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Moeda e Espaço no Brasil: um estudo de áreas selecionadas

Money and space in Brazil: a study of selected areas

RESUMO

O objetivo deste artigo é analisar, sob o referencial pós-keynesiano, a relação entre a centralidade e o dinamismo das regiões, e o comportamento de algumas variáveis financeiras regionais no Brasil de 1988 a 2000. Este trabalho realiza a análise utilizando delineamento geoeconômico apresentado por Lemos, Guerra e Moro (2000LEMOS, M., GUERRA, L. e MORO, S. (2000), A nova configuração regional brasileira: sua geografia econômica e os determinantes locacionais da indústria. In: XXVIII Encontro Nacional de Economia, Campinas. 1 CD-ROM.) e a existência do polígono de desenvolvimento proposto por Diniz (1993DINIZ, C.C. (1993), Desenvolvimento Poligonal no Brasil: nem desconcentração nem contínua polarização. Revista Nova Economia, Belo Horizonte, v. 3, nº 1, p. 35-64.). Os resultados mostram a relação entre a centralidade de uma região e a presença de características institucionais que facilitam a criação do crédito no período analisado.

PALAVRAS-CHAVE:
Economia regional; sistema financeiro; preferência por dinheiro e liquidez

ABSTRACT

The aim of this piece is to analyse, under the post-Keynesian framework, the relationship between the centrality and the dynamism of regions, and the behaviour of some regional financial variables in Brazil from 1988 to 2000. This paper undertakes the analysis using a special geo-economic delineation presented by Lemos, Guerra and Moro (2000LEMOS, M., GUERRA, L. e MORO, S. (2000), A nova configuração regional brasileira: sua geografia econômica e os determinantes locacionais da indústria. In: XXVIII Encontro Nacional de Economia, Campinas. 1 CD-ROM.) and the existence of the polygon of development proposed by Diniz (1993DINIZ, C.C. (1993), Desenvolvimento Poligonal no Brasil: nem desconcentração nem contínua polarização. Revista Nova Economia, Belo Horizonte, v. 3, nº 1, p. 35-64.). The results show the relation between the centrality of a region and the presence of institutional characteristics that make the credit easier to be created during the analysed period.

KEYWORDS:
Regional economy; financial system; money and liquidity preference

INTRODUÇÃO

A teoria pós-keynesiana, partindo das idéias originais de Keynes sobre a moeda e seu papel nas relações econômicas reais, torna clara a possibilidade de que diferentes comportamentos de agentes em relação à moeda possam determinar distintos desempenhos de uma economia. A partir desta possibilidade, alguns autores pós-keynesianos tentam combinar suas análises com elementos da Teoria da Causação Cumulativa e da Teoria da Dependência para relacionar o comportamento dos agentes em relação à moeda em distintas regiões com as características destas. De acordo com seus modelos, regiões mais centrais e dinâmicas teriam agentes com menor preferência pela liquidez, atrairiam um maior fluxo de capitais e teriam maior presença bancária, de modo que teriam maior facilidade na geração de crédito em relação a uma região periférica, iniciando um processo que pode manter e ampliar a desigualdade econômica entre ambas.

No Brasil, desde a década de 1970, está em curso um processo macroespacial identificado por Diniz (1993DINIZ, C.C. (1993), Desenvolvimento Poligonal no Brasil: nem desconcentração nem contínua polarização. Revista Nova Economia, Belo Horizonte, v. 3, nº 1, p. 35-64.) como desconcentração poligonal, no qual a área metropolitana de São Paulo perde hegemonia relativa para alguns municípios de seu entorno e para uma área geográfica que inclui as áreas metropolitanas de Belo Horizonte e Curitiba, mas não inclui, por exemplo, as áreas metropolitanas do Rio de Janeiro e de Salvador. Neste cenário, seria interessante verificar o comportamento das variáveis financeiras destas regiões de acordo com a visão pós-keynesiana sobre moeda e espaço. A questão se torna mais interessante a partir do momento em que se pode relacionar o trabalho de Diniz com a nova regionalização econômica do país feita por Lemos, Guerra e Moro (2000LEMOS, M., GUERRA, L. e MORO, S. (2000), A nova configuração regional brasileira: sua geografia econômica e os determinantes locacionais da indústria. In: XXVIII Encontro Nacional de Economia, Campinas. 1 CD-ROM.). Neste trabalho, delimitam-se as regiões de polarização das áreas metropolitanas citadas acima, permitindo uma abordagem espacial que deixa de ser administrativa para ser geo-econômica.

Desta forma, o objetivo do presente trabalho é tentar verificar, sob a ótica póskeynesiana, o relacionamento existente entre a moeda e o espaço econômico no Brasil entre 1988 e 2000, tomando por base o processo identificado por Diniz (1993DINIZ, C.C. (1993), Desenvolvimento Poligonal no Brasil: nem desconcentração nem contínua polarização. Revista Nova Economia, Belo Horizonte, v. 3, nº 1, p. 35-64.) e a nova regionalização econômica do país feita por Lemos, Guerra e Moro (2000LEMOS, M., GUERRA, L. e MORO, S. (2000), A nova configuração regional brasileira: sua geografia econômica e os determinantes locacionais da indústria. In: XXVIII Encontro Nacional de Economia, Campinas. 1 CD-ROM.).1 1 O presente trabalho faz parte de uma linha de pesquisa que vem sendo desenvolvida no Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (CEDEPLAR) da UFMG denominada Polarização Regional e Sistema Financeiro, da qual foram oriundos outros trabalhos, tais como Crocco et al. (2002a); Crocco et al. (2002b) e Castro (2002).

O trabalho se subdivide em quatro partes além desta introdução. A parte I discute as perspectivas teóricas do artigo. É analisado o papel que a moeda pode ter na análise regional, a partir do enfoque pós-keynesiano. A parte II apresenta a fonte de dados, a concepção de região a ser utilizada e as regiões escolhidas. A parte III contém os resultados da análise entre moeda e espaço. Finalmente, na última seção, algumas conclusões são traçadas.

I. MOEDA E ESPAÇO: A ANÁLISE REGIONAL NA PERSPECTIVA PÓS-KEYNESIANA

Uma característica marcante na literatura acerca de economia regional é o pouco destaque dado à moeda e o seu papel para o desenvolvimento regional, sejam os estudos voltados para questões que abordam a possibilidade do desenvolvimento regional equilibrado ou desequilibrado.2 2 Para uma análise mais detalhada sobre os estudos clássicos de convergência de renda regional ver Ohlin (1933) e para os estudos do desequilíbrio no desenvolvimento regional ver Myrdal (1957), Baran (1957), Hirschman (1958), Friedmann (1966), Frank (1966 e 1967), Perroux (1967), Kaldor (1970), Dos Santos (1970 e 1973), Cardoso (1972) e Cardoso e Faletto (1979). Quando o objetivo em questão é especificamente a determinação da renda regional, as variáveis financeiras são, em sua maioria, tratadas em modelos econométricos, nos quais algumas variáveis monetárias nacionais, consideradas exógenas, afetam a determinação regional da renda em função das características específicas de cada região. Assim, a moeda e os fluxos monetários têm sido considerados como o resultado da diferença entre regiões e não como a causa desta diferença.

Segundo Rodriguez-Fuentes (1998RODRIGUEZ-FUENTES, C.J. (1998), Credit Availability and Regional Development. Papers in Regional Science, v. 77, 1, p. 63-75.), as principais razões para esta ausência de referências a fatores monetários são: 1) a hipótese ortodoxa de que a moeda é neutra no longo prazo e que, assim sendo, não poderia explicar valores reais em nível regional; 2) o fato de certas regiões não usarem instrumentos de política monetária, o que as deixa sem importância para estudo; 3) o fato de algumas regiões serem extremamente abertas e enfrentarem uma perfeita mobilidade de capital, tal como uma pequena e aberta economia.

A neutralidade das variáveis financeiras é assumida pelo mainstream em economia, para quem a renda real depende apenas de fatores reais. Neste contexto, a moeda é vista apenas como um véu que facilita as trocas e ajusta o nível geral de preços. Os bancos, por sua vez, são também considerados neutros pois somente alocam poupanças disponíveis entre projetos alternativos. Regionalmente, o sistema bancário somente afetará o desempenho das variáveis reais quando falhar na alocação do crédito nacional entre diferentes regiões em virtude de falhas de mercado, tais como informação imperfeita ou assimétrica, ou de barreiras à sua atuação, como custos de transação.3 3 Roberts e Fishkind (1979), Moore e Hill (1982) são autores de trabalhos iniciais que tentaram identificar fatores que poderiam levar ao racionamento de crédito em mercados regionais. Recentemente, autores da linha neo-keynesiana como Faini et al. (1993), por exemplo, têm explorado o argumento da informação assimétrica nos mercados de crédito regional. Quando nenhum destes problemas ocorrer o mercado de crédito regional estará atuando de forma apropriada e equilibrará o fluxo financeiro interregional, fazendo com que as regiões se deparem com uma curva de oferta de crédito perfeitamente elástica.

Embora as raízes de diferenças de renda regionais possam ser atribuídas a fatores estruturais, variáveis monetárias podem contribuir para a manutenção e ampliação destas diferenças, quando se adota uma abordagem na qual a moeda e os bancos são sempre não neutros para o desenvolvimento regional. Trabalhos nesta linha de abordagem, de cunho pós-keynesiano, surgiram recentemente na literatura econômica.4 4 Dow (1990 e 1992), Chick (1993) e Amado (1997) são empréstimos desta abordagem para o Canadá, Escócia, Comunidade Européia e Brasil, respectivamente.

A análise pós-keynesiana, além de considerar a oferta de moeda endógena ao funcionamento do sistema econômico, também se distingue das demais por abordar de forma integrada a oferta e a demanda no mercado de crédito regional. Para estes autores, a oferta e a demanda de crédito são interdependentes e afetadas pela preferência pela liquidez, vinculada às expectativas que os agentes formam em um ambiente de incerteza.5 5 Incerteza neste caso diferencia-se de risco e pode ser identificada por sua característica de ser nãomensurável, ao contrário do conceito de risco. Para um aprofundamento sobre a utilização deste conceito na economia keynesiana ver Davidson (1982/1983, 1993 e 1995), Dow (1995), Dequech (1997) e Crocco (2003). Do ponto de vista dos bancos, a preferência pela liquidez afetará negativamente a sua disposição em emprestar na região, caso possuam expectativas pessimistas ou pouco confiáveis sobre ela. No lado da demanda por crédito, a preferência pela liquidez do público afetará suas respectivas definições de portfólio. Quanto maior a preferência pela liquidez, maior as posições em ativos líquidos destes agentes e menor sua demanda por crédito.

A partir destes conceitos teóricos e utilizando-se de elementos das teorias da Causação Cumulativa e da Dependência, Dow (1982DOW, S.C. (1982), The regional Composition of the Bank Multipler Process. Scottish Journal of Political Economy, v. 29, 1, p. 22-44. e 1987__________ (1987), Money and Regional Development. Studies in Political Economiy, v. 23, 2, p. 7394.) apresenta alguns modelos em que o sistema financeiro, juntamente com o lado real da economia, pode promover padrões de desenvolvimento regional desiguais. Dow (1982DOW, S.C. (1982), The regional Composition of the Bank Multipler Process. Scottish Journal of Political Economy, v. 29, 1, p. 22-44.) tenta traduzir os argumentos de liquidez para um contexto espacial. Assim, economias contemporâneas com igual base monetária possuiriam multiplicadores monetários mais elevados quanto mais otimistas forem as expectativas sobre os preços locais dos ativos, mais líquidos os mercados locais destes ativos, maior o grau de desenvolvimento financeiro e mais favorável seu resultado comercial com outras regiões.

Dois casos extremos de regiões diferentes em suas características são considerados: uma região central e uma periférica. O centro seria uma região próspera, com mercados ativos e sofisticação financeira. A periferia seria uma economia estagnada, com tênues mercados e um menor grau de sofisticação financeira.6 6 O modelo considera que mesmo dentro de uma nação as inovações financeiras somente se estendem do centro financeiro para regiões mais remotas após um certo lag de tempo. Custos de transações adicionais e de informação ajudam a preservar esta diferença. Como resultado destas características, a preferência pela liquidez seria maior na periferia, a liquidez de qualquer ativo seria maior no centro do que na periferia e, no longo prazo, o multiplicador bancário seria maior no centro. Da mesma forma, a contextualidade espacial permite que o agente possa manter, simultaneamente, ativos de economias de várias regiões, implicando não só endogeneização espacial da base monetária, como também reforçando o caráter distinto das ofertas de moeda regionais.7 7 Dow (1982) trabalha com um sistema bancário de base regional. Entretanto, seus argumentos de diferenças na oferta de moeda continuam válidos em um sistema bancário nacional em que o fluxo de capitais pode ser exacerbado e a destinação das alocações dos recursos dependem crucialmente das decisões do centro, para onde o capital flui e os níveis de depósitos são maiores. Além disto, o fato de instituições financeiras tenderem a ter escritórios localizados na região central implica um distanciamento das demandas por investimento na região periférica e dificuldade na concessão de crédito. Há, portanto, uma separação entre o local do investimento e o local de controle e, desta maneira, a forma como este investimento se realiza é que assegura a dependência e o subdesenvolvimento.

O centro é definido como um local que apresenta uma estrutura produtiva historicamente dominada pela indústria e pelo comércio e onde se situa o centro financeiro. A periferia, por sua vez, concentra suas atividades no setor primário e nas manufaturas de baixa tecnologia, com uma dinâmica econômica centrada na exportação para o centro, sendo as receitas de suas vendas sensíveis à conjuntura no centro e, conseqüentemente, altamente voláteis. O centro possui spread effects sobre a periferia não apenas nas suas demandas de produtos mas também na difusão de tecnologia, mão-de-obra qualificada e serviços através de suas filiais, promovendo uma dependência entre centro e periferia.

Estas características implicam que a preferência pela liquidez será maior na periferia para os seus residentes, sejam bancos, empresários ou o público. As razões para isso seriam o alto risco de perda de capital para os bancos, relacionados ao risco de default dos empréstimos; a mudança da eficiência marginal do investimento para as empresas, que é afetada pela menor disponibilidade de empréstimos e maiores juros bancários; e a incerteza na obtenção de renda percebida pelo público, ambos ligados à volatilidade da economia.

O resultado é que bancos nacionais podem emprestar menos para a periferia dada sua estrutura econômica e o remoto controle sobre as sua filiais. Bancos específicos da periferia, por sua vez, preferirão manter um nível de reservas mais alto e restringir os empréstimos locais, colocando-se em uma posição de desvantagem relativa e encorajando a concentração bancária no centro. Além disso, a maior preferência pela liquidez do público na periferia se traduziria em maior parcela de depósitos a vista sobre depósitos a prazo, o que poderia obrigar os bancos a diminuírem o prazo de seus empréstimos para ajustar ao menor prazo dos depósitos, gerando menos recursos de longo prazo para a região.

II. MOEDA E ESPAÇO: O CASO BRASILEIRO

II.1. Fonte de dados

A análise empírica deste artigo baseou-se em dados secundários disponíveis. Com relação aos dados do sistema financeiro, o período de análise do estudo foi de 1988 a 2000 e a fonte de dados foi o Banco Central do Brasil (BACEN).8 8 Apenas a partir de 1988 o Bacen instituiu a Consolidação Contábil das Instituições Financeiras do Sistema Financeiro Nacional (Cosif), sistema que possibilitou a disponibilização dos dados deste trabalho. Os dados são relativos ao número de agências, valores dos empréstimos, depósitos a vista do governo, depósitos a vista privados, depósitos de poupança e depósitos a prazo de Bancos Comerciais e Múltiplos por município, de acordo com a definição deste pelo BACEN.9 9 A instituição informou que sua definição de município tenta se basear na definição do IBGE, mas algum município pode ocasionalmente estar presente na sua listagem sem estar na do IBGE. Entretanto, o procedimento é tentar continuamente adaptar as duas listagens. Os dados sobre as economias regionais tiveram como fonte de dados o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).

II.2. O conceito de região e as macrorregiões escolhidas

A divisão espacial aqui utilizada segue a definida por pesquisa de Lemos, Diniz, e Guerra (2000LEMOS, M., GUERRA, L. e MORO, S. (2000), A nova configuração regional brasileira: sua geografia econômica e os determinantes locacionais da indústria. In: XXVIII Encontro Nacional de Economia, Campinas. 1 CD-ROM.). Tendo como referência teórica dois autores clássicos da economia regional, Christaller (1966CHRISTALLER, W. (1966) [1933], Central Places in South Germany. New Jersey: Prentice Hall.) e Perroux (1967PERROUX, F. (1967), A Economia do Século XX. Lisboa: Herder.), estes pesquisadores do CEDEPLAR - UFMG utilizaram o modelo Gravitacional de Isard (1960ISARD, W. (1960), Methods of Regional Analysis: an introduction to regional science. Cambridge: MIT) para elaborar uma nova regionalização do Brasil, tendo em vista a importância do setor de serviços para a definição de pólos dinâmicos do país e suas respectivas áreas de influência (projeto “Dinâmica Demográfica, Desenvolvimento Regional e Políticas Públicas”, financiado pelo PRONEX). Os primeiros resultados desta pesquisa têm mostrado o acerto deste entendimento. Fazendo a análise desagregada a partir das microrregiões do país, o estudo mostra uma regionalização econômica “de facto” bastante distinta da divisão territorial brasileira. Ao invés dos atuais 26 estados, a pesquisa propõe uma regionalização segundo a qual existiram apenas 11 macrorregiões. Ou seja, tendo em vista os conceitos de região pólo e lugar central, seria possível visualizar no Brasil centros urbanos que polarizariam economicamente as 11 macrorregiões. Tais pólos seriam: Porto Alegre, Curitiba, São Paulo, Belo Horizonte, Salvador, Recife, Fortaleza, Belém, Manaus, Brasília e Goiânia (mapa 1). Observa-se que algumas regiões administrativas são inteiramente polarizadas economicamente por outras, como é o caso de, por exemplo, Santa Catarina, Espírito Santo, e vários estados do Nordeste. Além disto, outras regiões administrativas têm partes de seu território polarizadas economicamente por outros pólos. Este é o caso de Minas Gerais que perde parte de seu território para São Paulo e Rio de Janeiro.

Mapa 1:
Macrorregiões brasileiras a partir de seus efeitos polarizadores

A principal variável adotada para o cálculo dos índices que permitiram de terminar o grau de polarização foi a massa salarial de cada grande centro. Através desta, um índice de terceirização foi elaborado, no qual a massa salarial do setor serviços era ponderada em relação à massa salarial total. Este índice de terceirização foi o ponto de partida para a regionalização feita. A escolha da massa salarial do setor de serviços como variável central, está de acordo com a teoria proposta por Christaller.

A partir desta divisão espacial, este trabalho escolhe as macrorregiões de análise com base no processo de desenvolvimento espacial em curso no país apresentado por Diniz (1993DINIZ, C.C. (1993), Desenvolvimento Poligonal no Brasil: nem desconcentração nem contínua polarização. Revista Nova Economia, Belo Horizonte, v. 3, nº 1, p. 35-64.), o qual abrange uma área denominada polígono de desenvolvimento, definido pelo polígono Belo Horizonte-Uberlândia-Londrina-Maringá-Porto Alegre-Florianópolis-São José dos Campos-Belo Horizonte. Desta forma, as macrorregiões escolhidas foram: São Paulo, a mais importante região econômica do país; Belo Horizonte e Curitiba, as quais nos últimos anos têm concorrido entre si pela atração de novos investimentos no país; Rio de Janeiro, uma área importante, mas que tem perdido posição relativa no cenário nacional e não está no polígono de desenvolvimento de Diniz (1993DINIZ, C.C. (1993), Desenvolvimento Poligonal no Brasil: nem desconcentração nem contínua polarização. Revista Nova Economia, Belo Horizonte, v. 3, nº 1, p. 35-64.); e Salvador, incluída para verificarmos como o desenvolvimento econômico de uma região afastada da área de concentração espacial definida pelo polígono de desenvolvimento afeta as variáveis financeiras.

Na próxima seção, primeiro é apresentada a evolução das variáveis financeiras no país no período de estudo. A seguir é elaborado um índice de centralidade para as regiões escolhidas e, então, apresentadas suas relações com as variáveis financeiras.

III. RELAÇÃO ENTRE MOEDA E ESPAÇO NO BRASIL

III.1. A Análise Agregada do Brasil

O comportamento agregado das variáveis financeiras durante o período de 1988 a 2000 são mostrados no gráfico 1 abaixo.

Gráfico 1:
Evolução das Variáveis Financeira no Brasil entre 1988-2000 (R$ de 2000)

Como pode ser observado, os dados refletem a passagem de um período inflacionário para outro de estabilização monetária. Entre 1988 e 1990, em conseqüência da elevada incerteza macroeconômica, os empréstimos e os depósitos a prazo e de poupança caem continuamente. Em 1989, a taxa anual de inflação foi de mais de 2.000%, com elevada variabilidade mensal, fatores que afetam a confiança no rendimento dos ativos. Em 1990 ocorreu o congelamento de ativos do Plano Collor I. O PIB caiu mais de 4%, afetando a oferta de crédito e a demanda por ativos monetários. De 1990 a 1993, os empréstimos e os depósitos de poupança e a prazo passam a aumentar. Em 1991 e 1992, ao que parece, o crescimento ocorreu devido à baixa base que prevaleceu em 1990 e a uma melhora na liquidez da economia. Em 1993, ele se dá em função de um aumento de quase 5% do PIB. Os depósitos de poupança e a prazo cresceram possivelmente devido à sua baixa base em 1990 e às elevadas taxas de juros destes depósitos remunerados.10 Destaca-se também a queda dos depósitos a vista de 1988 até 1993, na medida em que o aumento da expectativa inflacionária reduziu a demanda por este ativo monetário. (Rossi, 1994ROSSI, J.W. (1993), A demanda por moeda no Brasil: uma análise de co-integração. Brasília: IPEA (Texto para Discussão nº 325).)

A partir de 1994 o comportamento das variáveis financeiras muda. Os empréstimos e depósitos totais têm um rápido crescimento e passam a ter um comportamento mais regular e estável, com valores mais próximos entre si. No primeiro ano após o Plano Real, os empréstimos crescem acentuadamente devido à diminuição da inflação e a expansão de consumo e gastos verificados nesta época. Os depósitos a prazo e de poupança também se acentuam devido às elevadas taxas de juros pós-Real, à menor incerteza sobre os preços dos ativos que surge em um ambiente de menor volatilidade das taxas de inflação e ao crescimento da renda. Os depósitos a vista aumentam quase continuamente após 1994, principalmente em função da diminuição das taxas de inflação.

III.2. Análise Desagregada nas Regiões Escolhidas

III.2.a. Centralidade e Dinamismo

A centralidade e o dinamismo das regiões foram definidos com a ajuda da técnica de Análise de Componentes Principais (ACP). Neste trabalho se definiu a centralidade e o dinamismo de uma região pelo número de pólos econômicos que esta apresenta, do nível de produtividade e grau de terceirização nacional de sua sede. Deste modo, uma macrorregião, com vários pólos econômicos, elevados níveis de produtividade e uma sede de importância nacional na oferta de serviços, será central e dinâmica, pois é mais articulada internamente, apresentando maiores potenciais de crescimento e polarizando uma área maior, através da oferta de bens e serviços centrais.

Dada a teoria pos-keynesiana sobre moeda na economia regional, é esperado que uma maior taxa de redepósito e uma menor preferência pela liquidez do público estejam associadas a uma maior centralidade e ao dinamismo da região. Os modelos desenvolvidos por Dow (1982DOW, S.C. (1982), The regional Composition of the Bank Multipler Process. Scottish Journal of Political Economy, v. 29, 1, p. 22-44. e 1987__________ (1987), Money and Regional Development. Studies in Political Economiy, v. 23, 2, p. 7394.) indicam que as regiões centrais têm maiores taxa e capacidade de redepósitos que as regiões periféricas. Da mesma maneira, uma maior preferência pela liquidez estaria associada às expectativas de desempenho econômico da região. Quanto melhor a expectativa de bom desempenho econômico de uma região, mais os agentes confiam na economia e aceitam possuir ativos de menor liquidez. Como a centralidade e o dinamismo de uma região podem gerar expectativas otimistas quanto a seu desempenho, pode-se prever que regiões mais centrais e dinâmicas possuirão uma menor preferência pela liquidez. Para verificar estas teorias, pode-se comparar as características de centralidade e dinamismo das macrorregiões com as análises de redepósitos realizadas e os valores da preferência pela liquidez obtidos. A Tabela 1 apresenta os valores das variáveis que determinam a centralidade.

Tabela 1:
Características de Centralidade e Dinamismo

Com o objetivo de se quantificar a centralidade e o dinamismo em um único indicador, calculou-se um componente, através da análise de componente principal, a partir das três variáveis definidas acima. Os resultados são apresentados na Tabela 2.

Tabela 2:
Componente de Centralidade e Dinamismo e Valores por Macrorregião

Como pode ser observado, o componente explica mais de 82% da variação destes fatores. A Tabela 2 também apresenta os valores que cada macrorregião atingiu para o fator de centralidade e dinamismo. A macrorregião de São Paulo é a região mais central e dinâmica. Rio de Janeiro ocupa o segundo lugar, mas distante de São Paulo. Curitiba está em terceiro lugar, à frente de Belo Horizonte. Salvador aparece em último lugar, distante das demais, podendo ser considerada a região mais periférica.

III.2.b. Empréstimos e Depósitos (Redepósitos)

Em relação às regiões analisadas neste trabalho, a Tabela 3 mostra os dados de empréstimos e depósitos e sua comparação com os dados de renda e população. Percebe-se o destaque de São Paulo na participação relativa nos empréstimos e depósitos tanto em 1990 quanto em 1996. A participação é maior do que a participação na renda e população em ambos os períodos. Em 1996, a participação chega a 52% dos emprestimos no país, indicando que no cenário de estabilidade pós-Real sua centralidade e dinamismo foram importantes para seu desempenho econômico.

Tabela 3:
Relações da Macrorregião em relação ao Brasil nos anos de 1990 e 1996

O Rio de Janeiro tem a segunda maior participação nos empréstimos. Embora estes valores estejam menores nos dados de 1996, esta queda ocorreu no início da década de 1990, época de estagnação econômica da macrorregião. A análise dos anuais demonstra que em 1994 a participação relativa foi de 4%, seu pior nível. A partir de então há uma recuperação nos empréstimos na macrorregião. Belo Horizonte e Curitiba têm valores intermediários, com ênfase na queda na participação da macrorregião Belo Horizonte e um pequeno aumento na macrorregião de Curitiba entre 1990 e 1996. Salvador chama a atenção por sua baixa participação nos empréstimos em comparação com sua participação na população em ambos os períodos.

Nos depósitos, novamente São Paulo tem a maior participação em ambos os períodos, seguida do Rio de Janeiro. Mais atrás vêm Curitiba, Belo Horizonte e Salvador.

central um região, maior a participação relativa nos empréstimos e depósitos do país. Além disto, quanto maior a centralidade e dinamismo de uma região, maior sua participação na renda e população do país, um fato esperado.

Importante na Tabela 4 é o fato de os valores das correlações entre centralidade e dinamismo e a participação relativa nos empréstimos e depósitos da macrorregiões em relação ao país serem próximos. Isto indica que os empréstimos gerados nas regiões centrais do país continuam nestas regiões, ou seja, as regiões centrais apresentam elevada capacidade de redepósito. A lógica é que uma vez criado o crédito, os gastos em bens e serviços e em ativos financeiros permanecerão em grande parte na região mesma, em contraste com uma região periférica, onde uma maior parcela dos recursos é gasta fora da região. Ainda sobre os dados da tabela, na medida em que a correlação dos depósitos com a centralidade superaram a correlação desta com os empréstimos entre 1990 e 1996, pode-se supor que em períodos de menor incerteza econômica, a centralidade e o dinamismo de uma região tornam-se mais importantes e sua capacidade de redepósito aumenta.

Tabela 4:
Correlação entre Centralidade e Dinamismo e a Participação Relativa no País nos Empréstimos, Depósitos, Renda e População

III.2.c. Preferência pela Liquidez

Para o cálculo da preferência pela liquidez, o indicador usado foi a relação depósitos a vista sobre os depósitos de poupança e a prazo na região. Dow (1990__________ (1990), Financial Markets and Regional Economic Development: The Canadian Experience. Aldershot: Averbury.) argumenta que este indicador de depósitos de curto prazo sobre depósitos de prazo mais longos não pode ser utilizado sem restrições e cuidados para medir a preferência pela liquidez do público em cada região em função da existência de outras alternativas para abrir mão da liquidez da moeda além dos depósitos de prazos mais longos na região. Além disso, como expõe Amado (1997AMADO, A. (1997), Disparate Regional Development in Brazil. Aldershot: Ashgate.), existe a possibilidade de o indicador ser pequeno em regiões onde apenas um número reduzido de pessoas possui renda que lhes permita ter contas correntes, mas boa parte da população pode ter acesso a contas de poupança. Considerando estes cuidados em sua análise, o indicador foi utilizado, e seu maior valor pode representar menor confiança do público na economia da região e, conseqüentemente, maior preferência pela liquidez.

Deve-se ressaltar, ainda, que este indicador também serve como parâmetro para se perceber a restrição existente para empréstimos de longo prazo pelas agências bancárias das regiões. Na medida em que os clientes de um banco em uma região mantêm maiores parcelas de depósitos a vista os sobre depósitos totais, passa a existir uma restrição sobre a composição de um ativo mais de longo prazo, pois a estrutura temporal do ativo do banco deve se adequar a sua estrutura de passivo mais de curto prazo. Mesmo em um sistema bancário nacional esta restrição estaria presente, pois as agências em geral são vistas como fonte de lucros e não poderiam continuamente receber recursos de agências de outras regiões para equilibrar sua estrutura de ativo com a de passivo. Portanto, regiões com elevado valor no indicador de preferência pela liquidez do público devem ter agências de bancos múltiplos e comercias com maior dificuldade de conceder empréstimos e financiamentos de prazos mais longos.

A Tabela 5 apresenta a preferência pela liquidez nas cinco macrorregiões em estudo para os períodos 1988-1993 e 1994-2000, representando, respectivamente, os períodos de alta e baixa inflação.

Tabela 5:
Preferência pela liquidez média do público

Como pode ser observado na tabela, a macrorregião de São Paulo apresentou, como esperado, os menores índices de preferências pela liquidez nos dois períodos. Este fato reafirma sua condição de região central no contexto brasileiro. As macrorregiões de Salvador e Rio de Janeiro apresentaram os piores resultados comparativamente, refletindo a condição periférica da primeira e a estagnação econômica da segunda. Curitiba e Belo Horizonte se apresentam em posições intermediárias.

Um outro fato que merece destaque é a queda na preferência pela liquidez na passagem de um período para o outro em todas as macrorregiões. Todas elas apresentaram menores índices de preferência pela liquidez, em linha com o que ocorreu no país. Os destaques são as melhoras do Rio de Janeiro e Salvador.

Os valores da preferência pela liquidez podem ser comparados com os valores das macrorregiões no índice de centralidade e dinamismo para os subperíodos 19881993 e 1994-2000, conforme mostra a Tabela 6.

Tabela 6:
Correlações entre Centralidade e Preferência pela liquidez do público entre 1988-1993 e 1994-2000

Percebe-se na Tabela 6 que as regiões centrais mantêm uma relação inversa com a preferência pela liquidez. Entretanto, o valor da correlação negativa é bem maior no subperíodo 1994-2000, época de menor incerteza macroeconômica. Este fato, juntamente com a conclusão obtida acima de que o redepósito ficou mais fortemente ligado com a centralidade após 1994, pode ser um indício de que a centralidade e o dinamismo de uma região tornam-se mais importantes e claros quando a incerteza macroeconômica é menor. De qualquer forma, para ambos os períodos, o que se percebe é que regiões mais centrais e dinâmicas apresentam mais baixa preferência pela liquidez, o que confirma a hipótese pós-keynesiana acerca do comportamento dos agentes em regiões periféricas.

III.2.d. Agências

Em relação às agências, a Tabela 7 mostra a evolução na participação relativa das macrorregiões no total do Brasil para os anos de 1990, 1996 e 2000.

Tabela 7:
Participação relativa de agências por macrorregião em relação ao Brasil para os anos de 1990, 1996 e 2000

Na Tabela 7 percebe-se a concentração do número de agências na macrorregião de São Paulo, a qual detém em média cerca de 20% das agências do país nos períodos. Rio de Janeiro tem uma presença de cerca de 7% e Curitiba 5%. Belo Horizonte e Salvador estão próximas de 3% do país. Além disso, a análise desta tabela aponta para o aumento da concentração espacial das agências do Brasil nas regiões mais centrais, em especial em São Paulo, enquanto Salvador, uma região periférica, perde agências relativamente. Uma hipótese para este fenômeno é que, possivelmente devido a perda das receitas inflacionárias, manter agências mais remotas passou a não ser tão lucrativo para os bancos e isto levou a uma concentração nos lugares mais centrais.

A Tabela 8 apresenta a relação habitante por agência, que confirma uma maior presença bancária nas regiões mais centrais e o aumento desta concentração espacial durante a última década.

Tabela 8:
Relação habitante por agência para os anos de 1991, 1996 e 2000

Na Tabela 9 faz-se o exercício mais formal de comparar a correlação entre centralidade e dinamismo e participação relativa no número de agências no Brasil por macrorregião. Percebe-se que quanto mais central e dinâmica uma região, maior a presença bancária na região.

Tabela 9:
Correlação entre Centralidade e participação relativa no número de agências no Brasil por macrorregião

III.2.e. Análise de Cluster

Nesta seção, tentou-se agrupar as macrorregiões com base na técnica de análise de cluster. Esta técnica permite que agrupamentos de regiões possam ser formados de acordo com a similaridade de desempenho das variáveis escolhidas. A intenção aqui é tentar agrupar as macrorregiões de acordo com a facilidade na geração de crédito.

As variáveis utilizadas foram a preferência pela liquidez do público, o número de agências e a relação habitantes por agência em cada região. A variável preferência pela liquidez do público serve como um parâmetro para medir a confiança que os agentes de uma região têm em sua economia. Esta variável pode afetar a geração de crédito ao significar menor demanda, como também pode comprometer a oferta de crédito, na medida em que os bancos podem compartilhar da confiança dos agentes ou terão de ajustar a estrutura de seus ativos à sua estrutura de passivo mais de curto prazo (Dow, 1988__________ (1988), Incorporating Money in regional Economis Models. IN: F.J. HARRIGAN and P.G. MCGREGOR (eds.), Recent Advances in Regional Economic Modelling, London Papers in Regional Science, v. 19, p. 208-18.). O número de agências e a relação habitantes por agência representam o desenvolvimento financeiro e a presença bancária em uma região. Quanto maior o número de agências em uma região, maior deve ser a concorrência bancária e o desenvolvimento financeiro e maior a facilidade na geração de crédito. Quanto menor esta relação, maior a proximidade entre ofertantes e demandantes de recursos e menor a incerteza presente neste relacionamento, o que deve se traduzir em maior facilidade de crédito para a região.

Desta forma, o grupo com macrorregiões que apresentem baixos valores para as variáveis preferência pela liquidez e relação habitante por agência e elevado número de agências será chamado de grupo de elevada facilidade de crédito. Grupos com regiões com valores médios para as variáveis, serão definidos como de média facilidade na geração de crédito. Grupo com regiões com elevados valores para preferência pela liquidez e para a relação habitante por agência e baixo número de agências será chamado de grupo de baixa facilidade de crédito.

O período de análise foi dividido em dois subperíodos: 1988-1993 e 1994-2000. As variáveis preferência pela liquidez e número de agências tiveram seus valores definidos com base nas médias nos respectivos períodos. A relação habitantes por agência foi a de 1991 para o período 1988-1993 e a média de 1996 e 2000 para o período 1994-2000.

A classificação para as macrorregiões no período 1988-1993 é apresentada no Dendograma 1.

Dendograma 1
Macrorregiões entre 1988-1993

Pelo Dendograma 1 percebe-se que uma divisão ideal é a de quatro grupos, descrita no quadro abaixo.

Quadro 1
Agrupamento Para Macros Entre 1988-1993

A macrorregião de São Paulo está em um grupo sozinha, distinguindo-se das demais por ter baixa preferência pela liquidez, baixa relação habitantes por agência e elevado número de agências bancárias. Seu grupo será definido como de elevada facilidade de crédito. Belo Horizonte e Curitiba ficam numa posição abaixo, estando no grupo de média-alta capacidade de crédito. Rio de Janeiro tem elevado número de agências e relação habitante por agência próximos a São Paulo, mas a mais alta preferência pela liquidez entre as macrorregiões, ficando no grupo de médiabaixa capacidade de crédito, atrás de Belo Horizonte e Curitiba. Salvador teve o pior desempenho nas variáveis, podendo seu grupo ser chamado de baixa facilidade de crédito.

Para o período 1994-2000, os resultados estão no Dendograma 2.

Dendograma 2
Macrorregiões entre 1994-2000

No Dendograma 2 uma divisão ideal é a de três grupos, como no quadro a seguir.

Quadro 2
Agrupamento para macrorregiões entre 1994-2000

São Paulo novamente é um caso a parte por ter baixa preferência pela liquidez, baixa relação habitantes por agência e elevado número de agências. Salvador se mantém na posição inversa, com elevada preferência pela liquidez e relação habitantes por agência e baixo número de agências, sendo a região de maior dificuldade na geração de crédito. Rio de Janeiro, Curitiba e Belo Horizonte formam um único grupo neste período, pois a queda na preferência pela liquidez na macrorregião do Rio de Janeiro, reflexo do melhor desempenho econômico desta região após o Plano Real aproximou-a de Belo Horizonte e Curitiba, ficando ambas no grupo de média facilidade de crédito. Esta alteração de posição da macrorregião do Rio de Janeiro entre o período de 1998-1993 e 1994-2000 é importante pois demostra que a região tem um forte potencial para geração de crédito, bastando que a situação econômica melhore para que possa alterar sua posição relativamente às demais regiões estudadas.

De um modo geral, considerando-se todos os períodos, o que se percebe é que São Paulo é a região mais central e dinâmica, com maior facilidade para geração de crédito. Estas características valem tanto para o período de elevada inflação e incerteza macroeconômica, como no período pós-Real. A possibilidade de um círculo virtuoso entre características econômicas e geração de crédito está sempre presente nesta região. A seguir aparecem as macrorregiões do Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Curitiba, com destaque para a melhora no Rio de Janeiro, a segunda região em termos de centralidade e dinâmica, no período após o Plano Real. Por último, vem Salvador, a região de maior dificuldade na geração de crédito entre as estudadas em todos os períodos.

IV. CONCLUSÃO

Este trabalho tentou entender sob a ótica pós-keynesiana como as variáveis financeiras se relacionaram com o cenário espacial brasileiro de 1988 a 2000, período de diferentes graus de incerteza macroeconômica. A partir das análises realizadas, algumas conclusões podem ser obtidas sobre a relação entre moeda e espaço nas macrorregiões estudadas:

  • O redepósito e a preferência pela liquidez estão associados à centralidade das macrorregiões, em épocas de diferentes graus de incerteza macroeconômica. Em ambas as situações, quanto maior o número de pólos econômicos, a polarização nacional de serviços de sua sede e a produtividade média do trabalho, maior a capacidade da região de reter depósitos e menor a preferência pela liquidez. Isto confirma os resultados obtidos por Amado (1997AMADO, A. (1997), Disparate Regional Development in Brazil. Aldershot: Ashgate.) para o relacionamento entre moeda e regiões centrais e periféricas para o Brasil até 1990, embora a autora defina regiões em termos administrativos.

  • Nas épocas de menor incerteza macroeconômica, a centralidade e o dinamismo das regiões tornam-se mais fortes e claros, com reflexos em suas capacidades de redepósitos e preferência pela liquidez. Assim, principalmente nas fases de crescimento do país, os ofertantes e demandantes de crédito das regiões mais centrais têm potencial e incentivos para aumentar o volume de crédito disponível na região e, desta forma, manter ou aumentar o diferencial em relação a outras regiões mais periféricas.

A constatação de que a possibilidade diferenciada de demanda e oferta de crédito entre regiões coloca uma questão maior, que mereceria uma reflexão mais profunda, qual seja, uma política de crédito regionalmente diferenciada. Este trabalho mostrou que o mercado não é capaz de equalizar a oferta de crédito entre regiões. Assim sendo, seria necessária uma reflexão sobre a regulamentação do sistema financeiro sob a ótica regional, dos fundos de desenvolvimento regional e até mesmo das agências de desenvolvimento regional. No entanto, isto fica para um outro artigo.

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  • 1
    O presente trabalho faz parte de uma linha de pesquisa que vem sendo desenvolvida no Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (CEDEPLAR) da UFMG denominada Polarização Regional e Sistema Financeiro, da qual foram oriundos outros trabalhos, tais como Crocco et al. (2002aCROCCO, M., CASTRO, C., CAVALCANTI, A. e VAL, V.C. (2002a) Acesso Bancário e Preferência pela Liquidez nas Messoregiões de Minas Gerais, X Encontro de Economia Mineira, Diamantina, CEDEPLAR.); Crocco et al. (2002b__________ (2002b) Polarização Regional, Sistema Financeiro e Preferência pela Liquidez: uma abordagem pós-keynesiana, XXX Encontro Nacional de Economia ANPEC, Nova Friburgo.) e Castro (2002CASTRO, C. (2002) Moeda e Espaço: os casos das áreas metropolitanas de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Curitiba, Salvador e suas áreas de polarização, Dissertação de Mestrado, CEDEPLAR UFMG.).
  • 2
    Para uma análise mais detalhada sobre os estudos clássicos de convergência de renda regional ver Ohlin (1933OHLIN, B. (1933), Interregional and internacional Trade. Cambridge, Mass: Harvard University Press.) e para os estudos do desequilíbrio no desenvolvimento regional ver Myrdal (1957MYRDAL, G. (1957), Economic Teory and Under-Developed Regions. London: Gerald Duckworth.), Baran (1957BARAN, P.A. (1957), The Political Economy of Growth. London: John Calder.), Hirschman (1958HIRSCHMAN, A.O. (1958), The strategy of economic develompment, Yale U.P., New Haven.), Friedmann (1966FRIEDMANN, J. (1966), Regional Development Policy: a case study of Venezuela. Cambridge, Mass: MIT Press.), Frank (1966FRANK, A.G. (1966), The Development of Underdevelopment. Monthly Review, v. 18, 4, September. e 1967__________ (1967), Capitalism and Underdevelopment in Latin America, New York: Monthly Review Press.), Perroux (1967PERROUX, F. (1967), A Economia do Século XX. Lisboa: Herder.), Kaldor (1970KALDOR N. (1970), The Case for Regional Policies. Scottish Journal of Political Economy, v. 17, nº 3, p. 337-348.), Dos Santos (1970DOS SANTOS, T. (1970), The Structure of Dependence. American Economic Review, v. 60, 2. e 1973__________ (1973), The Crisis of Development Theory and Problem of Dependence in Latin America. In: BERNSTEIN, H., Underdevelopment and Development. Great Britain: Peguin Books.), Cardoso (1972CARDOSO, F.H. (1972), Dependency and Development in Latin America. New Left Review, nº 74, p. 83-95, Jul./Aug.) e Cardoso e Faletto (1979CARDOSO, F.H. e FALETTO, E. (1979), Dependence and Development in Latin America. Berkeley: California Press.).
  • 3
    Roberts e Fishkind (1979ROBERTS, R.B. e FISHKIND, H.H. (1979), The role of Monetary Forces in Regional Economic Activity: An Econometric Simulation Analisys. Journal of regional Science, v. 19, 1, p. 15-29.), Moore e Hill (1982MOORE, C.L. e HILL, J.M. (1982), Interregional arbitrage and the supply of loanable funds. Journal of Regional Science, v. 22, p. 499-512.) são autores de trabalhos iniciais que tentaram identificar fatores que poderiam levar ao racionamento de crédito em mercados regionais. Recentemente, autores da linha neo-keynesiana como Faini et al. (1993FAINI, R., GALLI, G. and GIANNINI, C. (1993), Finance and Development: the case of Southern Italy. In: GIOVANNINI, A. (ed), Finance and Development: Issues and Experience. Cambridge: Cambridge University Press.), por exemplo, têm explorado o argumento da informação assimétrica nos mercados de crédito regional.
  • 4
    Dow (1990__________ (1990), Financial Markets and Regional Economic Development: The Canadian Experience. Aldershot: Averbury. e 1992__________ (1992), The regional financial sector: a Scottish case study. Regional Studies, v. 26, p. 619-31.), Chick (1993CHICK, V. (1993), Some scenarios for money and banking in the EC and their regional implications. In: RIMA, I.H. (ed), The Political Economy of Global Restructuring, v. 2, Trade and Finance. Cheltenham: Elgar) e Amado (1997AMADO, A. (1997), Disparate Regional Development in Brazil. Aldershot: Ashgate.) são empréstimos desta abordagem para o Canadá, Escócia, Comunidade Européia e Brasil, respectivamente.
  • 5
    Incerteza neste caso diferencia-se de risco e pode ser identificada por sua característica de ser nãomensurável, ao contrário do conceito de risco. Para um aprofundamento sobre a utilização deste conceito na economia keynesiana ver Davidson (1982/1983DAVIDSON, P. (1982/83), Rational Expectations: A Falacious Foundation for Studying Crucial DecisionMaking Processes. Journal of Post Keynesian Economics, nº 5, p. 182-196., 1993 e 1995DAVIDSON, P. (1995), Uncertainty in Economics. In: DOW, S. and HILLARD, J. (eds), Keynes, Knowledge and Uncertainty. Aldershot: Elgar.), Dow (1995__________ (1995), Uncertainty about Uncertainty. In DOW, S.C. and HILLARD, J. (eds), Keynes, Knowledge and Uncertainty. Aldershot: Elgar.), Dequech (1997DEQUECH, D. (1997), Uncertainty in Stronge Sense: meaning and sources. Economic Issues, v. 2, p. 21-43.) e Crocco (2003CROCCO, M. (2003), The Concept of Degrees of Uncertainty in Keynes, Shackle and Davidson. Revista Nova Economia, Belo Horizonte (no prelo). Também publicado como Texto para Discussão nº 147 pelo CEDEPLAR/UFMG.).
  • 6
    O modelo considera que mesmo dentro de uma nação as inovações financeiras somente se estendem do centro financeiro para regiões mais remotas após um certo lag de tempo. Custos de transações adicionais e de informação ajudam a preservar esta diferença.
  • 7
    Dow (1982DOW, S.C. (1982), The regional Composition of the Bank Multipler Process. Scottish Journal of Political Economy, v. 29, 1, p. 22-44.) trabalha com um sistema bancário de base regional. Entretanto, seus argumentos de diferenças na oferta de moeda continuam válidos em um sistema bancário nacional em que o fluxo de capitais pode ser exacerbado e a destinação das alocações dos recursos dependem crucialmente das decisões do centro, para onde o capital flui e os níveis de depósitos são maiores.
  • 8
    Apenas a partir de 1988 o Bacen instituiu a Consolidação Contábil das Instituições Financeiras do Sistema Financeiro Nacional (Cosif), sistema que possibilitou a disponibilização dos dados deste trabalho.
  • 9
    A instituição informou que sua definição de município tenta se basear na definição do IBGE, mas algum município pode ocasionalmente estar presente na sua listagem sem estar na do IBGE. Entretanto, o procedimento é tentar continuamente adaptar as duas listagens.
  • 0
    JEL Classification: E60; G21; R12.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Dez 2019
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2004

Histórico

  • Recebido
    Fev 2003
  • Aceito
    Maio 2003
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