DOCUMENTOS
A coleção fotográfica V-8
Cássia Denise Gonçalves; Marli Marcondes
Centro de Memória Unicamp (CMU)
RESUMO
Este artigo trata da coleção de fotografias históricas da cidade de Campinas e de seus personagens, acumulada pelo fotógrafo Aristides Pedro da Silva, conhecido como V-8. O estudo aborda a trajetória do fotógrafo, as origens e composição do conjunto, a circulação das imagens em Campinas, a aquisição da coleção pela Unicamp/Centro de Memória e ainda a sua organização e conservação.
Palavras-chave: Coleção. Fotografia. Conservação. Documentação. Centro de Memória. Cidade.
ABSTRACT
This article is about the historical photos of Campinas city and its characters, shot by photographer Aristides Pedro da Silva, known as V-8. The study relates the paths taken by the photographer, the collection's sources and composition, the circulation of the images in Campinas and the collection's purchase by Unicamp/Centro de Memória (Memory Centre), in addition to its organisation and preservation.
Keywords: Collection. Photography. Conservation. Documentation. Centro de Memória. City.
Nota biográfica1 1 . Os dados biográficos de V-8, bem como os de sua trajetória profissional, foram extraídos da obra Foto V-8 (SCARPINETTI, 1999) e da entrevista concedida a Cássia D. Gonçalves (SILVA, 1998). Este texto também foi baseado em informações fornecidas durante os vários anos de convivência entre V-8 e a equipe técnica do CMU.
O fotógrafo e colecionador de fotografias antigas Aristides Pedro da Silva, conhecido por V-82 2 . O estranho apelido pertencia originalmente ao seu irmão, o qual, nos jogos de futebol, vestia um calção semelhante a uma peça feminina, a calcinha (calção) tipo V-8. Quando o irmão mudou-se para outra cidade, Aristides já era conhecido como "o irmão do V-8". , nasceu em 1921 no Arraial dos Souzas, hoje distrito de Campinas, São Paulo, na Fazenda Atibaia. Sua mãe, Presciliana Silveira, trabalhava como empregada para as famílias da elite local. Seu pai, Benedito Pedro da Silva, era administrador de fazendas. O casal teve sete filhos.
Ainda menino, aos sete anos de idade, seus pais, a convite de Orozimbo Maia3 3 . Orozimbo Maia foi intendente municipal de Campinas entre 1891 e 1904 e prefeito da cidade de 1908 a 1932, ou seja, por pelo menos cinco mandatos. A Fazenda Cachoeira, de sua propriedade, era produtora de café. , transferiram-se para a Fonte Sônia4 4 . No início da década de 1920, descobriu-se que a água da fonte existente na Fazenda Cachoeira era radioativa. A Fonte Sônia foi instalada em 1921, para a comercialização do produto, e metade da sede da fazenda foi transformada em hotel. , na Fazenda Cachoeira, no município de Valinhos, e lá permaneceram até 1937, quando foram despedidos. A família então se mudou para Campinas onde sua mãe montou uma banca no Mercado Municipal; e seu pai logo veio a falecer. Aristides tinha, na época, pouco mais de 16 anos.
Dos sete irmãos, ele foi o único que não estudou, ou melhor, estudou somente as primeiras letras. Seu primeiro trabalho foi como entregador de leite na Leiteria Santana. Depois, trabalhou na Fundição Gerin Neto. Chegou a abrir uma lavanderia, a Lavanderia V-8, na casa onde morou por quase toda a sua vida, na Rua Júlio Frank, no bairro do Botafogo, anos depois transformada em estúdio fotográfico.
Aristides também esteve envolvido com o futebol de Campinas, tendo sido técnico do juvenil do Guarani Futebol Clube por 10 anos, entre 1950 e 1960.
Não casou, não teve filhos. Morou com a mãe, na mesma casa, até ela falecer. Apesar de possuir amigos e gozar de certa popularidade na cidade, vivia só, recebendo esporadicamente a visita de sua irmã mais velha Beatriz, que vinha de São Paulo e hoje é falecida.
O interesse de V-8 pela fotografia surgiu em função, principalmente, do seu desejo frustrado de pintar. O fotógrafo conta que era comum, na Fonte Sônia, os filhos dos colonos se aproximarem dos hóspedes, muitos deles estrangeiros. Numa dada ocasião, ele fez amizade com um casal de franceses que lá passava uma temporada. O francês, que pintava, costumava caminhar pela fazenda, e o menino o acompanhava carregando seus apetrechos de pintura. Essas saídas acabaram moldando o olhar do pequeno Aristides, despertando nele o interesse pelo desenho e pela pintura.
Às vezes, acontecia desses hóspedes adotarem algumas dessas crianças. Foi o que quase aconteceu com V-8. O casal de franceses se interessou em adotar o menino, que a princípio concordou, mas acabou desistindo de partir.
Quando sua família veio morar em Campinas, em 1937, Aristides chegou a cursar, não por muito tempo, uma escola de pintura. Acabou, contudo, enveredando pelo caminho da fotografia, até mesmo como um meio de sobrevivência, transformando-a em uma profissão. Aprendeu o ofício e dele extraiu, além do seu sustento, a sua necessidade de representação do mundo.
Trajetória de uma fotografia
Autodidata, V-8 começou fotografando partidas de futebol, por volta de 1947. Um amigo seu, Mário de Oliveira, fotógrafo amador, ofereceu-se para lhe ensinar os primeiros procedimentos.
A partir desse aprendizado, buscou aprimorar-se. Passou a atuar profissionalmente por volta de 1952 e, em pouco tempo, montou seu estúdio fotográfico, o Foto V-8, na Rua 13 de Maio, no Edifício Catedral. O estúdio teve outros endereços Rua Conceição e Rua Dr. Quirino antes de se estabelecer na casa da Rua Júlio Frank.
Começou tirando fotos 3 x 4 cm. Com o tempo aperfeiçoou-se em retratos de casamento. Na época, segundo V-8, o "retrato de casamento" estava restrito a duas ou três chapas: a noiva sozinha, o noivo e a noiva e, às vezes, ambos com os padrinhos. Não havia ainda a prática da reportagem, ou seja, dos registros fotográficos fora do estúdio uma série com a chegada da noiva na igreja, a cerimônia, os noivos no carro, no jardim, cortando o bolo, com os familiares , a qual, segundo ele, só seria introduzida na década de 1960. O álbum de casamento, com as fotografias características desse rito, tornar-se-ia sua especialidade.
Entre as décadas de 1950 e 1970, paralelamente às suas atividades de fotógrafo comercial, V-8 realizou um importante trabalho de documentação das principais transformações urbanas verificadas na cidade de Campinas, decorrentes da implantação do Plano de Melhoramentos Urbanos5 5 . BADARÓ, 1996; CARPINTERO, 1996. , de Prestes Maia, em 1932. Essas transformações foram efetivadas mais intensamente a partir de 1950, com a demolição de edificações para a abertura de avenidas e vias expressas sobretudo para a circulação de carros , o desaparecimento de todo um casario antigo para dar lugar aos primeiros edifícios, a mudança no sistema do transporte urbano, etc (Figura 1).
Esse trabalho de documentação se inicia, de modo sistemático, com o registro da construção do Estádio Brincos de Ouro da Princesa, do Guarani Futebol Clube desde o lançamento da sua pedra fundamental, em 1951, até sua inauguração, em 1953 , bem como da demolição do estádio anterior. Porém, no fim dos anos 40, V-8 já havia registrado o começo das mudanças na paisagem urbana: o surgimento dos primeiros edifícios na região central da cidade6 6 . As informações sobre as séries fotográficas de V-8 foram fornecidas por Maria Helena de Campos, responsável pela catalogação da coleção. .
A primeira série das demolições é a da Igreja Nossa Senhora do Rosário (1956)7 7 . Vanessa Proença explica que, com o alargamento das Ruas Campos Sales e Francisco Glicério, a Igreja do Rosário passou a ficar "no meio do caminho". Segundo o Plano Prestes Maia, a igreja deveria ceder lugar a uma praça (hoje Praça Guilherme), que formaria, em conjunto com o novo Palácio da Justiça, um centro cívico (PROENÇA, 2002, p. 32). , para o alargamento da Rua Francisco Glicério. As séries mais conhecidas são a da demolição do Teatro Municipal Carlos Gomes (1964) o Teatro Municipal de Campinas8 8 . O Teatro Municipal Carlos Gomes foi inaugurado em 1930 e demolido em 1965. O edifício foi condenado por um laudo técnico que apontava a existência de fendas nas paredes e reentrâncias no piso do palco, apresentando perigo de desabamento. Foi demolido durante a administração do prefeito Rui Novais, a pedido do então secretário municipal de Obras e Viação, Antônio Leite Carvalhaes. O risco de desabamento do teatro foi contestado pelos contemporâneos que assistiram a demolição, inclusive por V-8. Hoje, no local encontra-se uma loja da rede C&A. , como era conhecido e a da despedida dos bondes em Campinas (1968).
Uma das últimas séries constituídas foi a do alargamento da Rua Aquidabã, aproximadamente em 1975, transformada em avenida e, num determinado trecho, em via expressa, saída para São Paulo. É curioso que V-8 identifique essa série como "demolição da Aquidabã".
A documentação produzida nessa época carrega a ambigüidade das transformações ocorridas em Campinas no período, pois se por um lado ela dá uma idéia de progresso e desenvolvimento, por outro revela o processo por meio do qual a cidade, para manter o seu crescimento acelerado, acabou abrindo mão da sua identidade.
Sobre a importância dessa documentação, o professor Lapa9 9 . José Roberto do Amaral Lapa foi professor do Departamento de História do IFCH/Unicamp e um dos fundadores do CMU, juntamente com outros professores do seu departamento. , no pedido de auxílio à Fapesp para a compra da coleção, assinala:
Ao longo de uma vida, como fotógrafo profissional que é, Aristides Pedro da Silva, o V-8, foi sensível às grandes transformações urbanas pelas quais passou a cidade de Campinas, conseguindo flagrar muitas vezes o próprio ato de uma demolição ou construção de um espaço que é perdido, recuperado ou ganho, alterando a planta, a topografia, os símbolos e a própria identidade da cidade, [...] numa etapa decisiva de sua história neste século, rumo a metropolização10 10 . Trecho da solicitação de auxílio para a compra da Coleção V-8, encaminhada pelo professor José Roberto do Amaral Lapa ao Programa de Infra-Estrutura de Pesquisa Fase IV da Fapesp, de 1998. Vale esclarecer que a Fapesp não possui uma rubrica para aquisição de fundos e coleções. .
Indagado, certa vez, sobre o sentido desse registro, V-8 respondeu que queria preservar o que estava "morrendo" na cidade. Assim, a sua fotografia documental caminha numa direção oposta ao olhar de Beatriz Bacher:
A cidade muda. A cidade que conhecemos muda a cada minuto. [...] Surpreendo-me com um espaço vazio ou um novo prédio, não estava lá da última vez [...]. Mas sei o que estava antes? Não. A ausência do que não me lembro, sua demolição e substituição, ou a reforma de uma fachada [...] me fez pensar que estava perdendo a cidade que nunca guardei (BACHER, 2004, p. 20).
Aristides também gostava de fotografar sedes de fazendas, carros de boi, enfim, a paisagem rural, um imaginário pictórico construído ainda na infância, na Fonte Sônia. Ele chegou a retratar as cidades históricas de Minas Gerais, mais especificamente os casarões, como se refere à arquitetura colonial dessas cidades. Deseja voltar a Minas, cujas cidades estão mais próximas do seu ideal de natureza bucólica, e onde as pessoas, segundo o fotógrafo, são mais simples e cordiais que as da cidade grande.
Perseguindo a iluminação ideal para fotografar em ambientes externos, ele gostava de repetir que "fotografia é luz". De uma feita, contratou o ator Vado11 11 . Vado ficou conhecido na cidade por sua performance do poema Navio Negreiro, de Castro Alves. Encarna, por assim dizer, o tipo humano "escravo". para realizar fotografias de "preto véio" e "escravo" numa fazenda da região.
Um pouco antes de parar com a fotografia, numa última fase, V-8 radicalizou e passou a retratar "naturezas mortas", em cor. Quando exibia essas "naturezas" às pessoas, sempre reclamava dos laboratórios da cidade, que alteravam a sua coloração.
Vânia Carvalho, no seu estudo sobre a relação entre a fotografia e a pintura no século XIX, faz uma análise apropriada a essa fase de V-8:
Se os estudos de luminosidade na pintura têm relação com a descoberta fotográfica, esta, por sua vez, procura na outra um modelo temático e compositivo a fim de compartilhar a posição de obra de arte tradicionalmente concedida ao trabalho do pintor (CARVALHO, 1991, p. 208).
V-8 toma a fotografia como arte não somente quando a relaciona com a pintura, depreendendo-se disso que ele está se referindo à observação direta da natureza, aos temas tratados pela pintura, à composição da cena, à incidência da luz "Você vê, desde quando segurava as telas, já vinha incluída a arte da fotografia" (SCARPINETTI, 1999, p. 14), mas também quando considera que o bom fotógrafo é um virtuose, no sentido do domínio da técnica: "Prá abrir uma porta tinha que ser bom. [...] Não é assim abrindo uma porta com 35 [...]. Que era tudo chapa, um serviço difícil, tinha que retocar. Tinha que ser artista mesmo" (SCARPINETTI, 1999, p. 18).
O fotógrafo não incorporou na sua coleção as fotografias de "casarão de fazenda", "escravo", "preto véio" e "natureza morta". Pensava em comercializá-las como "quadros" aliás, elas já possuíam um passe-partout impresso no papel fotográfico emoldurando o tema enfocado. Quando ele exibia essas imagens, afirmava mais do que indagava: "Vende, não vende?".
A Coleção V-8
A Coleção V-8, que hoje integra o acervo da Área de Iconografia do Centro de Memória Unicamp (CMU), possui 4.500 imagens, entre fotografias e negativos flexíveis e de vidro, datadas de 1880 a 1970, aproximadamente, cobrindo, portanto, quase um século. É composta por dois conjuntos que, apesar de se distinguirem na sua forma de acumulação, completam-se e interagem entre si. Um conjunto, citado no item anterior, é constituído pelo registro das principais transformações urbanas de Campinas, e o outro por fotografias antigas da cidade e de seus personagens, coletadas e reunidas por V-8 ao longo dos anos.
O início dessa coleção remonta à abertura do primeiro estúdio, o Foto V-8, na Rua 13 de Maio. Em meados de 1954, Aristides ganhou duas fotografias antigas de Campinas e as colocou em exposição. Uma foto trazia os primeiros carros que circularam na cidade, os fordecos; e a outra, a Rua Barão de Jaguara, uma das principais ruas de comércio, ambas do início da década de 1930. A partir dessa iniciativa as pessoas se deram conta do interesse de V-8 e começaram a lhe repassar as fotografias antigas que possuíam.
Sobre a constituição da coleção, observa o professor Lapa no pedido de auxílio à Fapesp já mencionado12 12 . Ver nota 10. :
Mas, mais do que o seu clic oportuno fixando o que se perderia em instantes ou se ganharia num outro átimo, foi também recolhendo fotos e negativos, esquecidos ou rejeitados, jogados fora como incômoda velharia. Na medida em que cada vez mais se identificou com essas fotos, ocupando com elas praticamente todas as dependências da casa em que viveu muitos anos com a mãe, na Rua Júlio Frank 187, e hoje vive sozinho, foi se tornando conhecido pela sua preocupação com as velhas imagens da cidade e aí passou também a ser procurado por famílias tradicionais, personalidades e instituições que foram legando àquele homem [...] os seus próprios arquivos imagéticos.
O resultado disso é ser hoje Aristides o proprietário do mais completo acervo de negativos e fotos [...] sobre Campinas de que se tem notícia [...].
Além de doações de fotografias esparsas, essa parte do acervo é composta por três outras coleções: a que foi entregue por Maria Luíza Pinto de Moura13 13 . Maria Luíza Pinto de Moura pertencia a uma das tradicionais famílias campineiras. Era bibliotecária do Centro de Ciências, Letras e Artes (CCLA) e pesquisadora da história de Campinas. , com fotografias que pertenceram a seu pai e a José de Castro Mendes14 14 . José de Castro Mendes era desenhista, aquarelista, crítico de arte e pesquisador da história de Campinas. É autor das obras Retratos da velha Campinas, Efemérides campineiras, Velhas fazendas paulistas e do suplemento especial do jornal Correio Popular, História de Campinas. (Esses dados foram extraídos de recortes de jornais pertencentesà Hemeroteca CMU). , a coleção doada por Ciro Exel Magro15 15 . O professor Ciro Exel Magro, filho do também professor Hilário Pereira Magro Júnior, pertencia a uma família de educadores campineiros, proprietária da Escola Modelo e do primeiro jardim da infância da cidade. As imagens doadas levam a crer que a coleção de fotografias de Ciro Magro foi constituída por um fotógrafo amador, tendo em vista o grande número de retratos que ela possui, os quais V-8 denominou de "modelos fotográficos". De qualquer modo, são fotografias da família,dos amigos,de passeios, de reuniões, da Escola Modelo e de seus alunos, etc., geradas no âmbito da vida privada. e a coleção de Heitor Paulino, proprietário da Casa Paulino, uma tipografia que comercializava fotos da cidade.
De um modo geral, trata-se de imagens de Campinas na primeira metade do século XX, quando a cidade, livre das epidemias16 16 . As epidemias de febre amarela se abateram sobre a cidade a partir de 1889 e por toda a década de 1990, mais precisamente em 1890, 1892, 1896 e 1897 (LAPA, 1996). A febre foi responsável por um grande número de mortes, ocasionando o êxodo temporário de parte dos habitantes e a transferência de algumas casas comerciais e indústrias para outros centros. Normas de ocupação do espaço urbano e medidas sanitárias foram adotadas para a erradicação da febre, debelada oficialmente em 1897. de décadas anteriores, apresentava um aparato urbano inédito a iluminação pública, os bondes elétricos, os primeiros carros (os fordes-de-bigode), as principais ruas de comércio, os transeuntes, as praças com seus jardins e chafarizes, signos de uma cidade que se modernizava rapidamente, sem perder, contudo, o encanto de uma cidade do interior (Figuras 2 e 3).
Nesse sentido, aponta o filósofo francês Jean Baudrillard:
O objeto é assim, no seu sentido estrito, realmente um espelho: as imagens que devolve podem apenas se suceder sem se contradizer. É um espelho perfeito já que não emite imagens reais, mas aquelas desejadas (BAUDRILLARD, 2000, p. 98).
Assim, o longo período coberto pela coleção deve-se ao fato de que nela figuram tanto as fotografias coletadas e reunidas por V-8 ao longo dos anos como aquelas oriundas do seu trabalho documental. Os dois conjuntos seriam fundidos sob o selo Foto V-817 17 . Voltaremos ao selo Foto V-8 mais adiante, quando abordarmos o circuito de circulação da coleção em Campinas. , um modo de garantir uma unidade aos conjuntos e a autoria da coleção.
Camila Pinto, ao abordar a noção de coleção e de antigo na série fotográfica Campinas antiga, ressalta essa questão: "o fato de V-8 criar um selo identificador não só das imagens produzidas por ele, mas também das que foram recolhidas ou a ele doadas durante a sua dupla trajetória de fotógrafo e colecionador, define uma noção de autoria [...]" (PINTO, 2003, p. 3). Autoria da coleção que acaba extrapolando para a autoria das imagens18 18 . Sobre a questão da autoria na Coleção V-8 ver PINTO, 2003. .
E será dessa maneira que elas passarão a circular na cidade, o que irá gerar certa confusão nas pessoas, sendo comum perguntarem quantos anos tem V-8, afinal de contas.
A circulação das imagens
Os objetos antigos parecem contradizer as exigências do cálculo funcional
para responder a um propósito de outra ordem: testemunho, lembrança,
nostalgia, evasão.
(Jean Baudrillard)
Com o crescimento do acervo, o Foto V-8 tornou-se também uma espécie de arquivo fotográfico da cidade, constituindo uma referência para a população. O fotógrafo explorou comercialmente as imagens, fornecendo cópias por um custo não muito alto.
A circulação das imagens em Campinas deu-se por meio da imprensa local e das exposições realizadas a pedido de instituições diversas e do poder público. Assim, destacam-se a exposição de fotografias Campinas antiga, que integrou as festividades oficiais do bicentenário da cidade, em 1974, e a matéria também chamada Campinas antiga, publicada na edição especial Campinas 200 anos, do diário Correio Popular, de 26 de maio de 1974.
Na edição do jornal há uma chamada para a exposição:
Numa contribuição aos festejos do bicentenário de Campinas, o CORREIO POPULAR, numa promoção conjunta com a Prefeitura Municipal de Campinas, realizará uma interessante exposição de fotografias de Campinas antiga, pertencentes ao acervo do FOTO V-8, que conseguiu reunir fotos realmente preciosas, sob o ponto de vista histórico, e que certamente despertarão o mais vivo interesse de toda a cidade. Podemos adiantar que a maioria dessas fotos é inteiramente inédita, com sugestivos aspectos da velha Campinas, suas ruas e praças, seus antigos e tradicionais edifícios, seus usos e costumes, suas personalidades ilustres, aspectos interessantes de uma cidade que se transformou e que se projeta como um centro econômico e cultural (PINTO, 2003, p. 7-8).
A mesma edição do jornal, nas últimas páginas, traz um retrato de V-8 e um verbete que o identifica como proprietário das fotografias, enaltece o seu cuidado e carinho pelas "coisas da velha Campinas" e, ainda, faz a propaganda de dois álbuns fotográficos por ele organizados, como lembranças inesquecíveis do bicentenário.
Finalmente, na última página da edição, tem-se o binômio passado/presente com a estampa de duas fotografias: uma vista parcial da cidade de 1870, cujo destaque é a Matriz Nossa Senhora da Conceição rodeada por um baixo casario, e que leva o selo Foto V-8 à esquerda da imagem, e uma vista aérea da região central da cidade, de 1974, já parcialmente tomada por edifícios.
Sobre a circulação dessas imagens, Camila Pinto comenta: "[...] é interessante notar que o uso público dessas fotografias de uma Campinas Antiga contribui para a formação de uma memória oficial da cidade ou própria do senso comum que identifica nas imagens um passado que se transforma em referência" (PINTO, 2003, p. 4).
A presença da Coleção V-8 nas comemorações do bicentenário contribuiu para perpetuar uma determinada imagem de "antigo" para Campinas, forjando um passado mítico para os seus habitantes. Hoje, é comum ouvirmos as pessoas dizerem, diante de uma foto da coleção de V-8, que gostariam de ter vivido naquele tempo. Como bem observou Baudrillard:
Todo objeto antigo é belo simplesmente porque sobreviveu e devido a isso se torna o signo de uma via anterior. [...]. Hoje a civilização tecnicista nega a sabedoria dos anciões, mas se inclina diante da densidade das coisas velhas, cujo único valor acha-se selado e seguro (BAUDRILLARD, 2000, p. 91).
Imagens negociadas
Durante os anos em que dirigiu o CMU, o professor Lapa acalentou a idéia de integrar a Coleção V-8 ao acervo da instituição, visando, além da preservação da memória fotográfica de Campinas, a explorar o seu potencial como objeto de pesquisa. Conforme argumentou na já referida solicitação de recursos à Fapesp:
[...] a aquisição desse acervo de imagens se transformará, de imediato, [...] numa matriz de informações, pesquisas e estudos para dezenas de pesquisadores estudantes e professores que nas mais diferentes áreas do conhecimento História, Geografia, Sociologia, Antropologia, Demografia, Arquitetura, Urbanismo etc. hoje estão trabalhando sobre a região de Campinas19 19 . Ver nota 10. .
Foram vários contatos e visitas realizadas pelo professor Lapa e pela equipe técnica do CMU à casa de V-8 para negociar a compra da coleção. Considerando a sua idade avançada, o fato de não possuir descendentes diretos, bem como a questão da segurança e da integridade do material, V-8, a princípio, sempre se manifestava disposto a vendê-la, mas nunca chegava a concluir essa idéia. Uma grande dificuldade nesse processo, que numa certa medida se tornou um impasse, é que V-8 não sabia quanto pedir pela coleção, ou qual era o seu valor monetário. Depois de alguns anos ele concordou em receber duas pesquisadoras do Museu Paulista da USP para realizar o laudo técnico e a avaliação do conjunto. Após criteriosa avaliação, procedida pelas pesquisadoras Solange Ferraz de Lima e Vânia Carneiro de Carvalho, foi atribuído à coleção o valor de R$ 42.262,00,
[...] dada a sua raridade, preservação, valor histórico, possibilidades de reprodução, bem como pelas imagens que contém, que vão de edifícios históricos a ruas e logradouros públicos, de personalidades e instituições que são marcos da história da cidade, de séries que permitem em seu sequenciamento acompanhar a evolução e as transformações mais explícitas da cidade e dos seus equipamentos, mobiliário e personagens, datando as fotos mais antigas da década de 187020 20 . Ver nota 10. .
Contudo, haveria de levar mais alguns anos para que a Coleção V-8 finalmente fosse adquirida pela Unicamp, em dezembro de 2001, pelo valor que lhe foi atribuído. Essa aquisição envolveu a mobilização de vários professores21 21 . Os professores envolvidos na compra da Coleção V-8 pertencem ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, ao Instituto de Artes, à Faculdade de Educação e à Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo. , com o objetivo de mostrar à universidade a importância e o alcance da documentação para os seus estudos e pesquisas22 22 . Projetos e monografias já desenvolvidos a partir da Coleção V-8: BRASILEIRO, 2002; COSTA, 2002; PINTO, 2003; TREVISAN, 2002;PROENÇA, 2002; SCARPINETTI, 1999. .
Da organização
Ao contrário dos arquivos, que são acumulados no decorrer de atividades e que possuem uma única fonte produtora, as coleções são constituídas a partir da reunião artificial de documentos que, não mantendo relação orgânica entre si, apresentam alguma característica comum (CAMARGO; BELLOTTO, 1996, p. 17).
A definição acima, presente no Dicionário de terminologia arquivística, não é mais elaborada do que aquelas encontradas nos dicionários de língua portuguesa. Contudo, ela não dá conta de situar o documento no interior do conjunto do qual faz parte. E mais: se as coleções não são geradas no desempenho de funções, como o são os arquivos, tampouco são reunidas de "maneira aleatória", como entende o senso comum.
Considerando que, do ponto de vista arquivístico, "a coleção constitui a antítese do fundo"23 23 . Fundo é "o conjunto de documentos produzidos e acumulados por determinada entidade pública ou privada, pessoa ou família no exercício de suas funções e atividades, guardando entre si relações orgânicas e que são preservados como prova ou testemunho legal e/ou cultural,não devendo ser mesclados a documentos de outro conjunto gerado por outra instituição"(BELLOTTO, 1991, p. 79). (ROUSSEAU, 1998, p. 286), a orientação para a organização de tais conjuntos não poderia ser mais genérica, estando restrita a dois únicos critérios: cronológico e geográfico.
Contudo, as coleções fotográficas se distinguem não somente pela natureza dos seus objetos/imagens, mas também porque possuem formas específicas de acumulação que irão definir seu perfil. O conservador português Luís Pavão ressalta essa especificidade de modo bastante apropriado nesta passagem:
Uma coleção pode resultar da paciente procura do colecionador ao longo de anos ou da pesquisa de um historiador ou crítico de arte sobre um tema ou época; pode resultar das recolhas de um geógrafo, de um biólogo ou antropólogo sobre o seu trabalho de investigação; pode ainda advir da acumulação de fotografias de uma família ao longo de gerações; ou pode ser o resultado do trabalho de um fotógrafo ou geração de fotógrafos. A coleção tem a chancela de seu criador (grifo nosso) (PAVÃO, 1997, p. 255).
Pelo que foi até aqui exposto, percebemos que uma das características da Coleção V-8 é a diversidade na sua composição. A coleção inclui fotos coletadas por V-8 de autoria de outrem fotos esparsas ou compondo outras coleções, originais ou reproduções e fotos da sua própria autoria, das quais uma parte se encontra inserida na série Campinas antiga. Enfim, trata-se de um vasto universo que apenas começou a ser explorado.
Cabe notar, conforme observou Luís Pavão, que
não é qualquer agrupamento ou conjunto de fotografias que se pode considerar uma coleção de fotografias. À noção de coleção preside um intuito, que lhe confere uma unidade, um significado próprio, difícil de encontrar num aglomerado de fotografias. Cada elemento que integra uma coleção faz parte de um todo, ganha sentido individual e coletivo precisamente através do conjunto. É a esta noção de um todo orgânico que podemos chamar coleção (PAVÃO, 1997, p. 255).
Desse modo, na organização da Coleção V-8, o CMU manteve a classificação temática24 24 . Classificação temática da Coleção V-8: Reproduções, Despedida dos Bondes, Sociedade Campineira, Escola Modelo, Fazenda Chapadão, Escola Técnica Bento Quirino, Jockey Club/Hipódromo, Fazenda Mato Dentro/Instituto Biológico, Campinas Antiga, Tiro de Guerra 176, Os Primeiros Carros, Igreja do Rosário (Demolição), Mercado Municipal/Solar dos Alves, Regatas/Sousas/Rio Atibaia, Aquidabã (Demolição), Hilário Magro/Modelos Fotográficos, Teatro Municipal (Demolição), Vista Aérea/Campinas, Ciro Magro/Diversos e Diversos/Locais Indefinidos. dada originalmente por V-8 e seu assistente Wanderley Zago, que o auxiliou nessa tarefa. Assim, buscou-se não apagar os traços da sua organicidade, traduzida no modo como ela foi acumulada, reunida, e, ainda, naquilo que foi intercambiável nessa reunião.
Da conservação
A conservação de coleções fotográficas é uma atividade que compreende duas vertentes. De um lado, a conservação da informação, e aí se inclui a tarefa de ordenação, identificação, datação e indexação das imagens com vistas à sua disponibilização ao público. Uma outra vertente visa à conservação do suporte fotográfico: a higienização, restauração para preservação, planificação e acondicionamento das fotos e seus negativos. Portanto, ao falarmos em conservação de fotografias devemos ter em mente todo o complexo de atividades que essa tarefa implica.
Isso posto, buscaremos, a seguir, traçar um breve panorama do estágio atual de tratamento da Coleção V-8, adquirida em 2001 pelo CMU.
Faz-se premente, hoje, a necessidade de concluir o processamento da referida coleção, por se tratar de uma documentação bastante solicitada por pesquisadores e conter imagens capazes de desvendar particularidades da história campineira. É portanto em Campinas, região de origem da coleção, que ela adquire seu verdadeiro significado e valor.
Ao longo de sua vida, V-8 experimentou transformações tecnológicas variadas no campo da fotografia, da câmera caixote da Agfa até uma moderna Nikon, passando pela popular Voigtländer. Os papéis também foram sendo aprimorados. Enquanto novos produtos eram lançados no mercado, outros desapareciam. As películas auto-inflamáveis foram sendo, aos poucos, substituídas por processos mais seguros, como os acetatos e, posteriormente, o poliéster.
Portanto, o conjunto de documentos que compõe a Coleção V-8 apresenta grande diversidade no que diz respeito aos materiais fotográficos utilizados, exigindo do conservador um atento trabalho de identificação.
Durante os 50 anos em que Aristides Pedro da Silva compôs sua coleção, ela permaneceu acondicionada da forma mais conveniente e segura, sob a óptica do proprietário. Os negativos de vidro estiveram guardados sempre em envelopes de papel pardo, empilhados e dentro de caixas de papelão.
Apesar de inadequada, essa forma de acondicionamento manteve sob segurança preciosas imagens que muitos visitantes desejaram obter de V-8 como suvenir. Foi sua determinação, mantendo sempre os originais guardados e distantes dos curiosos, que garantiu sua permanência.
Todavia, as condições ambientais às quais a coleção esteve exposta por cerca de 40 anos (período em que V-8 residiu em seu último endereço, na Rua Júlio Frank, 187) não eram aquelas ideais preconizadas pelos conservadores de coleções fotográficas. Mantida em um aposento em que a umidade relativa do ar (UR) chegava facilmente a 90%, a coleção passou por toda espécie de deterioração provocada pelo excesso de umidade relativa do ar25 25 . A unidade relativa do ar "mede a quantidade de vapor de água que um determinado volume de ar contém por comparação com a máxima temperatura de vapor de água que esse mesmo volume de ar pode conter à mesma temperatura. É expressa na forma de uma percentagem, que vai de 0% a 100%" (PAVÃO,1997,p.201). .
Além do fator umidade, a variação constante de temperatura e a falta de ventilação e de luz favoreceram a proliferação de fungos. Aristides parecia ter consciência da efemeridade desses materiais fotográficos, pois se dedicara por um longo tempo a reproduzir seus originais, ou seja, a criar cópias de segurança.
Quando a coleção foi transferida para o CMU, dadas as condições em que se encontrava, foi necessário colocá-la num ambiente intermediário, antes de se proceder ao acondicionamento e guarda com controle ambiental. Essa medida foi muito importante, pois a coleção encontrava-se acomodada às condições climáticas do ambiente em que permanecera por tantos anos. Sabe-se que uma mudança brusca de um microclima para outro pode ocasionar perdas irreparáveis para os materiais fotográficos, sobretudo para os negativos. A emulsão pode romper-se e descolar do suporte. Nos negativos em colódio podem ocorrer rachaduras, e os positivos de papel podem enrolar.
Assim, para evitar conseqüências geralmente desastrosas, por cerca de um ano, a coleção foi mantida num ambiente mais seco e menos quente, aguardando tratamento. Recentemente vem sendo transferida para uma área adequada.
O que se pôde observar na coleção, exposta às condições anteriormente descritas, foi a presença de fungos em muitos negativos, sobretudo naqueles que estiveram mais sujeitos à umidade.
O tratamento da coleção teve início a partir de uma avaliação sobre cada item, envolvendo uma análise sobre o processo fotográfico26 26 . O processo fotográfico consiste num "conjunto de procedimentos e processos químicos e fotoquímicos que conduzem à obtenção de uma fotografia. Cada fotografia foi produzida por um processo fotográfico, que é possível identificar e que determina a sua estrutura e materiais componentes" (PAVÃO, 1997, p. 25). e o estado de conservação do material e uma proposta para o seu tratamento. É somente a partir da identificação do processo fotográfico que se pode avaliar o melhor método para o tratamento dos documentos.
No caso da referida coleção, houve necessidade, também, de se adotar uma medida emergencial. Foram separados todos os negativos de vidro quebrados e/ou trincados, para se evitar danos maiores ou ainda a perda de partes constituintes do suporte.
A avaliação do conjunto teve início a partir desses negativos de vidro, pois esse material apresentava sério comprometimento quanto à conservação. A coleção é composta, essencialmente, de originais do fim do século XIX e início do XX. Há também uma grande quantidade de negativos de vidro de segunda geração, assim como originais do mesmo material que datam das décadas de 1950 e 1960.
Até o momento não foram encontrados negativos produzidos em colódio, albumina ou em nitrato de celulose. Alguns exemplares de negativos no tom castanho-claro, que, aparentemente, se parecem com negativos em colódio, foram de fato produzidos em gelatina e receberam uma viragem (banho) de mercúrio. Essa prática era usual na correção de negativos subexpostos e foi amplamente utilizada por V-8.
Todos os exemplares de negativos de vidro analisados possuem emulsão com brometo de prata disperso em gelatina. Seu estado de conservação pode ser assim resumido:
a) alterações físicas: à exceção dos negativos de vidro produzidos nas décadas de 1950 e 1960, os demais apresentam ranhuras na emulsão, suporte riscado, vidro trincado e/ou quebrado e descolamento da emulsão nas bordas.
b) alterações químicas: existência de manchas ocasionadas por resíduos de produtos usados na fixação da imagem como o thiosulfato, oxidação e sulfuração, opacidade dos vidros mais antigos em conseqüência do processo de lixiviação.
c) alterações biológicas: presença de fungos.
A proposta de tratamento para os negativos de vidro compreendeu a sua higienização mecânica com pincel macio e com soprador, a limpeza do suporte com álcool etílico diluído e a remoção de fungos com tricloroetano.
Nem sempre é possível a remoção de fungos, sobretudo se já tiverem penetrado na emulsão. Nesse caso, a emulsão torna-se frágil e pode separar-se do suporte. Grande parte dos negativos mais antigos da Coleção V-8 encontra-se com razoável perda de emulsão nas bordas.
A tarefa mais delicada no tratamento da coleção tem sido a estabilização dos negativos de vidro quebrados, o que é feito deixando o negativo entre dois outros vidros de mesmo tamanho, selados por uma fita adesiva livre de acidez, a Filmoplast P-90.
Atenção especial vem sendo dada também aos numerosos negativos retocados. Na série fotográfica definida por V-8 como Hilário Magro/Modelos fotográficos da época, um conjunto de retratos da eminente família Magro e de seus amigos e conhecidos, doado por Ciro Exel Magro, há alguns negativos retocados, cujo objetivo da intervenção era obter um efeito de pintura. Não se sabe ainda se essas intervenções foram feitas por V-8 ou por um fotógrafo desconhecido. É certo, porém, que V-8 era apaixonado pela pintura e por isso buscava efeitos pictóricos em suas fotografias, não apenas na escolha da composição e iluminação, mas também no uso de máscaras e intervenções com pincel.
Portanto, foi necessário muito cuidado na higienização desses negativos para que não se removessem acidentalmente os retoques, parte integrante do documento (Figura 4).
Todo o conjunto de negativos de vidro da coleção, ainda em fase de tratamento, vem sendo acondicionado em envelopes em cruz, de papel neutro e de baixa gramatura, colocado num invólucro secundário (caixa), também de papel neutro, e finalmente depositado em arquivo de aço em área climatizada.
Um outro suporte bastante significativo na coleção são os negativos flexíveis, totalizando cerca de dois mil fotogramas. A higienização desse material não é tarefa fácil por causa da sensibilidade da película, vulnerável à abrasão. Mesmo os pincéis mais macios podem riscá-los. Por possuírem gelatina nos dois lados do suporte, não é recomendado o uso de produtos úmidos sobre sua superfície. É conveniente apenas a utilização de pincel e soprador.
Já as imagens positivas sobre papel totalizam cerca de 500 unidades, em diferentes tamanhos. Não há álbuns fotográficos, apenas uma pequena encadernação com reproduções comercializadas como álbuns. As ampliações são geralmente cópias recentes feitas a partir dos negativos flexíveis e/ou de vidro. Foram largamente utilizadas em exposições fotográficas, tendo sido coladas em cartão de alta gramatura. Por esse motivo, optou-se por manter esses positivos nessas mesmas condições, pois a tentativa de descolamento poderia ocasionar perdas irreparáveis.
A higienização desse material é realizada com pincel macio e também com soprador. As fotografias rasgadas ou com dobras profundas são reparadas com o uso de papel japonês. As tiras de papel japonês são rasgadas no tamanho da rachadura (e não cortadas com estilete), aplicadas no verso da fotografia no sentido da fissura e, depois, coladas com cola neutra (carboximetilcelulose). Cobre-se a fotografia com um pedaço de entretela e sobre ela aplica-se o mata-borrão. Esse tipo de reparo dos positivos evita que nas proximidades da fissura a emulsão comece a se desprender do suporte.
A etapa seguinte consiste no acondicionamento primário das fotos em jaquetas de poliéster, com sustentação de cartão rígido e neutro. O acondicionamento secundário é feito em pastas suspensas, confeccionadas em cartão livre de acidez. Por último, acondiciona-se a documentação em área climatizada, mantendo-se ininterruptamente a UR a 45% e a temperatura a 20°C.
Os materiais aqui citados, ou seja, negativos de vidro, flexíveis e positivos de papel P&B, são os mais comumente encontrados na coleção de Aristides Pedro da Silva. Todo tratamento dado aos documentos vem sendo realizado no próprio Centro de Memória, no laboratório de conservação/preservação de fotografias. À exceção das pastas suspensas, todas as embalagens também têm sido confeccionadas no CMU. Esse processo ocorre na medida em que a quantidade de material processado não excede a capacidade produtiva do setor. Ao contrário de instituições que recebem coleções da ordem de 10, 20 e até 30 mil imagens, contamos com número bastante menor de documentos, o que nos favorece na adequação e excelência no tratamento.
O uso de material plástico como o poliéster justifica-se pelo fato de ele ser estável quimicamente, não reagindo com a emulsão, e transparente, permitindo fácil visualização, além de ser bastante resistente. Contudo, se o ambiente em que a fotografia se encontra variar em umidade e temperatura pode ocorrer aderência da imagem ao poliéster. Recomenda-se, portanto, seu uso apenas em áreas com controle ambiental.
O CMU conta, atualmente, com uma pequena sala climatizada, destinada apenas à guarda dos materiais fotográficos, depositados em um arquivo deslizante de aço com pintura polimerizada. Mas a existência de uma sala climatizada não é garantia de eficiência na preservação dos documentos nela abrigados. É importante que haja uma conscientização de toda equipe sobre os cuidados ao se manusear o documento. A manipulação correta pode assegurar maior longevidade ao material, sobretudo se associada aos cuidados com a higiene do local de trabalho e a proteção contra poluição. É também fundamental o cuidado com as instalações, garantindo-se a segurança contra incêndios, enchentes e sinistros.
Da informatização
Parte da Coleção V-8 encontra-se digitalizada em alta resolução e armazenada em uma série de CD-ROM já devidamente acondicionada em área climatizada e disponível para o pesquisador. A partir de um índice temático manual, as imagens podem ser visualizadas no banco de imagens do CMU, em resolução de Web.
Hemeroteca
Projetos e monografias
Entrevista
Artigo apresentado em 09/2004. Aprovado em 10/2004.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
24 Jul 2009 -
Data do Fascículo
Jun 2005