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POR ENTRE TERRITÓRIOS VISÍVEIS E TERRITÓRIOS INVISIBILIZADOS: Mercados ilícitos e cracolândias de São Paulo e Rio de Janeiro

Crack Market and Production of Space in São Paulo and Rio de Janeiro

RESUMO

Resultado de etnografia realizada em espaços de consumo e comércio de crack nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, entre 2009 e 2016, este artigo descreve diferentes conformações territoriais de regiões estigmatizadas como “cracolândias”. A partir da observação dos mercados criminais de cada cidade, são expostos eixos empíricos que permitem ensaiar correlações entre as dinâmicas de varejo e a produção dos territórios de consumo.

PALAVRAS-CHAVE:
crack; comércio varejista de drogas; facções criminais; territórios

ABSTRACT

This article describes, using the results of an ethnography carried out between 2009 and 2016 in spaces of crack consumption and trade in the cities of São Paulo and Rio de Janeiro, different territorial conformations of regions stigmatized as “cracolândias” (crack lands). Observing the criminal markets of each city, empirical axes are exposed in order to propose correlations between the retail dynamics and the production of consumption territories.

KEYWORDS:
crack; drug market; criminal gangs; territories

Crack é cocaína configurada a partir de uma “nova tecnologia que faz do seu excesso um produto barato para um mercado pobre” (Agar, 2003Agar, Michael. “The Story of Crack: Towards a Theory of Illicit Drug Trends”. Addiction Research and Theory, v. 11, n. 1, pp. 3-29, 2003.). Embora tendo chegado ao Brasil no fim da década de 1980, é possível datar apenas a partir dos anos 2000 o processo de visibilidade urbana de aglomerados de consumidores da droga estigmatizados pelo neologismo “cracolândia” e a consequente transformação destes em problemas públicos de grande proporção. Desde então, o assunto movimenta muito a mídia, ações policiais repressivas, serviços assistenciais e de saúde, a vida dos habitantes das grandes cidades e, inclusive, foi um dos motes da campanha eleitoral para a Presidência da República em 2010, da qual se saiu vencedora Dilma Rousseff (Partido dos Trabalhadores).1 1 Ver https://www.youtube.com/watch?v=MdhUbOpKnYs.

Em seu primeiro governo, em torno dos eixos de apoio e autoridade, entre 2011 e 2014, cerca de 1 bilhão de dólares foram destinados ao plano Crack, É Possível Vencer,2 2 Ver http://www.ebc.com.br/noticias/2015/04/governo-investiu-em-quatro-anos-r-36-bilhoes-no-combate-drogas-diz-senad. que financiou projetos de prevenção ao uso de drogas, veículos policiais de ronda e monitoramento, internações em clínicas psiquiátricas, tratamento ambulatorial, ideias inovadoras de redução de danos, centros religiosos de recuperação, ações de fiscalização policial nas fronteiras do país e, ainda, uma pesquisa estatística nacional (Fiocruz, 2014Fiocruz. Pesquisa nacional sobre o uso de crack: quem são os usuários de crack e/ou similares do Brasil? Quantos são nas capitais brasileiras? Org. de Francisco Inácio Bastos e Neilane Bertoni. Rio de Janeiro: ICICT/Fiocruz, 2014.), que estimou 370 mil consumidores nas capitais entre 2012 e 2013 - cerca de 0,81% da população dessas cidades e número bem menor que os milhões alardeados anos antes, quando o pânico moral (Reinarman; Levine, 1997Reinarman, Craig; Levine, Harry. “The Crack Attack: Politics and Media in the Crack Scare”. In: Reinarman, Craig; Levine, Harry (orgs.). Crack in America: Demon Drugs and Social Justice. Berkeley/Los Angeles: University of California Press, 1997.) anunciava uma epidemia que se alastrava pelo país.

O golpe parlamentar e as eleições municipais de 2016 conferiram novos contornos ao assunto. Acompanhado do fechamento de emergentes canais de participação social e do recrudescimento do discurso bélico e de apoio ao aparato policial, ao discurso manicomial e ao encarceramento massivo, na cidade de São Paulo, mais investimento na performance policial propiciou a multiplicação de formas de fazer sumir essa população do centro da metrópole (Mallart et al., 2017Mallart, Fábio et al. “Fazer sumir: políticas de combate à cracolândia”. Le Monde Diplomatique, 11/07/2017. Disponível em: Disponível em: https://diplomatique.org.br/fazer-sumir-politicas-de-combate-a-cracolandia/ . Acesso em: 15/10/2019.
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); na capital fluminense, o fim das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) e a intervenção federal militarizada reconfiguraram o cotidiano de favelas, a disputa entre facções, o protagonismo das milícias e, como não poderia deixar de ser, a vida dos que, em situação de rua, usam muito crack. Caldo quente para a eleição de Jair Bolsonaro em 2018.

Se é esse o panorama mais amplo, ele sozinho não dá conta de explicar a conformação de territorialidades do crack. Por isso, proponho aqui tratar de outras políticas, outras economias, outras moralidades: aquelas relativas aos mercados ilícitos. Considerando que há disputas e ordenamentos distintos na produção urbana, numa leitura retrospectiva, apoiada por sobre os ombros de ampla literatura que nos últimos anos tem se dedicado ao estudo etnográfico do chamado crime,3 3 Para um excelente balanço dessa bibliografia, ver Aquino e Hirata (2018). estabeleço algumas aproximações e distanciamentos a partir dessas cenas, traçando um breve panorama histórico dos mercados de crack com o intuito de refletir sobre efeitos e reflexos heterogêneos destes na produção territorial.

Profundamente engajada em incursões empíricas e diálogos bibliográficos, pesquisei o assunto4 4 Ver, especialmente, Rui (2014). Destaco aqui, para fins específicos deste artigo, o agradecimento ao programa Drugs, Security and Democracy Fellowship, do Social Science Research Council (SSRC-EUA), e à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) por financiarem a pesquisa comparativa Rio de Janeiro-São Paulo entre os anos de 2014 e 2015, e ao grupo do projeto temático “A gestão do conflito na produção da cidade contemporânea: a experiência paulista”, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), coordenado por Vera Telles, cuja interlocução está na origem deste dossiê. circulando por espaços de consumo e comércio da droga nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, entre 2009 e 2016. Especificamente as ruas próximas à Estação da Luz, em São Paulo, onde se localiza a mais famosa territorialidade de consumo de crack no país; e uma modesta esquina do complexo de favelas na Maré, no Rio de Janeiro. Ambos aqui serão abordados a partir de histórias urbanas com temporalidades muito distintas. São Paulo já vai completar quase três décadas de uma “cracolândia” centralizada, extremamente visível, estudada e midiatizada. O Rio de Janeiro tem uma história recentíssima com a substância, e as cenas de uso de crack são praticamente invisibilizadas. Retomar de modo contrastivo essas diferentes conformações territoriais, tentando entendê-las à luz de distintas dinâmicas dos mercados criminais, é, portanto, o esforço deste texto.

ECONOMIAS MORAIS

Há poucas informações sobre a entrada do crack no Brasil. Os registros mais concretos apontam que ele teria chegado e se territorializado inicialmente na periferia leste da cidade de São Paulo. Dentre as localidades, o bairro de São Mateus figurou como o de mais intenso comércio e consumo, sendo referenciado pelo jornal Folha de S.Paulo, em junho de 1992, como “o Bronx paulistano”5 5 Cf. “Jovem viciado em crack é morto pela PM: Polícia diz que S.O.P., 17, trocou tiros com soldados; colegas de São Mateus, o ‘Bronx paulistano’, negam tiroteio”. Folha de S.Paulo, 25/06/1992 (grifos meus). - numa associação com o Bronx nova-iorquino, o famigerado polo de consumo e comércio de crack dos Estados Unidos na década de 1980. Na descrição de Marcos Uchoa, no primeiro livro-reportagem dedicado ao assunto, é possível notar, de forma estigmatizada, a reposição dessa alcunha:

Vamos a São Mateus […], um dos primeiros “portos seguros” do crack em São Paulo. O interesse é resgatar sua história, ampliar seu perfil e conhecer mais detalhadamente o local onde as pedras fizeram os primeiros estragos. […] Cerca de 600 mil pessoas moram neste bairro pobre da Zona Leste, uma caricatura dos becos do Bronx, em Nova York […]. Crianças e adolescentes usam drogas sentados na calçada, traficantes nas esquinas e nas imediações das escolas. Fácil acreditar que não podia haver cenário mais apropriado para os primeiros passos do crack em São Paulo. (Uchoa, 1996Uchoa, Marcos. Crack: o caminho das pedras. São Paulo: Ática, 1996., p. 34)

Corroborando esses relatos, reportagem de junho de 1991 do diário Folha de S.Paulo noticiou que o “crack é vendido na região” e que crianças com idade entre sete e doze anos estavam “viciadas” na droga.6 6 Cf. “Crack é vendido na região”. Folha de S.Paulo, 03/06/1991. Em junho do ano seguinte, uma matéria de meia página do mesmo veículo, intitulada “Jovem viciado em crack é morto pela PM”,7 7 Cf. “Jovem viciado em crack é morto pela PM”. Folha de S.Paulo, 25/6/1992. informou que um adolescente de dezessete anos fora morto a tiros na localidade. Segundo um boxe da matéria, essa era a 13ª morte contabilizada de crianças e adolescentes consumidores de crack na região, entre dezembro de 1991 e abril de 1992. As reportagens indicavam que não o consumo, mas as relações conflituosas com traficantes da droga e, principalmente, com policiais eram as principais causas do extermínio desses garotos.

Os relatos são, com as devidas ressalvas, fontes importantes, porque também raras, do que possivelmente ocorria nas periferias da cidade quando do advento do crack nessas áreas. Mais do que a referida existência de uma concentração do comércio e uso de crack nas periferias, destaco o tipo de contexto espacial e social do uso da droga, completamente imerso em relações violentas.

A partir de trabalhos como os de Alessandra Teixeira (2012Teixeira, Alessandra. “Economias criminais urbanas e gestão dos ilegalismos na cidade de São Paulo”. Paper apresentado no 36º Encontro Anual da Anpocs. São Paulo: Anpocs, 2012.) e Bruno Paes Manso (2012Manso, Bruno Paes. Crescimento e queda dos homicídios em São Paulo entre 1960 e 2012. Tese (doutorado em ciência política) - FFLCH-USP, São Paulo, 2012.), é possível compreender mais especificamente esses homicídios. Ambos observam como a chegada do crack ajudou a mudar tanto o esquema do tráfico na metrópole quanto o perfil dos seus participantes, já que a expansão do mercado atraiu pessoas com idade mais baixa para o negócio. Na formulação de Teixeira (2012Teixeira, Alessandra. “Economias criminais urbanas e gestão dos ilegalismos na cidade de São Paulo”. Paper apresentado no 36º Encontro Anual da Anpocs. São Paulo: Anpocs, 2012., p. 16), o crack era “um elemento desestabilizador sobre um mercado ainda em consolidação”.

Para Manso, a venda de crack serviu para acelerar os conflitos de mercados e vizinhança, bem como a tensão em relação à reprovação de certos usos e usuários da droga. Segundo ele, foi nesse período que a construção da figura do “viciado”, do “noia”, como alguém incapaz de seguir qualquer tipo de regra transformou esse tipo urbano em um dos alvos preferenciais do assassino (Manso, 2012Manso, Bruno Paes. Crescimento e queda dos homicídios em São Paulo entre 1960 e 2012. Tese (doutorado em ciência política) - FFLCH-USP, São Paulo, 2012., p. 228). Assim, “mais do que autores de violência, os dependentes aparecem, nos anos 1990, como vítimas preferenciais daqueles que matam” (idem). Isso se confirma também nas entrevistas que o autor realizou com autores desses crimes e nos inquéritos de chacinas por ele analisados, nos quais eram recorrentes os casos de dizimação de “rodinhas de garotos” conhecidos por fumar crack.

De modo mais contextualizado, no Brasil, os anos 1990 são marcados pela redemocratização formal, reestruturação produtiva, abertura econômica com reflexos específicos na expansão de rotas de vários mercados, inclusive os ilícitos e especialmente os de cocaína e crack - que já haviam estagnado nos Estados Unidos (Reinarman; Levine, 1997Reinarman, Craig; Levine, Harry. “The Crack Attack: Politics and Media in the Crack Scare”. In: Reinarman, Craig; Levine, Harry (orgs.). Crack in America: Demon Drugs and Social Justice. Berkeley/Los Angeles: University of California Press, 1997.). São também esses mesmos anos que ficaram caracterizados pelo recrudescimento dos índices de crime violento na cidade de São Paulo. Nas palavras de Gabriel Feltran,

O desemprego estrutural que chegou a 22% na Região Metropolitana de São Paulo no final dos anos 1990, a informalização dos mercados e as altíssimas taxas de lucro das atividades ilegais elevaram os índices de criminalidade violenta. O controle desses mercados emergentes gerava corrida armamentista e uma guerra aberta nas periferias da cidade.

“Muita mãe chorou” nas madrugadas de saguões de hospitais, Institutos Médico-Legais e cemitérios. Uma geração traz ainda hoje as marcas desse período, talvez por ainda muito tempo. […] Nas periferias é comum que os anos 1990 […] sejam lembrados como “a época das guerras”. (Feltran, 2012Feltran, Gabriel. “Crime que produz governo, governo que produz crime”. Revista Brasileira de Segurança Pública , v. 6, n. 2, pp. 232-55, 2012., pp. 238-9)

O crack aterrissa no Brasil, especificamente na cidade de São Paulo, portanto, em cenário de aumento do crime violento acompanhado de transformações econômicas e transição democrática incipientes. Especificamente em São Paulo, enquanto numerosas “guerras” aconteciam nas periferias da cidade, no interior das prisões do estado, profundamente reconfiguradas pelo Massacre do Carandiru,8 8 Em outubro de 1992, para conter uma rebelião, policiais militares invadiram a Casa de Detenção de São Paulo (Carandiru) e assassinaram 111 pessoas (números oficiais). Para ler mais sobre o assunto e seus desdobramentos no presente, ver Machado e Machado (2015). nascia a facção criminal Primeiro Comando da Capital (PCC), em 1993, reivindicando melhorias das condições prisionais e aliança entre os presos, dosando violência, convencimento e consentimento dos pares.

Tal histórico anota que a consolidação do mercado de crack se deu em período anterior à constituição da hegemonia do PCC em São Paulo, em meio a um mercado de drogas ainda em disputa e a ações arbitrárias de grupos de extermínio compostos sobretudo por policiais que elegeram consumidores da droga nas periferias como suas vítimas preferenciais. Esse cenário me parece importante para sugerir como a fuga da possibilidade concreta de assassinatos e retaliações fez com que muitos desses consumidores migrassem e se refugiassem no centro da maior cidade do país, especialmente no entorno da Estação da Luz. Nesse sentido, creio ser possível pensar a conformação da cracolândia, desde seu início e ao longo de toda a década de 1990, a partir das conexões com o que se passava nas franjas da cidade.

O Rio de Janeiro, por sua vez, foi a grande cidade brasileira onde o crack mais demorou a chegar. Só uma década depois de São Paulo, a partir dos anos 2000, é que se teve notícias da droga sendo comercializada no município do Rio. Ninguém parece contestar a versão de que isso só aconteceu por decisões morais e de mercado das facções criminais cariocas, que, no entanto, desde o final dos anos 1970 e durante toda a década de 1980, já disputavam territórios da cidade entre si e com a polícia, bem como o controle das vendas de cocaína no varejo.

A datação histórica da cocaína como ponto de inflexão na história do tráfico carioca parece estar associada à consolidação, a partir da entrada da Colômbia, das rotas de tráfico internacional de Bolívia e Paraguai, através dos aeroportos de Rio de Janeiro e São Paulo, com destino à Europa (Misse, 2003Misse, Michel. “O movimento: a constituição e reprodução das redes do mercado informal ilegal de drogas a varejo no Rio de Janeiro e seus efeitos de violência”. In: Baptista, Marcos et al. (orgs.). Drogas e pós-modernidade. v. 2. Rio de Janeiro: Eduerj, 2003.).9 9 Como bem nota Lessing (2008, p. 59), “nesse momento histórico, a maioria das cidades brasileiras não oferecia a traficantes internacionais organizações criminosas grandes o bastante e com infraestrutura capaz de estabelecer uma rede de distribuição hierárquica (na maioria das vezes operavam com a venda a inúmeros distribuidores médios, que por sua vez abasteciam mercados locais fragmentados). O CV, ao contrário, parece ter deliberadamente procurado os traficantes internacionais, apresentando-se como uma organização criminosa capilarizada, detentora de uma rede de distribuição pronta”. Para Lessing, o domínio do sistema penitenciário foi central para esse fortalecimento. Nas boas palavras de Arias (2006Arias, Desmond. “The Dynamics of Criminal Governance: Networks and Social Order in Rio de Janeiro”. Journal of Latin American Studies, v. 38, n. 2, pp. 293-325, 2006., p. 297), “a densidade das favelas e a corrupção policial que caracterizaram tais áreas tornaram-nas lugares ideais para abastecimento e baldeação de cocaína”. De modo instigante, essa história mostra que “não foi a demanda, mas [foram] a enorme oferta e a redução dos preços a varejo” (Misse, 2003Misse, Michel. “O movimento: a constituição e reprodução das redes do mercado informal ilegal de drogas a varejo no Rio de Janeiro e seus efeitos de violência”. In: Baptista, Marcos et al. (orgs.). Drogas e pós-modernidade. v. 2. Rio de Janeiro: Eduerj, 2003., [s.p.]) as principais responsáveis pela mudança econômica.

Mas por que essas facções, que travavam uma “guerra particular” (Lund; Moreira Salles, 1999Lund, Katia; Moreira Salles, João. Notícias de uma guerra particular. Documentário, 1999 (cor, 57 min).) em confronto na disputa pelo comércio de cocaína, não disputaram ao longo dos anos 1990 o mercado de crack - algo que já ocorria em São Paulo, por exemplo - é a pergunta que ressoa enigmática. O “mistério carioca” (Barbosa, 1998Barbosa, Antônio Rafael. Um abraço para todos os amigos: algumas considerações sobre o tráfico de drogas no Rio de Janeiro. Niterói: Eduff, 1998.) exatamente onde parece haver maior “concentração do mercado de drogas” (Lessing, 2008Lessing, Benjamin. “As facções cariocas em perspectiva comparativa”. Novos Estudos Cebrap, n. 80, pp. 43-62, 2008.) aponta para uma série de percepções morais do próprio tráfico sobre o crack: ora tido como substância com alto potencial destrutivo, incapaz de gerar lucro por muito tempo; ora pensado como droga que poderia atrapalhar todo o esquema da “boca”,10 10 Para uma ótima descrição sobre a “boca”, ver Grillo (2013), pp. 80-94. caso algum funcionário passasse a consumir - o que se agrava no caso de uma dinâmica varejista armada; ou ainda tomado como produto que destruiria as relações de vizinhança em decorrência de pequenos furtos por parte dos consumidores. Percepções morais que, ao longo dos anos 2000, entraram em disputa com a alta rotatividade de capital proporcionada por esse comércio, com mudanças nas rotas de tráfico internacional e com a necessidade de novos parceiros comerciais fora do Estado. Um cálculo moral e monetário bastante delicado, portanto, que não deve ser desconsiderado.

Para lançar mão de uma exemplificação extrema, no Complexo da Maré, onde fiz pesquisa, um ex-dono da favela Nova Holanda chegou a fazer uso problemático de crack, tendo inclusive procurado tratamento em instituições religiosas e depois em uma clínica de reabilitação em um estado bem distante, onde inclusive foi preso.11 11 Ver: http://extra.globo.com/casos-de-policia/traficante-da-nova -holanda-se-internou-em-clinica-da-paraiba-para-se-livrar-do-crack-12372876.html e http://oglobo.globo.com/rio/chefe-do-trafico-da-favela-nova-holanda-esteve-internado-em-clinica-de-reabilitacao-na-paraiba-12373149. Acesso em: 16/07/2015. Ainda ali mesmo, durante uma conversa noturna, um integrante do Comando Vermelho (VC) me contou que, desde que se colocou em pauta o comércio da droga, ele votou e votará várias vezes pela interrupção da venda de crack - “Aqui não é como São Paulo”, ele me disse, “tem que valer a moral, não o mercado”. Reconheceu, entretanto, que sua opinião não é partilhada por outros membros da facção, atentos à lucratividade e ao giro rápido desse comércio. “Sabe como é, né? Ninguém acha certo vender, mas viram que o negócio dá grana. Tem que pensar como uma empresa também.”

Fato parece ser que a entrada mais maciça de crack no Rio se deu concomitantemente ao enfraquecimento do CV (então a principal facção carioca) ao longo das primeiras décadas de 2000, à saturação do mercado de cocaína entre 2001 e 2006, à crescente cobrança de policiais que preferiam extorquir12 12 Como o próprio Michel Misse (2011) observa, extorquir não é a melhor palavra, uma vez que o que de fato havia era um rearranjo do poder que de fato interessava a ambas as partes. e prender traficantes a expulsá-los de seus territórios e, ainda, aos possíveis novos acordos comerciais com o PCC, em decorrência de rompimento de acordos e alianças de fornecimento antigos13 13 É nesses primeiros anos da década de 2000, precisamente em 2001, que ocorre o que ficou conhecido como Massacre de Capitán Bado (na fronteira Brasil-Paraguai), quando o traficante Fernandinho Beira-Mar ordenou a morte dos filhos e do próprio João Morel, seu antigo distribuidor e aliado. Esse é um fato importante para entender a mudança dos acordos comerciais do atacado de drogas no Rio, bem como a possível, mas ainda pouco estudada, relação CV-PCC. Em junho de 2016, a execução de Jorge Rafaat nessa mesma fronteira iniciou o rumor de rompimento da relação CV-PCC e, por conseguinte, novas disputas. e novas fronteiras de mercado. O sociólogo Michel Misse resume o que se passou:

O enfraquecimento da principal facção, o CV, na época em que surgia e se fortalecia em São Paulo o PCC permitiu que acordos se estabelecessem entre essas redes, mas sabe-se muito pouco sobre sua extensão. Um dos indicadores de que existe essa ligação é a entrada do crack no Rio de Janeiro, sempre evitada pelo CV quando este estava fortalecido. Outro indicador do enfraquecimento do CV foi o surgimento da ADA (Amigos dos Amigos), que se interpôs na antiga e permanente disputa entre o CV e o chamado Terceiro Comando. (Misse, 2011______. “Os rearranjos de poder no Rio de Janeiro”. Le Monde Diplomatique Brasil, jul. 2011., [s.p.], grifos meus)

A partir de 2005 e 2006, então, o consumo público de crack ficou mais evidente na capital carioca (Rosales; Barnes, 2011Rosales, Kristina; Barnes, Taylor. “New Jack Rio”. Foreign Policy, 14/09/2011. Disponível em: Disponível em: http://foreignpolicy.com/2011/09/14/new-jack-rio/ . Acesso em: 11/03/2016.
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) e a figura do “cracudo” passou a condensar a síntese do tipo de uso de crack que não se deve fazer e do tipo de pessoa que não se deve ser (Brandão, 2015Brandão, Beatriz. “Usos do crack na cidade: antropologizando sinais do corpo”. Anais da V Reunião Equatorial de Antropologia. Maceió: Edufal, 2015.; Veríssimo, 2015Veríssimo, Marcos. “Quem são os ‘cracudos’? Apontamentos para o estudo antropológico de um ‘problema social’”. Dilemas , v. 8, n. 2, 2015.). Além disso, e como bem anotaram Frúgoli Jr. e Cavalcanti:

A venda e o consumo de crack rapidamente transformaram as próprias dinâmicas do tráfico nas áreas em que se instauraram, gerando uma nova estrutura de gestão e de vendas da droga, mas também esforços cotidianos do próprio tráfico na ordenação dos espaços sob a sua influência, tendo em vista as novas territorialidades produzidas pelas tensões entre os fluxos e as permanências dos usuários de crack. (Frúgoli Jr.; Cavalcanti, 2013Frúgoli Jr., Heitor; Cavalcanti, Mariana. “Territorialidades da(s) cracolândia(s) em São Paulo e Rio de Janeiro”. Anuário Antropológico/2012, v. 38, n. 2, 2013., p. 74)

Assim, chama a atenção que, diferentemente do caso paulista, em que o consumo de crack ficou mais evidente numa cracolândia central que perdura há praticamente trinta anos, não se verificou um fenômeno propriamente de territorialização do consumo de crack no Rio de Janeiro (Frúgoli Jr.; Cavalcanti, 2013Frúgoli Jr., Heitor; Cavalcanti, Mariana. “Territorialidades da(s) cracolândia(s) em São Paulo e Rio de Janeiro”. Anuário Antropológico/2012, v. 38, n. 2, 2013.). As pequenas cenas de consumo da droga, que não chegavam a ultrapassar o número de duzentas pessoas, se fixaram temporalmente em espaços bastante delimitados dos morros, favelas e áreas populares do Rio de Janeiro, longe de certa visibilidade pública. Fluidas, elas se deslocavam e se reordenavam a cada conjuntura.

TERRITORIALIZAÇÕES

Nesse sentido, inquieta pensar como as diferentes economias morais criminais em torno desse comércio permitem apreender configurações territoriais diversas.

Em São Paulo, aqueles que se deslocam para o Centro ao longo da década de 1990 encontram-se com as mais distintas marginalidades, com pessoas em situação de rua, prostitutas, egressos do sistema prisional. A já estabelecida “região moral” (Park, 1915Park, Robert. “The City: Suggestions for the Investigation of Human Behavior in the City Environment”. American Journal of Sociology, v. 20, n. 5, pp. 577-612, 1915.) da cidade, conhecida desde os anos 1960 como Boca do Lixo, por concentrar estabelecimentos boêmios e uma rede de casas e hotéis, além da prática de prostituição, jogos de todos os tipos e consumo de álcool, anfetaminas e maconha, frequentes e dependentes da cumplicidade policial, passa agora por significativas transformações, pois “a economia da prostituição entrava em declínio e o comércio de drogas começava lentamente a ganhar alguma referência como negócio criminal no plano da cidade, difundindo-se em múltiplos territórios e agenciamentos” (Teixeira, 2012Teixeira, Alessandra. “Economias criminais urbanas e gestão dos ilegalismos na cidade de São Paulo”. Paper apresentado no 36º Encontro Anual da Anpocs. São Paulo: Anpocs, 2012., pp. 10-1).

Eis muito resumidamente o processo que permitiu que muitos dos hotéis e pensões que antes hospedavam viajantes e prostitutas passassem a receber, ao longo dos anos 1990, usuários e vendedores de crack, que chegavam de muitos lugares e, como dito, não raro fugindo das áreas periféricas e da “guerra” entre traficantes e policiais e destes contra eles - o que sedimentou o solo espacial e social de nascimento da estigmatizada cracolândia.

Quanto a esse termo, ainda levou cerca de meia década para aparecer na imprensa. Em consulta aos acervos dos dois principais jornais da cidade, observa-se que a primeira vez que o vocábulo apareceu no diário O Estado de S. Paulo foi em agosto de 1995,14 14 Ver “Polícia reforça combate a traficantes”. O Estado de S. Paulo, 07/08/1995. enquanto na Folha de S.Paulo a primeira menção é de maio de 1996.15 15 Ver “PM afirma ter recapturado 2 dos fugitivos”. Folha de S.Paulo, 14/05/1996. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/1996/5/14/cotidiano/23.html. Acesso em jun. 2014. Dessas primeiras aparições do termo, destaco dois pontos. Primeiro, os dois jornais utilizam a expressão “conhecida como cracolândia”, indicando que a área já estava sendo conhecida por esse nome, antes de este ser neles veiculado. Segundo, e o mais relevante, é que, em princípio, quando se falava da cracolândia, era, sobretudo, como “reduto de venda” (Uchoa, 1996Uchoa, Marcos. Crack: o caminho das pedras. São Paulo: Ática, 1996., p. 73), como “ponto de droga”, ou mesmo como local de preparação do crack - algo que pode ser corroborado em consulta à primeira pesquisa sobre a área, de Mingardi e Goulart, em 1999:

A maioria do crack comercializado na área é preparado nas “cozinhas”, locais da região ou proximidade onde a mistura é feita numa escala maior, mais industrial. […] temos dados que indicam que muitas delas funcionam nas proximidades, ou seja, na própria área da cracolândia, o que indica que boa parte do crack vendido nesta área é também aí preparado. Segundo entrevistas com antigos funcionários do Denarc, até poucos anos atrás praticamente todo o crack consumido era fabricado na área. […] Com o aumento da demanda, parte do crack já é fabricado fora da área. (Mingardi; Goulart, 2001Mingardi, Guaracy; Goulart, Sandra. “As drogas ilícitas em São Paulo: o caso da cracolândia”. Revista do Ilanud, n. 15, 2001., p. 34)

Interessante perceber que a área ficou “conhecida como cracolândia” em razão dos pontos de venda da droga e da sua preparação. Posteriormente, entretanto, tornou-se o local em que menos se apreende crack na cidade de São Paulo.16 16 Ver, por exemplo, “Em SP, apreensão de crack é maior longe da área da cracolândia”. Folha de S.Paulo, 27/6/2010. Tal movimento, observado retrospectivamente, permite indicar que é só fundamentalmente na década de 2000, especialmente na sua segunda metade, que a densa concentração de usuários nessas imediações passou a denotar “cracolândia” como lócus sobretudo de consumo, com uma configuração mais próxima à da atualmente compreendida. Só a partir daí a área ganhou projeção nacional e internacional, configurando-se na mais famosa territorialidade do crack no país. Em seu auge, entre 2008 e 2009, a área chegou a concentrar, durante a noite, 2 mil consumidores da droga em um quarteirão.

É verdade que muita coisa aconteceu na história criminal de São Paulo nesses vinte anos.17 17 Para mais detalhes, ver Feltran (2012). Para o que aqui me interessa, destaco que os deslocamentos de usuários de crack para essa região central já têm causas e justificativas diferentes das que os informaram ao longo dos anos 1990. Com a hegemonia dos ideais do PCC no tecido urbano, a possibilidade de ser morto é menor, muito menor; pois, como a literatura especializada vem indicando, um processo de “pacificação” teria se instalado nas franjas da cidade, quando ficou generalizada a ideia de que “não [se] pode mais matar” nesses espaços.18 18 Esse é também um dos temas tratados por Hirata e Grillo, neste dossiê.

O crack e seus consumidores, entretanto, nunca deixaram de ser negativamente valorados. Mais que a maconha e a cocaína, o crack está associado à degradação moral, à falta de controle, ao desrespeito aos laços comunitários (como roubos na vizinhança). Proscrito nas cadeias do estado, é gerido de modo estrito fora delas. A falta de controle individual e social nesse novo contexto, se não é mais punida com a morte, permanece sendo regulada. A prática de interditar consumidores indesejados, isto é, “não vender, não oferecer nem usar” com relação a pessoas que estão desenvolvendo usos considerados problemáticos e abusivos de drogas, causando conflitos no bairro (Biondi, 2011Biondi, Karina. “Consumo de drogas na Política do PCC”. Coletivo DAR, 14/03/2011. Disponível em: Disponível em: http://coletivodar.org/cartas-na-mesa-consumo-de-drogas-na-politica-do-pcc/ . Acesso em: 15/10/2019.
http://coletivodar.org/cartas-na-mesa-co...
), é importante, a meu ver, na produção da mobilidade e na ainda maior concentração de pessoas no Centro.

Sim, porque a interdição - e esse é o ponto - também induz fluxo: uma vez interditado em uma “biqueira”, o usuário tem que procurar por outra para continuar o uso; se interditado nessa outra, procurará por uma terceira, e assim por diante; de modo que não é complicado supor que, nessa sucessão de interdições, ele facilmente pode chegar ao Centro, à cracolândia. O caminho de volta não é, contudo, simples de ser refeito. Tal dispositivo é importante para sinalizar como práticas e decisões tomadas por comerciantes da droga ao longo dos anos 2000 seguem contribuindo para deslocar consumidores problemáticos de crack pela cidade. Não me parece aleatório, nesse sentido, a cracolândia se tornar questão de grande interesse público do país a partir de 2008. A oferta da droga já era imensa e talvez tenha sido o período de maior incidência das ideias do PCC nos bairros.

Desde aí situo meu trabalho etnográfico interessado, num primeiro momento, em compreender essa dinâmica territorial e oferecer descrições que se contrapõem à depreciação política e moral da região. O trabalho foi se derivando para conhecer a fundo a socialidade local e as redes de amizade, troca e afeto, indicando como esse espaço funciona à semelhança da metáfora do bazar cunhada por Ruggiero e South (1997Ruggiero, Vicenzo; South, Nigel. “The Late Modern City as a Bazaar: Drug Market, Illegal Enterprise and the Barricades”. The British Journal of Sociology, v. 48, n. 1, pp. 54-70, 1997.) e trabalhada também por Telles e Hirata (2007______; Hirata, Daniel. “Cidade e práticas urbanas: nas fronteiras incertas entre o ilegal, o informal e o ilícito”. Estudos Avançados, v. 21, n. 61, 2007.) e Telles (2009)Telles, Vera. “Ilegalismos urbanos e a cidade”. Novos Estudos Cebrap , n. 84, pp. 153-73, jul. 2009., numa dinâmica de ocupação territorial e venda da droga extremamente diferente da que se observava nas bordas da cidade.

Como descrevi com mais detalhes em Rui (2014Rui, Taniele. Nas tramas do crack: etnografia da abjeção. São Paulo: Terceiro Nome, 2014.), nas periferias urbanas, consumidores agrupam-se em barracos, em áreas distantes, longe da visibilidade de conhecidos e parentes. Nesses locais, a dinâmica de venda não ocorre de modo fracionado, apenas é realizada por meio da compra da pedra de crack inteira, com nota de papel, nada de moedas. Ao contrário, na área central, na cracolândia, extremamente visíveis, os consumidores podem a qualquer hora do dia comprar uma pedra de crack grande por dez ou quinze reais, fazer lascas dela e revendê-la por um mínimo de cinquenta centavos19 19 O fracionamento da droga é mais possível no mercado varejista de drogas do Rio de Janeiro do que no de São Paulo, em razão de diferenças importantes acerca de sua territorialização. Para mais detalhes sobre isso, ler o excelente artigo de Hirata e Grillo (2017), que compara as atividades de venda varejista de drogas nas duas cidades. Para o espaço deste texto, indico que o que se via na cracolândia era completamente diferente do restante da cidade de São Paulo. - o que possibilita que o crack se torne moeda e seja utilizado para trocar, comprar e vender, com muita facilidade, sapatos, roupas, cigarros, alimentos, achados do lixo, materiais recicláveis. É assim que se configura a triste realidade do que é, sem contradição, um dos “mercados mais competitivos e fragmentados”, no qual “revendedores individuais autônomos, vivendo à beira da extinção, [operam] com margens de lucro ínfimas e incapazes de gerar qualquer superávit” (Lessing, 2008Lessing, Benjamin. “As facções cariocas em perspectiva comparativa”. Novos Estudos Cebrap, n. 80, pp. 43-62, 2008., p. 46). Na prática, essa dinâmica borra as fronteiras entre os tipos penais do traficante e do usuário de drogas. E, na prática, muitos usuários cumprem pena de prisão por traficar fragmentos de crack (Mallart; Rui, 2017Mallart, Fábio; Rui, Taniele. “Cadeia ping-pong entre o dentro e o fora das muralhas”. Ponto Urbe, n. 21, 2017.).

Ainda nos dias atuais, com desdobramentos múltiplos, a cracolândia segue como um dos principais epicentros das questões sociais, urbanas e políticas do Brasil, movimentando operações policiais, serviços de saúde e de assistência social dos mais variados níveis de governo (municipal, estadual e federal - que disputam entre si o melhor “tratamento”); atores como ONGs, igrejas, ativistas, jornalistas, pesquisadores. O PCC está ali, interessado no varejo de crack, mas sabe-se muito pouco sobre a real extensão desse comércio, praticamente nada sobre seu faturamento.

Considerando a necessidade de mais estudos específicos sobre a questão, por ora assinalo a particularidade do mercado varejista de crack em São Paulo e indico o quanto conflitos entre traficantes, policiais e consumidores durante a década de 1990, assim como microdecisões de venda ou de interdição da venda em cantos variados da cidade ao longo dos anos 2000, podem se correlacionar com o deslocamento de um contingente enorme de usuários de crack. Dessa perspectiva, a cracolândia pode ser pensada como o maior polo de concentração e refugo desses sujeitos.

Em toda a sua história, muitas foram as incursões violentas que, via operações policiais espetaculares, violência cotidiana e prisão de pessoas, tentaram erradicar essa territorialidade do espaço urbano, mas o ponto a notar é que ela resiste, firme, no coração da maior metrópole da América Latina. Argumento, a partir do exposto, que ela resiste porque sua história e configuração transbordam dela mesma e se conectam à história urbana e do mercado criminal do crack na cidade de São Paulo. Tendo a circulação gerida também pelos mercados ilícitos, muitos consumidores da droga, mesmo em contexto de grande intervenção policial, realmente não têm como sair dessa localização.

No Rio de Janeiro, é interessante pensar como o tema do crack se torna público nos anos de 2012 e 2013, quando centenas de usuários foram vistos zanzando pela avenida Brasil. Aqui, a história se conecta à das intervenções na então cidade-sede de grandes eventos esportivos - Copa das Confederações (2013), Copa do Mundo (2014) e Olimpíada (2016) -, à implantação da então política-modelo de policiamento comunitário, as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs),20 20 Para análises críticas sobre as UPPs, ver Machado da Silva (2010), Barbosa (2012) e o “Dossiê Unidades de Polícia Pacificadora-Cevis”, organizado por Machado da Silva e Leite (2014; 2015). O trabalho mais consistente e de longa duração sobre as UPPs é o de Palloma Menezes (2015). às obras urbanísticas que se espalharam a toda a velocidade pela cidade desde então. E, como não poderia deixar de ser, a relação entre isso tudo e a dinâmica das facções cariocas.

Segundo Frúgoli Jr. e Cavalcanti (2013Frúgoli Jr., Heitor; Cavalcanti, Mariana. “Territorialidades da(s) cracolândia(s) em São Paulo e Rio de Janeiro”. Anuário Antropológico/2012, v. 38, n. 2, 2013.), essa visibilidade se inicia com a ocupação militar do Complexo do Alemão em dezembro de 2010, que teria produzido um inchaço no número de usuários de crack nas cenas de consumo de Jacarezinho e Manguinhos. Os constantes conflitos entre os consumidores da droga e o tráfico chegaram inclusive a culminar na interrupção da venda de crack no local, justificada pelos traficantes em razão das correntes intervenções policiais que os “cracudos” atraíam. Com a efetiva implantação da UPP no local em outubro de 2012, a situação explodiu na avenida Brasil.

Assim, expulsos de regiões em que se iniciou o processo de “pacificação” e travando tensas relações com os traficantes, os consumidores da droga, errantes pela avenida, apareceram à cidade, à imprensa, ao país. Deslocados, ao mesmo tempo que tentavam se esquivar das ações de recolhimento compulsório da Prefeitura do Rio, reiniciaram seus “esforços territorializantes” (Frúgoli Jr.; Cavalcanti, 2013Frúgoli Jr., Heitor; Cavalcanti, Mariana. “Territorialidades da(s) cracolândia(s) em São Paulo e Rio de Janeiro”. Anuário Antropológico/2012, v. 38, n. 2, 2013.) por canteiros, tapumes, arredores e calçadas da avenida Brasil e de determinadas áreas do Complexo da Maré, na extensão entre o Parque União, Rubens Vaz, Nova Holanda e o Parque Maré.21 21 Importante notar, portanto, que a pesquisa não se estende a toda a Maré, considerada o maior complexo de favelas (dezesseis) do Rio de Janeiro, com uma população de aproximadamente 130 mil habitantes. Um morador uma vez atentou para o fato de que “a Maré é uma invenção para os de fora, quem mora aqui fala que é do Parque União, de Nova Holanda, da Baixa do Sapateiro”. Tamanha visibilidade induziu ações do poder público, reclamações mil dos moradores e motoristas e precisou ser minimizada.

O interessante dessa história, que presenciei, é que foi acordado entre a associação dos moradores, o CV e usuários que estes deixassem a avenida Brasil e passassem a ocupar uma esquina da favela, a fim de fazer diminuir as incursões policiais. O lugar para onde foram levados era uma área liminar, estruturada de antigos depósitos industriais e apartada das áreas residenciais e das ruas comerciais. Inicialmente, a cena de uso constituía-se de não mais que quinze barracos de lona preta que abrigavam os consumidores, muitos dos quais não eram da Maré. Eles ficavam por ali apenas durante o dia, mas voltavam para a avenida durante a noite, já que a esquina ficava exatamente na divisa estabelecida internamente como demarcação entre o CV e o Terceiro Comando (TC).

Acompanhar o local etnograficamente ao longo dos anos de 2014 e 2015 possibilitou-me verificar a passagem de uma situação em que os usuários de crack estavam instáveis em barracos frágeis de lona, bastante castigados em dias de chuva, permanecendo na esquina durante o dia, mas deslocando-se para a rua Sete de Março e para a avenida Brasil todas as noites, para uma fixação que foi se intensificando e se estruturando, especialmente depois da entrada do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope), em 30 de março,22 22 Uma instigante descrição dessa ocupação pode ser lida em Barnes (2014). e, posteriormente, do Exército, ambos “forças” instrumentais ao processo embrionário, mas nunca efetivado, de “pacificar” a Maré.

Embora num primeiro momento tenha havido certo temor em relação ao que aconteceria com os usuários durante a presença do Exército - eles, inclusive, esperavam pelo pior e há relatos de que muitos nesse período voltaram a Manguinhos e Jacarezinho (já em situação menos conflituosa) -, o fato concreto é que, também em razão de negociação com a associação de moradores e a ONG Redes da Maré, eles não foram importunados. A presença das “forças de pacificação”, ao contrário, cooperou para a fixação dessa cena de uso, na medida em que, sobretudo, provocou a diminuição dos confrontos entre o CV e o TC nessa zona de fronteira. Desse modo, o ponto a ser destacado é que a “pacificação” empreendida pelo Estado ao atuar sobre o conflito entre facções, nesse caso, colaborou para territorializar os usuários de crack nessa esquina.

Ao longo de todo o ano de 2014, os barracos de lona preta foram dando lugar a barracos fixos de madeira, decorados com móveis e providos de energia elétrica, que alimentava frigobares, televisores e aparelhos de rádio e DVD. As principais formas de ganho que tais usuários desenvolveram ali se concentraram em “garimpar” latinhas de alumínio e recicláveis, consertar peças quebradas, prestar pequenos serviços para moradores e roubar fora da Maré. Embora tenha me dito que todas as “bocas” na Maré vendiam crack (confirmando a rentabilidade do negócio), o presidente da associação de moradores tinha claro que, “quando o tráfico quiser, acaba a cracolândia”.

Mais fortalecida territorialmente, a manutenção da “comunidade” criada era, entretanto, constituída de um equilíbrio precário. Alguns conflitos ficaram mais evidentes ao longo do estudo. Certa vez, uma das minhas interlocutoras estava com as pernas bastante machucadas. A versão inicial que me deu foi que tinha ido cobrar a dívida de uma mulher e o filho desta interveio. Disse que, quando deu as costas, ele pegou um pedaço de madeira e bateu com força em suas pernas - a perna esquerda especialmente, em que ele teria batido “mais de quatro vezes”, estava muito inchada. Perguntei se ninguém a havia protegido, ela disse que até tentaram, mas que o filho da mulher “era bandido”. Ao meu ouvido, contudo, disse, baixo, que no fundo estava com muita vergonha, porque, se a vissem machucada daquele jeito, poderiam pensar que ela tinha feito algo errado. Evitou a rua durante todo o período de recuperação. Em outra ocasião, uma usuária teve os dedos da mão quebrados, acusada de uma tentativa de roubo na Maré. Conversei com sua mãe, moradora da Nova Holanda, e ela estava bastante preocupada, dividida entre as responsabilidades do trabalho e as idas ao hospital para visitar a filha nos dias seguintes ao ocorrido. Tais conflitos mostram a gerência total à qual estão sujeitos esses usuários.

Com efeito, foi a criação de uma cena de consumo mais fixada que fez emergir ações assistenciais e sanitárias do Estado. Além disso, entre janeiro e julho de 2015, um novo momento se demarca a partir da efetiva consolidação do interesse da ONG Redes da Maré pelo local. Em parceria com o Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC) e o Núcleo Interdisciplinar de Ação e Cidadania (NIAC/UFRJ), com apoio financeiro da Open Society Foundation (OSF), uma equipe da ONG passa a atuar diretamente no local, incialmente fazendo um levantamento da população fixada e, com o transcorrer das atividades, oferecendo oficinas de fotografia e um cineclube aos usuários da droga.23 23 Ver Redes da Maré e CESeC (2016). Produzindo conhecimento mais qualificado sobre o local, o levantamento realizado enumera que, no ano de 2015, havia cerca de setenta moradores fixos, distribuídos em dezesseis barracos. Observa também que não há possibilidade de expansão dessa cena de consumo e que o “direito à moradia” é regulado, mas que há certa rotatividade de pessoas chegando e saindo.

A constatação de que não eram mais muitos os usuários de crack no local e de que a maior parte deles estava já bastante fixada, sem causar um grande problema de visibilidade para a cidade ou de conflito no interior da Maré, era em certa medida partilhada pelos serviços públicos. Tal fixação “pacífica” e “controlada” veio acompanhada da percepção, expressa por um dos membros da equipe da ONG, de que os usuários foram sendo como que abandonados por tais serviços, que teriam voltado a atenção para outras cenas de uso e para outros casos politicamente mais “urgentes”. Como vem fazendo há anos no governo das populações pobres, o Estado parece bem saber calcular a hora de reprimir, de comparecer e criar serviços de atenção e depois de praticamente desaparecer. Os que permanecem nessa esquina, os que realizam o trabalho de acompanhamento, entretanto, operam a partir do já tacitamente sabido: “Quando o tráfico quiser, acaba a cracolândia”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Foi propósito deste texto esboçar, a partir de duas histórias urbanas específicas, possíveis correlações entre mercado de crack e história criminal, aludindo, com isso, à produção de deslocamentos de usuários da droga, sempre seguidos de reterritorializações e zonas de concentração e refugo.

No caso de São Paulo, em que apenas uma única facção criminal detém hegemonia, as dinâmicas varejistas de drogas e os fluxos que elas induzem acabaram por conformar um ponto de territorialização muito central do crack. Aglutinando centenas de pessoas que, realmente, não têm para onde ir, sobretudo porque não têm para onde “voltar”, elas são resignadas a permanecer, mesmo em situações de extrema violência e perseguição policial. Ali, movimentam causas, recursos, saberes, dizeres, terapêuticas, muita droga e muito dinheiro. É gente demais que vive assim, deslocada e refugiada na cracolândia paulistana.

O caso do Rio de Janeiro, por sua vez, apresenta outra reflexão: disputas mais acentuadas entre Estado e facções deslocam usuários de crack pela cidade sem a conformação, por excelência, de um ponto de concentração. Presenciei uma tentativa bem pequena disso, ao etnografar a produção de um fenômeno de acomodação e territorialização invisibilizada ao público no interior da Maré, permitida, entretanto, a uma quantidade bastante delimitada de pessoas, com o Comando Vermelho gerindo os conflitos. É menos gente que consegue viver assim, fixada e estritamente regulada.

São, portanto, duas histórias urbanas e criminais, duas formas possíveis de dinâmicas mercantis que parecem refletir territorializações do crack bastante distintas. Da cracolândia mais visibilizada do país, em São Paulo, a um exemplo miúdo do que se passa em muitas “favelas e cracolândias que ninguém vê”,24 24 Ver: https://oglobo.globo.com/opiniao/favelas-cracolandias-que -ninguem-ve-12751986. na cidade do Rio de Janeiro, estão expostos alguns eixos empíricos que, me parece, auxiliam a pensar conjuntamente dinâmicas de varejo e produção de territórios de consumo.

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  • 1
  • 2
  • 3
    Para um excelente balanço dessa bibliografia, ver Aquino e Hirata (2018)Aquino, Jania; Hirata, Daniel. “Inserções etnográficas ao universo do crime: algumas considerações sobre pesquisas realizadas no Brasil entre 2000 e 2017”. Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais - BIB, v. 84, pp. 107-47, 2018..
  • 4
    Ver, especialmente, Rui (2014)Rui, Taniele. Nas tramas do crack: etnografia da abjeção. São Paulo: Terceiro Nome, 2014.. Destaco aqui, para fins específicos deste artigo, o agradecimento ao programa Drugs, Security and Democracy Fellowship, do Social Science Research Council (SSRC-EUA), e à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) por financiarem a pesquisa comparativa Rio de Janeiro-São Paulo entre os anos de 2014 e 2015, e ao grupo do projeto temático “A gestão do conflito na produção da cidade contemporânea: a experiência paulista”, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), coordenado por Vera Telles, cuja interlocução está na origem deste dossiê.
  • 5
    Cf. “Jovem viciado em crack é morto pela PM: Polícia diz que S.O.P., 17, trocou tiros com soldados; colegas de São Mateus, o ‘Bronx paulistano’, negam tiroteio”. Folha de S.Paulo, 25/06/1992 (grifos meus).
  • 6
    Cf. “Crack é vendido na região”. Folha de S.Paulo, 03/06/1991.
  • 7
    Cf. “Jovem viciado em crack é morto pela PM”. Folha de S.Paulo, 25/6/1992.
  • 8
    Em outubro de 1992, para conter uma rebelião, policiais militares invadiram a Casa de Detenção de São Paulo (Carandiru) e assassinaram 111 pessoas (números oficiais). Para ler mais sobre o assunto e seus desdobramentos no presente, ver Machado e Machado (2015)Machado, Maíra; Machado, Marta (orgs.). Carandiru não é coisa do passado: um balanço sobre os processos, as instituições e as narrativas 23 anos depois. São Paulo: FGV Direito, 2015..
  • 9
    Como bem nota Lessing (2008, p. 59), “nesse momento histórico, a maioria das cidades brasileiras não oferecia a traficantes internacionais organizações criminosas grandes o bastante e com infraestrutura capaz de estabelecer uma rede de distribuição hierárquica (na maioria das vezes operavam com a venda a inúmeros distribuidores médios, que por sua vez abasteciam mercados locais fragmentados). O CV, ao contrário, parece ter deliberadamente procurado os traficantes internacionais, apresentando-se como uma organização criminosa capilarizada, detentora de uma rede de distribuição pronta”. Para Lessing, o domínio do sistema penitenciário foi central para esse fortalecimento.
  • 10
    Para uma ótima descrição sobre a “boca”, ver Grillo (2013)Grillo, Carolina C. Coisas da vida no crime: tráfico e roubo em favelas cariocas. Tese (doutorado em ciências humanas) - IFCS-UFRJ, Rio de Janeiro, 2013., pp. 80-94.
  • 11
  • 12
    Como o próprio Michel Misse (2011)______. “Os rearranjos de poder no Rio de Janeiro”. Le Monde Diplomatique Brasil, jul. 2011. observa, extorquir não é a melhor palavra, uma vez que o que de fato havia era um rearranjo do poder que de fato interessava a ambas as partes.
  • 13
    É nesses primeiros anos da década de 2000, precisamente em 2001, que ocorre o que ficou conhecido como Massacre de Capitán Bado (na fronteira Brasil-Paraguai), quando o traficante Fernandinho Beira-Mar ordenou a morte dos filhos e do próprio João Morel, seu antigo distribuidor e aliado. Esse é um fato importante para entender a mudança dos acordos comerciais do atacado de drogas no Rio, bem como a possível, mas ainda pouco estudada, relação CV-PCC. Em junho de 2016, a execução de Jorge Rafaat nessa mesma fronteira iniciou o rumor de rompimento da relação CV-PCC e, por conseguinte, novas disputas.
  • 14
    Ver “Polícia reforça combate a traficantes”. O Estado de S. Paulo, 07/08/1995.
  • 15
    Ver “PM afirma ter recapturado 2 dos fugitivos”. Folha de S.Paulo, 14/05/1996. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/1996/5/14/cotidiano/23.html. Acesso em jun. 2014.
  • 16
    Ver, por exemplo, “Em SP, apreensão de crack é maior longe da área da cracolândia”. Folha de S.Paulo, 27/6/2010.
  • 17
    Para mais detalhes, ver Feltran (2012)Feltran, Gabriel. “Crime que produz governo, governo que produz crime”. Revista Brasileira de Segurança Pública , v. 6, n. 2, pp. 232-55, 2012..
  • 18
    Esse é também um dos temas tratados por Hirata e Grillo, neste dossiê.
  • 19
    O fracionamento da droga é mais possível no mercado varejista de drogas do Rio de Janeiro do que no de São Paulo, em razão de diferenças importantes acerca de sua territorialização. Para mais detalhes sobre isso, ler o excelente artigo de Hirata e Grillo (2017)Hirata, Daniel; Grillo, Carolina. “Sintonia e amizade entre patrões e donos de morro: perspectivas comparativas entre o comércio varejista de drogas em São Paulo e no Rio de Janeiro”. Tempo Social, v. 29, n. 2, pp. 75-98, 2017., que compara as atividades de venda varejista de drogas nas duas cidades. Para o espaço deste texto, indico que o que se via na cracolândia era completamente diferente do restante da cidade de São Paulo.
  • 20
    Para análises críticas sobre as UPPs, ver Machado da Silva (2010)Machado da Silva, Luiz Antonio. “Afinal, qual é a das UPPs?”. Observatório das Metrópoles, mar. 2010. Disponível em: Disponível em: http://www.observatoriodasmetropoles.ufrj.br/artigo_machado_UPPs.pdf . Acesso em: 15/10/2019.
    http://www.observatoriodasmetropoles.ufr...
    , Barbosa (2012)______. “Considerações introdutórias sobre territorialidade e mercado na conformação das Unidades de Polícia Pacificadora no Rio de Janeiro”. Revista Brasileira de Segurança Pública, v. 6, n. 2, 2012. e o “Dossiê Unidades de Polícia Pacificadora-Cevis”, organizado por Machado da Silva e Leite (2014; 2015)Machado da Silva, Luiz Antonio; Leite, Márcia (orgs.). “Dossiê Unidades de Polícia Pacificadora-Cevis”. Dilemas , v. 7, n. 4, 2014; v. 8, n. 1, 2015.. O trabalho mais consistente e de longa duração sobre as UPPs é o de Palloma Menezes (2015)Menezes, Palloma. Entre o “fogo cruzado” e o “campo minado”: uma etnografia do processo de “pacificação” de favelas cariocas. Tese (doutorado em sociologia) - IESP-UERJ, Rio de Janeiro, 2015..
  • 21
    Importante notar, portanto, que a pesquisa não se estende a toda a Maré, considerada o maior complexo de favelas (dezesseis) do Rio de Janeiro, com uma população de aproximadamente 130 mil habitantes. Um morador uma vez atentou para o fato de que “a Maré é uma invenção para os de fora, quem mora aqui fala que é do Parque União, de Nova Holanda, da Baixa do Sapateiro”.
  • 22
    Uma instigante descrição dessa ocupação pode ser lida em Barnes (2014)Barnes, Nicholas. “Rio de Janeiro’s bope and Police Pacification: Fear and Intimidation in Complexo da Maré”. Anthropoliteia, 06/06/2014. Disponível em: Disponível em: http://anthropoliteia.net/2014/06/06/rio-de-janeiros-bope-and-police-pacification-fear-and-intimidation-in-complexo-da-mare/ . Acesso em: 15/10/2019.
    http://anthropoliteia.net/2014/06/06/rio...
    .
  • 23
    Ver Redes da Maré e CESeC (2016)Redes da Maré; CESeC. “Meu nome não é cracudo: a cena aberta de consumo de drogas da rua Flávia Farnese, na Maré, Rio de Janeiro”. Boletim Segurança e Cidadania, n. 22, 2016..
  • 24

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Jan 2020
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2019

Histórico

  • Recebido
    06 Maio 2019
  • Aceito
    07 Out 2019
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