorrência seja crescente; no setor de refino, a importância estratégica das unidades já existentes e a influência e o peso que a Petrobrás - pelo menos a curto prazo - nas joint-ventures a serem criadas darão à empresa um poder que seria perigoso transferir a um único grupo privado. Este “gargalo” terá que ser um dos principais temas na agenda de discussões das características que a eventual privatização da empresa deveria ter.

Por último, adicionalmente a esta última, há algumas questões-chave que terão de ser tratadas no caso de privatização da Petrobrás. Os temas mais importantes a serem discutidos na preparação da eventual venda da empresa seriam - além do preço -, primeiro, a mensuração das reservas não descobertas para efeito da definição do preço mínimo; segundo, a divisão ou não da empresa antes da privatização; e terceiro, o modelo de venda, no sentido de aumentar ou não o grau de pulverização do capital acionário.

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  • VICKERS, J. & YARROW, G. (1991). “Economic perspectives on privatization”. Journal of Economic Perspectives, vol. 3, nº 2 (pp. 111-32).
  • WATERBURY, J. (1989). “The political management of economic adjustment and reform”, in NELSON, J. (org.), Fragile coalitions: the politics of economic adjustment, Transaction Books.
  • YARROW, G. (1986). “Privatization in theory and practice”, Economic Policy, vol. 2 (pp. 324-64).
  • 1
    Para uma análise da privatização nos anos 80, ver Pinheiro e Chrysostomo (1991PINHEIRO, A.C. & CHRYSOSTOMO, L. (1991). “Brazilian privatization: a decade of experience”. Texto para Discussão nº 7, São Paulo: jun. CEBRAP.).
  • 2
    Para uma análise desta segunda fase, ver Pinheiro e Giambiagi (1994PINHEIRO, A.C. & GIAMBIAGI, F. (1994). “Brazilian privatization in the 1990s”, World Development, vol. 22, nº 5 (pp. 737-53).) e Mello (1994MELLO, M. (1994). “Privatização e ajuste fiscal no Brasil”, Pesquisa e Planejamento Econômico, vol. 24, nº 3, dez. (pp. 445-517).).
  • 3
    Em 1996, por exemplo, duas importantes autoridades - o presidente do BNDES e o diretor da Área Externa do Banco Central- se manifestaram, em tese, pessoalmente favoráveis à privatização da Petrobrás.
  • 4
    Para uma abordagem teórica da privatização, ver Yarrow (1986YARROW, G. (1986). “Privatization in theory and practice”, Economic Policy, vol. 2 (pp. 324-64).) e Vickers e Yarrow (1991VICKERS, J. & YARROW, G. (1991). “Economic perspectives on privatization”. Journal of Economic Perspectives, vol. 3, nº 2 (pp. 111-32).).
  • 5
    As indicações disponíveis após a ainda incipiente experiência de privatização, no caso brasileiro, sugerem que, de fato, as empresas estatais privatizadas se tornaram mais eficientes depois da sua venda (Pinheiro, 1996PINHEIRO, A.C. (1996).“ No que deu, afinal, a privatização?”. Texto para Discussão, nº 40, mai. DEPEC-BNDES (40 páginas).).
  • 6
    Para uma análise deste ponto, ver Giambiagi e Pinheiro (1997GIAMBIAGI, F. & PINHEIRO, A.C. (1997). “Lucratividade, dividendos e investimentos das empresas estatais: uma contribuição para o debate sobre a privatização no Brasil”, Revista Brasileira de Economia, vol. 51, nº l, jan./mar.).
  • 7
    Para uma abordagem histórica da questão, ver Gerschenkron (1962GERSCHENKRON, A. (1962). Economic backwardness in historical perspective. Harvard: University Press.).
  • 8
    Admitindo que, em caso de cancelamento de dívida, a taxa de juros da dívida paga seja maior do que a rentabilidade das ações detidas pelo Tesouro enquanto acionista controlador
  • 9
    É interessante registrar que mesmo participantes do debate sobre o petróleo, claramente insuspeitos de serem comprometidos com a preservação do status quo, como é o caso de Souza Dias e Pires (1994SOUZA DIAS, D. & PIRES RODRIGUES, A. (1994). Petróleo, livre mercado e demandas sociais. Rio de Janeiro: Instituto Liberal (217 páginas).), esquivaram-se de propor de forma aberta, até recentemente, a privatização da Petrobrás. Em outras palavras, embora o número de pessoas que tem se manifestado nos últimos tempos em favor da tese seja maior do que há alguns anos, ele é certamente menor do que o coro de vozes que no seu momento defenderam a privatização de outras empresas estatais.
  • 10
    Para uma análise das mudanças no setor de petróleo a nível mundial e do papel da OPEP, ver Ayoub (1994, aAYOUB, A. (1994a). “Le pétrole: économie et politique”, Revue de L’Energie, nº 458, mai. Paris (pp. 235-45). e bAYOUB, A. (1994b). “Le modéle OPEP: ajustement ou nouvelle logique”, Économies et Sociétés. Série Economie de Energie, nº 6, set. Paris.) e Boussena (1994BOUSSENA, S. (1994). “Prix du pétrole et stratégies de l’OPEP”, Revue de l’Énergie, nº 458, mai. Paris (pp. 246-53).).
  • 11
    Na América Latina, estes são dois dos casos mais importantes de estratégias alternativas, de certa forma representativos do universo composto pelas empresas de petróleo da região. A estratégia da PDVSA foi similar à que foi seguida pela CEPE do Equador e pela Ecopetrol da Colômbia, com sua política de associações com empresas estrangeiras, enquanto o caso da YPF se assemelha ao da Petroperu peruana. Cabe fazer a ressalva de que na Colômbia a eventual privatização da empresa estatal está fora da agenda de discussões por envolver questões políticas muito delicadas, entre outras coisas pelo fato de que a empresa opera em áreas de atuação da guerrilha, o que o torna assunto de segurança nacional. Não tratamos do caso da PEMEX mexicana, pelo fato do seu processo de mudanças ter sido interrompido pela crise vivida pelo país desde o final de 1994. De qualquer forma, cabe registrar a aprovação, nesse país, da Lei de 1992, criando quatro “unidades de negócio”, com o surgimento das filiais de exploração e produção, de refino, de gás e de petroquímica de base, e de petroquímica, todas elas dependentes de uma estrutura central de tipo holding, organizada em três divisões - operações, finanças e administração. Para detalhes específicos sobre o caso do México, ver De la Vega (1994DE LA VEGA, N.A. (1994). “Ouverture et liberalisation de l’économie et reorganisation de l’industrie pétroliere au Méxique”, Revue de Energie, nº 456, fev. Paris (pp. 87-94).).
  • 12
    Para uma análise sobre o futuro da Petrobrás em um ambiente concorrencial, ver Barboza (1996BARBOZA, A.C. (1996). Análise de investimentos em refino na Petrobrás em ambiente concorrencial. Dissertação de mestrado, COPPEAD/UFRJ.).
  • 13
    Para o caso da Venezuela, ver Contreras (1994CONTRERAS, M.J. (1994). “Associations stratégiques de PDVSA: forces et faibles­ses”, Économies et Sociétés. Série Economie de Energie, nº 6, set. Paris), Domingo, Fargier, Mora, Ramirez, Rojas e Tonella (1996DOMINGO, C., FARGIER, M., MORA, J., RAMIREZ, V, ROJAS, A: & TONELLA, G. (1996). “La apertura petrolera: un intento de explicación del capitalismo rentístico venezolano”. (Mimeo.) Universidad de los Andes (26 páginas).), Mora e Espinasa (1994MORA, J. & ESPINASA, R. (1994). “Les entreprises publiques des pays producteurs: les trois grandes stratégies de PDVSA”, Revue de l ‘Énergie, nº 456, fev. Paris (pp. 87-94).) e Rodríguez (1994RODRIGUEZ, M. (1994). “National oil companies: the view from Venezuela”, Économies et Sociétés. Série Economie de Energie, nº 6, set. Paris.).
  • 14
    Cabe mencionar, entre outros, o acordo pioneiro com a Veba Oil - filial da Veba alemã- e os acordos com a Ab Nymas Petroleum sueca, com a Citgo Petroleum Corporation e com a Union Pacific Corporation.
  • 15
    Ver Instituto Liberal (1994INSTITUTO LIBERAL (1994). “Petróleo na Argentina”, série Notas, edição especial, nº 38, mai.).
  • 16
    A produção de petróleo em 1977, por sua vez, foi inferior à de 1972.
  • 17
    As leis mais importantes foram a 23.696, de 1989, abrindo espaço para a reforma do Estado; e a 24.145, de 1992, referente à venda pública de ações da YPF. Entre essas duas datas, foram editados vários Decretos, permitindo a venda de áreas de produção marginal e de unidades não-estratégicas, a realização de joint-ventures em áreas centrais, a desregulamentação dos setores de petróleo e gás e a livre disponibilidade do petróleo.
  • 18
    Em 1990, a empresa registrou US$ 581 milhões de prejuízo. Já em 1991 e 1992, em função dos primeiros resultados da reestruturação iniciada, observou-se um lucro de US$ 253 e 256 milhões, respectivamente, enquanto que em 1993, no primeiro ano depois de completada a reestruturação da YPF, ela obteve um lucro líquido de US$ 706 milhões, quase três vezes superior ao obtido em 1991-2.
  • 19
    Na tabela 2, o ano ao qual se refere a comparação é 1994. No caso da Petrobrás, especificamente, entretanto, a sua produção de petróleo refere-se a 1996.
  • 20
    O resto desta seção está parcialmente baseado no estudo acima citado (Siqueira, 1996SIQUEIRA, A. (1996). “Petrobrás - rating: outperformer”.Banco Icatu, maio.).
  • 21
    Entre 31/12/1996 e 11/06/1997, o valor de mercado em Bolsa da Petrobrás, em dólares, aumentou 64%, enquanto o índice IBOVESPA, também em dólares, valorizou-se 58%.
  • 22
    Este número é inferior à meta de 1.530 milhares de barris/dia com a qual a Petrobrás tem trabalhado para o ano 2000.
  • 23
    Para algumas destas questões, ver Rigolon (1997RIGOLON, F. (1997). “Regulação da infra-estrutura: a experiência recente no Brasil”. Revista do BNDES, nº 7, jun. (pp. 123-50).).
  • 24
    Ver Gerchunoff (1992GERCHUNOFF, P. (1992). Las privatizaciones en la Argentina. Buenos Aires.).
  • 25
    Cabe lembrar que, ao contrário dos setores elétrico e de telecomunicações, o setor de petróleo não apresenta características de monopólio natural. Portanto, após a sua privatização, a política de preços dos derivados deverá ser livre para todos os segmentos de mercado, tomando-se como referência o mercado internacional. Enquanto isso, no setor elétrico, por exemplo, os preços da energia para o mercado residencial necessitam de uma regulação específica, dada a existência de um monopólio natural.
  • 27
    JEL Classification: L33; L71.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 1998
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