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A REBELIÃO PLURALISTA DE 1979 NA ASSOCIAÇÃO AMERICANA DE FILOSOFIA: Insatisfação disciplinar e mudança intelectual

The Pluralist Rebellion of 1979 at the American Philosophical Association: Disciplinary Discontent and Intellectual Change

RESUMO

O artigo reconstrói as disputas na Associação Americana de Filosofia (APA) que culminaram, em 1979, na chamada “Rebelião Pluralista”. Um dos personagens centrais desse drama foi o filósofo Richard Rorty (1933-2008), formulador intelectual das queixas de insatisfação disciplinar e institucional que eclodiram na reunião anual da associação naquele ano. O episódio pode ser interpretado como um caso exemplar de processos de mudança intelectual envolvendo crise institucional e a emergência de movimentos científicos/intelectuais.

PALAVRAS-CHAVE:
Filosofia contemporânea norte-americana; Richard Rorty; movimentos intelectuais; mudança intelectual; sociologia da filosofia

ABSTRACT

The article reconstructs the disputes in the APA that led, by the end of the 1970s, to the so-called Pluralist Rebellion. One of the central characters of this event was philosopher Richard Rorty (1933-2008), who had a crucial role as an intellectual framer of the disciplinary discontent which erupted in the 1979 meeting of the association. The article concludes by showing how the episode might be interpreted as an exemplary case of processes of intellectual change that involve institutional crisis and the emergence of scientific/intellectual movements.

KEYWORDS:
American contemporary philosophy; Richard Rorty; intellectual movements; intellectual change; sociology of philosophy

Mil novecentos e setenta e nove foi um ano cheio para Richard Rorty, professor do Departamento de Filosofia da Universidade Princeton e presidente da Associação Americana de Filosofia (APA). A filosofia e o espelho da natureza (Rorty, 1979______. Philosophy and the Mirror of Nature. Nova Jersey: Princeton University Press, 1979 [ed. bras.: A filosofia e o espelho da natureza. Tradução de Antônio Trânsito. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2010].), publicado naquele ano, tornou-se imediatamente o livro de filosofia mais lido nos círculos filosóficos profissionais, segundo estimativa de um resenhista (Greene, 1980Greene, Robert. “Reviewed Work: Philosophy and the Mirror of Nature by Richard Rorty”. MLN, v. 95, n. 5, 1980, pp. 1.387-92.), e o lançou ao centro de um debate latente sobre uma crise disciplinar na filosofia profissional norte-americana. Combinando, nas palavras de Greene, “as abordagens histórica e analítica”, a obra oferecia uma teoria sobre a natureza da filosofia e um prognóstico sobre seu futuro após a “crise da filosofia centrada na epistemologia”, identificada precocemente pelo próprio Rorty em um artigo de final dos anos 1960 (Rorty, 1967Rorty, Richard. “Metaphilosophical Difficulties of Linguistic Philosophy”. In ______ (org.). The Linguistic Turn. Chicago: The University of Chicago Press, 1967.). Antes que o ano terminasse, entre o Natal e o Ano-Novo, Rorty teria de administrar uma crise no encontro nacional da APA, cuja diretoria se viu acuada por um movimento que demandava eleições diretas para os cargos da associação.

O motim no encontro da APA em dezembro de 1979 foi organizado pelo Grupo de Sábado, uma agremiação informal que reunia professores de universidades de menor prestígio. Preocupados com o controle da APA por membros de departamentos tradicionais (notadamente o de Harvard), haviam se organizado em 1978 em resposta a ameaças de descredenciamento do programa de pós-graduação do departamento de filosofia da New School, em Nova York, episódio que consideravam mais uma ofensiva imperial da chamada “filosofia analítica”. O movimento exigia maior reconhecimento e espaço institucional para filósofos não identificados com essa tradição, hegemônica desde pelo menos o final da década de 1940 (Beaney, 2013Beaney, Michael. “The Historiography of Analytic Philosophy”. In ______ (org.). The Oxford Handbook of the History of Analytic Philosophy. Oxford: Oxford University Press, 2013.; Soames, 2014Soames, Scott. Analytic Philosophy in America. Princeton: Princeton University Press, 2014.), e resultaria na chamada “Rebelião Pluralista” de 1979.

Este artigo reconstrói a crônica desses eventos e procura entender, segundo uma perspectiva inspirada pela “nova sociologia das ideias” (Camic e Gross, 2008Gross, Neil. Richard Rorty: the Making of an American Philosopher. Chicago: The University of Chicago Press, 2008.), um momento de mudança intelectual na filosofia norte-americana contemporânea. O ano de 1979 é um marco na emergência da filosofia pós-analítica (Rajchman e West, 1985Rajchman, John; West, Cornel. Post-Analytic Philosophy. Nova York: Columbia University Press, 1985.), mas as importantes transformações por trás desse processo não são apenas intelectuais - estas se combinaram, de forma marcadamente conflituosa, a mudanças institucionais para produzir tanto inovações no plano da teoria como mobilizações no plano disciplinar-institucional. O artigo mostra como o Grupo de Sábado deve ser interpretado como um exemplo instrutivo de movimento intelectual (Frickel e Gross, 2005Frickel, Scott; Gross, Neil. “A General Theory of Scientific/Intellectual Movements”. American Sociological Review, v. 70, n. 2, 2005, pp. 204-32.), e que Rorty, embora apenas indiretamente ligado a ele por força das circunstâncias, desempenhou papel crucial de formulador (framer) intelectual do movimento.

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“Alegando que a Associação Americana de Filosofia se tornou ‘monolítica’ e ‘intolerante’, que seus programas ‘negligenciam temas filosóficos básicos’ e que seus líderes haviam ‘perdido o contato com os demais filósofos’”, relatou o repórter Thomas Lask (1979Lask, Thomas. “Philosophical Group’s Dominant View is Criticized”. The New York Times, 30 dez. 1979.) para a edição de 30 de dezembro de 1979 do jornal The New York Times, “o Comitê para o Pluralismo na Filosofia criticou severamente por duas horas, na última sexta-feira, os líderes do grupo filosófico e afirmou que planejava substituí-los”. A situação era inusitada. Na edição anterior do tradicional encontro da divisão Leste da APA em Washington, DC - desde 1902 realizada anualmente na semana entre o Natal e o Ano-Novo, cada ano em uma cidade da costa leste norte-americana (Campbell, 2006Campbell, James. A Thoughtful Profession: the Early Years of the American Philosophical Association. Chicago: Open Court, 2006.) -, entre sessões temáticas esvaziadas, debates mornos e palestras sonolentas, um grupo informal autointitulado Grupo de Sábado convocara uma reunião. Segundo o testemunho de Bruce Wilshire (2002Wilshire, Bruce. “The Pluralist Rebellion in the American Philosophical Association”. In ______. Fashionable Nihilism: A Critique of Analytic Philosophy. Nova York: SUNY Press, 2002, pp. 51-64.), mais de cem pessoas compareceram, e ali se formou o Comitê para o Pluralismo na Filosofia para, nas palavras de seus fundadores, “trabalhar por uma APA mais representativa da diversidade da atividade filosófica nos Estados Unidos”.1 1 “Committee for Pluralism”. Documento inédito, 1979. Arquivos de Kenneth Stickers, Southern Illinois University, Carbondale. Citado em Gross, 2008, p. 220.

O objetivo do Comitê para o Pluralismo era propor ações coletivas dirigidas contra o “domínio da filosofia analítica” sobre o comando da APA. Embora existam tantas definições de filosofia analítica quanto existem filósofos e filósofas que se declaram analíticos, trata-se, em linhas gerais, da tradição filosófica que se desenvolveu no contexto de profissionalização da filosofia nos Estados Unidos na primeira metade do século XX (Toledo, 2015Toledo, Joaquim E. C. Richard Rorty e a emergência da filosofia pós-analítica: transformações institucionais e mudança intelectual na filosofia profissional norte-americana contemporânea. Tese (doutorado em filosofia). Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Unicamp, Campinas, 2015.) em universidades como Harvard, Cornell e UCLA, em direta oposição à “filosofia especulativa” em voga naquele país até o final da Segunda Guerra (Beaney, 2013Beaney, Michael. “The Historiography of Analytic Philosophy”. In ______ (org.). The Oxford Handbook of the History of Analytic Philosophy. Oxford: Oxford University Press, 2013.). Derivada das obras de Gottlob Frege (1848-1925), Bertrand Russell (1872-1970) e Ludwig Wittgenstein (1889-1951), dos positivistas lógicos do Círculo de Viena e da filosofia da linguagem de Cambridge e Oxford, a filosofia analítica se caracteriza, nas palavras de Scott Soames,

pelo respeito à ciência e ao senso comum, pela crença na relevância da lógica e da linguagem para a filosofia, pela ênfase na precisão e na clareza argumentativas, pela desconfiança da metafísica apriorística e pela elevação dos objetivos de verdade e conhecimento sobre inspiração, edificação moral e conforto espiritual. (Soames, 2014Soames, Scott. Analytic Philosophy in America. Princeton: Princeton University Press, 2014., p. 7)

Segundo as queixas do Comitê para o Pluralismo, os filósofos de orientação analítica exerciam poder desproporcional sobre aspectos cruciais da vida filosófica acadêmica: avaliação de departamentos e programas de pós-graduação, acesso a publicações de prestígio (como a Philosophical Review e o Journal of Philosophy; Katsav e Vaesen, 2017)2 2 Para o papel da Philosophical Review na promoção da filosofia analítica no pós-guerra, conferir Katsav e Vaesen, 2017. e sua posição aparentemente inexpugnável de gatekeepers das cobiçadas posições em universidades de prestígio que garantiam visibilidade intelectual e profissional e recompensas financeiras significativamente maiores. Apesar da expansão sem precedentes do sistema de ensino superior norte-americano no pós-guerra e da consequente multiplicação de departamentos e programas de pós-graduação em filosofia em todo o país, os departamentos tradicionais da disciplina, Harvard no centro (Kuklick, 1977Kuklick, Bruce. The Rise of American Philosophy: Cambridge, Massachusetts, 1860-1930. New Haven: Yale University Press, 1977.; 2000______. A History of Philosophy in America, 1720-2000. Oxford: Oxford University Press, 2000.), ainda dominavam a paisagem da filosofia profissional nos Estados Unidos.

A polêmica deu visibilidade às queixas crescentes no meio filosófico profissional norte-americano contra o domínio dos filósofos analíticos sobre a APA. Em 1977, o departamento de filosofia da New School - nas palavras de Wilshire, “um dos últimos postos avançados de pós-graduação em pensamento continental, não analítico e não positivista” - estava em crise. A diretoria da instituição havia suspendido contratações e processos seletivos para ingresso na pós-graduação. O departamento contava com apenas três professores com tenure, especialistas na tradição clássica de filosofia norte-americana, em filosofia continental e em história da filosofia antiga. Esse perfil contrastava com as linhas dominantes nos departamentos de maior prestígio, como os de Harvard, Cornell, Princeton, Pittsburgh e Pennsylvania, onde predominavam o estilo analítico e a preferência pelas áreas de filosofia da ciência e da linguagem. Para Albert Hofstader, chefe do departamento de filosofia da New School, a situação era “desmoralizante para professores e alunos”.

O governo de Nova York, por meio de sua Agência Estadual de Credenciamento, havia organizado um processo de avaliação dos programas de pós-graduação do estado. Era de esperar que o comitê de avaliação, majoritariamente analítico, fosse recebido com desconfiança pelo corpo docente da New School. Segundo Richard Rorty, professor da Universidade Princeton e membro daquele comitê, a desconfiança era justificada: o estilo de trabalho intelectual do departamento de filosofia da New School, aos olhos do establishment da área, era obsoleto e estava em descompasso com os padrões estabelecidos por seus pares de maior prestígio, e seu programa de pós-graduação corria risco de ser descredenciado:3 3 Cerca de quinze anos depois, a APA abandonou os rankings reputacionais, substituindo-os por guias informativos com parâmetros compartilhados; à época, no entanto, processos de avaliação como esse podiam construir ou destruir a imagem de instituições e profissionais.

O projeto [do comitê de avaliação] era uma má ideia. Parecia insinuar que haveria a necessidade de um tipo de padronização dos departamentos de filosofia. [Filósofos não analíticos] pensaram que se tratava de um ataque do establishment analítico contra todos os que não eram do establishment, e retrospectivamente eu acho que estavam corretos. (Gross, 2008Gross, Neil. Richard Rorty: the Making of an American Philosopher. Chicago: The University of Chicago Press, 2008., p. 218)

O processo de avaliação era supostamente um cavalo de Troia analítico com o objetivo de reduzir o espaço e a reputação de outras linhas de trabalho filosófico. Para os não analíticos, o programa de pós-graduação da New School era um bastião, e seu descredenciamento, ironicamente sob a justificativa de que o currículo era muito especializado (Wilshire, 2002Wilshire, Bruce. “The Pluralist Rebellion in the American Philosophical Association”. In ______. Fashionable Nihilism: A Critique of Analytic Philosophy. Nova York: SUNY Press, 2002, pp. 51-64.), uma ameaça potencial aos não conformistas.

Segundo Rorty, que chegou a sugerir a contratação de Alasdair MacIntyre para substituir Albert Hofstader (Gross, 2008Gross, Neil. Richard Rorty: the Making of an American Philosopher. Chicago: The University of Chicago Press, 2008., p. 219), essa não era a intenção do comitê. Em carta ao então chefe de departamento, após o encerramento da avaliação do comitê, Rorty reforçou sua admiração pela instituição, um santuário de formas alternativas do trabalho filosófico em um sistema dominado pelo estilo analítico:

Falando agora na condição de cidadão privado, agora que a missão do comitê terminou na última sexta, e independentemente do conteúdo do relatório daquele comitê, gostaria de dizer que a New School me parece oferecer oportunidades sem igual de estabelecer um vínculo entre os filósofos norte-americanos e o trabalho excitante ora em curso entre filósofos na Alemanha […] A filosofia nos Estados Unidos está nos momentos finais de uma era e à procura de algo que a revitalize […]. Seria uma tragédia se justamente agora a filosofia na New School desaparecesse.4 4 Richard Rorty em carta a Joseph Greenbaum, 24 de outubro de 1977. Citado em Gross, 2008, p. 219.

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A polêmica envolvendo a New School chamou a atenção do Grupo de Sábado. Formado por filósofos não analíticos em janeiro de 1978, poucas semanas após o encontro de 1977 da APA, era um grupo informal de debates, trocas de experiências profissionais e, principalmente, acompanhamento independente e crítico das atividades da associação. Nas palavras de um importante membro do grupo, John Smith (Yale), a missão do grupo era monitorar tudo “que diz respeito às diretorias e aos membros dos comitês, à organização do programa anual [da associação] e à distribuição de prêmios de pesquisa”. Como relatou Wilshire:

Em janeiro de 1978, alguns de nós, professores de filosofia, nos reunimos em um sábado no apartamento de Charles Sherover [Hunter College/CUNY]. Havíamos testemunhado mais uma convenção monótona, imperdoavelmente paroquial da divisão da Costa Leste da APA. Havíamos sido colocados de lado por décadas. Resignação e desespero estavam profundamente entranhados. Havia mais filósofos no banco que em campo. (Wilshire, 2002Wilshire, Bruce. “The Pluralist Rebellion in the American Philosophical Association”. In ______. Fashionable Nihilism: A Critique of Analytic Philosophy. Nova York: SUNY Press, 2002, pp. 51-64., p. 52)

A dificuldade de acesso a recursos da vida acadêmica era uma queixa crescente. O panorama profissional para os filósofos havia mudado com a expansão do sistema universitário, que chegara a um ponto crítico de arrocho estrutural: o mercado de trabalho de cursos superiores havia estagnado, enquanto o estoque de doutores crescia ano a ano. O país enfrentava um processo de inflação de credenciais educacionais (Collins, 1979______. The Credential Society: a Historical Sociology of Education and Stratification. Nova York: Academic Press, 1979.), isto é, de perda de valor dos diplomas de ensino superior e dos títulos de pós-graduação em decorrência da expansão do acesso a esses níveis de escolaridade. Em reação à dificuldade de obter recursos, surgiram na filosofia organizações independentes e informais, paralelas à APA: sociedades de metafísica, de fenomenologia, de filosofia americana clássica, entre outras. “Muitos desses subgrupos se reuniam nas horas mortas dos encontros da APA”, relata Wilshire. “Na verdade, formaram-se tantas sociedades e associações que a APA estava em risco de implodir, de ver seu núcleo colapsar” (Wilshire, 2002Wilshire, Bruce. “The Pluralist Rebellion in the American Philosophical Association”. In ______. Fashionable Nihilism: A Critique of Analytic Philosophy. Nova York: SUNY Press, 2002, pp. 51-64., pp. 52-3).

O Grupo de Sábado abraçou a causa da New School e, em comunicados e cartas aos membros da APA, tornou público um debate latente sobre a centralização da entidade em torno dos filósofos analíticos. Segundo Wilshire:

Enviamos cartas para amigos de fora de nosso círculo imediato denunciando as dificuldades pelas quais passava a New School. A resposta foi animadora. Muitos filósofos assinaram as cartas. Isso nos motivou a seguir adiante. Chamávamos a nós mesmos o “Grupo de Sábado”. (Wilshire, 2002Wilshire, Bruce. “The Pluralist Rebellion in the American Philosophical Association”. In ______. Fashionable Nihilism: A Critique of Analytic Philosophy. Nova York: SUNY Press, 2002, pp. 51-64., p. 54)

A concorrida reunião marcada para o encontro anual da entidade em 1978, em Washington, DC - da qual surgiu o Comitê para o Pluralismo na Filosofia -, era até então o ponto culminante das atividades do Grupo de Sábado.

A primeira resolução do Comitê para o Pluralismo foi exigir à APA a abertura do processo de escolha da diretoria ao escrutínio público. O regulamento previa que a diretoria da associação seria eleita na reunião administrativa anual, mas na prática não havia concorrência: a chapa, definida a portas fechadas pelo Comitê de Nomeação, era meramente referendada no encontro oficial da entidade. “Ninguém forçava uma disputa”, escreve Wilshire, “nem a pequena claque oligárquica de filósofos analíticos que se nomeavam uns aos outros para os cargos de direção ano após ano; nem os muitos filósofos que se valiam das convenções da APA para fazer avançar suas carreiras, que não se identificavam realmente com ela nem compareciam às reuniões administrativas; muito menos aqueles que haviam desistido e se desfiliado da Associação” (Wilshire, 2002Wilshire, Bruce. “The Pluralist Rebellion in the American Philosophical Association”. In ______. Fashionable Nihilism: A Critique of Analytic Philosophy. Nova York: SUNY Press, 2002, pp. 51-64., p. 55). De fato, de meados da década de 1950 até o fim dos anos 1970, a maioria dos presidentes da divisão Leste da APA eram filósofos analíticos com laços estreitos com os departamentos de filosofia tradicionais.

A decisão foi levada ao Comitê de Nomeação, que se reunia naquele mesmo dia. Os pluralistas exigiram que os formulários da consulta fossem lidos em voz alta nas próximas reuniões do comitê. Kurt Baier (Universidade de Pittsburgh), que terminava seu mandato de presidente, reagiu à proposta afirmando que o Comitê de Nomeação havia sido “devidamente eleito” e, portanto, era o legítimo encarregado de tomar decisões relativas à composição da diretoria. Dada a superioridade numérica dos pluralistas, no entanto, a moção em favor do reconhecimento público formal das indicações dos afiliados se impôs. As queixas se estenderam, para além das práticas administrativas e do funcionamento do Comitê de Nomeação, às práticas de seleção de trabalhos submetidos ao Comitê de Programação do encontro anual da entidade. Embora seguisse os princípios de avaliação às cegas, o Comitê de Programação parecia favorecer trabalhos que se enquadrassem em metodologias e temas bastante restritos (Tull, 2005Tull, Richard T. (org.). Presidential Addresses of the American Philosophical Association. Vários volumes. Nova York: Prometheus, 2005.).5 5 Os anais dos encontros da associação no período registram o desequilíbrio entre artigos e comunicações de orientação analítica e os orientados pelas demais abordagens (Tull, 2005).

A diretoria temia que as guerras culturais que eclodiram nos Estados Unidos desde o final da década de 1960 tivessem alcançado o núcleo organizacional da disciplina, e que essa politização contaminasse a produção filosófica. Para Ernest Sosa (Brown), tesoureiro da APA, a exigência de que a entidade e seus associados dessem mais atenção aos assuntos “do dia” - a Guerra do Vietnã, a questão racial e as mobilizações em torno de direitos civis - podiam degenerar em demanda por democratização plena da entidade: “É a primeira vez que a demanda por eleições está na ordem do dia” (Gross, 2008Gross, Neil. Richard Rorty: the Making of an American Philosopher. Chicago: The University of Chicago Press, 2008., p. 221). Para além da demanda por transparência no processo de escolha da diretoria, Sosa temia que, no ano seguinte, os ativistas tentassem nomear candidatos e elegê-los de forma direta, desde o plenário. Por isso, propunha que se aprovasse uma norma proibindo eleições diretas no ano seguinte e, dependendo das reações, que a diretoria se adiantasse aos pluralistas e estabelecesse um processo eleitoral a partir de 1980.

Rorty, eleito presidente para o ano seguinte, apoiou o plano de Sosa - considerava a ideia de uma eleição direta, de iniciativa dos rebelados, prejudicial à entidade. Por outro lado, avaliava que a demanda dos não analíticos por maior representação era legítima. Em carta, escreveu:

Acho justas as queixas [dos pluralistas]. Existe, infelizmente, um “establishment analítico” em nossa disciplina que tem, vez ou outra, agido de formas que sugerem uma tirania da maioria - não intencionalmente, creio, mas por complacência e falta de atenção. Talvez esteja na hora de a APA descobrir uma forma de se livrar desses maus hábitos.6 6 27 de março de 1979. Arquivo de Richard Rorty, citado por Gross, 2008, p. 221.

Rorty procurou implementar mudanças no Comitê de Programação, propondo que passasse a ser composto por representantes das diferentes abordagens e tradições da disciplina. Sugeriu, também, que a APA emitisse uma nota reconhecendo o viés pró-analítico dos encontros nos últimos anos, declarando sua intenção de corrigi-lo e encorajando os não analíticos a inscrever trabalhos para o encontro do ano seguinte. Acima de tudo, Rorty reconhecia que a tensão entre analíticos e não analíticos tenderia a se aprofundar no futuro, dadas as diferentes ênfases de formação nos programas de pós-graduação do país:

Um tipo [de programa de pós-graduação] (exemplificado por Princeton e Harvard) treina pessoas para resolver problemas propostos pela literatura recente. O outro enfatiza a familiarização com textos históricos. Esses dois tipos de filósofos mal conseguem conversar entre si atualmente, e serão ainda menos capazes de conversar no futuro.7 7 Richard Rorty a Ernest Sosa, 9 de julho de 1979. Citado por Gross, 2008, p. 225. (Rorty apud Gross, 2008Gross, Neil. Richard Rorty: the Making of an American Philosopher. Chicago: The University of Chicago Press, 2008.)

Poucas semanas antes do encontro anual de 1979, no entanto, Rorty escreveu decepcionado a Robert Sokolowski (da Universidade Católica da América, CUA). Ele havia tentado convencer os diretores da APA a respeito da “estreiteza do espectro de pontos de vista filosóficos” entre os comitês da associação, mas não encontrou entre eles “apoio”:

De fato, [alguns membros da diretoria] ficaram enfurecidos com minha afirmação. Estou, infelizmente, inclinado a pensar que a recusa do Establishment Analítico a fazer concessões não é apenas questão de descuido e desatenção, mas de hostilidade ativa aos que se recusam a aceitar a hegemonia analítica.8 8 6 de novembro de 1979. Citado por Gross, 2008, p. 226. (Rorty apud Gross, 2008Gross, Neil. Richard Rorty: the Making of an American Philosopher. Chicago: The University of Chicago Press, 2008.)

No mesmo período, em antecipação à aguardada reunião da APA de 1979 em Nova York, rumores circularam a respeito das decisões do Comitê de Nomeação. Aparentemente, a maioria das indicações havia sido ignorada de propósito. Os pluralistas convocaram um protesto para a véspera da reunião do Comitê de Nomeação no hotel Sheraton, em Nova York.

No dia seguinte, o Comitê de Nomeação anunciou o esperado: Adolf Grünbaum, de Pittsburgh, assumiria a vice-presidência da entidade, substituindo Rorty na presidência no ano seguinte. A leitura dos resultados da consulta aberta, no entanto, acirrou os ânimos dos presentes: nenhum dos cinco primeiros colocados havia sido nomeado para os respectivos cargos - o Comitê de Nomeação resolvera simplesmente ignorar a consulta, mantendo sua prática de escolher a diretoria de maneira autocrática, ainda que dessa vez fosse obrigado a assumir que contrariava as preferências dos afiliados. A reação dos rebelados foi nomear os escolhidos na consulta pública para seus respectivos cargos - entre eles John Smith (Yale), John Lachs (Vanderbilt), Quentin Lauer (Fordham) e John McDermott (Texas A&M),9 9 Poucos anos depois McDermott organizou um simpósio sobre a coletânea de artigos Consequences of Pragmatism, de Richard Rorty (1982). figuras centrais do Comitê para o Pluralismo - e exigir uma votação ali mesmo. Indicado para presidente, Smith venceu Grünbaum na eleição improvisada, por 198 votos a 165.

Conseguir maioria era relativamente fácil, uma vez que reuniões como a do Comitê de Nomeação costumavam ser esvaziadas. Wilshire estima que, dos cerca de 2 mil associados que frequentavam o encontro anual, apenas sessenta compareciam a reuniões burocráticas. Para ele, “a apatia era compreensível, pois raramente os assuntos mais relevantes eram discutidos e votados em plenário”. Apesar de dúvidas em relação à legitimidade de alguns dos votos (parte deles era de alunos de pós-graduação, e não professores), Rorty, após suspender a reunião e adiar sua decisão para o dia seguinte, decidiu reconhecer a validade da eleição e declarou Smith presidente eleito da divisão Leste da Associação para o período de 1980-1981.10 10 Roderick Firth assumiria a presidência no ano seguinte. A APA define seus presidentes com dois mandatos de antecedência. Para uma lista completa de seus presidentes e discursos, cf. <www.apaonline.org/?page=presidents>. Os sublevados da Rebelião Pluralista, como o episódio ficou conhecido, haviam vencido a batalha.

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Entre os rebelados, as queixas convergiam: os filósofos analíticos queriam deslegitimar toda forma alternativa de fazer filosofia, e a APA havia se tornado instrumento de controle da disciplina. A professora Evelyn Sherk, da Universidade Hofstra, disse ao repórter Thomas Lask, do The New York Times, que “a análise americana se apresenta como a posição filosófica”. Para ela, a APA havia sido transformada por sua diretoria em uma organização monolítica dominada por interesses particulares. “O pluralismo institucional”, concluía, “é o remédio para o dogmatismo entranhado” na associação. Quentin Lauer, de Fordham, declarou, por sua vez, que “deve haver uma variedade de posições filosóficas […]. A verdade é vasta demais para que nos aproximemos apenas de uma de suas faces”. Disse ainda que “as ideias do passado não podiam ser ignoradas” e registrou seu desprezo por uma forma de fazer filosofia que, como a filosofia analítica, se expressava em um “jargão compreensível apenas para um pequeno grupo” (Lask, 1979Lask, Thomas. “Philosophical Group’s Dominant View is Criticized”. The New York Times, 30 dez. 1979.).

Os participantes da Rebelião Pluralista ressaltavam, porém, que as diferenças entre a posição “historicista, europeia, continental” e a posição “analítica anglo-saxônica” não eram meramente abstratas, mas diziam respeito a questões práticas como “bolsas, apoio do governo, financiamento, publicações e a indicação de alunos e amigos para posições no corpo docente das universidades”. Para Wilshire, os cursos de pós-graduação eram “excludentes, e não pluralistas”. John Lachs acusou os filósofos analíticos de “intolerância” e afirmou que “a diretoria da associação queria mantê-la ‘pura para a análise’”. “O poder”, concluiu, “é uma questão importante e lucrativa”.

A vitória foi importante, mas parcial e provisória. Alguns dos analíticos viram no episódio uma advertência a respeito de seu fechamento para o resto da comunidade filosófica. Outros ficaram furiosos com a mobilização pluralista. A hipótese de levar a questão à justiça foi aventada, mas a estratégia de reação do Comitê Executivo foi propor uma alteração no estatuto da entidade que permitisse realizar as eleições por correspondência, e não presencialmente. Dessa forma, os filósofos analíticos recuperariam o controle sobre o processo e esmagariam a rebelião daquele grupo ruidoso mas pequeno de sans-culottes acadêmicos, com o apoio da maioria silenciosa e mais moderada que sequer comparecia às reuniões anuais da entidade. A eleição de 1980 ainda se realizou no plenário, uma vez que alteração no regimento não poderia ter vigência imediata, mas na eleição de 1981, que elegeria o presidente para o período de 1982-1983, Grünbaum acabou por derrotar William Barrett (NYU), o candidato dos pluralistas.

“Vocês ficam com os encontros”, disse Ruth Charlotte Marcus (Yale), especialista em lógica e presidente da APA Oeste no período de 1975-1976, “nós ficamos com os programas de pós-graduação” - ou seja, com o controle dos meios de credenciamento acadêmico. O comentário sarcástico após os pluralistas terem conseguido aprovar a moção de transparência era também premonitório. Pelos anos seguintes, assolada pelo crescente desinteresse de estudantes e do público em geral, a filosofia profissional norte-americana permaneceria hermética e fechada em torno de um pequeno circuito - “um passatempo de mandarins”, como observou Wilshire. Embora a Rebelião Pluralista tenha colaborado para a maior abertura dos canais de comunicação e publicação acadêmica, o controle da corrente analítica sobre os programas de pós-graduação e os processos de recrutamento profissional persistiria.

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Foi em meio a esse clima de insatisfação e polarização que Richard Rorty leu seu discurso presidencial, “Pragmatism, Relativism and Irrationalism” (Rorty, 1980______. “Pragmatism, Relativism and Irrationalism”. Proceedings and Addresses of the American Philosophical Association, v. 53, n. 6, 1980, pp. 719-38.; Rawls, 2018Rawls, Anne Warfield. “The Wartime Narrative in us Sociology, 1940-1947: Stigmatizing Qualitative Sociology in the Name of ‘Science’”. European Journal of Social Theory, v. 21, n. 4, 2018, pp. 1-21.).11 11 Para a relevância de discursos presidenciais de associações científicas profissionais para a história e a sociologia das disciplinas acadêmicas, conferir Rawls, 2018. Diante de uma plateia composta por membros do baixo clero insatisfeitos e mandarins contrariados, defendeu a reabilitação do espírito filosófico do pragmatismo norte-americano clássico (“a principal glória da tradição intelectual de nosso país”), que estava em baixa nas décadas anteriores e ia na contramão da concepção da natureza da tarefa intelectual da filosofia então dominante, em especial entre os filósofos analíticos. Acima de tudo, o discurso prendeu a atenção da plateia ao indicar a necessidade de mudanças significativas na forma (“cientificista”) como a filosofia era vista e praticada nos Estados Unidos.

O principal alvo de Rorty era o positivismo lógico, que desempenhava o papel de proxy, por extensão, de toda a tradição analítica. Recuperar o pragmatismo de William James (1842-1910) e a filosofia social de John Dewey (1859-1952), segundo ele, era uma forma de romper com a “tradição epistemológica kantiana” de uma vez por todas. A epistemologia moderna de inspiração kantiana teria a aspiração de fundamentar não apenas nossas pretensões de verdade, como também a legitimidade de toda a disciplina, ao transformar a elaboração de teorias do conhecimento e da verdade na principal tarefa da filosofia.

Para Rorty, no entanto, o pragmatismo de James e a filosofia social de Dewey, elementos centrais, mas esquecidos, da imaginação intelectual e política norte-americana, não pretendiam oferecer teorias nem legitimar a priori a filosofia como disciplina fundamental. O então presidente da APA Leste evocava os fantasmas desses maîtres anciens para indagar os rumos da filosofia profissional contemporânea:

Enquanto continuarmos a ver James e Dewey como proponentes de “teorias da verdade” ou “teorias do conhecimento”, não vamos compreendê-los corretamente. Vamos ignorar suas críticas à pressuposição de que deve haver teorias sobre tais questões. Não seremos capazes de perceber quão radical era seu pensamento - quão profundas eram suas críticas da tentativa, comum a Kant, Husserl, Russell e C. I. Lewis, de fazer da filosofia uma disciplina que oferece fundamentos. (Rorty, 1982______. Consequences of Pragmatism: Essays, 1972-1980. Minneapolis: Minnesota University Press, 1982., p. 160)

Rorty deu forma intelectual à inquietação profissional e institucional que se manifestara na Rebelião Pluralista, e mobilizou James e Dewey contra o consenso analítico. Criticou a valorização seletiva da herança de Charles S. Peirce (1839-1914) pelo establishment filosófico contemporâneo: “Peirce sempre foi o mais kantiano dos pensadores - o mais convencido da ideia de que a filosofia nos fornece um amplo contexto a-histórico capaz de atribuir um lugar e uma posição a todas as demais formas de discurso”. James e Dewey, por sua vez, teriam reagido a esse “pressuposto kantiano” do contexto a-histórico para a filosofia e da capacidade de “a epistemologia ou a semântica” descobri-lo. “Precisamos focar nessa reação se quisermos resgatar o sentido correto da importância [da herança do pragmatismo desses dois autores]”, vaticinava Rorty.

A menção à diferença dos projetos filosóficos de Peirce, por um lado, e James e Dewey, por outro, para atacar o positivismo lógico parece reencenar, em vocabulário filosófico, as tensões que se fizeram sentir em 1978 e 1979 nos encontros da APA. Rorty já havia elaborado argumentos semelhantes em A filosofia e o espelho da natureza, publicado naquele mesmo ano com imensa repercussão, ao procurar alinhar filósofos “continentais”, como Heidegger, ao campo “antikantiano”. James e Dewey teriam a vantagem de não descartar o projeto iluminista em sua crítica às pretensões fundacionistas de certa linhagem da filosofia moderna; ao contrário dos antikantianos europeus, teriam preservado uma noção de “esperança social” para além da crítica filosófica especializada.

[James e Dewey] nos pedem que liberemos nossa civilização por abrir mão da noção de “fundamentar” nossa cultura, nossa vida moral, nossa política e nossas crenças religiosas, sobre bases “filosóficas”. Pedem que abandonemos […] a aspiração da filosofia acadêmica de criar um tribunal da razão pura, que fora a resposta neokantiana ao historicismo de Hegel. (Rorty, 1982______. Consequences of Pragmatism: Essays, 1972-1980. Minneapolis: Minnesota University Press, 1982., p. 162)

Para Rorty, é preciso resgatar dos dois pragmatistas norte-americanos a abordagem antiessencialista de noções como “verdade”, “conhecimento”, “linguagem”, “moralidade” e dos demais “objetos filosóficos” - uma abordagem antiessencialista da própria investigação filosófica pragmatista, em direta oposição a pressupostos metafilosóficos da linhagem analítica.

Aqueles que querem que a verdade tenha uma essência querem que o conhecimento, ou a racionalidade, ou a investigação, ou a relação entre o pensamento e seu objeto, tenham uma essência. Além disso, querem ser capazes de usar o conhecimento dessas essências para criticar concepções que julgam falsas e apontar a direção do progresso no sentido da descoberta de mais verdades. James crê que essas esperanças são vãs. Não há essências. Não há nenhuma forma epistemológica total de dirigir, ou criticar, ou avalizar, o percurso da investigação. (Rorty, 1980______. “Pragmatism, Relativism and Irrationalism”. Proceedings and Addresses of the American Philosophical Association, v. 53, n. 6, 1980, pp. 719-38., p. 162)

Vocabulários e teorias valem na medida em que nos ajudam a atingir nossos objetivos científicos, pessoais, políticos, sociais, estéticos ou morais, e não pela medida em que “espelham” a essência da realidade. Toda investigação é fundamentalmente deliberativa, “conversacional”, e diz respeito menos à descoberta da Verdade que à avaliação intersubjetiva das vantagens relativas de diferentes alternativas concretas a respeito de como descrever o mundo ou como agir nele. Nessa abordagem, portanto, ser “racional” é menos seguir regras pré-definidas da investigação e mais respeitar os princípios da deliberação com os pares de uma comunidade de investigação. “A grande falácia da tradição [platônica e kantiana], nos dizem os pragmatistas, é pensar que as metáforas de visão, correspondência, mapeamento, retrato e representação que se aplicam a afirmações de pequena escala, rotineiras, se aplicariam a questões amplas e discutíveis”, afirma Rorty (1980______. “Pragmatism, Relativism and Irrationalism”. Proceedings and Addresses of the American Philosophical Association, v. 53, n. 6, 1980, pp. 719-38., p. 722).

Mas a ideia de que a filosofia oferece fundamentação para as pretensões de verdade não seria, ela própria, a razão da existência de filósofos profissionais? Como justificar a existência da filosofia como disciplina, e como profissão, se ela passar a ser vista como uma atividade intelectual livre e edificante, e não argumentativa e profissional (James, 1903James, William. “The Ph. D. Octopus”. In: ______. William James: Writings, 1902-1910. Org. Bruce Kuklick. Nova York: The Library of America, 1987 [1903], pp. 1.111-18.; Lovejoy, 1917Lovejoy, Arthur O. “On Some Conditions of Progress in Philosophical Inquiry”. Philosophical Review, v. 26, n. 5, 1917, pp. 537-45.; Toledo, 2015Toledo, Joaquim E. C. Richard Rorty e a emergência da filosofia pós-analítica: transformações institucionais e mudança intelectual na filosofia profissional norte-americana contemporânea. Tese (doutorado em filosofia). Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Unicamp, Campinas, 2015.)?12 12 A questão é antiga e remete aos primeiros anos da própria APA. William James (1903) já se preocupava com o impacto da profissionalização sobre o papel mais amplo, “edificante”, da disciplina na formação do sistema de ensino superior norte-americano. Arthur O. Lovejoy (1917), por outro lado, clamava pela necessidade de transformar os encontros da APA em controvérsias bem estruturadas em torno de problemas bem definidos, de maneira que, ao final, fosse possível declarar vencedores. A opção entre “visão e edificação” e “verdades objetivas, verificáveis e claramente comunicáveis” é própria da filosofia profissional norte-americana desde sua fundação. Discuti anteriormente (Toledo, 2015) como essa oposição reflete a tensão entre ensino e pesquisa como objetivos principais da disciplina e da universidade em geral.

Teorias filosóficas que supostamente fundamentam práticas cognitivas ou sociais são, portanto, “engrenagens que não desempenham nenhuma função no mecanismo” (uma metáfora emprestada de Wittgenstein): “O filósofo platônico ou kantiano apenas pega o produto acabado de primeiro nível, o eleva alguns níveis de abstração, inventa um vocabulário metafísico ou epistemológico ou semântico para o qual o traduz e anuncia que o fundamentou”. Pouco importa, afirma Rorty, se existem divergências insuperáveis, formulações incompatíveis naquele nível de abstração: ninguém, exceto o filósofo profissional, acredita que os problemas reais, concretos e urgentes sejam afetados de alguma forma por contradições filosóficas, ou que sua solução pressuponha a superação de tais contradições:

Se alguém realmente acreditasse que a qualidade de uma teoria depende da qualidade de sua fundamentação filosófica, então de fato teria dúvida quanto a teorias físicas, ou quanto à democracia, até que o relativismo das teorias filosóficas fosse superado. Felizmente, quase ninguém acredita nisso. (Rorty, 1982______. Consequences of Pragmatism: Essays, 1972-1980. Minneapolis: Minnesota University Press, 1982., p. 167)

Para Rorty, a filosofia passou a ver-se a si mesma como uma ciência e abriu ela mesma a lacuna entre filósofos e o resto da “alta cultura” graças não à artificialidade dos problemas discutidos pelos primeiros, mas ao “desenvolvimento de formas técnicas e precisas de lidar com problemas verdadeiros”. Voltar ao antiessencialismo de James, por outro lado, significaria passar a ver os problemas para os quais os “filósofos estão oferecendo soluções ‘objetivas, verificáveis, e claramente comunicáveis’ como relíquias históricas, uma herança da busca mal direcionada do Esclarecimento pelas essências ocultas do conhecimento e da moralidade”. Seria essa a postura, insinua Rorty, “de muitos de nossos colegas intelectuais, que nos veem a nós, filósofos, como prisioneiros de uma armadilha temporal, tentando reviver o Esclarecimento”.

Se à filosofia não pertence o monopólio da Verdade, tampouco à filosofia analítica pertenceria o monopólio sobre a disciplina. O conforto metafísico que a epistemologia kantiana procura oferecer com suas teorias do conhecimento deveria ser substituído pelo desafio incômodo de meditar sobre as tentativas de filósofos do passado de “apreender seu tempo em forma de pensamento”. A filosofia, para superar seus impasses, deveria voltar-se da aridez profissional da filosofia analítica “kantiana” para a aventura hermenêutica do historicismo.

***

A história da Rebelião Pluralista e o discurso presidencial de Rorty no encontro de 1979______. Philosophy and the Mirror of Nature. Nova Jersey: Princeton University Press, 1979 [ed. bras.: A filosofia e o espelho da natureza. Tradução de Antônio Trânsito. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2010]. da APA remetem a alguns ingredientes fundamentais de processos de mudança intelectual. A afinidade entre a tensão institucional que opôs analíticos e pluralistas e as inovações intelectuais introduzidas por Richard Rorty no mesmo ano em Filosofia e o espelho da natureza, resumidas em seu discurso presidencial, é mais que casual. Mudanças intelectuais não são resultado apenas de desenvolvimentos teóricos. São fruto da combinação de contexto institucional, ação coletiva e criatividade individual. A Rebelião Pluralista, o Grupo de Sábado e o discurso presidencial de Rorty no encontro da APA em 1979 desempenharam, respectivamente, esses papéis no episódio em análise e no processo mais amplo de emergência da filosofia pós-analítica nos Estados Unidos nos anos 1970.

As transformações da política federal norte-americana para o ensino superior no pós-guerra, que induziram a expansão e a diversificação do sistema (Jencks e Riseman, 1968Jencks, Christopher; Riseman, David. The Academic Revolution. Nova York: Doubleday, 1968.; Graham e Diamond, 1997Graham, Hugh Davis; Diamond, Nancy. The Rise of American Research Universities: Elites and Challengers in the Postwar Era. Baltimore: The Johns Hopkins University Press, 1997.), estão na raiz das tensões que culminam na rebelião de 1979. A oposição entre analíticos e não analíticos reflete aquela entre a velha guarda intelectual herdeira do “modelo Harvard”, centralizado e elitista - uma longa cadeia intergeracional que vai de Peirce e James a Willard van Orman Quine, passando por George Santayana, C. I. Lewis e Alfred Whitehead -, e uma nova geração de oficiais de baixa patente treinada nos campos do novo sistema de ensino superior norte-americano.

A disputa na APA é indício do que poderíamos chamar de estreitamento estrutural institucional e de saturação do espaço de atenção intelectual: a tradicional concentração de visibilidade, prestígio e espaço institucional na rede formada em torno do departamento de filosofia de Harvard estava em descompasso com o crescimento e a diversificação da comunidade filosófica profissional norte-americana (Kuklick, 1977Kuklick, Bruce. The Rise of American Philosophy: Cambridge, Massachusetts, 1860-1930. New Haven: Yale University Press, 1977.). Para Randall Collins, “a estrutura do mundo intelectual permite que apenas um número limitado de posições receba atenção num dado momento. Existem poucas vagas a serem ocupadas, e uma vez ocupadas, existem pressões insuportáveis contra quem quer ascender aos escalões superiores” (Collins, 1998______. The Sociology of Philosophies: a Global Theory of Intellectual Change. Cambridge: Harvard University Press, 1998., p. 75).

O desgaste do controle, pelos filósofos analíticos, da APA e de seus braços (diretorias, encontros, publicações), dos programas de pós-graduação e das formas de atribuição de prestígio aos departamentos de filosofia sinaliza a oportunidade de uma investida contra seus bastiões. Rorty, bem posicionado para conduzir essa investida justamente por ocupar a confluência das duas grandes linhagens da filosofia norte-americana no século xx (o pragmatismo clássico e a filosofia analítica), é o portador da inovação ou da recombinação intelectual ideal, conciliadora e ao mesmo tempo reformista, ajustada ao período de crise e transição. Afinal, alguns indivíduos têm mais acesso que outros ao capital cultural cuja recombinação resulta em inovação ou mudança intelectual: “o capital cultural é distribuído em torno do espaço de atenção; o capital cultural mais valioso é aquele que pode ser usado de forma mais bem-sucedida na próxima rodada de competição por atenção” (Collins, 1998______. The Sociology of Philosophies: a Global Theory of Intellectual Change. Cambridge: Harvard University Press, 1998., p. 38).

Rorty desempenhou o papel de formulador intelectual do movimento - ainda que de forma indireta, por não se associar aos pluralistas nem os liderar, posição que coube a figuras como Smith e Wilshire. As inovações intelectuais que introduzira desde o fim da década de 1960 atacavam tanto os pressupostos teóricos da tradição analítica (Rorty, 1967Rorty, Richard. “Metaphilosophical Difficulties of Linguistic Philosophy”. In ______ (org.). The Linguistic Turn. Chicago: The University of Chicago Press, 1967.) quanto a concepção mais geral da própria natureza do trabalho intelectual da disciplina (Rorty, 1967Rorty, Richard. “Metaphilosophical Difficulties of Linguistic Philosophy”. In ______ (org.). The Linguistic Turn. Chicago: The University of Chicago Press, 1967.; 1979______. Philosophy and the Mirror of Nature. Nova Jersey: Princeton University Press, 1979 [ed. bras.: A filosofia e o espelho da natureza. Tradução de Antônio Trânsito. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2010].). Movimentos intelectuais tendem a ser bem-sucedidos quando atores de alto status e visibilidade “abrigam reclamações contra o que para eles são as tendências intelectuais do momento” (Frickel e Gross, 2005Frickel, Scott; Gross, Neil. “A General Theory of Scientific/Intellectual Movements”. American Sociological Review, v. 70, n. 2, 2005, pp. 204-32.), dando forma intelectual a uma insatisfação disciplinar (Hargens e Kelly-Wilson, 1994Hargens, Lowell L.; Kelly-Wilson, Lisa. “Determinants of Disciplinary Discontent”. Social Forces, v. 72, n. 4, 1994, pp. 603-27.) e apontando na direção de um distanciamento e uma diferenciação em relação às práticas dominantes. Nas palavras de Frickel e Gross:

Embora queixas intelectuais sejam comuns, é quando pensadores e pesquisadores de alto status se mostram insatisfeitos com as abordagens dominantes de seu campo que movimentos intelectuais ou científicos tendem a surgir. Intelectuais em posições de status inferior desempenham, sim, papéis importantes nesses movimentos. No entanto, os movimentos dependem da contribuição de suas lideranças intelectuais, que articulam seu programa e realizam o trabalho intelectual ou científico que é visto como a marca do movimento. (Frickel e Gross, 2005Frickel, Scott; Gross, Neil. “A General Theory of Scientific/Intellectual Movements”. American Sociological Review, v. 70, n. 2, 2005, pp. 204-32., p. 212)

A crítica de Rorty ao fundacionismo dos filósofos “platônicos e kantianos” é uma reflexão introspectiva, ou autorreferenciada, sobre a própria natureza do trabalho intelectual da disciplina. A saturação do espaço de atenção intelectual e a perda paulatina de legitimidade de um “centro” institucional da disciplina implicam a reformulação da concepção do que deve ser esse trabalho. Mais que um ataque direto às teses analíticas, a crítica de Rorty ao “positivismo” dessa tradição e sua defesa de uma filosofia “conversacional”, “hermenêutica” ou “edificante” é uma reflexão de segunda ordem sobre a própria crise da disciplina (Toledo, 2018______. “Richard Rorty e a emergência da filosofia pós-analítica nos Estados Unidos: transformação institucional e crise disciplinar, 1960-1970”. Griot Revista de Filosofia, v. 17, 2018.). Trata-se de uma discussão metateórica impulsionada por transformações no espaço de atenção intelectual, que, antes altamente centralizado nos filósofos analíticos e nos departamentos que dominaram a profissão do fim do século xix até os anos 1950, passa a ser altamente descentralizado. A expansão e fragmentação desse espaço de atenção é uma das consequências mais importantes das políticas para o ensino superior no pós-guerra e está na raiz da crise institucional de 1979, que se manifesta também como crise teórica e como oportunidade para a emergência de um movimento intelectual que se apresenta como plural e inovador.

Se Rorty é o formulador intelectual dessa investida contra a filosofia analítica, o Grupo de Sábado é o movimento que encampa a ação coletiva no nível institucional. Afinal, o conflito pelo espaço de atenção intelectual é coletivo, e momentos de mudança intelectual não raro são precedidos pela ação de movimentos intelectuais que se assemelham a movimentos sociais tradicionais. Para usar a formulação de Frickel e Gross, movimentos intelectuais são “esforços coletivos [conscientes] para encampar programas de pesquisa ou projetos intelectuais diante da resistência de outros da comunidade científica ou intelectual”. Defendem uma agenda explícita de mudança intelectual ou são portadores de um programa de mudança; orientam-se e organizam-se coletivamente, de forma consciente e concreta, em torno dessa agenda (Laraña, Johnston e Gusfield, 1994Laraña, Enrique; Johnston, Hank; Gusfield, Joseph R. (orgs.). New Social Movements: from Ideology to Identity. Filadélfia: Temple University Press, 1994.); são contenciosos (Tilly, 1978Tilly, Charles. From Mobilization to Revolution. Reading: Addison-Wesley, 1978.) e desafiam as formas dominantes de realizar o trabalho intelectual no interior de uma comunidade ou disciplina; são inerentemente políticos, pois dirigem sua ação não apenas a mudanças intelectuais como também à transformação na distribuição do poder institucional e dos recursos materiais da vida intelectual; são episódicos e tendem a se institucionalizar pela criação de novas disciplinas ou especialidades (Ben-David e Collins, 1966Ben-David, Joseph; Collins, Randall. “Social Factors in the Origins of a New Science: the Case of Psychology”. American Sociological Review, v. 31, n. 4, 1966, pp. 451-65.; Clark, 1973Clark, Terry N. Prophets and Patrons: the French University and the Emergence of the Social Sciences. Cambridge: Harvard University Press, 1973.; Kusch, 1995Kusch, Martin. Psychologism: a Case Study in the Sociology of Philosophical Knowledge. Londres: Routledge, 1995.) ou a se desmobilizar em caso de fracasso (McLaughlin, 1998McLaughlin, Neil L. “Why Do Schools of Thought Fail? Neo-freudianism as a Case-study in the Sociology of Knowledge”. Journal of the History of Behavioral Sciences, v. 34, n. 2, 1998, pp. 113-34.).13 13 Movimentos sociais se aglutinam não apenas em torno de causas, mas também de formulações específicas de suas insatisfações e demandas. Movimentos sociais, portanto, são também sustentados por ideias (Laraña, Johnston e Gusfield, 1994); tanto mais cruciais são essas ideias quanto mais especificamente intelectuais são esses movimentos, e seu sucesso ou fracasso dependerá, em boa medida, da capacidade de elaborar “retoricamente a identidade coletiva do movimento, suas origens [e missão] históricas e sua relação com movimentos rivais” (Frickel e Gross, 2005).

Paulatinamente excluídos do centro da atenção intelectual desde o fim da Segunda Guerra, os não analíticos, embora numerosos, não tinham prestígio intelectual suficiente para que de dentro de suas hostes saísse uma liderança reformadora reconhecida pelos dois lados; acuados, os analíticos foram forçados a assumir postura defensiva. Uma oportunidade estrutural se abrira para a emergência de movimentos intelectuais contenciosos e uma liderança intelectual de um movimento reformador. A posição de Rorty na confluência de ambas as linhagens e redes intelectuais de maior prestígio na filosofia norte-americana o colocou no lugar certo, na hora certa (Toledo, 2015Toledo, Joaquim E. C. Richard Rorty e a emergência da filosofia pós-analítica: transformações institucionais e mudança intelectual na filosofia profissional norte-americana contemporânea. Tese (doutorado em filosofia). Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Unicamp, Campinas, 2015.). Num processo de transformação estrutural, é de esperar que os atores com papel central sejam recrutados entre aqueles que também ocupam posição privilegiada na estrutura - capazes de conectar “buracos estruturais”, para utilizar a expressão clássica de Ronald S. Burt (2004Burt, Ronald S. “Structural Holes and Good Ideas”. American Journal of Sociology, v. 110, n. 2, 2004, pp. 349-99.). Idade, esfera de atuação e conexões múltiplas com ambos os lados da contenda pesaram a favor de Rorty (Toledo, 2015Toledo, Joaquim E. C. Richard Rorty e a emergência da filosofia pós-analítica: transformações institucionais e mudança intelectual na filosofia profissional norte-americana contemporânea. Tese (doutorado em filosofia). Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Unicamp, Campinas, 2015.).14 14 Para o impacto da trajetória de Rorty sobre seu posicionamento relativo no campo disciplinar, ver Toledo, 2015. Ele estava habilitado, assim, a desempenhar o papel de conciliador entre as facções ideologicamente polarizadas; e um conciliador, como nos ensina a história política e militar, precisa ter as conexões corretas que lhe deem legitimidade e a confiança de ambas as partes e saber manter a distância que impeça que seja cooptado ou deslegitimado por uma delas.15 15 Embora o estilo analítico ainda predomine, a crise do final dos anos 1970 na filosofia norte-americana contribuiu para a introdução de práticas mais inclusivas, como a reformulação de critérios de avaliação e classificação de departamentos e a maior abertura de publicações e editoras universitárias a orientações filosóficas diversas. Uma visão do estado atual da disciplina é oferecida no Philosophical Gourmet Report (http://leiterreports.typepad.com/blog/philosophical_gourmet_report/), independente, e em publicações e documentos oficiais da APA.

Mais que apenas resultado de desenvolvimentos teóricos internos ou de um processo mertoniano de diferenciação funcional (Merton, 1957Merton, Robert K. Social Theory and Social Structure. Nova York: Free Press, 1957.), a emergência da filosofia pós-analítica nos Estados Unidos no fim dos anos 1970 foi um processo contencioso que envolveu crise institucional, a mobilização de atores coletivos e a adesão de atores de alto status àquela mobilização. Este artigo procurou reconstruir as causas daquela crise e o histórico de organização dos movimentos coletivos portadores de queixas de insatisfação disciplinar, além de especificar o papel de Richard Rorty como elaborador intelectual (framer), no idioma disciplinar, das objeções à hegemonia da filosofia analítica que tomaram forma contenciosa tanto institucional, na Rebelião Pluralista, quanto intelectual, em seu discurso presidencial no encontro da Associação Americana de Filosofia de 1979.

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  • 1
    “Committee for Pluralism”. Documento inédito, 1979. Arquivos de Kenneth Stickers, Southern Illinois University, Carbondale. Citado em Gross, 2008, p. 220.
  • 2
    Para o papel da Philosophical Review na promoção da filosofia analítica no pós-guerra, conferir Katsav e Vaesen, 2017.
  • 3
    Cerca de quinze anos depois, a APA abandonou os rankings reputacionais, substituindo-os por guias informativos com parâmetros compartilhados; à época, no entanto, processos de avaliação como esse podiam construir ou destruir a imagem de instituições e profissionais.
  • 4
    Richard Rorty em carta a Joseph Greenbaum, 24 de outubro de 1977. Citado em Gross, 2008Gross, Neil. Richard Rorty: the Making of an American Philosopher. Chicago: The University of Chicago Press, 2008., p. 219.
  • 5
    Os anais dos encontros da associação no período registram o desequilíbrio entre artigos e comunicações de orientação analítica e os orientados pelas demais abordagens (Tull, 2005Tull, Richard T. (org.). Presidential Addresses of the American Philosophical Association. Vários volumes. Nova York: Prometheus, 2005.).
  • 6
    27 de março de 1979. Arquivo de Richard Rorty, citado por Gross, 2008Gross, Neil. Richard Rorty: the Making of an American Philosopher. Chicago: The University of Chicago Press, 2008., p. 221.
  • 7
    Richard Rorty a Ernest Sosa, 9 de julho de 1979. Citado por Gross, 2008Gross, Neil. Richard Rorty: the Making of an American Philosopher. Chicago: The University of Chicago Press, 2008., p. 225.
  • 8
    6 de novembro de 1979. Citado por Gross, 2008Gross, Neil. Richard Rorty: the Making of an American Philosopher. Chicago: The University of Chicago Press, 2008., p. 226.
  • 9
    Poucos anos depois McDermott organizou um simpósio sobre a coletânea de artigos Consequences of Pragmatism, de Richard Rorty (1982______. Consequences of Pragmatism: Essays, 1972-1980. Minneapolis: Minnesota University Press, 1982.).
  • 10
    Roderick Firth assumiria a presidência no ano seguinte. A APA define seus presidentes com dois mandatos de antecedência. Para uma lista completa de seus presidentes e discursos, cf. <www.apaonline.org/?page=presidents>.
  • 11
    Para a relevância de discursos presidenciais de associações científicas profissionais para a história e a sociologia das disciplinas acadêmicas, conferir Rawls, 2018Rawls, Anne Warfield. “The Wartime Narrative in us Sociology, 1940-1947: Stigmatizing Qualitative Sociology in the Name of ‘Science’”. European Journal of Social Theory, v. 21, n. 4, 2018, pp. 1-21..
  • 12
    A questão é antiga e remete aos primeiros anos da própria APA. William James (1903James, William. “The Ph. D. Octopus”. In: ______. William James: Writings, 1902-1910. Org. Bruce Kuklick. Nova York: The Library of America, 1987 [1903], pp. 1.111-18.) já se preocupava com o impacto da profissionalização sobre o papel mais amplo, “edificante”, da disciplina na formação do sistema de ensino superior norte-americano. Arthur O. Lovejoy (1917Lovejoy, Arthur O. “On Some Conditions of Progress in Philosophical Inquiry”. Philosophical Review, v. 26, n. 5, 1917, pp. 537-45.), por outro lado, clamava pela necessidade de transformar os encontros da APA em controvérsias bem estruturadas em torno de problemas bem definidos, de maneira que, ao final, fosse possível declarar vencedores. A opção entre “visão e edificação” e “verdades objetivas, verificáveis e claramente comunicáveis” é própria da filosofia profissional norte-americana desde sua fundação. Discuti anteriormente (Toledo, 2015Toledo, Joaquim E. C. Richard Rorty e a emergência da filosofia pós-analítica: transformações institucionais e mudança intelectual na filosofia profissional norte-americana contemporânea. Tese (doutorado em filosofia). Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Unicamp, Campinas, 2015.) como essa oposição reflete a tensão entre ensino e pesquisa como objetivos principais da disciplina e da universidade em geral.
  • 13
    Movimentos sociais se aglutinam não apenas em torno de causas, mas também de formulações específicas de suas insatisfações e demandas. Movimentos sociais, portanto, são também sustentados por ideias (Laraña, Johnston e Gusfield, 1994Laraña, Enrique; Johnston, Hank; Gusfield, Joseph R. (orgs.). New Social Movements: from Ideology to Identity. Filadélfia: Temple University Press, 1994.); tanto mais cruciais são essas ideias quanto mais especificamente intelectuais são esses movimentos, e seu sucesso ou fracasso dependerá, em boa medida, da capacidade de elaborar “retoricamente a identidade coletiva do movimento, suas origens [e missão] históricas e sua relação com movimentos rivais” (Frickel e Gross, 2005Frickel, Scott; Gross, Neil. “A General Theory of Scientific/Intellectual Movements”. American Sociological Review, v. 70, n. 2, 2005, pp. 204-32.).
  • 14
    Para o impacto da trajetória de Rorty sobre seu posicionamento relativo no campo disciplinar, ver Toledo, 2015Toledo, Joaquim E. C. Richard Rorty e a emergência da filosofia pós-analítica: transformações institucionais e mudança intelectual na filosofia profissional norte-americana contemporânea. Tese (doutorado em filosofia). Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Unicamp, Campinas, 2015..
  • 15
    Embora o estilo analítico ainda predomine, a crise do final dos anos 1970 na filosofia norte-americana contribuiu para a introdução de práticas mais inclusivas, como a reformulação de critérios de avaliação e classificação de departamentos e a maior abertura de publicações e editoras universitárias a orientações filosóficas diversas. Uma visão do estado atual da disciplina é oferecida no Philosophical Gourmet Report (http://leiterreports.typepad.com/blog/philosophical_gourmet_report/), independente, e em publicações e documentos oficiais da APA.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Dec 2018

Histórico

  • Recebido
    18 Maio 2018
  • Aceito
    13 Set 2018
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