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UM PASSO À FRENTE, DOIS ATRÁS: NOTAS CRÍTICAS A “ESTADO, DESIGUALDADE E CRESCIMENTO NO BRASIL”, DE ARMINIO FRAGA1 1 Nossos agradecimentos a Carlos Ocké-Reis, Luís Carlos Garcia de Magalhães, Esther Dweck, Monica Mora, Joana Simões Costa e Maria Lucia Teixeira Werneck Vianna, bem como aos dois pareceristas anônimos, por comentários e sugestões pertinentes. Agradecemos também a Rita Palmeira e ao corpo editorial da revista, em particular a André Albert, pela excelente revisão e edição.

One Step Forward, Two Steps Back: Critical Notes on “Inequality and Growth in Brazil: The Role of the State”, by Arminio Fraga

RESUMO

Em artigo recente publicado na Novos Estudos Cebrap, Arminio Fraga sustenta que o Estado brasileiro, além de oneroso e ineficiente, atua no sentido de aprofundar a desigualdade. Diante disso, o economista propõe um conjunto de reformas visando à drástica redução da máquina pública. Nosso artigo procura, com base em argumentos teóricos e empíricos e em extensa literatura, refutar essa avaliação e apontar os riscos para as políticas econômicas e sociais trazidos pela agenda de reformas por ele sugerida.

PALAVRAS-CHAVE:
economia política; economia do setor público; distribuição de renda; desigualdade

ABSTRACT

In a recent paper published in Novos Estudos Cebrap, Arminio Fraga maintains that the Brazilian State, in addition to being costly and inefficient, acts to deepen inequality. The economist proposes a set of reforms seeking its drastic reduction. Our article aims to refute this assessment, based on theoretical and empirical arguments and extensive literature, and to point out the risks to economic and social policies brought about by the suggested reform agenda.

KEYWORDS:
political economy; economics of the public sector; income distribution; inequality

INTRODUÇÃO

Ao longo das últimas quatro décadas prevaleceu na academia e no debate público a ideia de que a intervenção do Estado com fins redistributivos deveria ocorrer pela via do gasto, mediante políticas sociais compensatórias, preferencialmente “focalizadas”. Nessa linha de pensamento, o sistema tributário idealmente deveria ser neutro do ponto de vista distributivo; sistemas progressivos tenderiam a gerar distorções alocativas, levando a resultados agregados (PIB, receitas do governo etc.) subótimos.

Dava suporte a essa ideia a suposta existência de um trade-off insuperável entre eficiência e equidade, que deveria orientar as escolhas dos formuladores e gestores de políticas públicas. A lógica subjacente, portanto, era a de que seria mais producente, tanto da perspectiva da eficiência econômica quanto da eficácia das políticas públicas, concentrar a ação redistributiva do Estado na dimensão do gasto.

O fundamento dessa visão reside na chamada teoria da tributação ótima, que remonta a Frank Ramsey (1927Ramsey, Frank. “A Contribution to the Theory of Taxation”. The Economic Journal, v. 37, n. 145, Londres: Oxford University Press, 1927, pp. 47-61.) e é posteriormente desenvolvida e incorporada à abordagem econômica ortodoxa - a teoria neoclássica - a partir de um artigo de James Mirrlees publicado em 1971.2 2 A referência canônica na literatura neoclássica é o livro de Joseph Stiglitz Economics of the Public Sector (Stiglitz, 2000 [1986]), atualmente na quarta edição (publicada em 2015). Mankiw et al. (2009) fazem excelente compilação e crítica da literatura dos anos 1970 e 1980 sobre tributação ótima. Como assinalam Gregory Mankiw e coautores, em conhecido artigo sobre o tema: “the Mirrlees[1971]Mirrlees, James A. “An Exploration in the Theory of Optimum Income Taxation”. The Review of Economic Studies, Oxford, v. 38, n. 2, abr. 1971, pp. 175-208. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.2307/2296779 . Acesso em: 09/02/2020.
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approach formalizes the classic tradeoff between equality and efficiency that real governments face, and it has become the dominant approach for tax theorists” (Mankiw et al., 2009Mankiw, N. Gregory, Weinzierl, Matthew C.; Yagan, Danny F. “Optimal Taxation in Theory and Practice”. Journal of Economic Perspectives, Cambridge, MA, v. 23, n. 4, 2009, pp. 147-74., p. 150).

Nos últimos anos, todavia, estudos empíricos de autores como Branko Milanovi, Emmanuel Saez, Gabriel Zucman e Thomas Piketty evidenciaram um aumento da desigualdade intrapaíses, em particular após a Grande Recessão de 2008-2009. Tais estudos têm atraído crescente interesse tanto da comunidade acadêmica quanto do público em geral, como prova o estrondoso sucesso mundial do livro O capital no século XXI, de Thomas Piketty, publicado em 2013. Mais ainda, mesmo organismos multilaterais historicamente vinculados à ortodoxia (e, portanto, à abordagem da tributação ótima), como o Fundo Monetário Internacional (FMI), têm promovido uma revisão de seus posicionamentos, publicando relatórios e textos para discussão (como exemplos: Dabla-Norris et al., 2015Dabla-Norris, Era et al. Causes and Consequences of Income Inequality: A Global Perspective. Washington, DC: IMF Strategy, Policy, and Review Department, 2015.; Aiyar; Ebeke, 2019Aiyar, Shekhar; Ebeke, Christian H. Inequality of Opportunity, Inequality of Income and Economic Growth. Texto para discussão, n. 19/34, Paris/Bruxelas: Departamento Europeu do FMI, 2019.) que enfatizam efeitos negativos da desigualdade para a macroeconomia e para o crescimento econômico de longo prazo - isto é, contradizendo o trade-off entre equidade e eficiência e, principalmente, defendendo a adoção de políticas tributárias progressivas para enfrentar de maneira efetiva a questão da desigualdade.

Como sintetizam Orair e Gobetti (2019_____. Tax Reform in Brazil: Guiding Principles and Proposals under Debate. Texto para discussão, n. 182, Brasília: International Policy Centre for Inclusive Growth (IPC-IG), 2019., p. 6):

The distributive issue has recently become central to mainstream economists in their review of the role of taxation in inequality. This review is related to a methodological and historical evolution in optimal taxation theory, which was originally based on highly restrictive hypotheses regarding individual behaviour and economic dynamics, which resulted in extreme models and proposals in the 1970s and 1980s recommending that capital incomes not be taxed to avoid economic distortions. Under the influence of restrictive interpretations of this literature and against the backdrop of the1970s neoclassical revolution questioning Keynesian fiscal policies, a sort of consensus was built in mainstream economics, positing that tax policy should refrain from distributive goals that could be achieved with less economic distortions through public expenditures policies.

No debate público brasileiro não tem sido diferente: a centralidade do tema da desigualdade, em suas múltiplas dimensões, e a busca por caminhos que conduzam a sua efetiva mitigação afirmam-se cada vez mais. Vários estudos apresentam evidências sobre desigualdades extremas, seja por renda, gênero ou raça/cor, em dimensões como a educação, a saúde, o saneamento e o encarceramento. Menos frequentes são estudos que relacionem a extrema desigualdade com a estrutura tributária e que proponham um enfrentamento baseado em políticas que tornem o sistema tributário efetivamente progressivo.3 3 Gobetti e Orair, (2016), Fernandes, Campolina e Silveira (2019), Medeiros e Souza (2013), Orair e Gobetti (2018), e Silveira, Passos e Guedes (2018) são exemplos de trabalhos que analisam mudanças tributárias com objetivos distributivos.

Por tempo demasiado, a relação entre desigualdade e incidência tributária foi negligenciada no debate brasileiro, e a correlação de forças no “mercado de ideias” sempre foi desfavorável para autores dedicados ao tema. Nesse sentido, é bem-vinda a recente contribuição do economista e ex-presidente do Banco Central do Brasil Arminio Fraga ao debate, com a publicação do artigo “Estado, desigualdade e crescimento no Brasil” nesta revista (Fraga, 2019Fraga Neto, Arminio. “Estado, desigualdade e crescimento no Brasil”. Novos Estudos Cebrap, São Paulo, n. 115, set.-dez. 2019, pp. 613-34.). O artigo dá um passo adiante ao lançar luz sobre esse aspecto central da desigualdade - a regressividade da tributação -, indo além do foco exclusivo na dimensão do gasto como via para reduzi-la. Insere no debate importantes benefícios fiscais como os concedidos via regimes simplificados e os resultantes das isenções e deduções no imposto de renda das pessoas físicas.

Todavia, invertendo a lógica da famosa metáfora de Lênin, dá dois passos atrás. O primeiro está na ideia central do artigo (apoiada sobre bases frágeis, como veremos), segundo a qual o Estado - identificado como oneroso, ineficiente e gerador de desigualdade - representa o principal obstáculo a “um círculo virtuoso de crescimento inclusivo e sustentável” (Fraga, 2019Fraga Neto, Arminio. “Estado, desigualdade e crescimento no Brasil”. Novos Estudos Cebrap, São Paulo, n. 115, set.-dez. 2019, pp. 613-34., p. 613) da economia brasileira. E o segundo, na proposta, a partir desse diagnóstico, de um conjunto de reformas no setor público - administrativa, previdenciária e tributária - tendo como meta um ajuste fiscal de oito a nove pontos percentuais do Produto Interno Bruto (PIB) e como resultado uma redução drástica do tamanho do Estado na economia.

A proposta é que metade desses recursos se destinaria a compor um superávit primário que em poucos anos levasse a dívida pública a patamar inferior a 50% do PIB; a outra metade seria utilizada para financiar investimentos públicos em infraestrutura e nas áreas de saúde e educação. O artigo não fornece detalhes sobre como viabilizar tal operação. Esta é uma lacuna particularmente grave, uma vez que a marca dos gastos em educação e saúde é a remuneração dos profissionais, que inevitavelmente seria afetada pela proposta de redução de gastos com o funcionalismo (reforma administrativa).

O presente texto tem por objetivo alertar tanto para o equívoco desse diagnóstico sobre o Estado brasileiro, que se baseia em argumentos falaciosos de senso comum e ignora ampla literatura empírica, quanto para os riscos desastrosos das medidas propostas. Nossa argumentação se baseia na ideia, corroborada pela experiência internacional, de que a efetiva mitigação da extrema desigualdade brasileira é uma questão de economia política. Demanda, assim, uma coalizão política e social comprometida com uma estratégia nacional de desenvolvimento que envolva, entre outros elementos, um arranjo institucional de políticas macro e microeconômicas redistributivas em que a gestão da moeda, do crédito e da dívida pública esteja coordenada com uma política fiscal baseada em uma estrutura tributária progressiva, gastos sociais focalizados (Benefício de Prestação Continuada, Bolsa Família etc.) e, não menos importante, gastos sociais universais em saúde e educação. Requer, portanto, mais Estado, e não menos - como de resto atestam as experiências de países que lograram moldar sociedades mais igualitárias.

Segue-se a esta introdução uma seção que descreve uma série de falhas e lacunas pontuais do artigo de Fraga, entre as quais: bibliografia restrita, uso exclusivo de fatos estilizados, viés na apresentação dos dados nas comparações internacionais, falta de clareza sobre as propostas sugeridas. A seção posterior analisa criticamente os limites mais importantes, em termos teóricos e políticos, do artigo de Fraga. O primeiro é a completa desconsideração dos efeitos da desigualdade das fontes primárias4 4 Decidiu-se empregar a noção de renda primária utilizada por Piketty, que é a renda bruta coletada em pesquisas domiciliares descontadas as transferências públicas e anterior à incidência dos impostos. Alguns autores a denominam renda privada ou de mercado (denominações que também serão aqui empregadas), ainda que a componham os salários pagos aos funcionários. Silveira (2008; 2012) e Silveira e Passos (2017) usam a expressão renda original. Deve-se ter presente o risco de tratar essa renda como resultado das interações de um mercado livre da interferência do governo. Como bem apontam Murphy e Nagel, “private property is a legal convention, defined in part by the tax system; therefore, the tax system cannot be evaluated by looking at its impact on private property, conceived as something that has independent existence and validity. Taxes must be evaluated as part of the overall system of property rights that they help to create. Justice or injustice in taxation can only mean justice or injustice in the system of property rights and entitlements that result from a particular tax regime” (2002, p. 8). de renda (mercado de trabalho, doações, aluguéis e rendimentos do capital) na incidência dos benefícios, que se soma à subestimação do efeito regressivo da tributação indireta; o segundo é sua proposta de redução de gastos do funcionalismo, que negligencia o caráter distributivo dos serviços universais e propõe de maneira velada a privatização de sua prestação. A última seção traz as considerações finais.

FALHAS E LACUNAS PONTUAIS

É possível ponderar que o texto de Fraga não é exatamente um artigo acadêmico, mas uma peça de intervenção política; ainda assim, é necessário apontar suas numerosas falhas e lacunas. Inúmeras afirmações são feitas de maneira peremptória, sem amparo na literatura - existente até mesmo para os propósitos normativos do artigo. Problemas distributivos das políticas públicas são discutidos com base tão somente no emprego de fatos estilizados. Apresentam-se dados contraditórios entre si sem o alerta do autor, e, quando são feitas comparações internacionais, constata-se tratamento diferenciado na seleção de países. Falta clareza também sobre as propostas sugeridas. Primeiramente, deve-se registrar que o texto incorre em um equívoco conceitual e na omissão de uma importante informação, a saber:

  • Quintis são valores separatrizes de quintos da renda bruta; analogamente, decis são separatrizes dos décimos da renda (Hoffmann; Botassio; Jesus, 2019_____; Botassio, D. C.; Jesus, J. G. Distribuição de renda: medidas de desigualdade, pobreza, concentração, segregação e polarização. 2. ed. São Paulo: Edusp, 2019., pp. 20-1). Ambos os termos (quintis e decis) são utilizados em várias partes do texto com o significado de quintos e décimos da distribuição.

  • O artigo não informa a medida da renda utilizada: é a renda domiciliar ou a renda domiciliar per capita? A questão se estende ao índice de Gini: a qual renda se refere? Depreende-se que é a renda domiciliar per capita, mas isso não está explicitado. O gráfico 3 (“Efeito líquido dos tributos e transferências sobre a renda das famílias”) utiliza a renda média domiciliar, o que pode levar ao engano de se considerar que nos outros gráficos também se trata dessa medida.

Essas são questões menores, que se diluem em meio a falhas e lacunas mais graves, sumariamente descritas a seguir.

1. Afirmações recorrentes sem o emprego de referências que as embasem/amparem

Este problema aparece em colocações e afirmações do autor sobre a eficiência do setor público e sobre a regressividade da tributação indireta. No primeiro ponto, reproduz-se a narrativa do senso comum de que os serviços públicos são de baixa qualidade e, dado o nível de gasto, ineficientes. Não há menção a estudos ou dados que sustentem tal afirmação, e isto é particularmente grave, pois estudos recentes problematizam e contradizem tal narrativa (ver próxima seção). São três as ocasiões em que isso ocorre:

  • Não há contradição entre os objetivos de crescer e distribuir no Brasil de hoje. O Estado arrecada mal […], gasta mal […] e sobra pouco para investir no social” (Fraga, 2019Fraga Neto, Arminio. “Estado, desigualdade e crescimento no Brasil”. Novos Estudos Cebrap, São Paulo, n. 115, set.-dez. 2019, pp. 613-34., p. 614). É interessante observar que, antes da afirmação, o autor assume não haver contradição entre crescer e distribuir, sugerindo uma mudança de posicionamento em relação à abordagem ortodoxa.

  • Dentre os muitos problemas destacam-se a má qualidade dos serviços públicos (objeto de crescentes queixas da população) e a precariedade dos empregos (a informalidade segue alta) e do saneamento (metade dos lares não tem esgoto adequado)” (idem, p. 616).

  • Os pobres pagam quase o mesmo imposto como proporção de sua renda que os mais ricos, mas recebem pouco em troca. O Estado não cumpre o seu papel, agindo com frequência como um Robin Hood às avessas” (idem, pp. 618-9).

O terceiro trecho citado remete também ao segundo ponto. Na avaliação dos impactos redistributivos da política fiscal - tributária e de gasto -, Fraga se restringe a dois trabalhos, desconsiderando uma série de artigos que apresentam estimativas e conclusões bem distintas das que ele apresenta e até opostas a elas. Lustig, por exemplo, analisando um painel de 28 países, conclui que:

the impact of specific instruments on inequality, net direct taxes and spending on education and health are always equalizing and net indirect taxes are equalizing in 19 countries [Brasil entre eles] of the 28. An examination of the relationship between pre-fiscal inequality and social spending (as a share of GDP) and fiscal redistribution suggests that there is no evidence of a “Robin Hood paradox”, the more unequal countries tend to spend more on redistribution and show a higher redistributive effect. (Lustig, 2017_____. Fiscal Policy, Income Redistribution and Poverty Reduction in Low- and Middle-Income Countries. Texto para discussão, n. 448, Washington, DC: Center for Global Development, jan. 2017. Disponível em: http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.2951735. Acesso em: 09/02/2020.
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, p. 3)

Retomaremos essa questão adiante.

2. Uso exclusivo de fatos estilizados na análise da distribuição de tributos e gastos por quintos de renda domiciliar per capita

A avaliação de efeitos de políticas e comportamentos “na margem” - no caso, por exemplo, o que aconteceria na desigualdade caso se transferisse um real a mais ou a menos mediante determinada política - é uma conquista da análise econômica, datada de mais de 150 anos. Sob essa perspectiva, distribuições de benefícios mais equânimes podem ser concentradoras, e incidências mais desiguais podem ser redistributivas. A avaliação depende da renda prévia à alocação de determinado gasto ou à incidência de determinado tributo, bem como dos efeitos (do gasto ou do tributo) resultantes sobre a renda. A avaliação do impacto distributivo depende do grau de concentração da renda, no caso a chamada renda primária (ou “de mercado”), pois aquilo que for menos concentrado que a distribuição dessa renda primária será distributivo. Ou seja, pode haver políticas redistributivas que concentram benefícios nos estratos medianos e imediatamente superiores. No caso dos benefícios ligados à formalidade no mercado de trabalho (isto é, contributivos), há, inevitavelmente, uma aderência à desigualdade no mercado de trabalho. É verdade que o sistema previdenciário poderia reduzir esse reflexo com redução das taxas de reposição dos trabalhadores de rendimentos melhores e mais estáveis. Logo, muito do targeting a não pobres de alguns gastos está associado aos públicos ou às oportunidades dos distintos estratos de renda.

3. Apresentação dos ganhos redistributivos com a política fiscal brasileira diante de países selecionados

Na análise dos efeitos redistributivos da tributação direta e das transferências monetárias públicas no Brasil, o autor corretamente lança mão da comparação internacional no Gráfico 5 (“Coeficiente de Gini antes e depois das transferências e tributos diretos: Brasil e OCDE, 2015 ou último ano disponível”). Embora sublinhe que, entre os países de maior desigualdade - Brasil, México, Chile, Turquia e Estados Unidos -, o Brasil é o que mais reduz sua desigualdade, Fraga o faz de maneira tímida e considera tal fato de pouca valia diante do nível de desigualdade que se alcança. Esse comportamento dos ganhos redistributivos em países com alta desigualdade mostra que a distribuição de renda primária (“de mercado”), ou seja, anterior à concessão de benefícios ou à incidência tributária, impõe limites aos ganhos da política fiscal. De um lado, em razão de que parcela expressiva dos benefícios está relacionada à afiliação ao mercado de trabalho formal e, portanto, guarda íntima conexão com os valores percebidos no trabalho - em outros termos, são benefícios de caráter contributivo. De outro lado, no que concerne aos tributos, sua incidência se correlaciona com a capacidade contributiva, o que em um país de renda média com grande desigualdade implica uma base de incidência reduzida. Vale ressaltar, no entanto, que há espaço redistributivo, uma vez que alguns países de renda e desigualdade relativamente elevada (Grécia, Portugal, Irlanda) apresentam efeitos redistributivos mais expressivos.

A seguir, é apresentado o Gráfico 6 (“Brasil: Transferências sociais como % da renda para primeiro e último decil [sic]”),5 5 Título, a rigor, inapropriado, uma vez que se trata de uma comparação internacional. que traz “outra forma de se visualizar o impacto da ação do Estado sobre a distribuição de renda[, que] é comparar o valor das transferências sociais como proporção da renda do primeiro e do décimo decis [sic] da renda” (Fraga, 2019Fraga Neto, Arminio. “Estado, desigualdade e crescimento no Brasil”. Novos Estudos Cebrap, São Paulo, n. 115, set.-dez. 2019, pp. 613-34., p. 618). O gráfico restringe a análise a países europeus da OCDE, mostrando que, de fato, as transferências distribuem pouco na comparação com a experiência europeia, sem, contudo, cotejar com países de nível de desenvolvimento e de renda mais próximos do Brasil.

Ademais, enquanto no Gráfico 5 constam 36 países, no Gráfico 6 o conjunto de países é bem inferior (20). Cabe destacar que os países descartados - sem que nenhuma razão fosse apontada - seriam bem mais adequados para se comparar ao caso brasileiro, uma vez que exibem níveis de desigualdade pouco inferiores aos do Brasil, mas têm ganhos redistributivos decorrentes da política fiscal direta - tributos diretos e transferências públicas monetárias - bastante restritos.

4. Clareza na contabilidade final da proposta

Nas considerações finais, o autor propõe um conjunto de reformas com vistas a reduzir “diretamente a desigualdade e, ao mesmo tempo, abrir relevante espaço fiscal para investimentos sociais” (Fraga, 2019Fraga Neto, Arminio. “Estado, desigualdade e crescimento no Brasil”. Novos Estudos Cebrap, São Paulo, n. 115, set.-dez. 2019, pp. 613-34., p. 631). A economia estimada com a reforma do funcionalismo, da previdência e dos subsídios seria de nove pontos percentuais do PIB. Desses nove pontos, três se destinariam a uma recuperação crível e estrutural da saúde financeira do Estado brasileiro - portanto, à obtenção de superávits primários visando à redução da relação dívida/PIB. Surge aqui um quebra-cabeça difícil de solucionar: dado que, dos nove pontos percentuais do PIB, três adviriam da eliminação de subsídios e isenções (o que implica aumento da carga tributária), quanto e como se diminuiria a carga, dado que esse corte é um componente de aumento dela? O autor não fornece uma resposta, apontando tão somente a possibilidade de se reduzir o Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) ao afirmar que “[a] tributação da renda das empresas no Brasil deve acompanhar a tendência de queda observada internacionalmente” (idem, p. 629). Ou seja, a redução dos gastos tributários e dos subsídios seria empregada para reduzir as alíquotas dos impostos sobre a pessoa jurídica, sem apontar outras medidas que venham a diminuir a carga tributária.

Também não há detalhamento sobre como seriam incrementados os chamados investimentos sociais, visto que nesses o gasto com pessoal predomina. O texto não aponta como se realizaria esse aumento nem em quantos pontos percentuais ele consistiria, assim como para os chamados outros investimentos de elevados retornos sociais (infraestrutura, pesquisa básica etc.). Sente-se falta, portanto, de maior clareza na exposição de como se alcançariam os principais objetivos da proposta: geração de superávit, aumento dos investimentos sociais, redução de isenções, desonerações e subsídios, redução da carga tributária e dos gastos com funcionalismo.

LIMITES TEÓRICOS E POLÍTICOS

1. Impactos redistributivos da tributação e do gasto social

É crucial observar, desde já, que o principal problema da análise distributiva do artigo (para além do citado uso excessivo de fatos estilizados) é a completa desconsideração dos efeitos da desigualdade das fontes primárias de renda (mercado de trabalho, doações, aluguéis e rendimentos do capital) na incidência dos benefícios e no potencial redistributivo. Na avaliação dos efeitos redistributivos, o autor compara os valores do índice de Gini antes e depois da concessão de benefícios e da incidência dos tributos diretos em termos absolutos, o que não permite conclusões mais robustas, devendo-se, para tanto, avaliar os ganhos relativos. Ademais, a análise dos impactos redistributivos da política fiscal não pode se restringir à distribuição dos benefícios e tributos segundo a renda - tanto a anterior à concessão/incidência como a posterior -, sendo fundamental o uso dos coeficientes de concentração e dos índices de progressividade de Kakwani, entre outros (Hoffmann, 2007Hoffmann, Rodolfo. “Medindo a regressividade das transferências”. In: Barros, Ricardo Paes de; Foguel, Miguel Nathan; Ulyssea, Gabriel (orgs.). Desigualdade de renda no Brasil: uma análise da queda recente. Brasília: Ipea, 2007.; Silveira, 2008_____. Tributação, previdência e assistência sociais: impactos distributivos. Tese (doutorado em economia). Campinas, Unicamp, 2008.). Essa abordagem apresenta os efeitos redistributivos considerando alterações marginais nos benefícios e/ou nos tributos e o perfil da distribuição da renda pretérita à ação fiscal.

Fraga apresenta poucos números que de fato indiquem quão concentradoras de renda são a previdência e seus regimes. São questões abordadas em diversos trabalhos recentes, com metodologias robustas, como o emprego dos coeficientes de concentração e da decomposição do índice de Gini. Hoffmann (2010_____. “Desigualdade da renda e das despesas per capita no Brasil, em 2002-2003 e 2008-2009, e avaliação do grau de progressividade ou regressividade de parcelas da renda familiar”. Economia e sociedade, v. 19, n. 3, 2010, pp. 647-61. Disponível em: www.scielo.br/pdf/ecos/v19n3/10.pdf. Acesso em: 09/02/2020.
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), Souza et al. (2019_____ et al. Os efeitos do Programa Bolsa Família sobre a pobreza e a desigualdade: um balanço dos primeiros quinze anos. Texto para discussão, n. 2.499. Rio de Janeiro: Ipea, ago. 2019. Disponível em: http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/9356/1/td_2499.pdf. Acesso em: 09/02/2020.
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), Medeiros e Souza (2013Medeiros, Marcelo; Souza, Pedro Herculano G. F. de. Gasto público, tributos e desigualdade de renda no Brasil. Texto para discussão, n. 1.844, Brasília: Ipea, jun. 2013. Disponível em: Disponível em: www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/TDs/td_1844b.pdf . Acesso em: 09/02/2020.
www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PD...
), Silveira e Passos (2017_____; Passos, Luana. “Impactos distributivos da tributação e do gasto social - 2003 a 2008”. In: Afonso, José Roberto et al. (orgs.). Tributação e desigualdade. Belo Horizonte: Letramento, 2017, pp. 451-500.), Soares e Bloch (2019_____; Bloch, Carolina. Distributive Impacts of Social Security Financing in Brazil. Texto para discussão, n. 244, Brasília: Ipea, ago. 2019. Disponível em: http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/9306/1/DP_244.pdf. Acesso em: 09/02/2020.
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) e Lustig (2016aLustig, Nora. “Fiscal Policy, Income Redistribution and Poverty Reduction in Latin America: Bolivia, Brazil, Chile, Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Mexico, Peru and Uruguay”. In: Besley, Timothy (org.). Contemporary Issues in Development Economics. Londres: Palgrave Macmillan, 2016a, pp. 11-8. Disponível em: Disponível em: https://link.springer.com/chapter/10.1057/9781137529749_2 . Acesso em: 09/02/2020.
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, 2016b_____. “Inequality and Fiscal Redistribution in Middle Income Countries: Brazil, Chile, Colombia, Indonesia, Mexico, Peru and South Africa”. Journal of Globalization and Development, v. 7, n. 1, Berlim, 2016b. Disponível em: www.degruyter.com/downloadpdf/j/jgd.2016.7.issue-1/jgd-2016-0015/jgd-2016-0015.pdf. Acesso em: 09/02/2020.
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, 2017_____. Fiscal Policy, Income Redistribution and Poverty Reduction in Low- and Middle-Income Countries. Texto para discussão, n. 448, Washington, DC: Center for Global Development, jan. 2017. Disponível em: http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.2951735. Acesso em: 09/02/2020.
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) são exemplos de estudos cujos achados fortaleceriam a justificativa para se reformar a previdência, bem como medidas afeitas ao funcionalismo, tema tratado mais adiante. O autor se restringe a fatos estilizados, que dizem pouco e simplificam a questão, pois, como exemplo, a reforma da previdência aprovada há pouco tempo muito provavelmente apresentará resultados redistributivos semelhantes aos simulados por Souza, Paiva e Vaz (2018_____; Paiva, Luis Henrique; Vaz, Fabio Monteiro. Efeitos redistributivos da reforma da previdência. Texto para discussão, n. 2.424. Brasília: Ipea, out. 2018. Disponível em: http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/8900/1/td_2424.pdf. Acesso em: 09/02/2020.
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) em relação à emenda aglutinativa da reforma do Governo Michel Temer, ou seja, não expressivos.

Em outro momento, o autor apresenta estudos que mostram uma queda pouco expressiva na desigualdade, dada a subdeclaração dos rendimentos, notadamente entre os mais ricos. Esses estudos lançaram mão justamente dos registros administrativos fiscais. Interessante notar que, ao analisar a incidência tributária, Fraga recorre a um artigo (SEAE/MF, 2017Secretaria de Acompanhamento Econômico (Seae-MF). Efeito redistributivo da política fiscal no Brasil. Brasília: Seae-MF, dez. 2017. Disponível em: Disponível em: https://www.gov.br/fazenda/pt-br/centrais-de-conteudos/publicacoes/boletim-de-avaliacao-de-politicas-publicas/arquivos/2017/efeito_redistributivo_12_2017.pdf/view . Acesso em: 09/02/2020.
https://www.gov.br/fazenda/pt-br/centrai...
) que tem por parâmetro da incidência as despesas, o que se justificaria pelo fato de elas melhor representarem a chamada “renda permanente”, permitindo, ademais, “equacionar” os déficits orçamentários dos mais pobres. Assim, na análise da incidência, lança mão de estimativas que tratam tão somente da subdeclaração de rendas dos mais pobres, sem, portanto, realizar ajustes para os mais ricos. Ajuste esse que se faz presente, porém, quando Fraga discute a queda ou não da desigualdade entre o início dos anos 2000 e 2015.

Avaliar a incidência da tributação indireta tendo as despesas (consumo) como parâmetro distributivo implica a aderência às hipóteses da “suavização do consumo” e da “renda permanente”, formuladas originalmente por Milton Friedman (1957Friedman, Milton. A Theory of the Consumption Function. Princeton: Princeton University Press, 1957.).6 6 Tal aderência sugere certa dificuldade do autor em se desapegar totalmente da teoria neoclássica e, portanto, da ortodoxia. Em seu trabalho pioneiro sobre a hipótese de renda permanente, que se tornou o substrato teórico ortodoxo do aparato da tributação ótima (e do trade-off entre equidade e eficiência), Friedman argumentou que a correlação positiva entre a renda e a taxa de poupança observada em dados cross-section refletia o fato de os indivíduos alterarem suas poupanças, visando “sua­vizar” seu consumo diante de perspectivas futuras de rendimentos temporariamente altos ou baixos. Subjaz a essa teoria a hipótese da proporcionalidade, segundo a qual indivíduos com alta renda permanente consomem (e poupam) a mesma fração da renda que indivíduos com baixa renda permanente.

O estudo de Dynan et al. (2004Dynan, Karen E. et al. “Do the Rich Save More?”. Journal of Political Economy, Chicago, v. 112, n. 2, abr. 2004, pp. 397-444. Disponível em: Disponível em: www.jstor.org/stable/10.1086/381475 . Acesso em: 09/02/2020.
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) que testou diversas especificações de modelos de renda permanente (incluindo transferências e pensões, heranças, motivos precaucionais relacionados a idade e/ou saúde) com base em microdados de pesquisas de orçamento familiar norte-americanas mostra que empiricamente não se verifica a hipótese da proporcionalidade. Isto é, nos estratos superiores da distribuição, as taxas de poupança são substancialmente maiores que nos inferiores - e, simetricamente, a participação do consumo na renda dos mais pobres é desproporcionalmente maior que a dos mais ricos.

Adotar o consumo como parâmetro implica necessariamente, portanto, a suavização dos impactos distributivos na análise da incidência da tributação indireta. Trata-se de uma abordagem teórico-metodológica de justificação particularmente difícil numa estrutura distributiva desigual como a brasileira. É por isso que o usual em análise de incidência é o emprego da renda como parâmetro, podendo-se imputar a subdeclaração tanto entre os pobres como entre os ricos - por meio das despesas, para os primeiros, e do ajuste pelos dados da Receita Federal, para os últimos. Lustig (2016aLustig, Nora. “Fiscal Policy, Income Redistribution and Poverty Reduction in Latin America: Bolivia, Brazil, Chile, Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Mexico, Peru and Uruguay”. In: Besley, Timothy (org.). Contemporary Issues in Development Economics. Londres: Palgrave Macmillan, 2016a, pp. 11-8. Disponível em: Disponível em: https://link.springer.com/chapter/10.1057/9781137529749_2 . Acesso em: 09/02/2020.
https://link.springer.com/chapter/10.105...
; 2016b_____. “Inequality and Fiscal Redistribution in Middle Income Countries: Brazil, Chile, Colombia, Indonesia, Mexico, Peru and South Africa”. Journal of Globalization and Development, v. 7, n. 1, Berlim, 2016b. Disponível em: www.degruyter.com/downloadpdf/j/jgd.2016.7.issue-1/jgd-2016-0015/jgd-2016-0015.pdf. Acesso em: 09/02/2020.
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), Zockun (2017Zockun, Maria Helena. “Equidade na tributação”. In: Afonso, José Roberto et al. (orgs.). Tributação e desigualdade. Belo Horizonte/Rio de Janeiro: Letramento/Casa do Direito/FGV Direito Rio, 2017.), Silveira et al. (2013_____. et al. Fiscal Equity: Distributional Impacts of Taxation and Social Spending in Brazil. Texto para discussão, n. 115, Brasília: IPC/UNDP, out. 2013. Disponível em: https://ssrn.com/abstract=2547949. Acesso em: 09/02/2020.
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) e Vianna et al. (2000Vianna, Salvador Werneck et al. Carga tributária direta e indireta sobre as unidades familiares no Brasil: avaliação de sua incidência nas grandes regiões urbanas em 1996. Texto para discussão, n. 757. Brasília: Ipea, set. 2000. Disponível em: Disponível em: http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/2357/1/TD_757.pdf . Acesso em: 09/02/2020.
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), entre outros que empregam a renda como parâmetro de incidência, apresentam números bem divergentes dos apresentados pelo artigo citado pelo autor. Não resta dúvida de que a tributação indireta é regressiva, uma vez que entre os mais pobres as despesas de consumo respondem por 92% da renda, enquanto entre os mais ricos essa participação é da ordem de –, segundo a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) 2017/2018.

O autor sequer menciona tal controvérsia na literatura, ignorando que a utilização do consumo como parâmetro (isto é, o uso das despesas como denominador) implica necessariamente uma atenuação da incidência. A metodologia empregada ajusta a renda dos mais pobres, ou seja, reduz a desigualdade pelo uso das despesas como parâmetro de incidência. Tal escolha tem impacto concentrador pouco significativo dos impostos indiretos no esquema de renda, o que é ilustrado pelo Gráfico 4 (“Coeficiente de Gini em cada estágio da distribuição de renda”). Trata-se de um resultado totalmente distinto dos obtidos por Silveira et al. (2013_____. et al. Fiscal Equity: Distributional Impacts of Taxation and Social Spending in Brazil. Texto para discussão, n. 115, Brasília: IPC/UNDP, out. 2013. Disponível em: https://ssrn.com/abstract=2547949. Acesso em: 09/02/2020.
https://ssrn.com/abstract=2547949...
) e Zockun (2017Zockun, Maria Helena. “Equidade na tributação”. In: Afonso, José Roberto et al. (orgs.). Tributação e desigualdade. Belo Horizonte/Rio de Janeiro: Letramento/Casa do Direito/FGV Direito Rio, 2017.). É apenas por isso, por se restringir a observar a incidência dos tributos indiretos como razão das despesas de consumo, que o autor pode afirmar que “chama a atenção a horizontalidade da incidência, ou seja, a tributação dos vários quintis [sic] é aproximadamente a mesma, subindo levemente no último” (Fraga, 2019Fraga Neto, Arminio. “Estado, desigualdade e crescimento no Brasil”. Novos Estudos Cebrap, São Paulo, n. 115, set.-dez. 2019, pp. 613-34., p. 616).

Na discussão das estimativas da prevalência e do potencial redistributivo do gasto social, o autor enfoca somente as transferências monetárias, sem apresentar dados da provisão pública de saúde e educação.7 7 Estimativas desses gastos, bem como de seus impactos distributivos, foram desenvolvidas em Lustig (2016a, 2016b) e Silveira et al. (2013). Essa ausência é grave porque Fraga seguidamente discorre sobre essa provisão com foco na qualidade, mas nada afirma em relação a seu impacto redistributivo. Além dos trabalhos citados, estudos de pesquisadores da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) apontam para a magnitude dos gastos em saúde e educação públicas em termos redistributivos (Gómez Sabaini et al., 2017Gómez Sabaini, Juan Carlos; Jiménez, Juan Pablo; Martner Fanta, Ricardo (orgs.). Consensos y conflictos en la política tributaria de América Latina. Santiago: Cepal, 2017.; Hanni et al., 2015Hanni, Michael; Martner Fanta, Ricardo; Podestá, Andrea. “El potencial redistributivo de la fiscalidad en América Latina”. Revista Cepal, n. 116, ago. 2015, pp. 7-26.).

E, como já mencionado, o baixo impacto apontado pelo autor quanto à previdência reflete o limite imposto pelo caráter contributivo, que fora reforçado pela reforma da previdência. Ainda que se tenham preservado os subsídios cruzados - piso de um salário mínimo (s.m.) com carência de quinze ou vinte anos de contribuição (aposentadoria por idade) e segurados especiais (rurais) -, as regras de concessão afetam os trabalhadores com renda inferior a dois s.m., por requererem extenso período de contribuição para que a taxa de desconto se reduza. Assim, não são afetadas apenas as taxas de reposição das maiores rendas no mercado de trabalho, mas também os trabalhadores de baixa renda com razoável (relativa) inserção no mercado de trabalho formal.

Pode-se afirmar que o Brasil tem apresentado ganhos importantes na política fiscal. Concretamente, a previdência social, no conjunto, é levemente progressiva: os benefícios de um salário mínimo e os inferiores ao teto do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) apresentam coeficientes de concentração inferiores ao índice de Gini da renda, logo são redistributivos. Nenhum dos dois apresenta valores negativos, ou seja, não são “pró-pobres”, com o coeficiente de concentração para as aposentadorias e pensões de um s.m. situando-se ao redor de 0,2/0,3, o que é bastante distributivo. De toda sorte, dado o volume gasto em previdência, seria esperado um melhor tratamento para as aposentadorias e pensões de maior valor, em que se verificam taxas de reposição bastante elevadas. E, como vimos, a proposta aprovada provavelmente terá poucos efeitos redistributivos, em especial diante do que seus defensores dizem em verso e prosa.

Já a tributação direta brasileira tem muito mais ganhos redistributivos a alcançar que a previdência, ainda que a base de contribuintes seja pequena. O espaço potencial para aprimoramentos reside na revisão tanto do tratamento dado a determinadas fontes de renda, notadamente lucros e dividendos distribuídos, quanto da concessão de isenções e deduções descoladas do espírito da política social de educação, saúde e assistência. A concessão de deduções educacionais implica um benefício mensal médio de valor superior ao do Bolsa Família destinado a crianças e adolescentes; as deduções de saúde, bem como a isenção aos aposentados e pensionistas com doenças crônicas, concentram-se entre os 5% mais ricos da população adulta (18 anos e mais) com rendimentos. E os benefícios aos rendimentos de aposentadorias e pensões para as pessoas com 65 anos ou mais implicam um aumento da taxa de reposição das aposentadorias (Silveira; Fernandes; Passos, 2019_____; _____; Fernandes, Rodrigo Cardoso. Benefícios fiscais do imposto sobre a renda da pessoa física e seus impactos redistributivos. Nota técnica, n. 97, Brasília: Disoc-Ipea, 2019.). Por que os 25% mais ricos recebem benefícios fiscais para o gasto privado em educação, saúde e assistência, que são direitos inscritos na Constituição e devem ser fornecidos universalmente para a população?8 8 É importante fazer a ponderação de que, no atual cenário, retirar renda disponível da chamada classe média alta pode ter efeitos negativos sobre o crescimento da economia.

Rodolfo Hoffmann, Sergei Soares, Pedro H. Souza, Marcelo Medeiros e outros têm publicado diversos estudos sobre os importantes efeitos redistributivos das políticas sociais. Os impactos redistributivos da valorização do salário mínimo tanto na previdência como no mercado de trabalho são evidenciados na queda do índice de Gini da renda domiciliar per capita apurada nas pesquisas domiciliares.

2. Qualidade dos serviços públicos e o custo do funcionalismo

Fraga considera dado que o setor público tem graves problemas de eficiência na oferta da provisão pública em saúde e educação, ou seja, que peca pela ineficiência. Esta seria ainda mais aguda, segundo ele, pelo custo da máquina pública. Nessa análise do custo da provisão e de sua qualidade, é recorrente lançar mão dos indicadores de gasto em relação ao PIB e os outcomes desse gasto para comparações internacionais. Grosso modo, afirma-se que, com carga tributária semelhante à da média dos países da OCDE, temos desempenho pífio em indicadores educacionais, de mobilidade urbana, das condições de habitação e de saúde. É raro que se analisem os resultados da política com base no indicador per capita dos gastos. Ora, os gastos públicos brasileiros por aluno, no caso da educação, e por habitante, no caso da saúde, são muito inferiores aos dos países centrais. Há de se lembrar que o Brasil é um país de renda média com alta desigualdade, o que restringe a base arrecadatória de fato à classe média alta e aos ricos, que ou bloqueiam iniciativas de maior tributação ou capturam as políticas de benefícios fiscais voltadas aos pequenos empresários, a trabalhadores autônomos e ao consumo de saúde e educação.

Vamos começar elencando alguns estudos que tratam do problema da eficiência, uma vez que o autor não lança mão de literatura acadêmica sobre o tema, restringindo-se tão somente a estudo do Banco Mundial (2017Banco Mundial. Um ajuste justo: análise da eficiência e equidade do gasto público no Brasil. Washington, DC: Banco Mundial, 2017.) mais dirigido às questões fiscais, com menor destaque aos aspectos distributivos (com uso de fatos estilizados) do funcionalismo e da eficiência (custo versus outcomes). Há estudos recentes que mostram problemas de qualidade na educação, como Para desatar os nós da educação: uma nova agenda, de João Batista Araújo e Oliveira (2019Oliveira, João Batista Araújo e. Para desatar os nós da educação: uma nova agenda. Brasília: Instituto Alfa e Beto, 2019.), e “A educação brasileira está melhorando? Evidências do Pisa e do Saeb”, de Martin Carnoy et al. (2015Carnoy, Martin et al. “A educação brasileira está melhorando? Evidências do Pisa e Saeb”. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 45, n. 157, jul.-set. 2015. Disponível em: Disponível em: www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-15742015000300450&lng=pt&tlng=pt . Acesso em: 09/02/2020.
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), entre outros. Vale ainda citar o trabalho de Sergei Soares (2017Soares, Sergei Suarez Dillon. O valor de mercado da educação pública. Texto para discussão , n. 2.324, Brasília: Ipea, 2017. Disponível em: Disponível em: http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/8064/1/td_2324.pdf . Acesso em: 09/02/2020.
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), que, mediante a valoração da educação pública pelos preços praticados pela educação privada (controlando por qualidade), conclui que o valor de mercado da educação pública se situa em patamar semelhante ao do valor calculado com base no gasto orçamentário com educação. Ou seja, por esta métrica - o patamar de gasto por aluno na educação privada -, o gasto público em educação no Brasil aparentemente é adequado. Não resta dúvida de que se trata de tema controverso. O ponto é que há estudos (recentes, robustos) sobre ele. Outro exemplo de estudo sobre eficiência para os temas da educação e da saúde é Avaliação da qualidade do gasto público e mensuração da eficiência, livro organizado por Rogério Boueri, Fabiana Rocha, e Fabiana Rodopoulos, da Secretaria do Tesouro Nacional, divulgado em 2015Boueri, Rogério; Rocha, Fabiana; Rodopoulos, Fabiana (orgs.). Avaliação da qualidade do gasto público e mensuração da eficiência. Brasília: Secretaria do Tesouro Nacional, 2015. Disponível em: Disponível em: http://www.br.undp.org/content/brazil/pt/home/library/prosperidade/avaliacao_gasto_publico.html . Acesso em: 09/02/2020.
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. No entanto, sobre esse assunto específico, Fraga não cita nenhum trabalho acadêmico.

Há um fato interessante a se observar no que respeita à questão da qualidade do serviço segundo a opinião da população. Em 2011, o Ipea realizou várias pesquisas de percepção da população - o Sistema de Indicadores de Percepção Social (Sips) -, uma das quais sobre serviços públicos de saúde. Entre os usuários do SUS, 27,6% o consideram ruim ou muito ruim, com 30,4% avaliando como bom ou muito bom. Entre os que não utilizavam o SUS, tais participações eram de 34,3% e 19,2%, respectivamente (Piola et al., 2011Piola, Sérgio Francisco et al. “Sips Saúde: percepção social sobre a saúde no Brasil”. In: Schiavinatto, Fábio (org.). Sistema de Indicadores de Percepção Social (Sips). Brasília: Ipea, 2011. Disponível em: Disponível em: www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/SIPS/110207_sipssaude.pdf . Acesso em: 09/02/2020.
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).

No que concerne ao debate sobre a eficiência do setor público, faltam estudos mais profundos, ficando a maior parte dos analistas presos ao senso comum de que o Estado brasileiro é ineficiente e oneroso. Há de se ter uma agenda de pesquisa voltada à eficiência para que possamos tecer propostas sobre bases mais firmes.

No caso do gasto com o funcionalismo e da presença de discriminação positiva nos rendimentos dos funcionários públicos, conta-se com um rico leque de informações e estudos. Apreende-se deles que a proporção de servidores públicos em relação à população no Brasil é inferior à média dos países centrais e similar à de países de renda média. De outro lado, o gasto com o funcionalismo no Brasil dista menos do de outros países, o que mostra que o funcionalismo conta com maiores rendimentos que a população ocupada no setor privado. Grande parte dessa diferença se deve aos melhores atributos dos servidores públicos, havendo, também, um prêmio salarial não explicado - a discriminação positiva.

Em meio ao vasto leque de estudos (Barbosa; Souza, 2012Barbosa, Ana Luiza Neves de Holanda; Souza, Pedro Herculano G. F. de. “Diferencial salarial público-privado e desigualdade dos rendimentos do trabalho no Brasil”. Boletim Mercado de Trabalho, n. 53, Brasília: Ipea, nov. 2012. Disponível em: Disponível em: http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/3854/1/bmt53_nt02_diferencial.pdf . Acesso em: 09/02/2020.
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; Belluzzo; Anuatti-Neto; Pazello, 2005Belluzzo, Walter; Anuatti-Neto, Francisco; Pazello, Elaine T. “Distribuição de salários e o diferencial público-privado no Brasil”. Revista Brasileira de Economia. Rio de Janeiro, v. 59, n. 4, out.-dez. 2005. Disponível em: Disponível em: www.scielo.br/pdf/rbe/v59n4/a01v59n4.pdf . Acesso em: 09/02/2020.
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; Souza; Medeiros, 2013Souza, Pedro Herculano G. F. de; Medeiros, Marcelo. “Diferencial salarial público-privado e desigualdade de renda per capita no Brasil”. Estudos Econômicos, São Paulo, v. 43, n. 1, jan.-mar. 2013. Disponível em: Disponível em: www.scielo.br/pdf/ee/v43n1/a01v43n1.pdf . Acesso em: 09/02/2020.
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; Braga, 2007Braga, Breno Gomide. Capital humano e o diferencial de salários público-privado no Brasil. Anais do XXXV Encontro Nacional de Economia, Recife, 2007. Disponível em: Disponível em: https://core.ac.uk/download/pdf/6357118.pdf . Acesso em: 09/02/2020.
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; Holanda, 2009Holanda, Ana Luiza Neves. Diferencial de salários entre os setores público e privado: uma resenha da literatura. Texto para discussão, n. 1.457. Rio de Janeiro: Ipea, dez. 2009. Disponível em: Disponível em: www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/TDs/td_1457.pdf . Acesso em: 09/02/2020.
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; Tenoury; Menezes-Filho, 2017Tenoury, Gabriel Nemer; Menezes-Filho, Naercio. A evolução do diferencial salarial público-privado no Brasil. Texto para discussão, n. 29, São Paulo: Insper, 2017.; Costa et al., 2020Costa, Joana Simões et al. “Heterogeneidade do diferencial salarial público-privado”. Boletim Mercado de Trabalho, n. 68, Brasília: Ipea, abr. 2020. Disponível em: Disponível em: http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/9991/1/bmt_68_Heterogeneidade_jornada.pdf . Acesso em: 09/02/2020.
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) que discutem a discriminação salarial positiva dos funcionários públicos, todos destacam a importância de avaliar de forma mais detalhada onde se situam os maiores desvios, inserindo nos diagnósticos aspectos institucionais, os relativos à questão de gênero, os ligados à aversão ao risco, bem como a heterogeneidade interna ao serviço público (Holanda, 2009Holanda, Ana Luiza Neves. Diferencial de salários entre os setores público e privado: uma resenha da literatura. Texto para discussão, n. 1.457. Rio de Janeiro: Ipea, dez. 2009. Disponível em: Disponível em: www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/TDs/td_1457.pdf . Acesso em: 09/02/2020.
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). No período 1995-2005, estudiosos observavam “que o diferencial a favor do setor público é maior na cauda inferior da distribuição de salários, declinando constantemente à medida que nos deslocamos em direção à cauda superior. A reversão da vantagem do setor público ocorre apenas em casos específicos” (Belluzzo; Anuatti-Neto; Pazello, 2005Belluzzo, Walter; Anuatti-Neto, Francisco; Pazello, Elaine T. “Distribuição de salários e o diferencial público-privado no Brasil”. Revista Brasileira de Economia. Rio de Janeiro, v. 59, n. 4, out.-dez. 2005. Disponível em: Disponível em: www.scielo.br/pdf/rbe/v59n4/a01v59n4.pdf . Acesso em: 09/02/2020.
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, p. 511). Esses autores ainda apontam que a remuneração dos profissionais da educação - e, agregamos, da saúde e da segurança - é fator importante para a qualidade do serviço público. Já Braga (2007Braga, Breno Gomide. Capital humano e o diferencial de salários público-privado no Brasil. Anais do XXXV Encontro Nacional de Economia, Recife, 2007. Disponível em: Disponível em: https://core.ac.uk/download/pdf/6357118.pdf . Acesso em: 09/02/2020.
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, p. 9) conclui que:

Enquanto na iniciativa privada indivíduos sem educação formal e com pouca experiência são penalizados com baixíssimos salários, estes são protegidos no setor público com salários bem superiores a sua produtividade potencial. […] para trabalhadores de alto capital humano, encontramos evidências fortes de que sua remuneração no setor público é inferior à que receberiam na iniciativa privada. […] Foi visto também que existe uma variação muito grande do diferencial de salários público-privado para os trabalhadores de maior qualificação quando consideramos diferentes agrupamentos de ocupação.

Em trabalho mais recente, Medeiros e Souza (2013Souza, Pedro Herculano G. F. de; Medeiros, Marcelo. “Diferencial salarial público-privado e desigualdade de renda per capita no Brasil”. Estudos Econômicos, São Paulo, v. 43, n. 1, jan.-mar. 2013. Disponível em: Disponível em: www.scielo.br/pdf/ee/v43n1/a01v43n1.pdf . Acesso em: 09/02/2020.
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) mostram que a discriminação positiva dos rendimentos dos funcionários públicos soma um valor correspondente a 3,5% da renda e responde por 5,7% do índice de Gini. Isso demonstra que os impactos redistributivos de uma equalização dos salários dos funcionários públicos em comparação aos assalariados formais do setor privado não seriam tão expressivos. De todo modo, o que vale salientar é a ausência no emprego dos trabalhos que apontam de modo claro quais e de que envergadura são os espaços redistributivos na política fiscal. Verdade que para os benefícios fiscais via Imposto sobre a Renda de Pessoas Físicas (IRPF) ou os regimes simplificados são mais raros os estudos focados na questão distributiva de tais políticas.

Cobrindo o período mais recente, Costa et al. (2020Costa, Joana Simões et al. “Heterogeneidade do diferencial salarial público-privado”. Boletim Mercado de Trabalho, n. 68, Brasília: Ipea, abr. 2020. Disponível em: Disponível em: http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/9991/1/bmt_68_Heterogeneidade_jornada.pdf . Acesso em: 09/02/2020.
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) verificam, assim como Tenoury e Menezes-Filho (2017Tenoury, Gabriel Nemer; Menezes-Filho, Naercio. A evolução do diferencial salarial público-privado no Brasil. Texto para discussão, n. 29, São Paulo: Insper, 2017.), que a discriminação positiva nos rendimentos dos funcionários públicos é da ordem de 39%, respondendo por 44% do diferencial salarial entre público e privado. Notam, contudo, que essa discriminação se concentra no nível federal e em carreiras jurídicas (Judiciário e Ministério Público) e da gestão pública (Tesouro, Política Monetária, Orçamento e Gestão e Planejamento), sendo bem menos expressiva nos estados e, em especial, nos munícipios. As carreiras docentes e de assistência à saúde, ademais, em geral não preveem prêmios salariais, e quando estes existem, são pouco significativos. Assim, medidas de mitigação do prêmio salarial não explicado por atributos devem, de um lado, ter presente a força política das carreiras efetivamente beneficiadas e, de outro, o cuidado de não precarizar as condições de trabalho daqueles que respondem pela educação, pela saúde e pela segurança públicas. Chama atenção o fato apontado por Costa et al. (2020Costa, Joana Simões et al. “Heterogeneidade do diferencial salarial público-privado”. Boletim Mercado de Trabalho, n. 68, Brasília: Ipea, abr. 2020. Disponível em: Disponível em: http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/9991/1/bmt_68_Heterogeneidade_jornada.pdf . Acesso em: 09/02/2020.
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) de que cerca de um terço dos funcionários públicos são informais, segundo a Pnad.

O artigo de Fraga não deixa claro se a economia de recursos com o funcionalismo adviria da revisão dos planos das carreiras que contam com discriminações positivas em relação ao setor privado ou da redução da população de servidores. Ao mesmo tempo, argumenta que a economia de recursos permitiria o incremento dos gastos sociais. Como isso seria possível? O incremento de gastos com saúde, educação e segurança se consubstancia, em grande medida, em despesas com os servidores dessas áreas, o que vai de encontro à proposta de enxugamento do setor público e redução dos gastos com o funcionalismo.

Embora seja pouco explícito quanto à maneira de economizar com o funcionalismo e de concretizar um maior gasto social, Fraga, a certa altura, parece sugerir que esse aumento do gasto social seja realizado por meio da contratação de serviços pelo setor privado ou da concessão de vouchers à população: “[…] o governo pode prover diretamente serviços nas áreas mencionadas acima [educação, saúde, infraestrutura, saneamento, transportes, segurança, meio ambiente], ou pode subcontratar o setor privado para fazê-lo […]” (Fraga, 2019Fraga Neto, Arminio. “Estado, desigualdade e crescimento no Brasil”. Novos Estudos Cebrap, São Paulo, n. 115, set.-dez. 2019, pp. 613-34., p. 620). Aparentemente, o autor considerou suficientes suas próprias afirmações acerca da baixa eficiência do setor público e concluiu que os caminhos a seguir são outros que não a provisão pública.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O artigo de Arminio Fraga segue a (bem-vinda) tendência atual do pensamento econômico ortodoxo de não pressupor o trade-off entre crescimento e equidade (outrora muito caro à ortodoxia), especialmente em relação ao uso de instrumentos tributários para fins redistributivos. E está parcialmente correto em mostrar como os chamados gastos tributários são uma das fontes de desigualdade, a exemplo dos regimes simplificados e dos benefícios a certas fontes de renda.

Sua análise do impacto redistributivo da política fiscal mostra o baixo efeito dos impostos diretos, bem como o efeito nulo da previdência, a despeito de subsídios às baixas aposentadorias e da cobertura quase universal. A tributação indireta é vista como um problema menor por ser pouco regressiva, avaliação que deriva da adoção do consumo como parâmetro para inferir sua incidência - método em relação ao qual temos divergências. Nesse sentido, o autor centra suas baterias sobre instrumentos que hoje têm pouca efetividade na redução da desigualdade, notadamente os tributos diretos e os gastos tributários, bem como o gasto previdenciário e assistencial.

No entanto, como este texto procurou mostrar, há vários problemas no artigo, alguns deles bastante sérios. Sua avaliação extremamente negativa do Estado brasileiro se baseia em argumentos do senso comum, desconsiderando ampla bibliografia empírica disponível, inclusive estudos recentes que quantificam os impactos progressivos dos gastos públicos em saúde e educação. A análise distributiva das políticas públicas é feita numa perspectiva absolutamente estática, o que se reflete no recurso exclusivo a fatos estilizados e na desconsideração dos limites que a desigualdade das fontes privadas de renda (mercado de trabalho, doações, aluguéis e rendimentos do capital) impõe sobre a prevalência dos benefícios - notadamente os de caráter contributivo - e sobre a base de arrecadação dos tributos diretos. Ou seja, o potencial redistributivo tanto do gasto social como da tributação está intimamente relacionado ao nível de renda e da desigualdade no mercado de trabalho e/ou das rendas percebidas privadamente.

O artigo de Fraga peca ainda por apresentar propostas audaciosas sem o devido detalhamento nem explicitação mínima das estratégias para sua execução, como o caminho para o crescimento do investimento social que não implique aumento dos gastos com pessoal. Equivoca-se, também, ao resumir a segregação positiva aos servidores públicos a um dado médio, sem os cuidados de analisar as especificidades das carreiras e dos profissionais beneficiados por ela e não penalizar aquelas discriminações que mitigam o trabalho precário no mercado de trabalho do setor privado.

Dois comentários finais. Primeiro, falta apontar as razões para defender um superávit primário com a envergadura e a duração propostas, uma vez que, com os sucessivos ajustes fiscais que vêm ocorrendo nos últimos anos, “as finanças públicas atingiram a região de estabilidade da dívida pública […] quando se analisa o resultado primário estrutural do Setor Público, por meio da medida divulgada pela SPE [Secretaria de Política Econômica do Ministério da Economia] e pelo Observatório de Política Fiscal” (Pires, 2019Pires, Manoel. “Política fiscal reloaded”. Blog do Ibre, Rio de Janeiro, 12/09/2019. Disponível em: Disponível em: https://blogdoibre.fgv.br/posts/politica-fiscal-reloaded . Acesso em: 09/02/2020.
https://blogdoibre.fgv.br/posts/politica...
). E, segundo, chama atenção a ausência completa de referências do autor a um aspecto fundamental da política fiscal - a dívida pública - que possui elevado potencial redistributivo, inclusive em perspectiva intergeracional.9 9 Na verdade, há referência apenas na defesa, desamparada de qualquer evidência empírica ou teórica, de um número taumatúrgico para o patamar da dívida pública (50% do PIB), acima do qual a economia brasileira estaria sujeita a crises de confiança. Em artigo recente, Magalhães e Costa (2018) discutem os limites institucionais para o direcionamento da dívida pública (e do mercado de capitais) a investimentos com potencial redistributivo (por exemplo, um amplo programa nacional de habitação e/ou de infraestrutura e mobilidade urbana), no contexto de uma economia financeirizada. Essa ausência se faz ainda mais sentida quando se consideram a formação e a trajetória do autor, bem-sucedido investidor do mercado financeiro e gestor de bilionárias carteiras de investimentos.

A desigualdade no Brasil possui antigas e fundas estruturas, e não há dúvida de que sua efetiva redução (no prazo de uma geração) requer a formação de uma coalizão política ampla (Vianna, 2020Vianna, Luiz Werneck. “Brasil vive uma guerra de posições: ‘Estamos num momento de empate; não de impasse’”. IHU On-line, São Leopoldo, 13/01/2020. Disponível em: Disponível em: www.ihu.unisinos.br/595518-brasil-vive-uma-guerra-de-posicoes-estamos-num-momento-de-empate-nao-de-impasse-entrevista-especial-com-luiz-werneck-vianna . Acesso em: 09/02/2020.
www.ihu.unisinos.br/595518-brasil-vive-u...
),10 10 Essa questão é desenvolvida pelo sociólogo Luiz Werneck Vianna, em entrevista recente. Disponível em: www.ihu.unisinos.br/595518-brasil-vive-uma-guerra-de-posicoes-estamos-num-momento-de-empate-nao-de-impasse-entrevista-especial-com-luiz-werneck-vianna. Acesso em: 09/02/2020. capaz de persuadir a sociedade e mobilizar os recursos e as energias necessários para essa finalidade. Neste sentido, reitere-se, é positivo o papel que uma figura pública como Arminio Fraga vem desempenhando - de atenção à questão social e de contestação a um “neoliberalismo primitivo” que ora viceja -, de que é exemplo o artigo aqui discutido. É imperioso, porém, que se façam um diagnóstico e uma estratégia rigorosos e informados para embasar tal coalizão. À luz do que foi discutido, é forçoso concluir que sua contribuição é de pouco proveito para esses propósitos.

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  • Zockun, Maria Helena. “Equidade na tributação”. In: Afonso, José Roberto et al (orgs.). Tributação e desigualdade Belo Horizonte/Rio de Janeiro: Letramento/Casa do Direito/FGV Direito Rio, 2017.
  • 2
    A referência canônica na literatura neoclássica é o livro de Joseph Stiglitz Economics of the Public Sector (Stiglitz, 2000 [1986]Stiglitz, Joseph. Economics of the Public Sector. 3. ed. Nova York: W. W. Norton & Company, 2000.), atualmente na quarta edição (publicada em 2015). Mankiw et al. (2009Mankiw, N. Gregory, Weinzierl, Matthew C.; Yagan, Danny F. “Optimal Taxation in Theory and Practice”. Journal of Economic Perspectives, Cambridge, MA, v. 23, n. 4, 2009, pp. 147-74.) fazem excelente compilação e crítica da literatura dos anos 1970 e 1980 sobre tributação ótima.
  • 3
    Gobetti e Orair, (2016Gobetti, Sérgio; Orair, Rodrigo. Progressividade tributária: a agenda negligenciada. Texto para discussão, n. 2.190, Rio de Janeiro: Ipea, 2016.), Fernandes, Campolina e Silveira (2019Fernandes, Rodrigo Cardoso; Diniz, Bernardo Palhares Campolina; Silveira, Fernando Gaiger. Imposto de renda e distribuição de renda no Brasil. Texto para discussão, n. 2.449, Brasília/Rio de Janeiro: Ipea, 2019.), Medeiros e Souza (2013Medeiros, Marcelo; Souza, Pedro Herculano G. F. de. Gasto público, tributos e desigualdade de renda no Brasil. Texto para discussão, n. 1.844, Brasília: Ipea, jun. 2013. Disponível em: Disponível em: www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/TDs/td_1844b.pdf . Acesso em: 09/02/2020.
    www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PD...
    ), Orair e Gobetti (2018Orair, Rodrigo; Gobetti, Sérgio. “Reforma tributária no Brasil: princípios norteadores e propostas em debate”. Novos Estudos Cebrap, São Paulo, n. 37, v. 2, 2018, pp. 213-44.), e Silveira, Passos e Guedes (2018_____; _____; Guedes, Dyeggo Rocha. “Reforma tributária no Brasil: por onde começar?”. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, n. 42, 2018, pp. 212-25.) são exemplos de trabalhos que analisam mudanças tributárias com objetivos distributivos.
  • 4
    Decidiu-se empregar a noção de renda primária utilizada por Piketty, que é a renda bruta coletada em pesquisas domiciliares descontadas as transferências públicas e anterior à incidência dos impostos. Alguns autores a denominam renda privada ou de mercado (denominações que também serão aqui empregadas), ainda que a componham os salários pagos aos funcionários. Silveira (2008_____. Tributação, previdência e assistência sociais: impactos distributivos. Tese (doutorado em economia). Campinas, Unicamp, 2008.; 2012Silveira, Fernando Gaiger. Equidade fiscal: impactos distributivos da tributação e do gasto social. XVII Prêmio Tesouro Nacional, Brasília: Esaf/Secretaria do Tesouro Nacional, 2012.) e Silveira e Passos (2017_____; Passos, Luana. “Impactos distributivos da tributação e do gasto social - 2003 a 2008”. In: Afonso, José Roberto et al. (orgs.). Tributação e desigualdade. Belo Horizonte: Letramento, 2017, pp. 451-500.) usam a expressão renda original. Deve-se ter presente o risco de tratar essa renda como resultado das interações de um mercado livre da interferência do governo. Como bem apontam Murphy e Nagel, “private property is a legal convention, defined in part by the tax system; therefore, the tax system cannot be evaluated by looking at its impact on private property, conceived as something that has independent existence and validity. Taxes must be evaluated as part of the overall system of property rights that they help to create. Justice or injustice in taxation can only mean justice or injustice in the system of property rights and entitlements that result from a particular tax regime” (2002Murphy, Liam; Nagel, Thomas. The Myth of Ownership: Taxes and Justice. Nova York: Oxford University Press, 2002., p. 8).
  • 5
    Título, a rigor, inapropriado, uma vez que se trata de uma comparação internacional.
  • 6
    Tal aderência sugere certa dificuldade do autor em se desapegar totalmente da teoria neoclássica e, portanto, da ortodoxia.
  • 7
    Estimativas desses gastos, bem como de seus impactos distributivos, foram desenvolvidas em Lustig (2016aLustig, Nora. “Fiscal Policy, Income Redistribution and Poverty Reduction in Latin America: Bolivia, Brazil, Chile, Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Mexico, Peru and Uruguay”. In: Besley, Timothy (org.). Contemporary Issues in Development Economics. Londres: Palgrave Macmillan, 2016a, pp. 11-8. Disponível em: Disponível em: https://link.springer.com/chapter/10.1057/9781137529749_2 . Acesso em: 09/02/2020.
    https://link.springer.com/chapter/10.105...
    , 2016b_____. “Inequality and Fiscal Redistribution in Middle Income Countries: Brazil, Chile, Colombia, Indonesia, Mexico, Peru and South Africa”. Journal of Globalization and Development, v. 7, n. 1, Berlim, 2016b. Disponível em: www.degruyter.com/downloadpdf/j/jgd.2016.7.issue-1/jgd-2016-0015/jgd-2016-0015.pdf. Acesso em: 09/02/2020.
    www.degruyter.com/downloadpdf/j/jgd.2016...
    ) e Silveira et al. (2013_____. et al. Fiscal Equity: Distributional Impacts of Taxation and Social Spending in Brazil. Texto para discussão, n. 115, Brasília: IPC/UNDP, out. 2013. Disponível em: https://ssrn.com/abstract=2547949. Acesso em: 09/02/2020.
    https://ssrn.com/abstract=2547949...
    ).
  • 8
    É importante fazer a ponderação de que, no atual cenário, retirar renda disponível da chamada classe média alta pode ter efeitos negativos sobre o crescimento da economia.
  • 9
    Na verdade, há referência apenas na defesa, desamparada de qualquer evidência empírica ou teórica, de um número taumatúrgico para o patamar da dívida pública (50% do PIB), acima do qual a economia brasileira estaria sujeita a crises de confiança. Em artigo recente, Magalhães e Costa (2018Magalhães, Luís Carlos G. de; Costa, Carla Rodrigues. Arranjos institucionais, custo da dívida pública e equilíbrio fiscal: a despesa “ausente” e os limites do ajuste estrutural. Texto para discussão, n. 2.043, Rio de Janeiro: Ipea, ago. 2018.) discutem os limites institucionais para o direcionamento da dívida pública (e do mercado de capitais) a investimentos com potencial redistributivo (por exemplo, um amplo programa nacional de habitação e/ou de infraestrutura e mobilidade urbana), no contexto de uma economia financeirizada.
  • 10
    Essa questão é desenvolvida pelo sociólogo Luiz Werneck Vianna, em entrevista recente. Disponível em: www.ihu.unisinos.br/595518-brasil-vive-uma-guerra-de-posicoes-estamos-num-momento-de-empate-nao-de-impasse-entrevista-especial-com-luiz-werneck-vianna. Acesso em: 09/02/2020.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Out 2020
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2020

Histórico

  • Recebido
    11 Fev 2020
  • Aceito
    03 Jul 2020
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