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Fragilidade financeira externa e os limites da política cambial no Real* * Este, finalizado com informações disponíveis em abril de 1998, é resultado de pesquisa realizada no âmbito do Projeto de Estudos da Moeda e Sistemas Financeiros desenvolvido no Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IE/UFRJ), que conta com o suporte financeiro do CNPq. Os autores agradecem as sugestões feitas por Alexis Dantas, Fernando Cardim, Fernando Ferrari, Gary Dymski, João Sicsú, Julio Lopes e Rogério Studart, e também por um parecerista anônimo, isentando-os de erros e omissões porventura existentes.

External financial fragility ant the limits of the exchange rate policy in Real

RESUMO

Este artigo avalia os impactos do plano de estabilização cambial do Brasil (Plano Real) na fragilidade financeira externa do país e discute políticas alternativas de câmbio para superar a vulnerabilidade externa do Brasil. Para isso, desenvolvemos um índice para essa fragilidade financeira externa, que é aplicado a uma série temporal de variáveis do setor externo de 1992 a 1997. As evidências mostram que a fragilidade financeira externa brasileira cresceu nos primeiros três anos e meio após o Plano Real, particularmente em 1996 e 1997. Usando essas evidências, o documento questiona a eficácia da estratégia de ajuste do governo para o setor industrial, baseada em quatro pilares: estabilização de preços, liberalização do comércio, liberalização do capital e valorização cambial. Finalmente, concluímos que a margem para mudanças na política cambial atualmente é muito pequena: o governo é prisioneiro de uma “armadilha cambial” auto infligida.

PALAVRAS-CHAVE:
Fragilidade financeira externa; política cambial; plano Real; crise cambial

ABSTRACT

This article assesses the impacts of Brazil’s exchange-based stabilization plan (Plano Real) on the country’s external financial fragility and discusses alternative exchange policy to overcome the Brazil’s external vulnerability. In order to do so, we have developed an index for this external financial fragility, which is applied to a time series of foreign sector variables from 1992 to 1997. The evidence shows that Brazilian external financial fragility has grown during the first three years and half after the Real Plan, particularly in 1996 and 1997. Using this evidence, the paper questions the effectiveness of the government’s adjustment strategy for the industrial sector, based on four pillars: price stabilization, trade and capital liberalization and exchange appreciation. Finally, we conclude that the scope for changes in currently exchange policy is too small: the government is prisoner of a self-inflicted “exchange trap”.

KEYWORDS:
External financial fragility; exchange rate policy; Plano Real; currency crisis

1. INTRODUÇÃO

Experências de planos de estabilização com algum tipo de âncora cambial mostram que, de forma geral, tais planos geram, em sua primeira etapa, uma brusca queda na taxa de inflação, acompanhada de uma forte apreciação na taxa de câmbio.1 1 Para uma análise de experiências comparadas de planos de estabilização com âncora cambial, ver Souza (1994). A valorização da moeda doméstica resulta da discrepância entre a evolução dos preços internos e externos, num contexto de estabilização da taxa de câmbio nominal, e acaba por gerar uma forte contração no saldo de transações correntes do balanço de pagamentos, devido, sobretudo, ao aumento no valor das importações. Normalmente, este déficit vem acompanhado de um grande superávit na conta capital, permitindo não só o seu financiamento como um crescimento no volume das reservas internacionais do país. O aumento deste ocorre em função da grande onda de ingresso de capitais externos motivado pelo sucesso inicial do plano de estabilização acoplada geralmente a reformas estruturais liberalizantes. Uma taxa de juros doméstica elevada pode reforçar ainda mais esses fatores, aumentando a atratividade do financiamento externo. Esse fluxo de capitais externos normalmente acaba produzindo uma maior valorização real do câmbio, ocasionando um novo aumento das importações e ainda uma queda das exportações.

Neste contexto, um grande déficit em transações correntes só seria sustentável caso pudesse contar com um nível equivalente de financiamento externo de longo prazo que estivesse associado a investimentos capazes de gerar um fluxo futuro de receitas cambiais para pagar a dívida contraída. A natureza do fluxo de capitais externos é fundamental, pois um dos grandes perigos dos planos de estabilização com âncora cambial é de que uma reversão no fluxo de capitais externos conduza a um desequilíbrio no balanço de pagamentos de tal magnitude que se torna insustentável o governo manter a taxa de câmbio vigente. Gera-se, neste caso, uma expectativa de desvalorização cambial por parte dos agentes que induz a uma contração adicional no fluxo de capitais externos e queda no nível de reservas, não restando ao governo senão a alternativa de realizar uma forte desvalorização cambial, que acabaria repercutindo negativamente sobre os preços internos e sobre o comportamento dos investidores não residentes, comprometendo assim a tentativa estabilizadora. Deste modo, o elevado grau de mobilidade internacional de capital, associado a um regime de câmbio fixo (ou quase-fixo) e à tendência à deterioração dos saldos em conta corrente nas economias recém-estabilizadas, aumenta o risco de ataques especulativos contra as suas moedas.

Muitas das críticas dirigidas ao Plano Real referem-se às consequências do padrão de financiamento dos déficits em transações correntes e dos compromissos financeiros assumidos no passado recente. Em especial, argumenta-se que a manutenção de juros internos elevados a partir da vigência do Plano atraiu capitais externos de curto prazo em montante muitas vezes superior às necessidades apontadas pelo balanço de pagamentos, aumentando o nível de reservas e promovendo apreciação real do câmbio, o que produziu dois efeitos. Primeiro, em um contexto de liberalização comercial, a apreciação cambial resultou em significativos déficits na balança comercial, em consequência do aumento nas importações. Segundo, o ingresso desses capitais implicou a aceitação de compromissos em moeda estrangeira concentrados, em boa parte, no curto prazo, que estaria exigindo uma busca constante de recursos para refinanciá-los. Os efeitos desta configuração de política econômica - de forte conteúdo liberal - teriam contribuído para o aumento da fragilidade financeira externa do país, à medida que a dependência de obtenção de financiamentos externos - para sustentar os déficits em contas correntes e as reservas internacionais em níveis que possam evitar uma crise de balanço de pagamentos - estaria aumentando.

De acordo com a visão do governo, o aumento nas importações que vem sendo observado é consequência da reestruturação produtiva que o país vem passando nos últimos anos - como resultado da interação dos processos de globalização, abertura da economia, estabilização e privatização - sendo que os ganhos de produtividade daí decorrentes acabarão contribuindo para a geração de superávits comerciais suficientes para reequilibrar, ao longo do tempo, o balanço de pagamentos. Além disso, argumenta-se que as dívidas de curto prazo estão sendo substituídas por endividamento de longo prazo e por investimentos diretos, o que torna a estratégia de reestruturação compatível com os prazos de financiamento.

O objetivo deste artigo é efetuar uma avaliação do contexto de fragilidade financeira externa no Brasil gerado pelo Plano Real e discutir as alternativas que se colocam para a superação desse quadro, procurando mostrar que a tendência ao crescimento da fragilidade, ao contrário do discurso oficial, tem colocado o país bastante vulnerável às mudanças no cenário internacional, como evidenciou a “crise” de outubro de 1997. Deste modo, realiza-se inicialmente, na seção 2, uma breve apresentação da visão oficial baseada particularmente em Gustavo Franco, ex-diretor de Assuntos Internacionais e atual presidente do Banco Central do Brasil, para quem a situação pré-outubro de 1997 não representava riscos de crise no setor externo e que, portanto, não haveria necessidade de maiores mudanças de rota na política cambial. Na seção 3, desenvolve-se um índice de fragilidade financeira externa, tomando como base o conceito de fragilidade financeira elaborado por Hyman Minsky, que é aplicado à economia brasileira no período pré e pós-Real, procurando-se, em particular, avaliar o grau de vulnerabilidade externa durante o Plano Real. A seção 4, por sua vez, discute e avalia algumas possibilidades de mudanças na atual política cambial com vistas à superação do quadro de vulnerabilidade externa do país. Na seção 5, a título de conclusão, avalia-se preliminarmente, à luz da análise desenvolvida no artigo, o ataque especulativo ao real ocorrido em outubro de 1997.

2. FRAGILIDADE EXTERNA E POLÍTICA CAMBIAL: A VISÃO OFICIAL

Uma das características mais marcantes do recente processo de estabilização brasileiro foi a forte valorização da taxa de câmbio ocorrida no início do Plano Real, ocasionada fundamentalmente pela combinação de taxas de juros internas elevadas com a adoção de um câmbio flutuante. Os críticos da política cambial adotada por Gustavo Franco têm apontado a existência de uma defasagem cambial como um dos principais problemas do plano de estabilização, o que estaria ocasionando crescentes e futuros déficits em transações correntes no balanço de pagamentos, insustentáveis a longo prazo2 2 Ver, por exemplo, Pastore & Pinotti (1995) e Batista Jr. (1996). Franco (1996FRANCO, G.H.B. (1996). “A inserção externa e o desenvolvimento”. Mimeo.) questiona a existência de uma defasagem cambial durante o Real, argumentando que a apreciação cambial é resultado de um novo contexto macroeconômico de estabilização de preços e de globalização, no qual o Brasil está inserido. Para ele, a liberalização comercial e de fluxos de capital, bem como a atual política cambial, são elementos fundamentais para a estabilização de preços e retomada do crescimento econômico, livre dos vícios impostos pelo modelo de substituição de importações3 3 Este modelo consistia, para Franco (1996, pp. 25-6), em “incentivos à ineficiência, oriundos notadamente da ausência de competição, que levaram à estagnação da taxa de crescimento e da produtividade.(...) [Assim] a ‘competitividade’ dependeria(...) de reduções de salários já excessivamente deprimidos e em taxas de câmbio mais e mais subvalorizadas” (grifos no original).

A noção de defasagem ou atraso, segundo Franco, traz uma alusão temporal do passado, relacionada a uma configuração típica de um contexto de alta inflação e de fuga de capital, distinto do vivenciado pelo Real. Afinal, a apreciação cambial é observada em quase todos os programas de estabilização bem sucedidos, sobretudo em função da elevação dos preços dos non-tradables. Franco (l996FRANCO, G.H.B. (1996). “A inserção externa e o desenvolvimento”. Mimeo., p. 25) argumenta, então, que a questão essencial é “saber se os níveis atuais são apropriados, ou seja, se a apreciação do real é correta ou merecida” e defende que o nível correto e prudente para o déficit em conta corrente para o Brasil, tal como observado em economias emergentes, deveria se situar na casa dos 3% do PIB.

Franco sustenta ainda que, no caso brasileiro, o déficit, embora alto, tem sido bem financiado, com uma crescente participação de capitais externos de longo prazo (investimentos), e tem significado uma contribuição da poupança externa ao desenvolvimento brasileiro, pois uma boa parte das importações constitui-se de bens de capital que contribuem para a melhoria da competitividade da indústria brasileira.4 4 Ver, a respeito, as entrevistas de Gustavo Franco à Gazeta Mercantil, em 18/11/96, e ao O Globo, em 20/1/97 Por outro lado, deve-se levar em conta que a produtividade do trabalho no Brasil vem crescendo a taxas superiores a 7% em média desde 1991, o que evidenciaria as mudanças em curso na estrutura produtiva a partir da abertura externa, alterando progressivamente a natureza da competitividade do país. Nessa mesma linha de raciocínio, Francisco Lopes, diretor de Política Monetária do Banco Central, disse: “Acho que o próprio processo de estabilidade e abertura tende a gerar ganhos de produtividade que vão tornar o país mais competitivo - estimulando exportações e reduzindo importações. Esta é a nossa aposta. Mas é algo que não precisa ser planejado. O próprio sistema de mercado vai saber fazer melhor do que a gente”5 5 Entrevista ao Jornal do Brasil. em 6/7/97. .

Em síntese, o processo de reestruturação produtiva vislumbrado para o país, de acordo com os formuladores do governo, tem as seguintes características: (i) os investimentos domésticos, em função das privatizações e do fluxo de investimentos externos, permitirão um aumento na formação de capital fixo numa magnitude tal que permita dar sustentação a um novo ciclo de desenvolvimento (Mendonça de Barros e Goldenstein, 1997MENDONÇA DE BARROS, J.R.M. & GOLDENSTEIN, L. (1997). “Avaliação do processo de reestruturação industrial brasileiro”, Revista de Economia Política, v. 17, nº 2, abril-junho.); (ii) tal reestruturação produzirá ganhos de produtividade significativos e persistentes, suficientes para compensar a apreciação ocorrida da taxa de câmbio e estimular uma vigorosa reação dos exportadores a médio e longo prazo (estimuladas ainda por medidas extra-cambiais de promoção das exportações, como as linhas de financiamento do BNDES); e, ainda, (iii) deverá reverter a grande expansão dos coeficientes de penetração das importações na cadeia produtiva do país.

Deste modo, as autoridades econômicas do governo pareciam apostar num ajuste espontâneo e gradual da balança comercial em que, como resultado da reestruturação do setor produtivo e da melhoria de competitividade da economia nacional em função da maior abertura externa, a produção de tradables se expandiria. Isto deveria ocasionar, com o tempo, um aumento nas exportações e uma desaceleração no ritmo de crescimento das importações, resultando em futuros superávits na balança comercial. Consequentemente, nesta perspectiva, a situação atual do Brasil não apresentaria maiores riscos de crise cambial, não havendo necessidade, assim, de mudanças de rota na política cambial.

3. FRAGILIDADE FINANCEIRA EXTERNA DO REAL

3.1 Uma medida da fragilidade financeira externa

Fragilidade financeira

Minsky (1982MINSKY, H. (1982). Can “IT” happen again? Essays on instability & finance. Armonk/New York: M.E.Sharpe., 1986MINSKY, H. (1986). Stabilizing an unstable economy. New Haven: Yale University Press.) desenvolve o conceito de fragilidade financeira como uma medida da capacidade (ou não) de uma economia enfrentar choques nas condições de financiamento (p. ex., um aumento repentino nas taxas de juros) sem que haja uma desarticulação generalizada dos fluxos de pagamentos entre os agentes. Para ele, a decisão de investimento, de escolha de ativos, é concomitante à escolha de meios de financiamento, sendo que a combinação entre ambas as decisões define o grau de vulnerabilidade da economia a mudanças adversas na conjuntura econômica. Uma economia será mais ou menos frágil - macroeconomicamente - segundo a preponderância de estruturas financeiras hedge ou especulativa. Definindo estrutura financeira como a relação entre os fluxos futuros de lucros esperados de uma unidade econômica e os compromissos financeiros contratados, pode-se, grosso modo, classificá-la como hedge, especulativa ou Ponzi.

Unidades classificadas como hedge adotam posturas financeiras conservadoras, i.e., são aquelas em que as margens de segurança entre lucros e compromissos financeiros são suficientes para garantir que, em todos os períodos futuros, os lucros superam as despesas com juros e o pagamento de amortizações (a renda bruta esperada excede com alguma margem os compromissos de pagamento de dívidas). Uma elevação dos juros não afeta a capacidade de pagamento de compromissos dessas unidades, pelo menos diretamente.

Unidades especulativas mantêm margens de segurança menores que as unidades hedge, pois especulam que não vai haver aumento nos custos financeiros a ponto de inviabilizar seus projetos. Em geral, nos períodos iniciais, seus lucros esperados não são suficientes para pagar o total do principal da dívida, ou seja, os compromissos de pagamento em dinheiro referentes a dívidas excedem a renda bruta esperada, pois espera-se que nos períodos seguintes os agentes obtenham um excesso de receita que compense as situações iniciais de déficit. Por isso, tais unidades necessitam de refinanciamento de parte das obrigações. Nestas condições, se os juros sobem, as despesas financeiras assumidas se elevam, alterando diretamente o valor presente dos seus empreendimentos.

Agentes econômicos que tomam financiamento com maturidade inferior à do projeto financiado assumem normalmente posturas especulativas, uma vez que sabem de antemão que terão de recorrer a novos financiamentos para cumprirem seus contratos financeiros. Esse padrão de financiamento é típico de economias dominadas por euforia - segundo Minsky - e/ou em que a preferência pela liquidez dos agentes é de tal ordem que os juros se elevam desproporcionalmente ao aumento nos prazos de financiamento.

As unidades Ponzi podem ser consideradas um caso extremo de unidades com posturas financeiras especulativas. No futuro imediato, seus lucros não são suficientes nem mesmo para cobrir o valor dos juros devidos, tornando necessário tomar recursos adicionais emprestados para que a unidade possa cumprir seus compromissos financeiros. Seu endividamento cresce mesmo que os juros não aumentem, sendo a vulnerabilidade frente a variações positivas nos juros ainda maior que no caso anterior. Uma das consequências analíticas do uso do conceito de fragilidade é que o sucesso de uma política monetária restritiva em conter a demanda agregada, sem produzir instabilidade, depende do grau de fragilidade financeira da economia como um todo. Uma economia robusta, dominada por agentes com postura hedge, frente a um aumento nos juros, deverá ser afetada via redução nos gastos e nos lucros. No caso de uma economia frágil, isto é, cuja maioria dos agentes apresenta postura especulativa, uma elevação dos juros afetaria diretamente o valor de seus compromissos financeiros, o que pode inviabilizar de forma generalizada o pagamento das dívidas e iniciar uma crise financeira.

Fragilidade financeira em economias abertas

O conceito de fragilidade em uma economia aberta envolve uma dimensão adicional em relação a economias fechadas. Ao considerar a relação contratual entre residentes e não-residentes, a taxa de câmbio futura e a definição da parte que corre o risco cambial são elementos-chaves na composição das estruturas financeiras. As previsões a respeito dos fluxos de rendas, e sua comparação com os compromissos financeiros assumidos, exigem que se façam prognósticos sobre a taxa de câmbio vigente nas datas de pagamento para que se possa avaliar o grau de fragilidade financeira dos agentes residentes em uma economia aberta.

A taxa de câmbio pode influenciar a estrutura financeira de duas formas. Uma delas refere-se às atividades operacionais. Dependendo da moeda em que se realizam as receitas e as despesas, o impacto direto de uma variação cambial sobre os lucros pode ser positivo, negativo ou neutro. A outra forma através da qual uma variação cambial afeta a saúde das empresas é pela via financeira. O impacto dependerá da moeda em que seus compromissos financeiros devem ser saldados. As possibilidades de combinação entre os fluxos de receita e de despesa e compromissos financeiros em moeda nacional e estrangeira geram uma grande variedade de tipos de agente, refletindo a maior complexidade de uma economia aberta.

A definição do risco cambial exige que se faça uma distinção entre as unidades segundo a moeda em que se realizam seus custos e receitas operacionais. O Quadro 1 abaixo sintetiza quatro tipos de unidades.

Tabela 1
Tipos de Unidades cf. a Moeda em que São Realizadas as Receitas/Despesas

As unidades dos grupos A e D só são afetadas por uma variação cambial indiretamente, caso haja uma redução ou aumento em suas vendas. Contudo, admite-se que a proporcionalidade entre suas receitas e despesas se mantenha relativamente constante. Já nos grupos B e C, uma variação cambial - p. ex., uma desvalorização - afeta diretamente a relação entre receitas ou despesas. As unidades do tipo B, que são exportadoras, serão afetadas positivamente. Supondo que as quantidades vendidas permaneçam constantes, suas receitas se ampliarão, de imediato, na proporção da desvalorização, enquanto seus custos permanecerão constantes. As unidades do tipo C - por exemplo, firmas importadoras - sofrerão o impacto direto de uma desvalorização cambial sobre seus custos, que serão ampliados. Caso não possa alterar seus preços de venda ou apenas repassar parte da desvalorização - ao menos no curto prazo - seus lucros serão reduzidos. Logo, pode-se dizer que, do ponto de vista das atividades operacionais, apenas as unidades dos tipos B e C correm risco cambial. Neste estágio, em que as relações de endividamento não foram ainda levadas em conta, as unidades A e D podem ser consideradas como hedge do ponto de vista cambial.

A transposição do quadro desenhado por Minsky no contexto de uma economia fechada para o de uma economia aberta gera, portanto, uma taxonomia de tipos de unidades muito mais complexa. Nesse caso, quando se considera a sensibilidade das unidades econômicas a variações no câmbio - além da variação dos juros - o impacto macroeconômico de uma política monetária restritiva e/ou uma desvalorização cambial se torna bastante diversificado e seu efeito global para a economia como um todo dependerá do peso relativo das unidades com posturas especulativas no conjunto dos agentes.

Para fins analíticos, é útil separar os componentes do grau de fragilidade em economias abertas segundo o impacto que a elevação dos juros ou a variação cambial pode causar em uma economia. Desse modo, pode-se definir, inicialmente, fragilidade financeira externa como o grau de vulnerabilidade de uma economia às mudanças nas condições de financiamento oriundas de alterações nas taxas de juros externas ou ainda nas taxas de câmbio. A fragilidade pode se manifestar em nível operacional, o que macroeconomicamente implicaria déficits na balança comercial. Do ponto de vista do financiamento, entretanto, se há unidades que se financiam em moeda estrangeira com prazos inferiores à maturidade do projeto financiado e/ou cujas receitas sejam em moeda nacional, elas podem ser vulneráveis a mudanças no câmbio, ao mesmo tempo em que o país fica sujeito a choques externos derivados de alterações nas condições internacionais de financiamento.

Em outras palavras, a resultante macroeconômica de posturas financeiras - em moeda estrangeira - dos agentes será uma economia frágil se o conjunto de agentes residentes, envolvidos em transações com o exterior, é de tal ordem que os compromissos financeiros a vencer - ao menos os mais imediatos - não possam ser cumpridos com o uso dos recursos externos disponíveis, a não ser que sejam complementados por refinanciamento das obrigações de curto prazo.

Numa economia com elevado grau de abertura comercial e financeira, a taxa de câmbio depende fortemente do comportamento efetivo e esperado do balanço de pagamentos, que é um resultado não planejado das ações de agentes autônomos. Assim, é útil avaliar em que medida a taxa de câmbio pode ser sustentada em termos das disponibilidades de reservas e das fontes de entradas e saídas de moeda estrangeira - representada, daqui para frente, pelo dólar americano - da economia como um todo. Daí deriva a importância de se calcular o grau de fragilidade externa de um país: uma avaliação da dependência de refinanciamentos para que se possa sustentar o “equilíbrio” do balanço de pagamentos e uma determinada política cambial.

Fragilidade financeira externa

Pode-se definir, a partir de informações do balanço de pagamentos de um país, o grau de fragilidade financeira externa quanto maiores (ou menores) forem as necessidades de que uma economia tenha de recorrer ao mercado financeiro internacional para renegociar posições financeiras em aberto (ou seja, que não possa ser paga de imediato), mesmo que com taxas de juros e prazos desfavoráveis. Como o grau de fragilidade está relacionado à capacidade de pagamento de um país com relação a suas obrigações cambiais, assim como ao perfil destas, elaborou-se para avaliar a evolução da fragilidade externa de uma economia um índice de fragilidade financeira externa (IFE) que compara as suas obrigações reais e virtuais, em moeda estrangeira, a sua respectiva capacidade de pagamento, ou seja:

I F E = ( M + D J + D O S + A + C C P - 1 + P L A - 1 ) / ( X + R J + R O S + R E - 1 + I d + E m l ) ,

onde:

  • M = importações;

  • X = exportações;

  • D = despesas com juros “j” e outros serviços (OS);

  • R = receitas com juros “j” e outros serviços (OS);

  • A = amortizações de empréstimos;

  • CCP-l = estoque de capitais de curto prazo, defasado em um período;

  • PLA-l = estoque de investimento líquido em portfólio, defasado em um período;

  • RE-l = reservas internacionais acumulados até o período anterior;

  • Id = entradas de divisas correspondentes aos investimentos diretos;

  • Eml = empréstimos de médio e longo prazos.

As obrigações de pagamentos reais reúnem despesas com importações e serviços mais as amortizações de empréstimos. As obrigações virtuais incluem os estoques de capitais de curto prazo e de investimentos em portfólio - acumulados desde o primeiro trimestre de 1991, segundo seu valor no balanço de pagamentos - defasados em um período.6 6 Os capitais de curto prazo acumulados e os investimentos líquidos em portfólio foram defasados em um período porque se convencionou neste trabalho que estas obrigações só poderão ser exigidas no trimestre subsequente ao de referência de sua entrada. O mesmo foi feito com as reservas, pois entende-se que as obrigações de um determinado trimestre poderão ser enfrentadas com as receitas cambiais do próprio trimestre além das reservas acumuladas até o trimestre anterior. Essas variáveis representam as obrigações - reais e virtuais - mais importantes do país em um determinado trimestre. Tais obrigações podem ser “enfrentadas” através das reservas, das receitas com exportações e serviços (juros e outros serviços), dos empréstimos a médio e longo prazos e dos investimentos diretos.

Quanto mais elevado for o valor do índice maior é a propensão de um país ser afetado por mudanças na conjuntura internacional (por exemplo, mudanças nas taxas de juros externas) e menor a sua capacidade de cumprir compromissos financeiros mais imediatos, colocando-se numa maior dependência de refinanciamento externo ou de “queima” de suas reservas. Alternativamente, quanto menor for o valor deste índice, maior é a capacidade de um país cumprir seus compromissos mais imediatos sem ser necessário recorrer ao refinanciamento e aos seus estoques de reservas. Em outras palavras, as obrigações reais e virtuais, à medida que o índice diminui, estão sendo cobertas por receitas correntes e por fontes de financiamento de prazo mais dilatado. Esta interpretação permite uma classificação para a postura financeira de um país análoga ao conceito de fragilidade financeira elaborado por Minsky.

Neste caso, uma economia aberta é classificada como hedge, se o pagamento integral de suas obrigações denominadas em divisas estrangeiras (relacionada ao fluxo de mercadorias e serviços), reais e virtuais, for independente de refinanciamento permanente. Isso implica que os gastos correntes e os compromissos financeiros - ambos em moeda estrangeira - são compatíveis com as receitas correntes e o grau de liquidez (em moeda estrangeira) dos ativos. Por outro lado, uma economia pode ser classificada como especulativa se os gastos em transações correntes e obrigações financeiras com não-residentes impliquem a utilização recorrente de refinanciamento (e/ou queima de reservas) para que possam ser cumpridos.

Por exemplo, caso haja uma ampliação no financiamento de curto prazo, a fragilidade financeira do país se elevaria se no período seguinte as obrigações virtuais aumentassem frente aos recursos financeiros obtidos no período, às receitas correntes e às reservas internacionais. O equilíbrio do balanço de pagamentos, neste caso, passaria a depender, cada vez mais, de políticas econômicas atrativas ao capital de curto prazo, de natureza especulativa.

Cabe, ainda, destacar que a noção de fragilidade financeira depende de convenções, pois envolve expectativas formuladas pelos agentes a respeito do comportamento futuro dos mercados financeiros e, por isso, é muito difícil definir, com precisão, se uma economia atingiu (ou não) um grau excessivo de fragilidade.

Uma nota sobre as obrigações virtuais

Uma das propriedades deste índice é que, se houver uma elevação no valor do estoque de portfólio, o grau de fragilidade externa aumenta, indicando que as obrigações de curto prazo em moeda estrangeira estarão aumentando frente aos recursos de longo prazo. Deve-se, contudo, ter cautela com a interpretação deste resultado, uma vez que liquidez é um conceito que vale na margem, mas não para a totalidade do estoque de ativos.

Mesmo que haja mercados organizados para os ativos que compõem o estoque de portfólio, sua liquidez depende de que haja um equilíbrio entre as ordens de compra e venda, de tal modo que as transações possam se realizar sem que haja oscilações bruscas nos preços dos ativos. Todavia, se todos os detentores de determinados ativos quiserem vendê-los ao mesmo tempo não será possível a concretização de transações sem que haja uma grande redução em seus preços. Uma liquidação maciça de ações e de outros títulos levaria a perdas significativas de capital; em consequência, o valor do estoque de portfólio que deve ser considerado como potencialmente volátil é, na realidade, menor do que o que está incluído na fórmula do índice.

Em que pese esse problema para a definição do estoque de investimentos em portfólio, a evolução do índice evidencia uma tendência a maior ou menor fragilidade externa de um país, na medida em que mostra a proporção entre as obrigações externas reais e potenciais mais imediatas de uma economia e os recursos disponíveis para cumpri-los sem que haja uma crise cambial. Trata-se, assim, tão-somente de um indicador de tendência, que procura avaliar o aumento ou redução da importância das avaliações subjetivas dos agentes econômicos detentores de direitos e/ou obrigações em moeda estrangeira na determinação do quadro externo da economia.

Aplicação do índice de fragilidade para a economia brasileira

Nesta seção, a partir de dados sobre o balanço de pagamentos obtidos do Boletim Mensal do Banco Central, foi construída uma série do Índice de Fragilidade Externa (IFE) para a economia brasileira, desde o segundo trimestre de 1992 até o quarto trimestre de 1997. Tendo em vista o fato de que a balança comercial sofreu uma forte mudança de tendência a partir da introdução do Plano Real, estando fortemente vinculada à apreciação cambial ocorrida no período, além de uma maior abertura comercial, o gráfico abaixo relaciona, além do IFE, o saldo comercial do país, cujos valores (em US$ milhões) estão no eixo à direita (ver Gráfico 1)7 7 Os dados que compõem o índice de fragilidade financeira externa podem ser vistos na Tabela 1, em anexo. . De fato, é interessante notar como o comportamento da fragilidade financeira externa - que a partir do início do Plano Real no terceiro trimestre de 1994 apresenta uma tendência a alta - está correlacionado negativamente com o resultado da balança comercial. Este resultado é esperado, pois a evolução da balança comercial tem sido o principal fator responsável pela deterioração na conta corrente, tendo um comportamento predominantemente cíclico devido ao fato de ser o componente mais sensível às mudanças na política económica adotada pelo governo.8 8 De acordo com o Boletim de Conjuntura do IE/UFRJ, de julho/97, nos três primeiros anos do Real a balança comercial foi responsável por cerca de 2/3 do aumento do déficit em conta corrente

Gráfico 1
Fragilidade Financeira Externa e Saldo de Balança Comercial

Isso, à primeira vista, contribui com o argumento de que o câmbio esteve durante os primeiros três anos e meio de plano de estabilização inadequado às características da economia brasileira e ao padrão de financiamento externo do país. Inadequado em função dos déficits crescentes na conta corrente e porque o financiamento a longo prazo desses déficits, ao contrário do sugerido por Gustavo Franco, não tem sido suficiente para impedir o aumento da fragilidade financeira externa. Pelo contrário, como a evolução do índice sugere, o volume de capitais de longa maturação tem-se revelado insuficiente para adequar as obrigações financeiras do país a sua capacidade de geração de divisas através de transações correntes. Em consequência, tem havido necessidade de recurso ao refinanciamento de curto prazo, o que faz com que o país continue vulnerável às mudanças nas expectativas curto-prazistas formuladas pelos especuladores internacionais, incorrendo numa postura financeira tipicamente especulativa.

Essa situação foi fruto de uma política deliberada de atração de capitais de curto prazo - empréstimos em moeda e investimentos em portfólio - ao longo dos anos noventa9 9 O Anexo IV da Resolução 1.289 do CMN, instituído em 31/ 5/91, disciplinou o investimento no país em carteira de títulos e valores mobiliários mantida pelos investidores institucionais estrangeiros, permitindo ampla liberdade para alocação dos recursos nos ativos e nas operações admitidas, dispensando o atendimento de percentuais mínimos existentes nos outros Anexos (I, II e III). , que visava eliminar as restrições externas impostas pela crise da dívida da década anterior, explorando a crescente oferta de recursos no sistema financeiro internacional num contexto de globalização financeira. Isso acarretou um aumento significativo no volume de capitais de curto prazo e, concomitantemente, no nível de reservas internacionais do país. No período pré-Real, o índice de fragilidade financeira teve um comportamento levemente ascendente e relativamente estável, o que pode ser atribuído principalmente, além do aumento nas reservas, aos saldos positivos na balança comercial. É, portanto, no Plano Real, com o aumento nos fluxos de capitais de curto prazo e a explosão das importações, que a fragilidade externa brasileira saltou para um patamar mais elevado, acentuando sua tendência a alta.

O detalhamento da evolução das variáveis externas e seus efeitos sobre a vulnerabilidade externa do país pode ser acompanhada através do comportamento do índice, que parece apontar quatro períodos importantes na evolução da fragilidade financeira externa: (1º) período que compreende o segundo trimestre de 1992 até o fim do segundo trimestre de 1994, em que se observa uma certa estabilidade da fragilidade, assim como a presença de superávits comerciais; (2°) período que vai do terceiro trimestre de 94 até o primeiro trimestre de 1995, limitado, no início, pela introdução da nova moeda e pela forte liberalização das importações, sob o comando de Ciro Gomes na pasta da Fazenda, e, no final, pela crise mexicana e o decorrente efeito Tequila; (3°) o breve período de queda da fragilidade, que vai até o final do terceiro trimestre de 1995, quando verifica-se uma rápida e curta recuperação no saldo da balança comercial; e (4°) um último período, do último trimestre de 1995 até o quarto trimestre de 1997, marcado por déficits elevados na balança comercial e de serviços e pelo crescimento contínuo da fragilidade financeira externa, e no final do período, pelos efeitos da crise asiática sobre o Brasil.

No primeiro período, o saldo comercial foi sempre positivo, refletindo a competitividade da produção das tradables nacionais, devido, em boa medida, ao câmbio real depreciado em relação aos dias de hoje, decorrente da regra das minidesvalorizações cambiais então adotada (ver Gráfico 2). Já neste período, os investimentos em portfólio foram bastante significativos, provavelmente atraídos pela possibilidade de realização das operações de box, que permitiam, através do uso do mercado de derivativos, a simulação do ambiente das aplicações em renda fixa - que ofereciam taxas de juros reais significativas para os investidores internacionais10 10 A taxa de juros nominal dividida pela desvalorização cambial no período dá a remuneração do investidor estrangeiro em termos da moeda estrangeira. - e a exploração das vantagens fiscais do investimento pelo Anexo IV.

Gráfico 2
Câmbio Real x Balança Comercial - 1992/97

Ao mesmo tempo, contrabalançando os efeitos dos investimentos em portfólio sobre o comportamento do índice, observa-se um crescimento significativo dos empréstimos de médio e longo prazos e dos investimentos diretos. Como resultado do grande fluxo de capitais externos para o país no período, houve um elevado crescimento no volume de reservas - que saltaram de US$ 13,7 bilhões no primeiro trimestre de 1992 para a casa dos US$ 40 bilhões no segundo trimestre de 199 4. Por outro lado, o movimento dos capitais de curto prazo foi oscilatório, com saídas líquidas expressivas até o final do quarto trimestre de 1993 e crescimento acelerado desde então até o final do segundo trimestre de 1994. Porém, o estoque destes capitais de menor prazo de maturação praticamente não aumentou, o que contribuiu para a manutenção da estabilidade do índice. Com a introdução do real, que rapidamente apreciou-se em relação aos níveis do período anterior - devido à combinação de uma política de juros primários elevados com uma banda cambial assimétrica11 11 De acordo com Bacha (1997, p. 181), nos termos da banda assimétrica, o Banco Central obrigava-se a intervir caso o real tendesse a se desvalorizar em relação ao dólar além da paridade de 1:1, mas deixava o mercado livre caso houvesse uma tendência de apreciação do real em relação ao dólar. e com a liberalização das importações a partir de setembro de 1994, a tendência superavitária da balança comercial foi bruscamente invertida. Ao mesmo tempo, a balança de serviços apresentou déficits maiores, principalmente no que se refere aos serviços não-financeiros, com especial importância para as viagens internacionais, seguros e fretes. De outro lado, os investimentos em portfólio, os empréstimos de médio e longo prazos e os investimentos diretos reduziram-se bruscamente em cerca de US$ 7,0 bilhões no primeiro trimestre de 1995 em relação ao trimestre anterior, a partir da crise do México, provavelmente por seus efeitos sobre as expectativas dos não-residentes a respeito da liquidez e rentabilidade de seus investimentos. A entrada líquida de capitais de curto prazo teve um comportamento oscilatório no período, mantendo um patamar elevado no início, caindo fortemente no final de 1994, devido ao efeito Tequila, e voltando a crescer no primeiro trimestre de 1995, o que indica a maior sensibilidade desse tipo de capital em relação à mudanças na política monetária do governo e à expectativa de uma crise cambial.

Um dos resultados finais desses movimentos neste período foi uma grande redução de reservas internacionais, que se encolheram a 3/4 do seu volume inicial entre o início do Plano Real e o final do primeiro trimestre de 1995. Neste ponto, o índice de vulnerabilidade externa do país deu um salto significativo, atingindo um pico no primeiro trimestre de 1995. A partir de março desse ano, iniciou-se uma nova fase na política econômica, sob os impactos da crise do México e da deterioração da balança comercial brasileira, caracterizada por uma maior flexibilidade na condução da política cambial e comercial, introduzindo-se o sistema de mini-bandas cambiais e elevando-se o imposto de importação para 70% em 109 itens de produtos, inclusive automóveis e eletrodomésticos.12 12 A partir de março de 1995, o governo mudou a política cambial, desvalorizando o real em cerca de 6% e passando a adotar uma política de pequenas desvalorizações mensais - através do lento deslizamento de uma banda cambial estreita - que vem sendo mantida até hoje. Ao mesmo tempo, o governo aumentou fortemente a taxa de juros primária, o que foi fundamental para a obtenção de um volume significativo de recursos externos através do estímulo à absorção de capitais de curto prazo.

No terceiro período, que se inicia no segundo trimestre de 1995, como resultado da mudança da política cambial e comercial e a adoção de uma política econômica fortemente contencionista (elevação nas taxas de juros e limitação no crédito), a balança comercial tomou-se mais equilibrada, devido, fundamentalmente, ao crescimento das exportações - que havia se reduzido bastante no primeiro trimestre de 1995, provavelmente em função das expectativas de desvalorização cambial - e à estabilização das importações. Mas o fato fundamental é que o investimento direto, os empréstimos de médio e longo prazos e os investimentos em portfólio aumentaram substancialmente, assim como os capitais de curto prazo (cujo saldo líquido foi positivo em US$ 9, l bilhões no segundo trimestre de 1995 em relação ao trimestre anterior), revelando o êxito do governo em enfrentar o efeito Tequila e o restabelecimento da confiança dos agentes no Plano Real. Com isso, as reservas se recuperaram rapidamente, saltando de US$ 31,5 bilhões no segundo trimestre de 1995 para US$ 46,6 bilhões no terceiro trimestre. A rápida recomposição das reservas e a entrada de investimentos diretos e empréstimos de médio e longo prazo foram determinantes para reduzir o índice de fragilidade financeira externa da economia brasileira naquele momento.

No quarto período, que se inicia no quarto trimestre de 1995, o comportamento da balança comercial não repetiu os superávits da fase anterior, mantendo-se equilibrada mas levemente declinante somente até o segundo trimestre de 1996, diminuindo celeramente a partir daí até atingir seu ápice no último trimestre de 1996, em consequência da combinação de uma relativa estagnação das exportações com forte aumento das importações, que voltaram a crescer vigorosamente. Este comportamento foi resultado do retorno do país ao crescimento econômico, no contexto de uma política econômica mais expansionista de valorização cambial e de diminuição nas taxas de juros internas em dólar, além da queda no mercado internacional do preço de algumas commodities exportadas pelo país. Consequentemente, o IFE teve uma tendência ascendente, alcançando quase que imediatamente os níveis do período em que o país fora afetado pelo efeito Tequila, até atingir seu patamar máximo ao final de 1997.

Neste período, além do peso dos capitais de curto prazo, as despesas com os serviços não-financeiros contribuíram para pressionar o índice de fragilidade para cima, como reflexo, especialmente, do aumento nas despesas de frete e com viagens internacionais, neste último caso fortemente estimulados pelo câmbio apreciado e pela facilidade de financiamento das compras com o uso dos cartões de crédito. Por outro lado, as despesas com juros e despesas com amortizações, fruto do estoque acumulado de empréstimos de médio e longo prazos, vêm crescendo desde o início de 1996, ainda que no caso das amortizações o comportamento seja bastante oscilante no período. As variáveis que contribuíram para impedir uma escalada maior no índice, desde o início de 1996, têm sido o bom desempenho dos empréstimos de médio e longo prazos e do investimento direto (ver tabela I).

Note-se que, às vésperas do ataque especulativo de outubro de 1997, o índice de fragilidade externa situava-se em seus patamares mais elevados do período pós-Real, o que evidenciava o alto grau de vulnerabilidade externa do país por ocasião da crise asiática. Como resultado do ataque especulativo sobre o real, houve uma redução significativa nos capitais de curto prazo e no nível de reservas internacionais do país, caindo, respectivamente, de US$ 13,6 bilhões e US$ 61,2 bilhões no terceiro trimestre /97 para US$ 8,6 bilhões e US$ 51,2 bilhões, uma contração elevada mas menor, relativamente, à ocorrida por ocasião da crise do México ao final de 1994. Este processo, como será visto na seção 5, foi estancado pelas medidas adotadas pelo governo para enfrentar a crise, cujo êxito foi decorrente, em boa medida, da existência de um volume expressivo de reservas cambiais.

Concluindo, a evolução do índice de fragilidade externa, durante os primeiros três anos e meio do Plano Real, sugere que não tem havido mudanças significativas nas tendências das variáveis relativas às contas externas de forma a inverter o crescimento do índice. Em que pese a melhoria relativa no crescimento do déficit da balança comercial no ano de 1997, devido a uma moderada contenção nas importações induzida pela desaceleração no ritmo da atividade econômica e ao melhor desempenho das exportações, em particular dos produtos básicos, em parte resultado da desvalorização cambial um pouco acima da inflação (ver Gráfico 2) e das medidas específicas de estímulo às exportações e de restrição às importações, uma reversão mais consistente na trajetória de crescimento deste déficit só será possível caso a taxa de crescimento das exportações venha a superar, de forma sustentável, a das importações. Como o timing para uma reversão nesta trajetória é longo, a estratégia do governo pressupõe a continuidade do financiamento externo do déficit em conta corrente sem maiores problemas a médio e longo prazos.

4. POSSIBILIDADES E LIMITES DA POLÍTICA CAMBIAL EM UM AMBIENTE DE CRESCENTE FRAGILIDADE FINANCEIRA EXTERNA

Pelo exposto na seção anterior, o aumento no grau de fragilidade financeira externa do Brasil, que vem ocorrendo desde o final de 1995, parece ser uma indicação clara de que os níveis atuais da taxa de câmbio não se tem revelado apropriados, o que aponta, a princípio, para a necessidade de efetuar algum tipo de ajuste dirigido na balança comercial. O crescimento no grau de fragilidade financeira vem aumentando a vulnerabilidade externa do país, o que coloca em risco a sustentação de longo prazo do Plano Real. A opção do governo de esperar a extinção espontânea dos fatores que estimulam uma possível crise externa pode ser arriscada, pois o timing da aguardada reestruturação do setor produtivo e a melhoria da competitividade da economia brasileira podem ter se revelado demasiadamente longo.

Ademais, o argumento de Gustavo Franco de que os crescentes déficits em conta corrente que têm se observado no Brasil não apresentam problema - por estarem sendo bem financiados com participação crescente de capitais de maturidade mais longa (em particular os investimentos externos), além de verificar-se uma crescente participação de bens de capital na pauta de importações do país - tem sido colocado em dúvida por alguns autores.13 13 Ver, p. ex., as críticas à estratégia do governo feitas por Luciano Coutinho (8/6/97) e Paulo N. Batista Júnior (19/6/97) na Folha de S. Paulo, e, ainda, o Boletim de Conjuntura do IE/UFRJ, v. 16, n. 4, dez. 1996. Esses mostram que o crescimento das importações de bens de capital tem sido realizado em detrimento da sua produção interna, não sendo acompanhado de uma elevação do investimento em máquinas e equipamentos no país, pois a taxa de investimento agregada de economia encontra-se estagnada desde 1995, cerca de 16,0% do PIB, bem inferior à taxa média da década de 70 que era da ordem de 23,5% e, mesmo do período 1986/89, cuja taxa média foi de 17,5%. Cabe ressaltar que embora os investimentos tenham aumentado sua participação no fluxo de capitais externos14 14 Kregel (1996) critica a visão de que o investimento direto estrangeiro deva ser considerado um investimento em “tijolos e argamassa”, mostrando não só a facilidade com que os investidores de países desenvolvidos assumem e abandonam o controle de companhias através de fusões e incorporações, como também que as recentes inovações nos mercados financeiros têm contribuído para eliminar o conceito de investimento permanente. Frente à globalização financeira, todos os investimentos tornaram-se líquidos e implicam um certo grau de hedging. em 1996 e no início de 1997, uma parcela importante deste aumento tem sido destinada à aquisição de empresas privadas já existentes e à participação no processo de privatização de empresas estatais, não significando, a princípio, novos investimentos que ocasionem aumentos na atividade inversora da economia. Questiona-se, ainda, se o atual ciclo de inversões contribuirá efetivamente para a melhoria da balança comercial, tendo em vista que a grande maioria dos investimentos tem sido induzida pela expansão do mercado doméstico, sendo que, no caso dos investimentos externos, estes têm se concentrado nos setores de bens de consumo duráveis, cujo componente importado tem sido crescente15 15 Boa parte do aumento das importações globais e setoriais se deve ao processo de redução nos índices de nacionalização dos bens finais, como resultado das estratégias de especialização adotadas pelas empresas transnacionais, que têm terceirizado algumas atividades produtivas e/ou transferido a compra de componentes para seus fornecedores estrangeiros em nível mundial, em detrimento de fornecedores locais. Para uma análise detalhada sobre a contribuição do investimento direto estrangeiro na retomada do crescimento econômico sustentado do país, ver Laplane e Sarti (1997). . Esses fatores lançam dúvidas no que diz respeito a um aumento futuro na competitividade da produção nacional nos mercados externos e com relação à própria eficácia do processo de reestruturação produtiva preconizado pelo governo.

Como assinala Bresser-Pereira (1997BRESSER-PEREIRA, L.C. (1997). “As três formas de desvalorização cambial”, Revista de Economia Política, v. 17, nº 1, jan/mar.), a experiência internacional mostra que países com graves problemas na conta corrente do balanço de pagamentos recorrem geralmente à elevação do preço da moeda estrangeira, via aumento na taxa de câmbio nominal, para correção de desequilíbrios externos, justamente pelo fato de que as outras opções que poderiam levar a uma desvalorização real do câmbio - como um forte ajuste fiscal16 16 Um ajuste fiscal pode significar uma desvalorização real no câmbio, permitindo uma redução dos preços dos produtos non-tradables em relação aos tradables através da diminuição da demanda relativa para os primeiros, via efeito-desabsorção e via efeito substituição, uma vez que a demanda do Estado por bens e serviços é constituída principalmente de non-tradables. ou um aumento de produtividade superior ao dos concorrentes internacionais - envolvem um processo gradual e muitas vezes politicamente custoso, requerendo um tempo relativamente longo para ter efeito, que pode não ser possível esperar. A desvalorização direta do câmbio, contudo, para ser eficaz não pode ser acompanhada por um correspondente aumento nos preços internos, pois a desvalorização nominal conduzirá a uma depreciação real somente se o preço dos non-tradables se mantenham constantes ou subam menos que dos tradables.17 17 Para facilitar a análise, é útil efetuar uma divisão conceituai da atividade produtiva em dois segmentos: os tradables, que são produtos - exportáveis ou importáveis - cujos preços domésticos são determinados externamente pelo mercado mundial, e os non-tradables, que são bens e serviços cujos preços são estabelecidos fundamentalmente pela oferta e demanda domésticas.

A desvalorização real do câmbio tem sido sugerida para o Brasil por intermédio de três caminhos: (i) via alargamento na banda de flutuação cambial, como tem sido proposto por Delfim Netto, acompanhado de uma redução da taxa de juros interna, deixando o câmbio flutuar com mais liberdade, o que ocasionaria, com a diminuição nos fluxos de capitais externos, uma aceleração contínua e gradual nas desvalorizações cambiais18 18 Esta posição foi defendida por Delfim Netto em entrevista à Gazeta Mercantil, em 20/11/96, e em sua coluna na Folha de S. Paulo em diversas ocasiões. ; (ii) através da adoção de taxas de câmbio flexíveis, tal como defendida por Ibrahim Eris, que sustenta que o câmbio deveria flutuar livremente, com o mercado determinando o nível sustentável do câmbio, ao mesmo tempo em que o Banco Central deveria baixar as taxas de juros até o nível em que os capitais mais voláteis e de curto prazo saíssem do país, de forma que a livre flutuação cambial resultasse, inicialmente, em uma desvalorização cambial19 19 A posição de Ibrahim Eris foi exposta na Coluna de Celso Pinto, Folha de S. Paulo, 10/06/96. ; (iii) ou através de uma mididesvalorização cambial de cerca de 10 a 15%, como sugere Paulo Nogueira Batista Jr., acompanhada de medidas apropriadas nos campos fiscal e monetário, que ocasionassem uma contenção moderada na demanda agregada, além de algumas medidas extra-cambiais de incentivo à exportação e controle das importações.20 20 Uma desvalorização nominal no câmbio na ordem de 10 a 15% foi defendida por Batista Jr. em sua coluna na Folha de S. Paulo de 26/9/96 e 7/11/96. A desvalorização cambial voltou a se r preconizada pelo autor, após o ataque especulativo de outubro/97, em artigo na Folha de 16/11/97 intitulado “É preciso mudar a política cambial”.

A primeira opção parece ir na direção da proposta de Williamson (l987WILLIAMSON, J. (1987). “Exchange rate management: the role of target zones”, American Economic Review Papers and Proceedings nº 77, maio.), que argumenta que o comportamento irracional e a especulação desestabilizadora nos mercados de câmbio resultam em “volatilidade excessiva” na taxa de câmbio real, e, por isso, advoga a adoção de bandas largas (mais de 10%) para a taxa de câmbio real ao redor do nível estabelecido como meta (que deve corresponder a um fundamental equilibrium exchange rate, nível que se espera a médio prazo poder conciliar o equilíbrio interno com o externo). Esta opção tem a vantagem de, ao contrário do câmbio nominal rigidamente fixo ou das bandas estreitas, dar ao Banco Central um maior grau de liberdade no estabelecimento da política monetária, permitindo um maior controle sobre as taxas de juros domésticas (Svensson, 1992SVENSSON, L.E. (1992). “Why exchange rate bands? Monetary independence in spite of fixed exchange rates”, NBER Working Paper nº 4207, november.).

No sistema de bandas cambiais, contudo, quanto maior for a banda mais ela se aproxima de um sistema de taxas de câmbio flutuantes, o que implica a submissão a todos os problemas que este acarreta. Como a adoção de bandas mais estreitas é a que tem sido adotada pelas autoridades do governo, na prática a proposta de Delfim Netto (bandas largas) assemelha-se com a de lbrahim Eris, ou seja, da adoção de taxas de câmbio totalmente flutuantes, em que o mercado determinaria o nível de equilíbrio do câmbio.21 21 Esta proposta, de cunho monetarista, para ser coerente deve ser acompanhada pela adoção de metas monetárias por parte do Banco Central, como tem sido defendida há muitos anos por Milton Friedman (1967, pp. 20-1), para quem “ um sistema de taxas flutuantes de câmbio elimina completamente o problema de balanço de pagamentos - exatamente do mesmo modo que, num mercado livre, não pode ocorrer um excesso ou escassez, no sentido de que os que querem vender não conseguem encontrar compradores ou os que estão ansiosos por comprar não encontram vendedores”. A vantagem desta opção seria que a livre flutuação cambial poderia induzir a uma maior desvalorização no real, ou simplesmente deixá-lo alcançar seu ponto de “equilíbrio”, sem haver a necessidade de efetuar uma midi ou maxidesvalorização. A desvantagem da adoção de um regime desta natureza é que este acaba com a previsibilidade da política cambial, aumentando a incerteza sobre ganhos e perdas futuras com aplicações e contratos em dólares, especialmente no caso daqueles endividados ou com aplicações denominadas em moeda estrangeira. Isto poderia desestabilizar o mercado de câmbio, prejudicando, sobretudo, os empresários comprometidos com contratos internacionais de mais longo termo, que passariam a se submeter mais fortemente ao risco cambial.22 22 Para uma análise crítica sobre o regime de taxas de câmbio flutuante, ver Davidson (1982, cap. 14). Como o câmbio é um dos preços básicos na formação das expectativas empresariais, sua flutuação afetaria negativamente as decisões de investimento na economia, além de poder inviabilizar os mercados futuros de câmbio e a possibilidade de cobertura de risco dos agentes endividados em dólar.

Adiciona-se, ainda, que tais opções, nas condições atuais de estabilização da economia brasileira, parecem ser incompatíveis com a essência do Plano Real, pois o reequilíbrio nas contas externas significaria o fim da âncora nominal de preços. Alargar as bandas de variação da taxa de câmbio na magnitude necessária ao equacionamento dos problemas impostos pelos déficits comerciais ou adotar um sistema de taxas de câmbio totalmente flutuantes seria transformar a âncora cambial em uma espécie de bóia-flutuante. Na atual fase de estabilização da economia, os preços domésticos ainda necessitam de uma âncora cambial. Somente avaliações excessivamente otimistas poderiam apostar que os agentes privados no Brasil já tomam suas decisões precificadoras isentas de influências de variáveis que não pertencem diretamente ao mundo da concorrência de mercado.

A terceira opção, defendida por Batista Jr., de efetuar uma mididesvalorização conjugada com uma política de contenção moderada na demanda agregada - acompanhada de medidas extra-cambiais de incentivo à exportação e controle das importações - poderia ser a mais adequada, de acordo com a experiência internacional23 23 Kiguel e Ghei (1993) realizam um survey sobre os efeitos de 33 maxidesvalorizações cambiais sobre a inflação, balança comercial e crescimento econômico em um conjunto de países cujas taxas de câmbio permaneceram fixas por pelo menos 3 anos antes da máxi. Seus resultados - comparados com economias que adotaram taxas de câmbio flexíveis - são que os efeitos de uma desvalorização esporádica se convertem muito mais facilmente em desvalorização real do que se pode esperar de permanentes minidesvalorizações. Dornbusch, Goldfanjn e Valdés (1995) mostram que, na experiência europeia recente, as desvalorizações nominais maiores implicaram uma depreciação real e tiveram efeitos positivos sobre as exportações líquidas. de casos de desvalorizações cambiais em inflação baixa. Contudo, para ser eficaz, isto é, não ser transmitida às expectativas inflacionárias dos agentes econômicos, a mididesvalorização cambial deveria ser feita de uma só vez e numa tal magnitude que os agentes acreditassem que dificilmente uma outra medida desse gênero seria adotada a curto ou médio prazo.

Para não haver necessidade de novos rounds no câmbio, seria necessário que tal medida fosse complementada por uma política de contenção fiscal e monetária que inibisse reações precificadoras até que a balança comercial apresentasse resultados positivos com a nova taxa de câmbio24 24 Para uma análise dos efeitos de uma desvalorização nominal direta no câmbio combinada com uma política de redução na absorção interna, ver Corden (1994, cap. 2). Uma política transitória de contração da absorção interna - como coadjuvante à desvalorização cambial - deveria ser adotada. Provavelmente, haveria pressão no sentido do aumento de preços internos decorrente: (i) da elevação do custo em moeda doméstica dos insumos importados; (ii) da redução da pressão até então imposta aos preços internos pelos produtos tradables em função do barateamento dos produtos importados; (iii) pelo efeito inicial expansionista sobre o nível de atividade interna de uma desvalorização cambial. Caso os preços internos subam na proporção do preço da moeda estrangeira, a mexida no câmbio pôde significar apenas uma desvalorização nominal, mas não real.

Tal como nas opções anteriores, uma política cambial desta natureza fica bastante limitada por seus efeitos sobre o balanço de pagamentos, pois não se pode desconsiderar os impactos que uma mudança brusca na política cambial teria sobre o movimento de capitais. A interpretação que os agentes não-residentes iriam formular acerca da rentabilidade futura de seus ativos denominados em reais - tendo em vista as perdas absorvidas em face da maxidesvalorização - poderia acarretar uma retirada de capitais de curto prazo (portfólio e empréstimos) e ter novos impactos sobre o preço dos ativos e a taxa de câmbio. Por outro lado, o impacto da desvalorização afetaria, também, a capacidade de pagamento dos agentes endividados em dólar e do próprio governo federal em função do peso crescente de títulos com correção cambial (NTN-D e NBC-E) no total da dívida pública interna do país.25 25 Segundo o Boletim de Conjuntura do IE/UFRJ, de janeiro/98, embora esses títulos representassem ao final do ano de 1997 menos de 5% do PIB, os mesmos já correspondiam a cerca de 60% das reservas cambiais e 20% da dívida mobiliária federal. Esses papéis funcionam como hedge para quem tem dívidas em dólar. Ao vender títulos cambiais, o Banco Central sinaliza que não deve desvalorizar mais fortemente o câmbio, pois do contrário estaria aumentando sua própria dívida.

Outro fator que poderia tornar ineficaz uma desvalorização nominal direta no câmbio é o compromisso do governo, expresso inúmeras vezes pela direção do Banco Central, em manter a política cambial em vigor sem grandes ajustes. Desse modo, uma midi ou maxidesvalorização comprometeria a credibilidade do governo junto aos agentes econômicos privados, conduzindo esses a comportamentos que poderiam anular os efeitos inicialmente desejados pelas autoridades econômicas. Assim, o governo fica preso à “ armadilha do câmbio” que ele próprio criou.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS À LUZ DOS EFEITOS DA CRISE ASIÁTICA SOBRE O BRASIL26 26 Esta seção está baseada em Paula e Alves Jr. (1998).

O ataque especulativo sobre o real, ocorrido em outubro de 1997, parece ter sido decorrente de um mix entre uma “crise de contágio”, a partir dos efeitos da crise asiática sobre o Brasil, e de um surto especulativo desencadeado pelos operadores de mercado, que perceberam que havia claros desequilíbrios macroeconômicos no país.27 27 Krugman em seus trabalhos (ver, p. ex., Krugman, 1997) distingue, grosso modo, as crises cambiais e os ataques especulativos em três casos : (i) aqueles associados a graves inconsistências de política macroeconômica, em geral relacionado a um dilema entre uma política doméstica expansionista e uma política cambial voltada para manter a longo prazo uma taxa de câmbio fixa (ex: crise mexicana de 1994/5); (ii) aqueles que não têm a ver com os chamados economics fundamentals, sendo originados por processos puramente especulativos (ex: crise europeia de 1992/3); e ainda (iii) as “crises de contágio”, que acontecem quando o crash financeiro em um país precipita crashs em outros países, o que pode fazer com que a crise cambial se propague (ex: propagação da crise da Tailândia para outros países do leste asiático). O efeito contágio foi evidente em decorrência da queda nos preços dos bônus brasileiros (e de todos os países emergentes) negociados no mercado financeiro internacional e também das perdas dos global players em suas aplicações nas bolsas de valores asiáticas, ambas contribuindo para que os investidores presentes no mercado brasileiro vendessem suas posições em reais para cobrir seus prejuízos em outros mercados.

Do ponto de vista da inconsistência dos economics fundamentals, a trajetória insustentável nas contas externas colocava o país sob o risco de uma crise cambial, em função do alto grau de fragilidade financeira externa da economia brasileira, tomando-a bastante suscetível a mudanças na conjuntura internacional. Como foi mostrado neste artigo, há claras evidências de aumento no grau de fragilidade financeira externa no Brasil durante o Plano Real, principalmente nos anos 1996 e 1997, que aumentou basicamente porque as obrigações cambiais - reais e virtuais - não estavam sendo cobertas por receitas correntes e fontes de financiamento de prazo mais dilatado, o que tem tornado o país dependente sistematicamente de refinanciamentos externos.

As autoridades econômicas, como visto, pareciam negligenciar os efeitos de uma possível mudança no cenário internacional, passando a ideia de que o real era uma “muralha”. A ideia central era que os elevados déficits comerciais observados, em particular o aumento nas importações de bens de capital, eram resultado de um processo de reestruturação produtiva da indústria brasileira, ensejando ganhos de produtividade significativos e suficientes para, a médio prazo, compensar a apreciação cambial e estimular uma vigorosa reação dos exportadores. Os riscos cambiais desta trajetória seriam minimizados pelo fato de que o déficit estaria sendo bem financiado, com uma crescente participação de capitais externos de longo prazo.

Todavia, a realidade brasileira mostrou que, face ao aumento nos déficits em conta corrente, o financiamento de longo prazo desses déficits não foi suficiente para impedir o aumento da fragilidade externa. O país era obrigado, assim, a recorrer ao refinanciamento externo, o que contribuiu para aumentar os já volumosos estoques de papéis e créditos com maturação curta, fazendo com que a economia brasileira ficasse cada vez mais vulnerável às mudanças nas expectativas curto-prazistas formuladas pelos investidores estrangeiros. O surto especulativo de outubro passado evidenciou a fragilidade externa do real, e só não resultou em uma crise cambial devido à rápida ação do governo, queimando parte de suas volumosas reservas, elevando à lua as taxas de juros (de 21% para 44% a.a.) e aumentando a oferta de hedge através da venda de títulos com correção cambial, de modo a reverter o processo especulativo então em curso. A seguir, editou prontamente um pacote fiscal de emergência. Com tais medidas, o governo buscou, ao mesmo tempo, garantir o fluxo de recursos necessário para fechar o balanço de pagamentos e produzir uma redução mais rápida nos déficits comerciais e na conta corrente.

Neste contexto, o governo deverá procurar manter a atual política de desvalorizações suaves no câmbio, combinada com um aprofundamento no processo de privatização, buscando alcançar um equilíbrio provisório nas contas externas, ainda que ao preço de um crescimento econômico mais modesto. Contraditoriamente, as medidas adotadas para enfrentar a crise, ao mesmo tempo que restabeleceram, ao menos parcialmente, a confiança dos agentes no real, vêm acarretando desajustes macroeconômicos sérios no país: desaceleração econômica, aumento de desemprego,f ragilização do sistema bancário, deterioração fiscal (devido à própria retração econômica e ao efeito dos juros sobre os custos da dívida pública), dependência maior de capitais externos de curto prazo etc. - o que poderá comprometer os próprios economics fundamentals do Real. Por outro lado, evidenciam os reduzidos graus de liberdade no manejo da política econômica por parte do governo.

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  • WILLIAMSON, J. (1987). “Exchange rate management: the role of target zones”, American Economic Review Papers and Proceedings nº 77, maio.
  • *
    Este, finalizado com informações disponíveis em abril de 1998, é resultado de pesquisa realizada no âmbito do Projeto de Estudos da Moeda e Sistemas Financeiros desenvolvido no Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IE/UFRJ), que conta com o suporte financeiro do CNPq. Os autores agradecem as sugestões feitas por Alexis Dantas, Fernando Cardim, Fernando Ferrari, Gary Dymski, João Sicsú, Julio Lopes e Rogério Studart, e também por um parecerista anônimo, isentando-os de erros e omissões porventura existentes.
  • 1
    Para uma análise de experiências comparadas de planos de estabilização com âncora cambial, ver Souza (1994SOUZA, F.E.P. (1994). “Experiências de políticas de estabilização baseadas na âncora cambial”, Revista Brasileira de Comércio Exterior, nº 40, ago./set.).
  • 2
    Ver, por exemplo, Pastore & Pinotti (1995PASTORE, A.C. & PINOTTI, M.C. (1995). “Câmbio e inflação”. REIS VELLOSO, J.P. (org.). O real e o futuro da economia. Rio de Janeiro: José Olympio Editora.) e Batista Jr. (1996BATISTA Jr., P N. (1996). “O Plano Real à luz da experiência mexicana e argentina”, Estudos Avançados, v. 10, nº 28, set./dez.).
  • 3
    Este modelo consistia, para Franco (1996FRANCO, G.H.B. (1996). “A inserção externa e o desenvolvimento”. Mimeo., pp. 25-6), em “incentivos à ineficiência, oriundos notadamente da ausência de competição, que levaram à estagnação da taxa de crescimento e da produtividade.(...) [Assim] a ‘competitividade’ dependeria(...) de reduções de salários já excessivamente deprimidos e em taxas de câmbio mais e mais subvalorizadas” (grifos no original).
  • 4
    Ver, a respeito, as entrevistas de Gustavo Franco à Gazeta Mercantil, em 18/11/96, e ao O Globo, em 20/1/97
  • 5
    Entrevista ao Jornal do Brasil. em 6/7/97.
  • 6
    Os capitais de curto prazo acumulados e os investimentos líquidos em portfólio foram defasados em um período porque se convencionou neste trabalho que estas obrigações só poderão ser exigidas no trimestre subsequente ao de referência de sua entrada. O mesmo foi feito com as reservas, pois entende-se que as obrigações de um determinado trimestre poderão ser enfrentadas com as receitas cambiais do próprio trimestre além das reservas acumuladas até o trimestre anterior.
  • 7
    Os dados que compõem o índice de fragilidade financeira externa podem ser vistos na Tabela 1, em anexo APÊNDICE Tabela 1 Dados Utilizados para o Cálculo do Índice de Fragilidade Financeira Externa Brasil: 1992/97 Período X M Rj Dj Ros Dos A CCP PLA ld Eml RE 1/92 7.860 4.654 218 2.469 1.130 1.784 2.656 567 1.333 -108 2.156 13.741 11/92 8.647 4.725 269 1.325 990 1.924 1.166 290 1.947 1487 3.242 18.109 111/92 9.525 5.227 251 3.146 954 2.213 1.827 -968 2.104 850 1.780 17.682 IV/92 10.071 5.972 304 1.425 903 2.309 1.498 -870 2.281 224 2.129 19.008 1/93 9.454 5.206 280 3.281 1.109 2.495 2.189 -1.290 3.285 275 1.661 17.960 11/93 9.246 6.044 257 1.806 996 2.679 2.262 -1.647 4.007 302 3.133 18.814 111/93 10.371 7.400 188 1.755 1.070 2.895 2.467 -1.368 5.366 135 3.054 20.116 IV/93 9.873 7.050 91 2.427 1.272 3.187 2.643 -553 8.931 186 3.737 25.878 1/94 8.877 6.049 286 1.775 1.320 2.883 2.760 1.408 11.455 388 2.270 32.295 11/94 11.225 7.088 457 2.226 1.223 2.864 2 509 4.286 13026 659 2.396 40.131 111/94 12.182 8.023 478 1.329 1.267 3.366 2667 3.002 13364 670 2.640 40.873 IV/94 11.275 12.007 580 2.810 1.246 4.178 3.051 -449 14.611 424 4.304 36.471 1/95 9.731 12.065 684 1.789 1.534 4.563 2.762 4966 10989 488 918 31.530 11/95 11.718 13.651 552 3.652 1.704 4.141 3.189 7.176 12.298 711 4.317 31.492 111/95 12.729 11.917 534 1.797 1.666 4.252 2.217 16.283 16.121 663 5.264 46.614 IV/95 12.328 12.030 715 3.405 1.712 3.864 2.858 19.218 16.905 811 4 328 50.449 1/96 10.286 10.738 618 2.485 1.945 3.921 4.120 22.087 18.782 1221 3 946 54,331 11/96 12.617 12.477 627 3.550 2.217 4.414 2.835 22.017 19.786 3256 6.301 58.639 111/96 12.995 14.235 762 2.563 2.002 5.545 3.114 23.581 21.031 1385 3.527 57.381 IV/96 11.899 15.837 911 4.160 2.081 6.232 4.355 25.304 22.944 3718 9.028 59.039 1/97 10.657 13.715 978 2.017 1.712 5.069 3.606 26.826 26219 2752 4.150 58.120 11/97 14.130 15.409 933 4.469 2.308 6.408 8.423 20.042 29.126 4237 8.474 56.795 111/97 14.899 16.929 1.118 2.730 2.127 6.644 4322 13 680 31.012 4462 8.927 61.161 IV/97 13.301 15.888 992 5.192 2.277 7.075 13.049 8.605 28.244 6413 8.190 51.192 Fonte : Boletim do Banco Central do Brasil (vários números). Obs.: CCP e PLA estão acumulados a partir do primeiro trimestre de 1991. .
  • 8
    De acordo com o Boletim de Conjuntura do IE/UFRJ, de julho/97, nos três primeiros anos do Real a balança comercial foi responsável por cerca de 2/3 do aumento do déficit em conta corrente
  • 9
    O Anexo IV da Resolução 1.289 do CMN, instituído em 31/ 5/91, disciplinou o investimento no país em carteira de títulos e valores mobiliários mantida pelos investidores institucionais estrangeiros, permitindo ampla liberdade para alocação dos recursos nos ativos e nas operações admitidas, dispensando o atendimento de percentuais mínimos existentes nos outros Anexos (I, II e III).
  • 10
    A taxa de juros nominal dividida pela desvalorização cambial no período dá a remuneração do investidor estrangeiro em termos da moeda estrangeira.
  • 11
    De acordo com Bacha (1997BACHA, E. L. (1997). “Plano Real: uma segunda avaliação”, In O Plano Real e outras experiências internacionais de estabilização. Brasília: IPEA/CEPAL., p. 181), nos termos da banda assimétrica, o Banco Central obrigava-se a intervir caso o real tendesse a se desvalorizar em relação ao dólar além da paridade de 1:1, mas deixava o mercado livre caso houvesse uma tendência de apreciação do real em relação ao dólar.
  • 12
    A partir de março de 1995, o governo mudou a política cambial, desvalorizando o real em cerca de 6% e passando a adotar uma política de pequenas desvalorizações mensais - através do lento deslizamento de uma banda cambial estreita - que vem sendo mantida até hoje.
  • 13
    Ver, p. ex., as críticas à estratégia do governo feitas por Luciano Coutinho (8/6/97) e Paulo N. Batista Júnior (19/6/97) na Folha de S. Paulo, e, ainda, o Boletim de Conjuntura do IE/UFRJ, v. 16, n. 4, dez. 1996.
  • 14
    Kregel (1996KREGEL, J. (1996). “Some risks and implications of financial globalization for national policy autonomy”, UNCTAD Review 1996. Geneva: UNCTAD.) critica a visão de que o investimento direto estrangeiro deva ser considerado um investimento em “tijolos e argamassa”, mostrando não só a facilidade com que os investidores de países desenvolvidos assumem e abandonam o controle de companhias através de fusões e incorporações, como também que as recentes inovações nos mercados financeiros têm contribuído para eliminar o conceito de investimento permanente. Frente à globalização financeira, todos os investimentos tornaram-se líquidos e implicam um certo grau de hedging.
  • 15
    Boa parte do aumento das importações globais e setoriais se deve ao processo de redução nos índices de nacionalização dos bens finais, como resultado das estratégias de especialização adotadas pelas empresas transnacionais, que têm terceirizado algumas atividades produtivas e/ou transferido a compra de componentes para seus fornecedores estrangeiros em nível mundial, em detrimento de fornecedores locais. Para uma análise detalhada sobre a contribuição do investimento direto estrangeiro na retomada do crescimento econômico sustentado do país, ver Laplane e Sarti (1997LAPLANE, M. & SARTI, F. (1997). “Investimento direto estrangeiro e a retomada do crescimento sustentado nos anos 90”, Economia e Sociedade, nº 8, junho.).
  • 16
    Um ajuste fiscal pode significar uma desvalorização real no câmbio, permitindo uma redução dos preços dos produtos non-tradables em relação aos tradables através da diminuição da demanda relativa para os primeiros, via efeito-desabsorção e via efeito substituição, uma vez que a demanda do Estado por bens e serviços é constituída principalmente de non-tradables.
  • 17
    Para facilitar a análise, é útil efetuar uma divisão conceituai da atividade produtiva em dois segmentos: os tradables, que são produtos - exportáveis ou importáveis - cujos preços domésticos são determinados externamente pelo mercado mundial, e os non-tradables, que são bens e serviços cujos preços são estabelecidos fundamentalmente pela oferta e demanda domésticas.
  • 18
    Esta posição foi defendida por Delfim Netto em entrevista à Gazeta Mercantil, em 20/11/96, e em sua coluna na Folha de S. Paulo em diversas ocasiões.
  • 19
    A posição de Ibrahim Eris foi exposta na Coluna de Celso Pinto, Folha de S. Paulo, 10/06/96.
  • 20
    Uma desvalorização nominal no câmbio na ordem de 10 a 15% foi defendida por Batista Jr. em sua coluna na Folha de S. Paulo de 26/9/96 e 7/11/96. A desvalorização cambial voltou a se r preconizada pelo autor, após o ataque especulativo de outubro/97, em artigo na Folha de 16/11/97 intitulado “É preciso mudar a política cambial”.
  • 21
    Esta proposta, de cunho monetarista, para ser coerente deve ser acompanhada pela adoção de metas monetárias por parte do Banco Central, como tem sido defendida há muitos anos por Milton Friedman (1967FRIEDMAN, M. (1967). “Primeira conferência”, In FRIEDMAN, M. & ROOSA, R.V Balança de pagamentos: taxas de câmbio livres versus taxas de câmbio flutuantes. Rio de Janeiro: Victor Publicações., pp. 20-1), para quem “ um sistema de taxas flutuantes de câmbio elimina completamente o problema de balanço de pagamentos - exatamente do mesmo modo que, num mercado livre, não pode ocorrer um excesso ou escassez, no sentido de que os que querem vender não conseguem encontrar compradores ou os que estão ansiosos por comprar não encontram vendedores”.
  • 22
    Para uma análise crítica sobre o regime de taxas de câmbio flutuante, ver Davidson (1982DAVIDSON, P. (1982). International money and The real world. London: Macmillan., cap. 14).
  • 23
    Kiguel e Ghei (1993KIGUEL, A. & GHEI, N. (1993). “Devaluation in low-inflation economies”, Working Paper nº 1224. Washington: World Bank/Policy Research Department.) realizam um survey sobre os efeitos de 33 maxidesvalorizações cambiais sobre a inflação, balança comercial e crescimento econômico em um conjunto de países cujas taxas de câmbio permaneceram fixas por pelo menos 3 anos antes da máxi. Seus resultados - comparados com economias que adotaram taxas de câmbio flexíveis - são que os efeitos de uma desvalorização esporádica se convertem muito mais facilmente em desvalorização real do que se pode esperar de permanentes minidesvalorizações. Dornbusch, Goldfanjn e Valdés (1995DORNBUSCH, R., GOLDFAJN, I.. & VALDÉS, R. (1995). “Currency crises and collapses”, Brookings Papers on Economic Activity, 2.) mostram que, na experiência europeia recente, as desvalorizações nominais maiores implicaram uma depreciação real e tiveram efeitos positivos sobre as exportações líquidas.
  • 24
    Para uma análise dos efeitos de uma desvalorização nominal direta no câmbio combinada com uma política de redução na absorção interna, ver Corden (1994CORDEN, W.M. (1994). Economic policy, exchange rates and the international system. Oxford: Oxford University Press., cap. 2).
  • 25
    Segundo o Boletim de Conjuntura do IE/UFRJ, de janeiro/98, embora esses títulos representassem ao final do ano de 1997 menos de 5% do PIB, os mesmos já correspondiam a cerca de 60% das reservas cambiais e 20% da dívida mobiliária federal. Esses papéis funcionam como hedge para quem tem dívidas em dólar. Ao vender títulos cambiais, o Banco Central sinaliza que não deve desvalorizar mais fortemente o câmbio, pois do contrário estaria aumentando sua própria dívida.
  • 26
    Esta seção está baseada em Paula e Alves Jr. (1998PAULA, L.F.R. & ALVES Jr., A.J. (1998). “Ataques especulativos e o real: a crônica de uma crise anunciada”. Jornal dos Economistas, CORECON/RJ nº 106, fevereiro.).
  • 27
    Krugman em seus trabalhos (ver, p. ex., Krugman, 1997KRUGMAN, P. (1997). “Currency crises”. Mimeo.) distingue, grosso modo, as crises cambiais e os ataques especulativos em três casos : (i) aqueles associados a graves inconsistências de política macroeconômica, em geral relacionado a um dilema entre uma política doméstica expansionista e uma política cambial voltada para manter a longo prazo uma taxa de câmbio fixa (ex: crise mexicana de 1994/5); (ii) aqueles que não têm a ver com os chamados economics fundamentals, sendo originados por processos puramente especulativos (ex: crise europeia de 1992/3); e ainda (iii) as “crises de contágio”, que acontecem quando o crash financeiro em um país precipita crashs em outros países, o que pode fazer com que a crise cambial se propague (ex: propagação da crise da Tailândia para outros países do leste asiático).
  • 29
    JEL Clasisifcation: F41; G28; E12.

APÊNDICE

Tabela 1
Dados Utilizados para o Cálculo do Índice de Fragilidade Financeira Externa Brasil: 1992/97

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Abr 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 1999
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