RESENHA DE LIVRO
Delírio, um novo conceito projetado em cinemas Autor: José Paulo Fiks
Zacarias Borges Ali Ramadam
Professor Associado do Departamento de Psiquiatria do HCFMUSP
Endereço para correspondência Endereço para correspondência Instituto de Psiquiatria do HCFMUSP 1 o andar Rua Ovídio Pires de Campos, s/n São Paulo, SP CEP: 05403-010 E-mail: jpfiks@uol.com.br
O autor, José Paulo Fiks, é psiquiatra e psicanalista e esse livro resultou de uma dissertação de mestrado apresentada no Departamento de Comunicação e Semiótica da PUC-SP.
O trabalho trata da articulação entre três campos do conhecimento: psiquiatria, semiótica de Charles S. Peirce e cinema. São conceitos costurados para a contribuição ao campo da psicopatologia. Para progredir na teoria do delírio é necessária uma nova formulação. DSM-IV e CID-10, os códigos atuais de classificação dos transtornos mentais não destacam mais os quadros delirantes.
O "delírio" tem aparecido mais como característica "psicótica" de vários quadros do que como categoria diagnóstica específica. Como as outras posições dos códigos, essa encontra críticos radicais. Um deles é o psiquiatra Carol Sonenreich, que propõe o delírio como "perda da comunicação lógica entre um indivíduo e os outros".
A semiótica de Peirce foi escolhida para apoiar a proposta de Sonenreich e acrescentar elementos da lógica do pragmatismo, além do interessante conceito de falibilismo inventado por Peirce. O filósofo americano acreditava que uma das mais elementares capacidades do ser humano é perceber a possibilidade de falhar. Essa percepção facilita o reconhecimento do erro, a correção e a retomada do alvo de acerto. A aplicação desse conceito tão simples ao delírio revela que o delirante é incapaz de reconhecer suas falhas. É o outro que o persegue, só há certezas.
As idéias com respeito à clínica psiquiátrica devem ser sempre ilustradas com exemplos: o relato, a observação do caso. Entretanto, a interlocução desse livro se dá no campo da arte, da comunicação, além de um apanhado no campo das neurociências. Desse modo, o instrumento usual não pode ser a observação clínica. O cinema foi escolhido como fonte de exemplos, um paralelo aos casos da clínica. Apesar de a televisão ser o meio de comunicação mais popular, ainda é o cinema que mais transmite conceitos abordados pelo campo da saúde mental. Desde seu surgimento, o cinema utiliza a psiquiatria como tema, o que não tem ocorrido com outras mídias.
Ressalta-se que não são feitos diagnósticos de personagem isto é uma característica da relação médicopaciente mas alguns filmes exibem a narrativa tal qual podemos encontrar na psiquiatria. Alguns realizadores se propõem a exibir personagens com doença mental. Trata-se, portanto, da intenção do filme.
O cinema influencia a visão do mundo, tanto dos psiquiatras quanto de seus pacientes. As condutas atribuídas aos "loucos" de filme podem influenciar a sintomatologia. Sabemos que os doentes interpretam suas vivências, suas percepções conforme padrões, lugares comuns, com os quais as "mídias" e a cultura nos familiarizam. A expressão da doença pode ser moldada pelos filmes vistos, assim como é pelas experiências de vida, pelos valores que adotamos.
O cinema como substituto de casos exemplares, como lugar limite entre realidade e fantasia, como modelo de valores e tipos propagados pela "mídia" é articulado nesse trabalho, para ampliar os argumentos do autor e descortinar outras perspectivas.
Recebido: 6/12/2002
Aceito: 12/12/2002
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
05 Out 2005 -
Data do Fascículo
2003