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Tentativa de balanço: entrevista com Iumna Maria Simon

Resumos

Narrando a sua formação intelectual, Iumna Maria Simon analisa a situação da crítica literária na universidade e fora dela, a poesia contemporânea e as condições da leitura da obra literária hoje. A entrevista expõe o modo como desenvolveu sua compreensão da literatura brasileira mais recente e como organiza seu foco crítico e suas referências teóricas, enquanto professora e crítica.

crítica literária; poesia contemporânea; teorias críticas; Iumna Maria Simon


Literary critic Iumna Maria Simon talks about her trajectory and the current situation of literary critique in and outside the universities and comments on contemporary Brazilian poetry and the state of literary studies. Maria Simon elaborates on her understanding of Brazilian contemporary literature, her critical approach and theoretical references both as professor and critic.

literary criticism; contemporary poetry; theory; Iumna


ARTIGOS

Tentativa de balanço: entrevista com Iumna Maria Simon

Andréa Catrópa; Renan Nuernberger; Carlos Frederico Barrère Martin

RESUMO

Narrando a sua formação intelectual, Iumna Maria Simon analisa a situação da crítica literária na universidade e fora dela, a poesia contemporânea e as condições da leitura da obra literária hoje. A entrevista expõe o modo como desenvolveu sua compreensão da literatura brasileira mais recente e como organiza seu foco crítico e suas referências teóricas, enquanto professora e crítica.

Palavras-chave: crítica literária; poesia contemporânea; teorias críticas; Iumna Maria Simon.

ABSTRACT

Literary critic Iumna Maria Simon talks about her trajectory and the current situation of literary critique in and outside the universities and comments on contemporary Brazilian poetry and the state of literary studies. Maria Simon elaborates on her understanding of Brazilian contemporary literature, her critical approach and theoretical references both as professor and critic.

Keywords: literary criticism; contemporary poetry; theory; Iumna

Além de se dedicar à docência, você também tem exercido em paralelo uma militância crítica. Como surgiu esse empenho em intervir na produção literária de seu tempo? Por que se dedicou ao exame da poesia?

Sou uma observadora distanciada e escrevo pouco. Talvez seja inexato qualificar minhas manifestações críticas como militância, porque não defendo uma linha de poesia ou um programa estético. Faço o que posso para me surpreender e ser desconcertada pelo novo. No panorama atual, não tem sido fácil. É claro que a atividade docente por suas implicações formativas é uma forma de intervenção crítica, em consequência, ficar entre as quatro paredes da classe é impossível.

O foco na produção literária contemporânea é um desdobramento natural do meu interesse pela atualidade, que vem de meus estudos sobre a poesia moderna e as vanguardas dos anos 1950/1960. O desejo de juntar crítica e história literária, ambas disciplinas de prestígio declinante, levou-me a inserir a poesia na atualidade para valorizar a força de criação e conhecimento dela, cada vez mais subestimada pelos próprios poetas e pela teoria, e, no fundo, para reconceituar o que é invenção. No mesmo impulso, procurei inscrever de modo sistemático a produção poética contemporânea na dinâmica da literatura brasileira - afinal, não são muitos os que acreditam nessa dinâmica ou se propõem a pensá-la como tal.

Quanto à minha inclinação para a poesia, entra nesse quadro por vias inesperadas e bem antigas: primeiro porque desde criança gostava de ouvir, ler, decorar e recitar poemas. Meu pai, um imigrante sírio, explicava a vida poeticamente por meio de imagens, metáforas, parábolas, provérbios e de poemas que traduzia para o português (ele adorava poesia árabe e sabia de cor poemas de Lamartine); minha mãe ao piano nos puxava para a música, erudita e popular, neste caso familiarizando-nos com melodia e letra. Daí a me interessar pelo estudo da poesia foi um passo, cada vez mais complicado. Pode ser essa a origem da minha inquietação, mas devo acrescentar que a descoberta da poesia moderna foi das grandes experiências estéticas da minha vida.

Os pressupostos estéticos que nortearam a produção da arte moderna ainda são válidos para a arte contemporânea? Se sim, em que medida?

Como pressupostos, não. O legado moderno é um fato e a pilhagem dele, como sabemos, é o que faz ainda funcionar boa parte da cultura contemporânea. Contudo, se o modernismo está em toda parte, as condições histórico-sociais que o possibilitaram não só não são mais as mesmas, como se alteraram radicalmente. A arte moderna se institucionalizou e em larga medida se reconciliou com a sociedade, isto é, se reconciliou sob a forma-mercadoria, enquanto os adversários pré-modernos saíram de cena. A dimensão subjetiva não é mais uma arena de tão grandes combates e experimentalismos como no passado. Mesmo o teste com materiais perdeu o caráter de ousadia e risco, limitado que ficou ao teor de exposição ou de publicidade da técnica. Se nos voltarmos para o quadro da poesia brasileira, por exemplo, teremos talvez uma compreensão mais precisa dessa mudança de ares. Digamos que a poesia moderna no Brasil reina, mas não governa. Ela pode oferecer os modelos do que é grandeza, experimentação, risco, língua, em que todos se espelham e de que ainda se beneficiam, mas isto conta pouco numa cultura e numa sociedade que funcionam noutro diapasão, em que a mediocridade e o convencionalismo se reformaram em escala inimaginável. O debate artístico e cultural que a poesia moderna desencadeou e enriqueceu, como raras vezes se viu (falo da invenção modernista), possibilitando que a dissolução de formas adquirisse uma adequação nacional, foi bastante desacreditado pelos pós-modernismos, que privilegiaram um internacionalismo abstrato e conformista, não sem antes normalizar a transgressão moderna. Quando usei a noção de retradicionalização frívola para caracterizar as tendências poéticas recentes no Brasil, tinha em vista o funcionamento contemporâneo dessa poesia que se apropriou das últimas vanguardas e da poesia moderna como um todo, para normalizá-las. Ainda assim não deixa de ser surpreendente que a poesia moderna e também a paraconcretista permaneçam em foco, convertidas em tradição canônica que fornece referências para a produção contemporânea, isto no plano dos procedimentos, dos recursos de construção, da intertextualidade. E não nos esqueçamos que a poesia moderna brasileira, nosso alto modernismo, se tornou, como já disse, uma espécie de reserva de grandeza e criatividade. Uma reserva desse tipo é algo perigoso, porque logo se transforma em bode expiatório ou exultório das nossas deficiências.

A poesia moderna esteve por muitas décadas no centro do debate cultural no Brasil. Quando e por que ela deixou de ocupar esse lugar de destaque?

Há muitas maneiras de responder a essa questão. A resposta anterior pode ser uma, mas esboçarei outra. Até os anos 1950, na plenitude da tradição moderna, a poesia era alimentada por um conjunto expressivo de autores de primeiro e segundo times, e mesmo de terceiro. Nesse período, a poesia irrigava a imaginação contemporânea ainda com matérias e materiais do modernismo, ainda ligada às inovações dos anos 1920 no Brasil. Com a chegada das neovanguardas criou-se o mito de que tudo era teoricamente deficiente e artisticamente atrasado. Mario Faustino costumava dizer que nenhum dos grandes poetas brasileiros discutia poesia a sério. E ele, juntamente com os concretistas, estariam trazendo os instrumentos adequados para pensar a poesia a sério. A partir dos anos 1960, no entanto, a poesia de vanguarda não conseguiu responder à radicalização política, nem às transformações da vida brasileira que se seguiram ao golpe militar e consolidaram a modernização conservadora. Por algum mecanismo de recalque, essa provada insuficiência não costuma ser reconhecida pelas partes interessadas, nem mesmo hoje. O êxito da música popular, do cinema, das artes plásticas, na época, assinala essa perda de prestígio. De lá para cá temos tido alguns surtos, e alguns desejos de surto, quem sabe para recuperar a relevância perdida. Só que agora a perda de relevância é não só da poesia, mas de todas as áreas, niveladas que estão ao mesmo regime do cultural.

A poesia tem dificuldades óbvias para se internacionalizar, contrariamente à música, ao cinema e às instalações, dados os problemas de língua, tradução e defasagem cultural. No ano 2000, ouvi Lêdo Ivo, um poeta da geração de 1945 e da Academia Brasileira de Letras, declarar que "estamos num novo portal" em que a poesia e os poetas estão mais internacionalizados que antes, já não contam com o benefício da recepção crítica nacional e a internet iria levá-los a abandonar o mercado interno. Um escritor de outros tempos notava com pragmatismo a transformação em curso e como mudara a cena e seus figurantes. Mesmo que continue uma constatação válida, hoje podemos acrescentar que a baixa articulação internacional da poesia a inferioriza e impede que ela aproveite a respiração artificial da globalização para compensar a irrelevância interna com uma inserção externa - por insignificantezinha que seja.

Você acredita que estejamos enfrentando um panorama inédito em termos de descentralização da forma como circula a informação? Em caso afirmativo, quais as dificuldades e quais os ganhos que esse panorama poderia trazer para a crítica literária?

Não acredito, a informação está absolutamente centralizada. O que existe hoje é multiplicação e reprodução de fontes especializadas, de autoridades reconhecidas, de instituições com poder econômico, de empresas e instituições articuladas com o mercado e a mídia, empurrando para um tipo único de socialização. Tudo se socializa para reforçar as opções oferecidas pelo organizadíssimo mercado da cultura. Essa institucionalização empresarial enterra a iniciativa individual, que é o motor da democracia e do conhecimento na vida literária. O paradoxo é que, numa sociedade que promove estetização por todos os meios, e a tecnologia faz parte desse aparato, a experiência estética fique bloqueada. Todos são especialistas, cada indivíduo no seu cantinho já é um coletivo ou uma pequena empresa e está integrado no coração da vida contemporânea, sem ser potencializado qualitativamente. Vale ressaltar que a crítica literária já havia caído antes mesmo dessa hegemonia recente da internet e da rede mundial - o que prenunciava a mudança dos tempos. Essa queda significou menos liberdade de iniciativa e imaginação e mais hierarquia, subordinação a formas de poder e prestígio, a formas de publicidade e comércio, que eram estranhas à criação literária e artística, mas que hoje, é inegável, compõem o habitat em que fazemos de conta que vivemos.

Nos anos iniciais de sua formação, quais teóricos e quais escritores você apontaria como tendo sido fundamentais para definir as bases da sua reflexão crítica?

Estudei Letras em Assis, no interior de São Paulo, numa época de agitação política e muita mobilização estudantil. Lá funcionou, por alguns anos, uma rara faculdade de dedicação integral, que oferecia, além das aulas, sessões de estudo e leituras, embora a gente se dispersasse entre os compromissos do movimento estudantil. Havia no currículo cursos de Estética e de História da Arte, que abriam horizontes para o estudante. Para resumir: minha formação literária não foi nada diversa de um leitor universitário no Brasil, só que, por escolha, fixei-me nos modernos e desde o início Drummond foi meu preferido. Na graduação, estudei os autores básicos da literatura brasileira, cujo repertório é o mesmo de sempre, os básicos da literatura clássica e os curriculares da área de anglo-germânicas. Faulkner, Conrad, Katherine Mansfield, Virginia Woolf, T.S. Eliot foram os que me marcaram. Outra experiência das mais marcantes foi a oportunidade de conhecer Brecht, graças a Wilma Rodrigues, uma germanista de Assis que faleceu muito cedo, com quem pude discutir as traduções que estava preparando e que, infelizmente, ficaram inacabadas.

Em relação às teorias, li um pouco das tendências que eram influentes na época e, mais adiante, estudei muito, muito mesmo, o formalismo russo e Roman Jakobson, a cujos textos tínhamos acesso por meio das primeiras traduções francesas. Paralelamente, recebemos a influência da obra de Antonio Candido, que havia sido um dos criadores do curso de Letras de Assis. Sempre que não sabíamos como enfrentar um autor, uma ideia ou uma corrente crítica, procurávamos em Antonio Candido alguma inspiração iluminadora. Desde então, tem sido sempre assim. A sua desconfiança teórica, mais o senso de como usar e transpor conceitos, embebendo-se de história literária e do sentido histórico das posições literárias, colocava um freio na adoção acrítica das teorias em voga. Além disso, começamos a ler Adorno, em particular as Notas de literatura, e Walter Benjamin, em traduções nem sempre completamente legíveis. Tudo muito precário e difuso, mas era o que tínhamos naquele momento. Não posso deixar de mencionar que, nessa altura, a teoria e a crítica concretistas ainda pareciam capazes de acompanhar com independência o debate internacional, sem perder a referência brasileira, colocando problemas próximos da imaginação literária contemporânea. A par dos poetas da vanguarda internacional que passamos a conhecer, introduzia-nos nas teorias da modernidade e das vanguardas artísticas.

Em 1972, por indicação de meu orientador, que era bastante atualizado, li Marxismo e forma, de Fredric Jameson, que acabara de ser publicado e que alguns anos mais tarde eu viria a traduzir. Foi um manual que me ajudou a assimilar as posições de Adorno e de Walter Benjamin, autores que nos fascinavam mas não sabíamos como incorporar à nossa prática. Minha tese sobre A rosa do povo, de Carlos Drummond de Andrade, reflete essa confluência de teorias. Correndo risco de pretensão, trabalhei para articular o formalismo russo à crítica dialética, no intuito de estudar as relações entre literatura e sociedade, na linha de Antonio Candido. Só vim a me beneficiar do trabalho de Roberto Schwarz, que praticava com outra envergadura e enorme criatividade um tipo equivalente de assimilação, a partir da publicação de Ao vencedor as batatas, em 1977, estudo que demonstrou os movimentos de uma análise dialética da forma literária no andamento histórico-social, embora a estimação da forma-romance nos termos da crítica lukacsiana deixasse um tanto insatisfeita quem estava interessada no ponto de vista da vanguarda.

Passei uma boa temporada na Universidade de Yale e tive um amplo contato com a literatura hispano-americana e sua crítica. Naquele tempo lá estavam Richard Morse, Emir Rodrigues Monegal, e por lá passavam Octavio Paz, Borges, Cortázar, Vargas Llosa, entre outros autores do boom. Também tive contato com remanescentes do new criticism, René Wellek e principalmente W.K. Wimsatt; este, um new critic singular, ofereceu um curso eruditíssimo sobre teorias da poesia, cuja bibliografia gigantesca até hoje consulto com proveito. Acompanhei cursos de Geoffrey Hartman (sobre crítica e desconstrução), Harold Bloom (sobre o romantismo inglês), J. Hillis Miller (sobre a ética da leitura) e Paul de Man (sobre teoria da ironia) no momento de formação da chamada "máfia hermenêutica". As aulas de Paul de Man eram excelentes. Nesse período, Yale se tornara um centro de debates da nascente moda cultural, o que me incentivou a frequentar seminários de Derrida (um bastante difícil sobre Francis Ponge), Todorov, Kristeva, Lacan, muito instrutivos para verificar as posições em jogo, mais do que para tirar proveito direto. Pude aferir in loco que havia uma grande mudança em curso e o quanto era porosa a novos maneirismos. Foi quando conheci pessoalmente Fredric Jameson, um jovem crítico que gozava de fama ainda limitada e que acabara de chegar a Yale; participei de alguns de seus cursos e seminários, cujo marxismo heterodoxo pretendia converter o pensamento contemporâneo à autoconsciência histórico-política, uma vez que toda a produção teórica, da não marxista à antimarxista, manifesta a dispersão da consciência reificada na experiência contemporânea, que precisaria apenas de uma chave interpretativa totalizante e crítica. Eram as origens das inquietações hermenêuticas que o levariam a historicizar e periodizar a questão do pós-modernismo nos anos seguintes.

Ainda nos Estados Unidos, além de me familiarizar com a poesia da vanguarda hispano-americana e poetas como Nicanor Parra, Cesar Vallejo, Pablo de Rohka, estudei os movimentos e artistas da vanguarda histórica e conheci melhor as obras de Ezra Pound, Wallace Stevens, Gertrude Stein, Elizabeth Bishop, e sobretudo a de William Carlos Williams, de quem cheguei a publicar algumas traduções. Em sessões de leitura, bastante frequentes em Yale e nas universidades americanas de modo geral, pude assistir a muitas performances de Adrienne Rich, Denise Levertov, John Ashbery, da própria Bishop, entre outros.

Foi assim se compondo, às vezes aleatoriamente, às vezes com a firmeza das paixões, o xadrez das referências que deram as linhas de uma formação sempre inacabada.

Em sua opinião, o que um crítico precisa observar para analisar bem um poema, extraindo dele o máximo de relações que permite estabelecer com seu entorno (o momento histórico, a tradição literária, os conflitos sociais etc.)?

Se forma é história sedimentada, como define Adorno, não é correto pensar que se possa inscrever o poema em algo externo a ele, um entorno ou coisa que o valha. O poema é uma experiência da história e da sociedade, é um ímã altamente magnético que as nega e as reconstrói, as duas, no plano da configuração formal. Tampouco se pode acreditar, para analisar um poema, que as especialidades, as disciplinas, os métodos, valem na sua pureza transtemporal, à parte das contradições da experiência do presente. Mais ainda hoje, quando tudo foi solapado pela sociedade contemporânea e seu horror: procedimentos, figuras da linguagem, figuras retóricas, estilística psicológica, a própria noção de subjetividade, as convenções de gênero, tudo foi remexido.

Para não teorizarmos ao léu, desçamos ao material sonoro, que é uma espécie de concreto da poesia. Temos de considerar como a sonoridade traz consigo mesma uma sensibilidade, uma percepção, enfim, já é uma experiência verbal situada historicamente. Um leitor de poesia reconhece facilmente as diferenças entre a sonoridade romântica, simbolista e a da poesia moderna e contemporânea - por que não transformar essas diferenças num problema crítico e compreender como o presente influiu na reação do poeta que trabalha com esse material, descobrindo as mediações concretas para tanto? Estou insistindo na questão da sonoridade porque hoje, tanto na poesia Language quanto na de Claudia Roquette-Pinto (os exemplos são arbitrários), a sonoridade é tensa e cerrada. De fato, assinalam a opressão e a opacidade da vida, a experiência da reificação geral, inclusive a interior. Na Language é uma espécie de memória material da vida numa sociedade em que a mercadoria colonizou tudo e a própria subjetividade sente-se fabricada pela indústria cultural - o poeta que assume a fragmentação do eu, a assintaxidade da frase e o descentramento do sujeito como uma nova natureza, desidealiza a voz do eu romântico que falava de suas experiências e sensações privadas. Essa desidealização é concebida para criar um espaço habitável e contraideológico. Em Claudia a sonoridade é o terreno movediço em que pisamos e do qual estamos sempre tombando, sem pontos de apoio, numa mistura de prazer e sofrimento, pois a sonoridade pode ser inclusive um elemento de tortura.

No hemisfério oposto, estão os poetas da fala ou das frases com desejo proverbial; eles acreditam em relações simples, idealizam o sentimento e o humano, e por isso referem-se sempre à nossa antiguidade modernista ou à poesia moderna como um ideal histórico imbatível. São poetas como Francisco Alvim e Augusto de Campos, que escrevem máximas e mínimas exemplares, poemas-piada, slogans, fragmentos de conversas, expressões ouvidas ou fórmulas aforísticas. Num, a sonoridade ressalta as formas simples que passam a depender da carapaça visual e do design gráfico; noutro, a sonoridade vem da boca do povo, do Brasil paternalista, do passado, direto para o branco da página. Ambos acreditam na imaginação proverbial e até no ato moral da escrita; acham que o poema não pode (ou não deve) abrigar a violência contemporânea e precisam idealizar a inteligência verbal, como se a poesia lacunar que praticam pudesse ser completada pela inteligência redentora ou pela pureza de um leitor, que pode até receber uma lição. E são poetas que sentem, de vez em quando, saudades do lirismo.

Se o crítico não escutar as exigências de cada poema, não escutará quase nada. E, como o poema tem outros planos materiais, além do sonoro, que integram o sentido, a tarefa, portanto, é enorme e demasiado complexa. Fico por aqui, pois o fundamental é formular especificamente as relações da matéria do poema com as operações formais que o configuram. É entrar nos poemas e não repisarmos preceitos gerais.

Ainda sobre o estudo de poesia: que mudanças você observa na postura da crítica literária?

Em boa parte, os que são designados como críticos literários são especialistas em paráfrases ornamentais ou narcisistas dos textos, para os quais existe hoje um público grande e aflito e um pequeno star system que o alimenta e o emociona. De um lado, a interpretação literária tende a ser tão criativa quanto os textos que a inspiraram. A questão já não é compreender ou explicar, mas renomear os conceitos e naturalizá-los numa falação ou numa escrita de charme. Nesse aspecto, a crítica atual compete com a criação e redescobriu a expressividade. A crítica já não dialoga com a arte contemporânea, quer-se parte dela.

De outro lado, vejo pulsante uma hegemonia dos estudos culturais. Tanto é verdade que muitos dos que falam contra os estudos culturais já os estão praticando há bom tempo sem dizer o seu nome. Nos dois lados, a demissão dos critérios de valoração estética tornou-se uma estratégia de acomodação, de aceitação de tudo, de pluralismo anticrítico. É uma pena, mas não vejo na universidade, e noutros núcleos interessados, grande renovação nos estudos de poesia, e sim o desejo de que a poesia contemporânea possa ilustrar teorias de circulação internacional e o poeta ou poetas de eleição ajudem a carimbar o passaporte. Seja como for, todos queremos estar lá nesse mundinho das trocas internacionais falando uma espécie de língua franca, soltinhos, libertos afinal das sociedades a que pertencemos. Por sua vez, órfãos de programa artístico, os poetas precisam do prestígio da teoria para se promoverem e se escudarem, enquanto a teoria precisa estar ao lado da poesia para simular um discurso estético. Lembro que no Brasil a teoria não tem ainda a penetração que alcançou em outros países, como por exemplo na França, Estados Unidos ou Argentina, onde os poetas escrevem com a teoria no cotovelo. Comparativamente pode vir a ser uma vantagem do atraso ou da formação deficiente...

Mas o que preocupa nessas tendências é o crescimento de uma profunda aversão à crítica, sempre apontada como o que trava as relações, como aquilo que despista o literário, como aquilo que, de contrabando, traz para a literatura a sociedade, a história e, pior, o país.

O artigo "Poesia ruim, sociedade pior", escrito com Vinicius Dantas, foi publicado em 1985. É uma leitura importante para quem estuda ou pretende estudar a poesia dos anos 1970. Depois de tantos anos, que balanço você faz dele?

Melancólico. O artigo foi imprudente em ter buscado tão cedo uma posição intempestivamente crítica e antagônica ao pós-modernismo; pagamos um preço durante os vinte anos seguintes de hegemonia neoliberal em que o pós-modernismo foi a ideologia cultural do capitalismo. Os leitores tomavam partido ou da poesia ou da sociedade, como se a sociedade fosse melhor que a poesia (o que jamais sugerimos, mas o título costuma ser invertido), ou que a poesia fosse pior que a sociedade - o que seria um conforto para os conservadores, que estavam sempre prontos para inculpar artistas e escritores dos desmandos sociais. Discutir os dois termos juntos, a qualificação e/ou desqualificação que um produz no outro, a relação mútua - isso não chegou a ser considerado.

Ou então, o artigo era lido para uma avaliação positiva ou negativa da poesia marginal, subestimando o feixe de mediações que armou para situar a contribuição dela. Por exemplo, a sugestão que fizemos de que a poesia marginal quer realizar, numa conjuntura transformada, o afã comunicativo da poesia concreta. Estávamos então propondo, contra as posições programáticas desses dois movimentos, que existia uma dinâmica interna da literatura brasileira, cujo funcionamento possuía algo de desconcertante, pois o momento seguinte realiza o que o momento anterior preconizara de modo aparentemente antagônico.

A comunicação foi um tema introduzido na poesia brasileira por João Cabral e pela poesia concreta em reação à dominância das formas de hermetismo e mistério da poesia moderna. Os poetas concretos insistiram muito nesse ponto: o artesanato era um arcaísmo, uma prática pré-moderna a ser superada, como se a sociedade da comunicação estivesse à beira de abolir a expressão e o lirismo. Hoje, o hermetismo e as formas de exacerbação individualista estão mais fortes e são moedas de troca, se não forem formas comunicativas, por paradoxal que isso possa parecer. As formas tradicionais mais antigas ou modernas foram incorporadas ao universo comunicativo, idem o verso, e sobreviveram numa fase mais adiantada da sociedade de massa, atendendo como tais, e sem grandes transformações, às solicitações pós-modernas. A defesa de uma poesia comunicativa por sua vez acabou se tornando um argumento antediluviano, ainda mais numa sociedade em que o Drummond de Claro enigma é um fenômeno de massa.

Até onde pude ver, nenhuma dessas formulações do artigo chegou a ser discutida, nem outros temas nele elaborados, tais como a descrição da ressubjetivação poética, uma ressubjetivação incapaz de estilizar a própria experiência; o paradoxo de uma poesia tão espontânea e vital como a poesia marginal se nutrir do universo institucionalizado da poesia modernista; a singular posição de classe dos poetas que, em pleno milagre econômico, brincavam com a desqualificação da própria sensibilidade e idealizavam uma máscara de marginalidade, hoje pouco crível.

Como docente, na última década, tem notado alguma mudança significativa na postura dos alunos em relação ao interesse e ao estudo de poesia? E na postura dos professores?

Do ponto de vista da minha experiência de aula na graduação, o aumento da difusão da poesia não trouxe mudança significativa, nem mudança de qualidade no interesse por ela. A poesia continua a intimidar alunos e muitos professores. Também não vejo uma sensibilização para as exigências do objeto poema, nem maior reconhecimento do que ele solicita da leitura. De modo geral, as pessoas são pouco interpeladas pelos poemas e ainda menos por sua construção. Aliás, a filosofia, a psicanálise, o marxismo, as teorias contemporâneas, funcionam como salva-vidas interpretativo dos textos literários, sem passar pela mediação interna de sua composição e de seus problemas de construção. A discussão artística foi substituída por essas formas absorventes de reducionismo, como se tudo já estivesse cifrado num pensamento preexistente e prestigioso, propício a exercícios retóricos. A poesia serve apenas para ilustrar teorias prontas e fornecer imagens e fórmulas inusitadas. É uma desistência que mostra como as coisas pioraram e os leitores querem enxergar pouco, e se ainda enxergam já não é com os próprios olhos. O que percebo sim é que aumentou consideravelmente o número de estudantes que escrevem poemas, sem que isso altere a qualidade da leitura ou melhor a consciência técnica. Será mais fácil escrever poemas do que lê-los e pensar um pouco sobre eles? Desconfio que sim, porque além da subjetividade se conceber esteticamente, a cultura contemporânea recuperou com curadorias e dinheiro a aura do artista e seu poder de exceção.

Você conhece a poesia recente de autores oriundos da periferia das grandes cidades brasileiras, como São Paulo, Recife e Rio de Janeiro? Se sim, quais contribuições formais e temáticas traz para a literatura contemporânea?

Se eu disser que conheço estarei mentindo, porque tudo isso muda a cada dia e o que me chega é uma pontinha de nada. Pensando no que já vi e li, creio que a poesia se converteu em mais um indicador que atesta a integração das classes populares, a recente e relativíssima ascensão da população mais pobre, propiciada pela melhoria da renda. O povo saiu do folclore para a sociedade letrada, digamos assim. Antes do lulismo era uma coisa, essa expressão cultural mais urbana e moderna estava associada aos movimentos populares e à rebeldia jovem. Com o lulismo, e também com o êxito de muitas carreiras de artistas assumidamente periféricos, houve uma mudança, pois o consumo cultural tornou-se uma reivindicação geral, generalizando a autoafirmação da dignidade dos excluídos em linguagem de cultura de massa. De início, sentiam-se as influências dos movimentos sociais e das ongs, mas agora está entrando o apoio do Estado e de políticas públicas e institucionais.

Tudo isso tem muitos lados e precisa ser melhor conhecido para ser descrito e avaliado. Mas me inquieta certa feição que o movimento vai tomando. Se a reivindicação de voz e a conquista de visibilidade para a cultura popular urbana são sinais de democracia e avanço popular - acho que são -, noto que muitas vezes a voz orgulhosa da periferia se direciona ao elogio ou à publicidade de uma integração adaptativa, como se o pobre tivesse conquistado autonomia e a cidadania estivesse assegurada por sua expressão literária. É um populismo que desconhece o antagonismo social e o funcionamento da sociedade contemporânea, é politicamente limitado, embora sua expressão cultural impressione, às vezes vivamente. Ou seja, a periferia nessas circunstâncias desemboca diretamente no mundo do espetáculo e do entretenimento. E aí a poesia se converte num gênero de passatempo. Aparecem formatos comerciais para gêneros mais antigos como o desafio, o poema de exaltação, a prece, o poema-piada, o poema concreto. Por isso, considero a poesia de Waldo Motta tão importante e tão contracorrente, inclusive contra a corrente desse populismo aliado da mídia e da indústria cultural. Do ponto de vista popular, acredito que não se pode falar em retradicionalização frívola, mas em retradicionalização tout court. Na voz do povo trazida pela internet e nos espetáculos bem produzidos com música eletrônica e rap, muita velharia se renova de modo surpreendente e nos obriga a reconsiderar, ao som do hip-hop, muito daquilo que considerávamos ultrapassado. É uma lição da luta de classe para a sensibilidade poética, propiciada pela sociedade do espetáculo, que muito em breve pode mudar, por exemplo, a interpretação das relações de raça e poder na literatura do período colonial ou alterar o significado do nacionalismo do modernismo. Posso estar exagerando.

Vivenciamos uma situação nova em que a indústria cultural tem necessidade mercadológica de se voltar para os mais pobres, porque estes representam um setor crescente e atrativo do mercado. Por isso, continuo insistindo que no Brasil acontece mais na indústria cultural degradada do que em muita teoria ou "literatura exigente". Aliás, essa é a categoria com que Leyla Perrone-Moisés designou recentemente a produção culta de prosadores que se inscrevem na linha da teoria francesa dos anos 1960 e 1970 e que sabem lisonjear, com suas desconfianças do sujeito e da linguagem, sem pretensões comerciais explícitas, "um número restrito de leitores, tão inteligentes e refinados quantos eles [prosadores], leitores que só podem aparecer numa parcela educada da população"

O que você acha mais proveitoso para o campo literário: o diálogo ou o embate entre crítica e poesia? O que estaria acontecendo hoje?

Isso depende muito, não é? As pessoas dialogam quando têm algo a trocar, consideram o interlocutor relevante e apostam na possibilidade de que um ponto de vista novo surja dessa troca. Quando todos são iguais, para que conversar? Para o silêncio meio deprê dessa falta de assunto existe Prozac, e não crítica. Embates, noutras ocasiões, são necessários para destruir algo que não quer morrer e ajudar alguma coisa nova a surgir. Acredito nas duas práticas, conforme a ocasião, mas acredito também que nem uma nem outra se ajustam ao quadro em que vivemos hoje, o qual exige estratégias novas capazes de dar conta de uma complexidade a que não estamos prepar ados. Repetir esquemas da alta modernidade não resolve, porque vivemos numa barbárie multifuncional. Tudo é velho e razoavelmente inadequado, o novo nunca aparece, o consumo nos tornou banalmente iguais. Proveitoso seria um debate estético empenhado em avançar uma discussão à altura da experiência presente, sem preconceitos e também sem mitologias - mas seria ele possível contra tanto interesse articulado social e editorialmente?

Em suma, confesso que não vejo perspectivas e tendências firmes na direção da radicalidade necessária, pois a radicalidade artística sumiu do horizonte, assim como um pouco antes sumiram a social e a política.

Em artigo recente, você afirma que "Atualmente há sinais de que o complexo cultural do neoliberalismo foi abalado em sua hegemonia, que o pensamento único perdeu a autoridade de nos condenar a um modelo inapelável de sociedade, embora não despontem alternativas relevantes ao capitalismo, mesmo após uma crise sistêmica de proporções ainda não reveladas de todo, como a que atravessamos desde 2008. Falando da experiência brasileira, é verdade que raras são até agora as reações propriamente artísticas, no campo da poesia, a esta conjuntura. Mas elas existem e estarão fundadas na insatisfação com o paradigma retradicionalizador, o qual [...] não passa de um parasitismo do cânone". Além de Waldo Motta e Claudia Roquette-Pinto, poetas cuja obra você considera relevante, aponte o nome de outros contemporâneos que estejam desenvolvendo um trabalho de interesse.

Vocês acham Waldo e Claudia pouco? Não seria melhor lê-los bem e também com olhos que atravessam o contemporâneo? A frase que vocês recortaram é um voto, um desejo de mudança e transformação. Temos ainda de lidar com o que existe e que também não está parado. Considero, por exemplo, Carlito Azevedo não só um bom poeta, como aquele que tem orientado as tendências da poesia brasileira faz tempo. Inimigo Rumor era uma revista excelente, que melhorou muito nos últimos números, após o sequestro português. O fato de a poesia dele não me entusiasmar, não me desobriga de conhecê-lo e tentar decifrá-lo. Há vários autores que ganharam forças e já surgem livros com um pique novo como Em trânsito, de Alberto Martins. Outra tentativa interessante encontro nos livrinhos de Tarso de Melo, em que o realismo despoetizado, rigoroso na sua construção entediada e desanimada, atualiza o sentimento de viver numa grande cidade. Mesmo já estando meio velhinha, ainda espero que Augusto de Campos, um autor inegavelmente importante, escreva um bom poema - afinal ele pode, caso saia desse adagiário letrista...

Também vejo em curso um novo sentimentalismo, uma poesia comercial atualizada e intelectualizada, não sei se ligada a algum interesse editorial ou a uma mudança de público. As virtualidades sentimentais de poetas como Marcos Siscar e Ricardo Domeneck, que aliás as disfarçam muito, estão ficando mais evidentes, a despeito da desconfiança em relação ao real e da indeterminação que apregoam.

No futuro talvez se reconheça que essas estratégias de indeterminação e de desconstrução sintática e imagética serviram, quem sabe, para renovar o sentimentalismo. Essa é outra razão porque não posso concordar, repito, com Leyla Perrone quando fala em "literatura exigente": as propostas apoiadas na teoria francesa ou norte-americana mudam de sentido ao serem aplicadas à literatura brasileira, quer dizer, a afinidade com a proposta original vai ficando remota, quando retrabalhada por outras gerações e outras solicitações. Os poetas que monumentalizam o vazio e têm a eloquência do banal deram para reequilibrar retoricamente o tédio da literatura com momentos fecundos de emoção privada, da vida amorosa e familiar, abrindo-se melodramaticamente para a experiência da morte, do tempo em família, do cotidiano amoroso. A suspeita enunciativa e a rarefação referencial podem assim promover um retorno ao real, ou o que seja. A torrente está crescendo. Vejam que até Drummond pôde se tornar, para a crítica e para a avidez de leitores novos, um mestre em melodrama, o que não deixa de ser um absurdo, mas, temos de reconhecer, o presente também modifica a leitura dos clássicos, seja para melhorá-los, seja para piorá-los. Isso comprova que eles participam do contemporâneo tanto quanto os autores novos, os livros novos e a produção regular dos consagrados.

Quem sabe se a coisa piorar muito, mas muito mesmo, teremos algum dia de reverenciar a poesia como uma perfumada caixinha de lágrimas, o que não deixa de ser uma piada neste tempo cruel de pobreza e comércio.

Recebido para publicação em 13 de agosto de 2012.

ANDRÉA CATRÓPA é poeta, doutoranda em Teoria Literária e Literatura Comparada pela USP. Publicou os poemas de Mergulho às avessas (2008) e, sobre os temas aqui abordados, "A relação entre crítica e poesia brasileira contemporânea" em Protocolos críticos (Iluminuras, 2009).

RENAN NUERNBERGER é poeta, mestrando em Teoria Literária e Literatura Comparada pela USP. Publicou Mesmo poemas (2010) e Armando Freitas Filho, uma antologia comentada (Ed. Uerj, 2011).

CARLOS FREDERICO BARRÈRE MARTIN é poeta, doutorando em Teoria Literária e Literatura Comparada pela USP.

  • [1] Perrone-Moisés, Leyla. "A literatura exigente". Folha de S.Paulo, caderno "Ilustríssima", 25/03/2012, p. 4-5.
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    . Minha posição é outra, não acredito nesse critério linhagístico e estou convencida que a própria vanguarda já mudou de substância várias vezes ao longo dos últimos cem anos. Claro que a exigência artística é um valor irrenunciável, aliás, é por todos os lados o que mais nos falta hoje em dia, desde que não seja atrelado à finura das elites, à fidelidade a uma moda teórica ou filosófica com prazo vencido ou a importações salvadoras que, por serem cegas à dinâmica das transplantações, só servem para atiçar ilusões de universalismo. Os pobres estão vivendo experiências e a chegada deles ao mundo da educação formal e à universidade pode transformar a literatura brasileira, quem sabe trazendo inclusive uma experiência estética nova para discutirmos Blanchot ou Derrida de forma mais consistente.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Jan 2013
    • Data do Fascículo
      Nov 2012

    Histórico

    • Recebido
      13 Ago 2012
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