Resumos
Utilizando a metodologia VAR estrutural, estimamos a série mensal da taxa de juros natural brasileira, definida como sendo a taxa de juros real, que, quando vigente, mantém a inflação constante. Em um regime de metas de inflação, o conhecimento desta variável é importante para o Banco Central na determinação da trajetória de seu instrumento de política monetária. Verificamos que a taxa de juros real vigente no período que se estende de setembro de 2000 até dezembro de 2003 apresenta-se sistematicamente superior àquela e mais volátil. Com base em tal constatação, analisamos a qualidade da política monetária adotada no mesmo período.
taxa de juros natural; política monetária; VAR estrutural
Using a structural VAR model, we estimate the historical series of the Brazilian natural rate of interest, defined as the real interest rate that, when set, keeps inflation steady. In an inflation-targeting regime, the knowledge of this variable is critical to the Central Bank in order to define the path of his monetary policy instrument. We verify that the real interest rate practiced in Brazil in the period between September 2000 until December 2003 was systematically higher and more volatile than the natural rate. Based in this last fact, we analyze the stance of monetary policy in that period.
natural rate of interest; monetary policy; structural VAR
Estimando a taxa de juros natural para o Brasil: uma aplicação da metodologia VAR estrutural* * Os autores agradecem a Gilberto Tadeu Lima e a Vera Lucia Fava pelos valiosos comentários e sugestões, bem como a dois pareceristas anônimos da revista Estudos Econômicos. Também agradecem o suporte financeiro do CNPq e do Fundo Sasakawa. Os erros remanescentes e as opiniões expressas são de responsabilidade exclusiva dos autores.
Bráulio Lima BorgesI; Maximiliano Barbosa da SilvaII
IMestrando em Economia pelo IPE-USP. E-mail: blborges@usp.br
IIMestrando em Economia pelo IPE-USP. E-mail: mbs@usp.br
JEL Classification: C32, E43, E52
RESUMO
Utilizando a metodologia VAR estrutural, estimamos a série mensal da taxa de juros natural brasileira, definida como sendo a taxa de juros real, que, quando vigente, mantém a inflação constante. Em um regime de metas de inflação, o conhecimento desta variável é importante para o Banco Central na determinação da trajetória de seu instrumento de política monetária. Verificamos que a taxa de juros real vigente no período que se estende de setembro de 2000 até dezembro de 2003 apresenta-se sistematicamente superior àquela e mais volátil. Com base em tal constatação, analisamos a qualidade da política monetária adotada no mesmo período.
Palavras-chave: taxa de juros natural, política monetária, VAR estrutural
ABSTRACT
Using a structural VAR model, we estimate the historical series of the Brazilian natural rate of interest, defined as the real interest rate that, when set, keeps inflation steady. In an inflation-targeting regime, the knowledge of this variable is critical to the Central Bank in order to define the path of his monetary policy instrument. We verify that the real interest rate practiced in Brazil in the period between September 2000 until December 2003 was systematically higher and more volatile than the natural rate. Based in this last fact, we analyze the stance of monetary policy in that period.
Key words: natural rate of interest, monetary policy, structural VAR
INTRODUÇÃO
Nos debates recentes acerca da economia brasileira são cada vez mais freqüentes as opiniões críticas com relação à política monetária adotada pelo Banco Central nos últimos anos. Poucos são os economistas que negam a importância de manter a taxa de inflação estável e em níveis baixos. Porém, muitos são os críticos que alegam que nos últimos seis anos as taxas de juros reais praticadas1 1 A taxa de juros real praticada corresponde à taxa de juros nominal (SELIC, fixada pelo Banco Central) descontada a expectativa de inflação para os próximos doze meses. para este fim foram elevadas (13% ao ano, em média), comprometendo negativamente o consumo e o investimento, o que, por sua vez, reduz a capacidade de crescimento da economia. Prosseguir com esta estratégia, argumentam, significaria obter sucesso no controle inflacionário, porém, simultaneamente, implicaria reduzir a taxa de crescimento do produto a patamares subótimos, visto que seria possível estabilizar a economia com menor sacrifício em termos de nível de atividade e emprego.
Quatro hipóteses são apontadas para justificar níveis tão elevados de taxa de juros real. A primeira sugere que a taxa de juros não é utilizada apenas como instrumento de controle da inflação. Ao contrário, esta variável é utilizada pelo Banco Central para atender a outros objetivos, como, por exemplo, manter o Real sobrevalorizado, de modo a, além de controlar a inflação, não permitir uma elevação, em moeda nacional, do endividamento público e privado denominado em moeda estrangeira.
Já a segunda, levantada por Bresser Pereira e Nakano (2002), defende que podem existir múltiplos equilíbrios para a taxa de juros real, de tal forma que seria possível manter a taxa de inflação estável dentro dos limites estabelecidos pela meta de inflação com diferentes níveis de taxa de juros real. Desta forma, argumenta-se que o Brasil encontrar- se-ia em um equilíbrio perverso (ou em uma armadilha de juros) no qual seria necessária uma taxa de juros real muito elevada para manter a inflação sob controle.
Como veremos, no Brasil a taxa de juros necessária para manter a inflação sob controle é de cerca de 10% ao ano, enquanto que em países como o Chile e a Argentina basta uma taxa de juros real de 1% ou 2% ao ano - como ressalta Arida (2003). De acordo com Bresser Pereira e Nakano (2002), em artigo na Folha de São Paulo, "um país pode seguir à risca um modelo de meta de inflação como o usado pelo Banco Central quando vive tempos normais, quando não está em uma armadilha de juros altos da qual precisa necessariamente escapar. Para sair de um equilíbrio perverso, modelos assim podem ser contraproducentes."
A terceira explicação, apontada por Arida (2003), defende que as taxas de juros brasileiras são estruturalmente elevadas, e toda vez que o Banco Central tenta reduzi-las abaixo de um determinado limite inferior esbarra na inflação. Repare que aqui não há qualquer referência à possível existência de múltiplos equilíbrios. A explicação para níveis tão elevados de taxas de juros reais pode ser encontrada, conforme aponta o autor, na estrutura fiscal e trabalhista brasileira, que restringe a oferta de fundos emprestáveis.
Mais recentemente, uma quarta hipótese foi levantada por Arida, Bacha e Lara-Resende (2004): a incerteza jurisdicional brasileira (dentro da qual se encaixa, por exemplo, a não conversibilidade da taxa de câmbio nacional) estaria na raiz da explicação das altas taxas de juros reais domésticas.
No trabalho que se segue, utilizando-se da metodologia VAR Estrutural, estimamos, para o Brasil, a série mensal da taxa de juros natural, definida como a taxa de juros real, a qual, quando vigente, mantém a taxa de inflação constante no horizonte de atuação da política monetária. Em um regime de metas de inflação o conhecimento do comportamento desta variável permite ao Banco Central determinar a trajetória de seu instrumento de política monetária de modo a cumprir aquela meta, minimizando a volatilidade do nível de produto.
Munidos desta informação, podemos avaliar a hipótese de que a taxa de juros real praticada no País é compatível com o objetivo de manter a taxa de inflação constante. Se isto é verdade, então é de se esperar que a taxa de juros real praticada seja igual à taxa de juros real que mantém a inflação constante (supondo que a taxa natural seja única). Além disto, esta informação serve como um indicador relevante na tarefa de julgar a validade da primeira das hipóteses apontadas acima. Em outras palavras, é possível dizer se é razoável admitir que a política monetária responde a outras variáveis que não a inflação. Ademais, por meio da comparação entre as séries de taxa de juros praticada e da taxa de juros que mantém a inflação constante é possível avaliar quão vigoroso é o Banco Central no combate à inflação.
Este trabalho encontra-se dividido em quatro seções. Na primeira seção, discutimos a metodologia econométrica utilizada e apresentamos o modelo a ser estimado. A segunda seção dedica-se a descrever os dados utilizados na estimação. Na terceira seção apresentamos e analisamos os resultados obtidos, não apenas em termos econométricos, mas também sob a perspectiva da condução da política monetária. Finalmente, na última seção temos as considerações finais.
1. METODOLOGIA
1.1 VAR Estrutural
No artigo "Macroeconomics and Reality", de 1980, Sims critica os modelos macroeconométricos utilizados até então,2 2 Modelos de equações simultâneas, dentro da tradição da Cowles Comission. argumentando que aqueles (alguns dos quais com centenas de equações) continham muitas restrições "incríveis" de identificação (incredible identifying restrictions), eram modelos estáticos, não tratavam de forma correta a questão das expectativas e não representavam a estrutura probabilística dos dados. O autor sugere então uma nova abordagem para a modelagem macroeconométrica, a metodologia VAR (Vector Auto Regressive). Dentro de tal aparato, os modelos macroeconômicos são estimados na forma reduzida (irrestrita), com todas as variáveis sendo tratadas como endógenas dentro do sistema em questão.
É possível mostrar que os modelos VAR na forma reduzida retornam previsões ótimas (minimizam o erro quadrático médio de previsão) e, de fato, muitos trabalhos têm mostrado que tais modelos têm bom desempenho em previsões de curto prazo.3 3 Os livros de Maddala e Kim (1998) e de Favero (2001) contêm várias referências a esse respeito. Entretanto, para o propósito de se obter funções de impulso-resposta, decomposições de variância e mesmo testar teorias é preciso do modelo na forma estrutural. Contudo, para recuperar o modelo estrutural a partir da forma reduzida (identificação) são necessárias restrições, de modo a identificar os choques estruturais ou idiossincráticos (com interpretação econômica) a partir dos resíduos estimados no VAR irrestrito (a princípio, sem nenhuma interpretação econômica, já que são combinações lineares dos choques estruturais).
A primeira forma proposta para realizar a identificação é a decomposição triangular de Cholesky (Sims, 1980), na qual se adota uma estrutura recursiva no sistema que identifica os choques estruturais a partir dos resíduos (ou erros de previsão estimados). Apesar de prática e funcional, tal forma de identificação é um tanto ateórica e seus resultados são muito sensíveis ao ordenamento das variáveis de acordo com o seu "grau de endogeneidade". Como forma de superar tal problema, Sims (1986) e Bernanke (1986) propõem uma forma diferente de identificação, sendo esta feita a partir de restrições advindas da teoria econômica. Tais VARs passaram então a ser conhecidos como modelos VAR estrutural (ou SVAR). Dentre os esquemas de identificação estrutural mais conhecidos está o proposto por Blanchard e Quah (1989), que usando restrições de longo prazo derivadas de um modelo teórico decompõem o PNB dos Estados Unidos em seus componentes temporário e permanente. É exatamente este tipo de identificação, adaptada para nosso objetivo, que utilizaremos para estimar a taxa de juros natural, conforme mostrado abaixo.
1.2 Obtendo a Taxa de Juros Natural
Antes de prosseguirmos com as questões de natureza econométrica, convém delimitarmos o conceito de taxa de juros natural. Originalmente, Wicksell (1907) define taxa de juros natural como aquela que equilibra o mercado de fundos emprestáveis. De acordo com este autor, a esta taxa de juros, a taxa de inflação é zero. Não é este, entretanto, o conceito que adotamos neste trabalho. Seguindo a definição defendida por Blinder (1998), Fuhrer e Moore (1995), Laubach e Williams (2001), Archibald e Hunter (2001) e Brzoza-Brzezina (2003), a taxa de juros natural é aquela que mantém a taxa de inflação constante no horizonte de atuação da política monetária. Embora esta definição seja diferente do termo wickselliano original,4 4 Alguns preferem a denominação de taxa de juros real de equilíbrio. ela é de grande utilidade prática para a autoridade monetária, que necessita de um acompanhamento preciso de seu instrumento, sobretudo em um regime de metas de inflação tal como o adotado no Brasil nos últimos seis anos.
Assim, vamos admitir que o Banco Central, para atingir a sua meta para um determinado ano, necessite reduzir a taxa de inflação mensal. Conhecendo a taxa de juros natural tal como definida neste trabalho, a direção em que deve atuar é facilmente determinada: basta elevar a taxa de juros nominal de tal forma que a taxa de juros real torne-se superior à taxa de juros natural.
Feito este breve esclarecimento, nos dedicaremos, de agora em diante, a estimar a série histórica desta taxa para o Brasil.
Primeiramente, definamos o gap de juros como:
onde r e r* são, respectivamente, a taxa de juros natural e a taxa de juros real de mercado. Manipulando a expressão acima, chegamos a:
A partir deste momento suporemos que tanto a taxa de juros natural como o gap de juros seguem processos estocásticos estacionários. De acordo com o teorema da decomposição de Wold, que diz que qualquer processo estocástico estacionário pode ser expresso como a soma de um componente determinístico e um componente de médias móveis (MA - Moving Average) estocástico, é possível escrever a taxa de juros natural e o gap como:
onde Xi (L), i = 1, 2, são polinômios no operador defasagem tal que Xi (L) = yi(0) + yi(1)L + yi(2)L2 +...+ yi(s)Ls; ui,t, i = 1, 2, são choques idiossincráticos (ruídos brancos) a cada uma das respectivas variáveis e ai, i = 1, 2, são constantes relativas aos processos geradores das respectivas variáveis. Desta forma, com base nas expressões (2), (3) e (4), podemos escrever a taxa de juros real de mercado como:
Portanto, a taxa de juros real é afetada, em nosso sistema, por dois choques estruturais.
Com base na definição de taxa de juros natural adotada em nosso trabalho, podemos escrever a seguinte expressão:
onde D é o operador diferença e p é a taxa de inflação. Logo, a variação da inflação é proporcional (sob uma constante r) ao gap entre a taxa de juros real de mercado (instrumento de política monetária do Banco Central) e a taxa de juros natural. Também percebemos que a variação da inflação é afetada apenas pelo choque estrutural do gap.
Podemos resumir todas as constatações acima no seguinte sistema:
(7)
onde Sij (L), i = 1, 2 e j = 1, 2 são polinômios no operador defasagem tal que Sij (L) = si,j (0) + si,j (1)L + si,j (2)L2 +...+ si,j (m)Lm.
Entretanto, o sistema de equações (7) não é útil, na prática, para recuperar o vetor de choques estruturais. A estimação de um VAR na forma estrutural, como em (7), não é possível sem que se incorra em inconsistência das estimativas, devido à existência de endogeneidade - isto é, correlação entre as variáveis explicativas e os termos de erro.5 5 Vide Enders (1995). Para contornar este problema, antes de se obter a forma estrutural do modelo descrito acima estima-se um modelo na forma reduzida:
(8)
(9)
ou, em notação matricial:
(10)
onde Aij (L), i = 1,2 e j = 1,2 novamente é um polinômio no operador defasagem tal que Aij (L) = aij (0) + aij (1)L + aij (2)L2 +...+ aij (n)Ln e ki, i = 1,2, são as constantes do modelo na forma reduzida. Este modelo pode ser estimado de forma consistente e assintoticamente eficiente por Mínimos Quadrados Ordinários aplicados a cada uma das equações (8) e (9), uma vez que os mesmos regressores estão em ambas as equações.6 6 Caso não fosse esse o caso, o correto seria a estimação por meio de Máxima Verossimilhança. Sendo o VAR estimado acima estável, com todas as raízes do polinômio característico fora do círculo unitário,7 7 Tais condições são apresentadas em Lütkepohl (1995). é possível expressá-lo como um VMA (Vector Moving Average):
(11)
onde Cij (L) = [I - Aij (L)L]-1, i = 1, 2, j = 1, 2, I é uma matriz identidade 2x2, e bi são constantes tais que bi = ki×Cij (L), i = 1, 2, j = 1, 2.
Embora os resíduos do VAR irrestrito estimado em (10) sejam diferentes dos choques estruturais, é facilmente demonstrável que os primeiros são combinações lineares dos segundos. Logo, eles podem ser associados da seguinte forma:
(12)
Portanto, seria possível obter os choques estruturais caso os coeficientes Si,j (0), i = 1, 2 e j = 1, 2, fossem conhecidos. Assim, com o intuito de identificar o VAR na forma estrutural a partir da forma reduzida, precisamos impor quatro restrições na matriz S(L) em (7) de modo a recuperar a matriz S(0) acima. Seguindo Blanchard e Quah (1989), as restrições identificadoras que vamos impor são apresentadas a seguir.8 8 Devemos ressaltar que a principal limitação dos modelos SVAR é que, devido à baixa dimensão dos modelos geralmente estimados, a hipótese de ortogonalidade entre os choques idiossincráticos é bastante restritiva. Mais a respeito, ver Gottschalk (2001).
Em primeiro lugar, vamos assumir que a variância dos choques estruturais é igual à unidade, o que nos dá duas restrições:
Devemos lembrar que para se chegar às restrições acima é preciso levar em conta o fato de que a covariância entre os choques estruturais é zero. Uma outra restrição pode ser obtida notando-se que o choque u1,t, não tem impacto sobre Dp, como pode ser visto na equação (6). Assim poderíamos impor a restrição S1,1 (L)=0 na equação (7). No entanto, como (6) supostamente descreve relações de longo prazo, somente exigiremos que os choques na taxa de juros natural tenham efeito nulo sobre a variação da inflação no longo prazo, o que significa que não será permitido que tal choque afete permanentemente a inflação:
onde S1,1(1) é S1,1(L) em L = 1.
A última restrição será baseada no conhecimento de que a política monetária tem seu impacto sobre a inflação com alguma defasagem. Logo, podemos assumir que a inovação no gap, u2,t, não tem nenhum impacto sobre a variação da inflação no mês corrente:
Com base nas quatro restrições acima, depois de alguma álgebra (descrita em detalhe no Apêndice I APÊNDICE I no final deste trabalho), podemos recuperar os valores dos elementos da matriz S(0):
(17)
(18)
(19)
Com os choques estruturais recuperados, usando a equação (3) e o sistema (7), é possível recuperar a série histórica da taxa de juros natural a partir da seguinte expressão:
(20)
onde os coeficientes de Si,j (L) podem ser calculados a partir de:
que resulta da substituição de (7) e (11) em (12). Note que, apesar da existência de duas soluções para s1,1(0) e s2,1(0), a solução para a taxa de juros natural é única.
2. DADOS
A fim de estimar o modelo VAR apresentado na seção anterior e obter uma estimativa da taxa de juros natural é preciso, antes de qualquer coisa, obter as séries que fazem parte do sistema, a saber, a taxa de juros real de mercado e a série da variação da inflação.
A taxa de juros real de mercado foi obtida descontando-se a inflação projetada para os próximos doze meses da taxa SELIC fixada pelo Banco Central mensalmente (SELIC Target). A taxa SELIC é facilmente obtida no próprio site do Banco Central,9 9 www.bcb.gov.br. lembrando que nos meses em que houve mais de uma reunião (reuniões extraordinárias) consideramos apenas a última reunião do respectivo mês. Com relação à expectativa de inflação para os próximos doze meses, o Banco Central brasileiro passou a publicar a partir de janeiro de 2000 o boletim semanal Focus Market Readout, no qual são apresentadas médias, medianas e desvios padrões das projeções do mercado10 10 Bancos e consultorias, basicamente. para diversas variáveis relevantes da economia, tais como crescimento do PIB, inflação, taxa de câmbio, dentre outras. Embora o boletim seja semanal, o Banco Central atualiza os dados diariamente, e a partir desta série diária obtivemos a série mensal da inflação esperada para os próximos doze meses11 11 O índice utilizado foi o IPCA, já que as metas de inflação são explicitamente definidas em função deste índice (ou, mais corretamente, de sua variação). considerando a expectativa do mercado no dia em que o Banco Central decidiu a taxa de juros a viger até a próxima reunião do COPOM.12 12 Como as decisões das reuniões do COPOM (Conselho de Política Monetária) geralmente são anunciadas no final do dia, fizemos a suposição de que as expectativas do mercado no referido dia já estavam disponíveis para o Banco Central ao tomar a sua decisão.
Um problema adicional teve que ser contornado: somente a partir de novembro de 2001 o Banco Central passou a coletar a inflação esperada para os próximos doze meses; antes só se coletava a inflação esperada para o ano fechado (janeiro a dezembro). A partir destas projeções para o ano fechado, e utilizando fatores sazonais do IPCA (obtidos usando a método de médias móveis multiplicativas), foi possível construir uma série de inflação esperada para os próximos doze meses para o período de janeiro de 2000 a outubro de 2001. Cabe lembrar que embora já em 1999 o Banco Central publicasse as projeções de inflação nos seus relatórios de inflação trimestrais optamos por iniciar nossa amostra em 2000, pois as projeções publicadas nos referidos relatórios eram feitas mantendo-se a taxa SELIC vigente no mês de publicação constante durante todo o horizonte de projeção, não sendo, portanto, algo comparável aos dados que obtivemos a partir de 2000. O período anterior a 1999 foi desconsiderado, não só pela indisponibilidade de dados sobre projeções, mas também pelo fato de que a política monetária tinha como alvo manter a taxa de câmbio artificialmente sobrevalorizada de forma a evitar o pass-through da depreciação para os preços (ao menos depois de 1996).13 13 Devemos ressaltar que antes do Plano Real (julho de 1994) não fazia sentido falar em política monetária, uma vez que esta era endógena (determinada primordialmente pela necessidade de financiamento do setor público). A Figura 1 apresenta as séries utilizadas na obtenção da taxa de juros real de mercado:
Apenas de forma ilustrativa, o coeficiente de correlação linear entre as séries acima é de 0,851,14 14 Tal correlação não é espúria, uma vez que ambas as séries são estacionárias. mostrando que o comportamento da inflação esperada para os próximos doze meses é um bom previsor da política monetária do Banco Central, pelo menos desde meados de 1999, quando explicitamente se adotou o regime de metas de inflação. A Figura 2 mostra a série obtida da taxa de juros real de mercado.
A variação da inflação foi obtida tirando-se a primeira diferença da série de inflação acumulada nos últimos doze meses (IPCA). Optamos por utilizar a inflação acumulada nos últimos doze meses pelo fato de os problemas de sazonalidade serem evitados e também pelo fato de o Banco Central não considerar os efeitos sazonais na determinação da taxa de juros.15 15 Nas diversas atas sobre as reuniões do COPOM o Banco Central demonstra dar um peso maior para os índices de núcleo da inflação do que aos índices "cheios". A Figura 3 mostra a série da variação da inflação.
3. RESULTADOS
O primeiro passo antes de se estimar um VAR é verificar a ordem de integração das variáveis, pois somente variáveis estacionárias, ou integradas de ordem zero -I(0), devem entrar no sistema a ser estimado.16 16 Na verdade, não existe consenso se as variáveis que entram no VAR irrestrito devem estar no nível (sejam elas I(1) ou não) ou se elas devem estar devidamente estacionarizadas (por meio da diferenciação). Sims (1980) e Doan (1992), dentre outros, posicionam-se contra a diferenciação das variáveis mesmo que elas contenham raízes unitárias. O argumento deles é que o objetivo da abordagem VAR é determinar a inter- relação entre as variáveis para o propósito de previsão, e não o de se fazer inferência sobre os parâmetros. Sims, Stock e Watson (1990) mostraram que um VAR com variáveis no nível e co-integradas conduz a estimativas ineficientes, mas consistentes, dos parâmetros de interesse. Entretanto, no caso de modelos estruturais, as variáveis do sistema devem ser estacionárias de modo a representarem o verdadeiro processo gerador das séries.
Optamos então por aplicar às nossas séries os testes de raiz unitária mais utilizados em trabalhos aplicados: Augmented Dickey-Fuller (ADF) e Phillips-Perron (PP).17 17 Decidimos não aplicar o teste de múltiplas raízes unitárias (Dickey-Pantula), pois, pela inspeção visual das Figuras 2 e 3, a possibilidade de ordens de integração superiores a 1 (um) parece bastante remota. O teste ADF indica, a 5% de significância, que se pode rejeitar a hipótese nula de uma raiz unitária em ambas as séries, conforme aponta a Tabela 2 no Apêndice II Apêndice II . Como a série de taxa de juros real aparenta ser heteroscedástica, faz-se necessário a utilização do teste PP. Este último alcança o mesmo diagnóstico para a variação da inflação, mas no caso da taxa de juros real só se rejeita a hipótese nula a 15% de significância (Tabela 3, no Apêndice II Apêndice II ). Uma vez que nossa amostra contém 48 observações (janeiro de 2000 até dezembro de 2003) de ambas as séries, e levando em consideração o fato de que o poder destes tipos de teste contra hipóteses alternativas de tendências deterministas é muito limitado, ainda mais em amostras pequenas - conforme demonstraram, por exemplo, DeJong e Whiteman (1991) -, decidimos também seguir os procedimentos mais simples propostos por Box e Jenkins (1976), que são a inspeção visual dos gráficos das séries e de seus autocorrelogramas amostrais. Os gráficos das séries, apresentados na seção anterior, evidenciam que ambas mostram comportamento de reversão à média, dando suporte à hipótese de estacionariedade. Tal diagnóstico de estacionariedade é corroborado pelos autocorrelogramas amostrais, cujas autocorrelações declinam rapidamente. Deste modo, o VAR proposto em (10) pode ser estimado sem problemas.
O próximo passo é determinar o número de defasagens do VAR. Tomando doze arbitrariamente como o número máximo de defasagens (para que não se perdessem muitos graus de liberdade, dado o tamanho reduzido de nossa amostra), a Tabela 4 (no Apêndice II Apêndice II ) mostra em destaque quais as defasagens escolhidas por cada um dos critérios (a 5% de significância). Como pode ser notado na referida tabela, não há consenso com relação à escolha das defasagens.
Optamos então por escolher o número de defasagens de modo a obter uma especificação congruente,18 18 Termo primeiramente adotado por Hendry (1983). isto é, um VAR na forma reduzida que não apresente autocorrelação nem heteroscedasticidade dos resíduos19 19 Como é bem sabido na literatura de econometria de séries de tempo, autocorrelação serial dos resíduos gera inconsistência das estimativas, sendo um problema mais sério do que heteroscedasticidade, pois esta última acarreta ineficiência mas não inconsistência, e alternativas de estimadores robustos para a matriz de variância-covariância estão disponíveis (como os estimadores de White e Newey-West). Além disso, os testes de autocorrelação e de heteroscedasticidade também são testes de erro de especificação, pois um modelo mal especificado (número de defasagens errado, por exemplo) pode gerar autocorrelação e/ou heteroscedasticidade nos resíduos. (tal que estes não contenham nenhuma informação adicional - isto é, sejam ruídos brancos) e ao mesmo tempo seja um VAR estável (com raízes do polinômio característico fora do círculo unitário, de modo que seja possível escrever o VAR como um VMA, fato este imprescindível para nosso trabalho, conforme notado na seção 1.2). Procedendo desta maneira, e iniciando com o VAR(12), o modelo escolhido ao final foi o VAR(4), pois tal especificação revelou-se estável e congruente, além de possuir um número razoável de observações utilizáveis (44). Os autocorrelogramas dos resíduos (com um máximo de quinze defasagens) indicam a ausência de autocorrelação dos resíduos, fato este confirmado pelo teste Ljung-Box multivariado (Portmanteau) já ajustado para amostras pequenas. O teste LM (multiplicador de Lagrange) indica a presença de autocorrelação na defasagem doze, mas decidimos desconsiderar este resultado uma vez que o teste LM é assintótico, não sendo perfeitamente válido em amostras pequenas. Para testar a heteroscedasticidade dos resíduos, usamos o teste White multivariado, e com base tanto na estatística F como na estatística c2 (assintótica e, portanto, não perfeitamente válida em amostras pequenas) conclui-se que os resíduos do VAR(4) são homoscedásticos.20 20 Todos estes resultados estão resumidos nas Tabelas 5, 6, 7 e 8 no Apêndice II.
Com o VAR irrestrito especificado e estimado, o próximo passo foi obter os choques estruturais a partir dos resíduos usando as restrições de longo prazo mostradas na seção 2. Em seguida, dado que a taxa de juros natural pode ser recuperada usando a primeira série de choques estruturais e as constantes estimadas no VAR(4) por meio da expressão (20), obtivemos a série histórica da taxa natural a partir de setembro de 2000 (oito observações são perdidas: quatro na estimação do VAR e quatro no cálculo para a obtenção da taxa de juros natural). A Figura 4 mostra a série histórica estimada da taxa de juros natural e também a taxa de juros real de mercado.
De modo a facilitar a análise das estimativas obtidas da taxa de juros natural, apresentamos algumas estatísticas descritivas de ambas as séries na Tabela 1, abaixo
Apresentamos as estatísticas para o período todo e também para subperíodos, pois pode ser notado claramente na Figura 4 um aumento da volatilidade de ambas as taxas de juros (real e natural) no período iniciado em novembro de 2002. A Tabela 1 mostra que a taxa de juros natural brasileira situa-se ao redor de 10% ao ano, corroborando o que dizem, por exemplo, Bresser Pereira e Nakano (2002), que falam em uma taxa de juros natural entre 9% e 12% ao ano, e Arida (2003), que faz referência a uma taxa entre 8% e 10% ao ano.21 21 Ambos os autores não falam em taxa de juros natural, mas sim em taxa de juros real necessária para controlar a inflação (taxa de juros de equilíbrio). Miranda e Muinhos (2003) utilizam diversas abordagens na tentativa de estimar a taxa de juros de equilíbrio e encontram resultados bastante diferentes, e que se encontram no intervalo compreendido entre 4,6% e 20% ao ano.
Um outro fato que pode ser notado na Tabela 1 é que a variância da taxa de juros natural é sistematicamente menor do que a variância da taxa de juros real de mercado.22 22 A variância da taxa natural é de cerca de 1/6 da variância da taxa de juros real de mercado para o subperíodo de setembro de 2000 até outubro de 2002, menos da metade para o subperíodo de novembro de 2002 até dezembro de 2003 e cerca de 1/3 para o período completo. Isto implica uma maior facilidade do Banco Central em prever a taxa de juros natural, e, portanto, traçar com maior confiança uma trajetória da política monetária de acordo com as projeções de inflação. Se a taxa de juros natural possuísse uma variância maior ou igual à da taxa de juros real controlada pela autoridade monetária, sua utilidade em termos da construção de uma função de reação para a política monetária seria bastante diminuída. Observando a Tabela 1 verifica-se que embora a variância da taxa de juros natural tenha se elevado muito a partir de novembro de 2002, ela apresenta sinais de diminuição nos meses finais da série utilizada neste estudo. Ainda assim, a média e a mediana, tanto para os subperíodos como para o período como um todo, são praticamente as mesmas, em torno de 10%, significando que apenas a volatilidade condicional alterou-se no segundo subperíodo.23 23 Analisando o autocorrelograma amostral da taxa de juros natural é possível verificar que um simples mo- delo AR(1) com constante é capaz de descrever o processo gerador da série, não sendo necessária nem mesmo uma estrutura GARCH qualquer para modelar a variância condicional dos resíduos.
Um outro fato que merece destaque, apresentado na Tabela 1, é que tanto a média como a mediana da taxa de juros real de mercado são sempre maiores que a taxa de juros natural, seja nos subperíodos, seja em todo o período. A Figura 5 apresenta a evolução temporal do gap de juros e da variação da taxa de inflação.
Como podemos perceber, no período que se estende de setembro de 2000 até setembro de 2002, embora o gap de juros seja sempre positivo (com média de 2,5 pontos porcentuais), a taxa de inflação não demonstra qualquer tendência clara de decrescimento. Esta observação é particularmente intrigante, pois, de acordo com a teoria, esperaríamos que, para um gap positivo, seria obtida uma taxa de inflação decrescente, isto é, uma variação persistentemente negativa da taxa de inflação. Evidentemente, não é necessário que, contemporaneamente, esteja associada a um gap positivo de juros uma variação negativa da inflação. Pensar desta maneira significa ignorar a existência de defasagens nos efeitos da política monetária. Mais ainda, vale lembrar que a taxa de juros natural estimada é aquela que estabiliza a taxa de inflação no horizonte de atuação da política monetária. A análise das correlações entre o gap de juros e a variação da inflação apresentadas nas Figuras 6 e 7, no Apêndice II Apêndice II , permite-nos identificar tal horizonte.24 24 Cabe destacar, mais uma vez, que tais correlações não são espúrias, uma vez que ambas as séries são estacionárias.
Como podemos perceber, a variação da taxa de inflação responde negativamente a um gap de juros positivo no mês seguinte a uma variação do mesmo (vide Figura 6). Mais ainda, o impacto de uma mudança neste gap é de máximo quatro meses após esta e se anula por volta do sétimo mês. Assim, com base em nossos resultados chegamos a um horizonte de transmissão da política monetária brasileira de aproximadamente seis meses, um pouco inferior ao indicado por Bogdanski, Tombini e Werlang (2000), que falam em um horizonte de seis a nove meses. Além disto, a resposta do gap a uma variação da taxa de inflação é positiva e tem início com um atraso de três meses, atingindo seu máximo após cinco meses da referida variação, declinando até zero após cerca de sete meses (vide Figura 7). Esta última constatação equivale a dizer que o Banco Central suaviza a trajetória da taxa de juros (interest smoothing).
Tal comportamento pode ser racionalizado, de acordo com Clarida, Gali e Gertler (1999), quando se considera que a autoridade monetária atua em um ambiente de incerteza. Em tais circunstâncias, os bancos centrais ajustam as taxas de juros mais cautelosamente do que recomendam os modelos padrões. A razão para isto advém do fato de que, nesses modelos, as políticas ótimas são derivadas em um ambiente de equivalência de certeza, ou seja, "podem não captar adequadamente as restrições encaradas pelos formuladores de política."25 25 Vide Clarida, Gali e Gertler (1999, p. 1687).
Particularmente dramática, destacam os autores, é a incerteza com relação ao modelo que descreve a economia. Suponha, por exemplo, que os parâmetros do modelo sejam aleatórios. Sob tais circunstâncias, a autoridade monetária não pode ter certeza do impacto de suas políticas sobre a economia. Como originalmente demonstrado por William Brainard (1967), este tipo de incerteza pode introduzir cautela nas respostas de política.
Clarida, Gali e Gertler concluem, então, no que chamam de resultado 11: "incerteza de parâmetro pode reduzir a resposta do instrumento de política a distúrbios na economia. Ela pode então motivar uma trajetória mais suave da taxa de juros do que políticas de equivalência de certeza implicam." (p. 1688)
Rotemberg e Woodford (1997) defendem que a dependência defasada da taxa de juros permite ao Banco Central manipular as taxas de longo prazo e, portanto, a demanda agregada, com movimentos mais modestos na taxa de juros de curto prazo. Isto sugere que o Banco Central preocupa-se em evitar volatilidade excessiva na taxa de juros de curto prazo em busca de seu objetivo de estabilização. Assim, o Banco Central não responde a variações transitórias da inflação, pois fazê-lo significa gerar volatilidade desnecessária no produto, além de gerar incerteza, o que inibe a acumulação de capital.
Resta ainda uma questão. Por que a inflação não responde a variações no gap de juros neste primeiro período? (vide Figura 5) Uma possibilidade é que a economia tenha sido alvo de sucessivos choques positivos sobre o nível de preços. Tal fato, conjugado à inércia inflacionária, pode ter feito com que a inflação não cedesse, embora o gap fosse positivo. Como sabemos, em maio de 2001 iniciou-se um racionamento de energia elétrica que perdurou até o fim do mesmo ano. Tal racionamento caracterizou-se como um choque de oferta, pela elevação dos custos de produção, estando além do alcance da política monetária.
Outra hipótese é que exista algum fator de caráter intrínseco ou estrutural à economia brasileira que imponha um nível mínimo de inflação. Percebemos que desde 1995, com exceção do ano de 1998 (quando a inflação medida pelo IPCA ficou próxima de 2%), a taxa de inflação esteve sempre acima de 5%. Esta seria, então, uma suposta fronteira inferior da taxa de inflação brasileira. No período de setembro de 2000 até meados de 2002, a inflação acumulada em doze meses situava-se em torno de 7%, ou seja, próxima do hipotético limite. Cabe lembrar que as razões teóricas para a existência desse suposto limite não são devidamente abordadas na literatura. Uma das razões pode ser a ainda alta indexação de preços presente na economia brasileira.26 26 O IPCA possui em sua composição cerca de 30% de preços administrados, cuja magnitude dos reajustes baseia-se na inflação acumulada do IGP-M nos doze meses terminados no mês do reajuste.
Poderíamos ainda argumentar que a política monetária naquele período estava sujeita a não-linearidades, de modo que a inflação mostrou-se insensível ao gap para valores "pequenos" deste. Sendo assim, seria necessário um grande hiato entre a taxa de juros real de mercado e a taxa de juros natural para que a inflação declinasse. Dentro do conjunto de possíveis fontes de não-linearidades na política monetária encontra-se a existência de múltiplas taxas naturais de juros, de modo que o gap observado na Figura 5 talvez não seja o relevante, no período em questão. Tal irrelevância advém do fato de que este hiato possa estar sendo obtido de uma taxa natural de juros mais alta. Por exemplo, se a taxa de juros de mercado é 15%, e se há duas taxas naturais, digamos de 10% e de 15%, então teríamos dois gaps, um de 5% e outro nulo, respectivamente. Se estivermos tomando por base a taxa natural inferior, enquanto que a relevante é a superior, então estamos superestimando a diferença entre a taxa de juros de mercado e a taxa de juros natural. Neste caso, concluir que o gap é positivo pode levar a conclusões equivocadas acerca da eficácia da política monetária.
Por fim, não podemos ignorar o fato de que a taxa de câmbio desempenha um papel decisivo na condução da política monetária no Brasil. Por um lado, a taxa de câmbio pode ser utilizada como um instrumento de contenção de demanda agregada. Assim, um câmbio valorizado implica uma redução das exportações líquidas. Por outro lado, sabemos que há um repasse do câmbio para a inflação, significando que uma apreciação cambial também reduz a inflação por esta via. Nestas condições, existiria a possibilidade de controlar a inflação com diferentes combinações de juros e câmbio. Por exemplo, a taxa de juros necessária para manter a inflação constante poderia ser menor em uma trajetória de apreciação cambial. Desta forma, considerar explicitamente a taxa de câmbio no nosso sistema poderia alterar a taxa de juros natural, pois nem todo o peso do controle da demanda agregada recairia sobre os juros. Entretanto, no curto prazo, não está ao alcance direto da política monetária promover simultaneamente reduções da taxa de juros e apreciação cambial.
Dada a liquidez internacional e a percepção de risco dos investidores, uma diminuição dos juros nominais implica uma fuga de capitais de curto prazo e, conseqüentemente, depreciação cambial. Mudar a percepção de risco dos agentes está fora do alcance da autoridade monetária, ao menos no curto prazo. Além disto, observa-se que o impacto de uma variação na taxa de câmbio sobre a demanda agregada exige mais tempo que o mesmo impacto resultante de uma variação em sentido contrário da taxa de juros. Não podemos nos esquecer também que a previsibilidade da taxa de câmbio é muito inferior à da taxa básica de juros (sob controle imediato do Banco Central), sobretudo em uma economia pequena, aberta e extremamente vulnerável a choques externos. Sendo assim, há um grau de incerteza muito elevado na manipulação da taxa de câmbio. Ainda que fosse possível dividir o peso do controle inflacionário entre juros e câmbio, a manipulação desta última variável poderia torná-la ainda mais volátil, reforçando o impacto negativo da apreciação cambial sobre os saldos comerciais, fundamentais para a sustentabilidade da dívida externa. Com base nestes argumentos, acreditamos que a possibilidade de utilizar combinações de câmbio e juros não parece pertencer ao conjunto de escolhas da autoridade monetária brasileira, como indicado por Carneiro e Wu (2002).
Já no segundo período (vide Figura 5), o comportamento da variação da inflação em função do hiato de juros está em concordância com o previsto pela teoria. Repare que no início, enquanto o gap se elevou, a variação da taxa de inflação foi positiva, porém decrescente (em virtude da defasagem da política monetária e da inércia inflacionária), até o momento em que a inflação passa a decair consistentemente. Mais que isto, perceba também que o gap necessário para que a variação da inflação se torne negativa é de aproximadamente 5 pontos porcentuais, levando em consideração a defasagem da política monetária. Tal fato estaria de acordo com as hipóteses, levantadas acima, de não-linearidades da política monetária e com a existência de múltiplas taxas de juros naturais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Uma outra questão, de igual ou maior importância que aquelas levantadas na seção anterior, se coloca: por que o nível de taxa de juros real necessário para controlar a inflação no Brasil (em torno de 10% ao ano, conforme os resultados da estimação apresentados acima) é mais elevado do que o necessário em países semelhantes ao Brasil? A relevância desta questão reside no fato de que caso a taxa natural permaneça no nível atual, o País terá sucesso no controle da inflação, mas amargará trajetórias de crescimento muito baixas. Além disso, há conseqüências perversas sobre o endividamento público: numa conta grosseira, considerando que a dívida pública real cresça à taxa de juros natural,27 27 Desconsiderando, portanto, quaisquer choques sobre a taxa de câmbio. isto é, 10% ao ano, enquanto que o PIB cresça entre 3% e 4% ao ano,28 28 Algo otimista ao se considerar o desempenho da economia brasileira nas últimas duas décadas. implica a necessidade de um superávit primário expressivo, de cerca de 6% ou 7% do PIB ao ano, para que apenas se mantenha a razão dívida líquida do setor público sobre o PIB constante no nível atual (cerca de 57% do PIB em dezembro de 2003).
Pérsio Arida, em seu discurso após ganhar o prêmio de economista do ano em 2003, conclamou todos os economistas brasileiros a estudar e tentar encontrar uma "solução intelectual original" para tal questão, assim como foi feito na década de 1980 com o diagnóstico da hiperinflação brasileira.
Este trabalho não tem a pretensão de responder a esta questão, mas apenas a de quantificar a taxa de juros natural, admitindo-se ser esta única. Como discutido acima, a taxa de juros natural obtida é elevada em todo o período considerado. Responder o porquê disto exige uma reflexão mais profunda a respeito dos fundamentos da economia brasileira, o que está além do escopo deste estudo. De qualquer modo, esperamos ter contribuído para o debate econômico ao fornecer novas pistas para o melhor entendimento da dinâmica de juros e inflação, bem como para delimitar as restrições às quais está sujeita a autoridade monetária em busca da estabilização da economia brasileira.
(Recebido em abril de 2004. Aceito para publicação em abril de 2005).
Endereço para contato: Rua Antônio de Salema, nº 29, Bairro Anchieta, São Bernardo do Campo - SP, CEP: 09726-350.
Dadas as restrições identificadoras (15), (16) e a hipótese de variância unitária de ui,t, i = 1,2 , os elementos da matriz S(0) podem ser obtidos da seguinte maneira.
De (12) e (16), temos que:
e
Cov(e1,te2,t) = s1,1 (0) × s2,1 (0) + s1,1 × s2,2 (0) × Cov(u1,t, u2,t)
De (22):
(25)
E de (15) e (21) podemos escrever:
A substituição (25) em (26) nos permite calcular s2,1(0):
(27)
Isolando o termo Cov(u1,t , u2,t) em (23), substituindo em (24) e usando os resultados em (25) e (27), temos a seguinte expressão para s2,2(0):
(28)
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APÊNDICE I
Apêndice II
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
31 Ago 2006 -
Data do Fascículo
Mar 2006
Histórico
-
Aceito
Abr 2005 -
Recebido
Abr 2004