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Depressão e auto-estima entre acadêmicos de enfermagem

Depression and self-esteem among nursing students

Resumos

CONTEXTO: Há evidências sobre o aumento dos casos de depressão e suas conseqüências na vida das pessoas. OBJETIVOS: Este estudo objetivou conhecer sinais indicativos de depressão e níveis de auto-estima entre acadêmicos de enfermagem, correlacionando esses indicadores. METODOLOGIA: aplicou-se 2 escalas de avaliação (depressão e auto-estima), auto-respondidas por 242 alunos do 1º, 2º e 3º anos de enfermagem que concordaram em participar. RESULTADOS: Idade entre 17 e 44 anos, sendo 40% acima dos 25, 4,4% não solteiros e 4,9% homens, indicando mudança no perfil dos alunos. Encontrou-se 80,8% de alunos sem depressão sendo que todos com altos níveis de estima pessoal (17%) estavam neste grupo. Os demais (80,4%) tinham níveis médios de auto-estima. A porcentagem de disforia (10,3%) e de depressão moderada e grave (6,7%) bem como os níveis de auto-estima condizem com os índices referidos na literatura. CONCLUSÕES: a freqüência de depressão entre estudantes está em níveis esperados, porém níveis de estima pessoal estão abaixo.

Estima; depressão; enfermagem; psiquiatria; estudante


BACKGROUND: There is growing evidence about the increasing incidence of depression and the consequences in people's lives. OBJECTIVE: This study aymed to describe and correlate depression symptoms and self-esteem levels among nursing students. METHODS: 242 first, second and third-year nursing students agreed to participate and answered two depression scales and one self-esteem assessment instrument. RESULTS: Participants were between 17 and 44 years old; 40% were older than 25; 4.4% were not single and 4.9% were men. These results indicate that the students' profile is changing. 80.8% of students did not present any signs of depression and all students with high self-esteem scores belonged to this group. The remaining (80.4%) presented average self-esteem levels. Levels of dysphoria (10.3%), moderate and severe depression (6.7%) and low and average self-esteem correspond to results mentioned in literature. CONCLUSION: Depression symptoms among nursing students are in accordance with the literature, but measures of self-esteem are below the expected levels.

Esteem; depression; nursing; psychiatry; student


ARTIGO ORIGINAL

Depressão e auto-estima entre acadêmicos de enfermagem

Depression and self-esteem among nursing students

Antonia Regina Ferreira FuregatoI; Edilaine Cristina da SilvaII; Mariara Cássia de CamposIII; Roberta Peliçari de Toledo CassianoIII

IResponsável pelo Núcleo de Ensino e Pesquisa das Relações Interpessoais (Projeto NUPRI), professora titular do Departamento de Enfermagem Psiquiátrica e Ciências Humanas da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (EERP/USP)

IIMestre em enfermagem psiquiátrica e especialista em laboratório da EERP/USP

IIIAluna do curso de graduação da EERP/USP, bolsista de iniciação científica (IC) e do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC)

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Antonia Regina Ferreira Furegato Rua: J, nº 510 - Quinta da Boa Vista A. 14033-014 – Ribeirão Preto – SP Fone: (16) 3623-1068; (16) 3602-3422 e-mail: furegato@eerp.usp.br

RESUMO

CONTEXTO: Há evidências sobre o aumento dos casos de depressão e suas conseqüências na vida das pessoas.

OBJETIVOS: Este estudo objetivou conhecer sinais indicativos de depressão e níveis de auto-estima entre acadêmicos de enfermagem, correlacionando esses indicadores.

METODOLOGIA: aplicou-se 2 escalas de avaliação (depressão e auto-estima), auto-respondidas por 242 alunos do 1º, 2º e 3º anos de enfermagem que concordaram em participar.

RESULTADOS: Idade entre 17 e 44 anos, sendo 40% acima dos 25, 4,4% não solteiros e 4,9% homens, indicando mudança no perfil dos alunos. Encontrou-se 80,8% de alunos sem depressão sendo que todos com altos níveis de estima pessoal (17%) estavam neste grupo. Os demais (80,4%) tinham níveis médios de auto-estima. A porcentagem de disforia (10,3%) e de depressão moderada e grave (6,7%) bem como os níveis de auto-estima condizem com os índices referidos na literatura.

CONCLUSÕES: a freqüência de depressão entre estudantes está em níveis esperados, porém níveis de estima pessoal estão abaixo.

Palavras-chave: Estima, depressão, enfermagem, psiquiatria, estudante.

ABSTRACT

BACKGROUND: There is growing evidence about the increasing incidence of depression and the consequences in people's lives.

OBJECTIVE: This study aymed to describe and correlate depression symptoms and self-esteem levels among nursing students.

METHODS: 242 first, second and third-year nursing students agreed to participate and answered two depression scales and one self-esteem assessment instrument.

RESULTS: Participants were between 17 and 44 years old; 40% were older than 25; 4.4% were not single and 4.9% were men. These results indicate that the students' profile is changing. 80.8% of students did not present any signs of depression and all students with high self-esteem scores belonged to this group. The remaining (80.4%) presented average self-esteem levels. Levels of dysphoria (10.3%), moderate and severe depression (6.7%) and low and average self-esteem correspond to results mentioned in literature.

CONCLUSION: Depression symptoms among nursing students are in accordance with the literature, but measures of self-esteem are below the expected levels.

Key-words: Esteem, depression, nursing, psychiatry, student.

Introdução

Nos últimos 30 anos, estudos localizados e transculturais têm evidenciado o aumento de casos de depressão na população geral e seus efeitos deletérios na vida das pessoas afetadas, além da comorbidade com outras doenças crônicas e situações estressantes. Devido à alta freqüência e às conseqüências com sérios prejuízos sociais, nas relações interpessoais e com o intenso sofrimento, há também a preocupação com o risco de suicídio. (Silveira e Jorge, 1998; OPAS/OMS, 1999; Lafer et al., 2000; Fleck et al., 2003; Moreno, 2005; Olié et al., 2005; Sartorius, 2005).

É comum indivíduos com depressão experimentarem diminuição do rendimento no estudo, no trabalho e em seus afazeres cotidianos. Muitos convivem com o estado depressivo por longo período de tempo sem procurar ajuda especializada, pois não sabem que seu estado é manifestação de uma doença que deve ser diagnosticada e adequadamente tratada. Neste rol, encontram-se desde pessoas simples até as mais esclarecidas, incluindo até profissionais da área da saúde. Freqüentemente, associam a crença de que o estado de tristeza e de desinteresse seja próprio de suas vidas ou da natureza da sua personalidade; alguns até crêem que estão pagando algum pecado ou saldando alguma culpa.

Como a depressão tem manifestações de humor, cognitivas, vegetativas e principalmente somáticas, a pessoa vai suportando essa situação. Quando o sofrimento se intensifica, procura a ajuda de um clínico, um neurologista, um gastroenterologista, outros tipos de orientação na saúde ou mesmo de seus contatos sociais.

No trabalho, pessoas com depressão geralmente apresentam fadiga, sonolência constante, dificuldades de concentração, agitação ou retardo psicomotor, fraqueza muscular, agitação e até mesmo tremores (Williams e Strasser, 1999). Faltam-lhes energia e disposição para enfrentar qualquer situação, culpando-se dos fracassos.

Embora na literatura internacional seja dito que os sintomas depressivos são três vezes mais freqüentes na população jovem do que na adulta, estudo realizado por Soares et al. (1999) não confirma esses dados.

Entre os principais fatores predisponentes à manifestação depressiva nesta idade, estão aqueles relacionados ao ambiente familiar e social, tendo como conseqüências alterações de conduta, perda da auto-estima, ansiedade e déficits cognitivos. Além disso, aumenta o risco de quadros depressivos na idade adulta (Soares et al., 1999).

Tanto no estudo quanto no desempenho da profissão de enfermeiro são requeridos alto nível de habilidades cognitivas, disposição e atitudes proativas, e o estado depressivo dificulta esse rendimento. Desempenho efetivo no trabalho não combina com estado depressivo.

A presença de sintomas depressivos em estudantes e profissionais da enfermagem não deve ser vista como um fator de discriminação, mas de cuidado a essa pessoa, que, mesmo sofrendo, continua a cuidar de indivíduos que também sofrem. Acolher e promover o acompanhamento e a orientação deve fazer parte das ações do docente e do colega que percebe e identifica esses casos (OPAS/OMS, 1999; Williams e Strasser, 1999; Lafer et al., 2000; Fleck et al., 2003; Lafer e Soares, 2005; Santos et al., 2003).

Sabemos que o indivíduo percebe e interpreta o mundo em função de sua constituição biopsíquica, suas experiências e seu aprendizado. Ou seja, o tipo de personalidade e comportamentos resilientes são fatores de proteção em relação à depressão (Edward, 2005). A maneira como o indivíduo se percebe e se valoriza também está relacionada aos níveis de estima pessoal.

A pessoa escolhe as formas de satisfazer suas necessidades de acordo com sua maneira de enfrentar o mundo, utilizando mecanismos de enfrentamento, negação, omissão, distorção e projeção, sempre evitando os efeitos da ameaça que as situações trazem consigo (Furegato, 1999).

A auto-imagem e a auto-estima estão intimamente relacionadas e são construtos da personalidade, resultantes da interação entre o que somos, como nos vemos e como os demais nos vêem (Gallar, 1998).

Os níveis de auto-estima influenciam a valorização e a confiança pessoal, mas também são responsáveis por êxitos e fracassos na instituição de ensino, no trabalho e na relação das pessoas com os demais (Fundichely e Zaldivar, 1999; Casique, 2004; Romero et al., 2005; Marsellach, 2006).

A auto-estima tem sido classificada em positiva e negativa (Gallar, 1998; Fundichely e Zaldivar, 1999; Casique, 2004; Romero, 2005; Marsellach, 2006). Quando positiva, o indivíduo tem uma satisfação interna que o preenche e o faz sentir-se feliz, valorizando sua existência. Quando negativa, as pessoas sentem-se inferiores em suas capacidades e habilidades em comparação aos demais, são conformistas e não possuem espírito de luta, como é o caso daqueles que são acometidos por transtorno depressivo. Portanto, a estabilidade e os bons níveis de auto-estima podem ser fatores decisivos para a saúde mental.

Objetivos

Conhecer sinais indicativos de depressão e níveis de auto-estima entre acadêmicos de enfermagem, correlacionando esses indicadores.

Metodologia

Tipo de estudo

Trata-se de um estudo exploratório-descritivo, com aplicação na prática da enfermagem, tendo como foco a saúde mental.

Amostra

A população de estudantes universitários que participou deste estudo constituiu-se de 224 indivíduos (73 do primeiro ano; 75 do segundo; 76 do terceiro) do curso de graduação em enfermagem. As turmas são constituídas de 80 alunos/ano. Os três grupos representam o universo de estudantes presentes no dia escolhido para o estudo. Apesar de terem sido selecionados dias que reuniriam maior número de estudantes por turma, houve algumas faltas e 2 deles não quiseram participar. Poder-se-ia questionar se, entre os não-participantes (ausentes e os que se recusaram), estariam alunos com depressão, visto que esta seria uma das características da doença.

Procedimentos éticos

Este estudo faz parte do projeto "Estudos indicativos e comparativos sobre conhecimento, opinião e presença de depressão entre estudantes de enfermagem com relação à auto-estima, à qualidade de vida e ao cuidado de enfermagem", do Núcleo de Ensino e Pesquisa das Relações Interpessoais (NUPRI), e foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (EERP/USP). O termo de consentimento esclarecido foi construído segundo os critérios estabelecidos pela Resolução 196/96.

Instrumento de coleta dos dados

ESCALAS DE AVALIAÇÃO DA DEPRESSÃO E DA AUTO-ESTIMA

As escalas de avaliação de depressão buscam identificar a presença de indicadores deste estado, geralmente focalizando várias categorias de sintomas, como os de humor, vegetativos/somáticos, motores, sociais, cognitivos, de ansiedade e irritabilidade. A maior parte dessas escalas dá ênfase aos sintomas cognitivos, vegetativos, motores e do humor, como é o caso do Inventário de Beck e o de Hamilton. Algumas podem ser auto-aplicadas (Calil e Pires, 1998).

O Inventário de Beck, criado há quase 50 anos na Universidade da Pensilvânia (Beck et al., 1961), foi traduzido e validado para o Brasil por Gorestein e Andrade (1998). Possui 21 itens, incluindo sintomas e atitudes em quatro graus de intensidade.

A Escala de Zung, desenvolvida também há quase 50 anos (Zung, 1965), foi adotada pela Organização Pan-americana da Saúde – OPAS (1999) em um projeto de capacitação profissional. Possui 20 alternativas sobre sintomas e atitudes do indivíduo nas diferentes categorias de manifestação depressiva, oferecendo oportunidades de respostas nas quais a pessoa indica a freqüência da presença do sintoma.

As duas escalas, do tipo Likert, são utilizadas tanto para diagnóstico entre suspeitos como entre a população sadia, na busca de indicadores de depressão.

A Escala de Auto-estima de Janis e Field é uma escala de 23 itens, pela qual se pretende determinar os níveis de auto-estima que o indivíduo apresenta (Fundichely e Zaldivar, 1999). Ela foi traduzida e adaptada para o português, conforme citado por Ângelo (1994).

Coleta dos dados

Foi realizada em dia e horário nos quais as turmas estavam reunidas para alguma atividade em sala. Os professores, responsáveis pelas turmas, foram contatados previamente para que cedessem os 30 minutos iniciais de sua aula.

Antes de distribuir os instrumentos, um dos pesquisadores esclareceu os objetivos da pesquisa, a importância de sua colaboração ao ensino e à pesquisa do tema, bem como a identificação e o encaminhamento dos casos identificados entre eles. Ressaltou-se a importância do silêncio e da concentração para a garantia de melhores resultados, de não ser deixada nenhuma questão sem resposta e que, em caso de dúvidas, um dos quatro pesquisadores presentes deveriam ser requisitados. Foram informados sobre os procedimentos para o preenchimento dos formulários, de que os alunos detectados com depressão seriam individualmente procurados e orientados e que a atividade era uma tarefa simples, sem prejuízos nem custos, garantindo o anonimato.

Os alunos, devidamente instruídos, assinaram o termo de consentimento esclarecido.

Análise dos dados

Os dados foram agrupados em planilhas de cálculo e submetidos a tratamento estatístico no SPSS. Os dados de identificação e demográficos permitem indicar o perfil dos sujeitos deste estudo.

As escalas de depressão (Inventário de Beck e Escala de Zung) permitiram identificar a presença de depressão, individualmente, bem como os índices gerais, comparando-se os resultados de ambos os instrumentos. Nos dois casos, obteve-se a freqüência de depressão entre os alunos das três classes investigadas.

Os resultados da análise da auto-estima pela escala de Janis e Field classificaram os casos em baixa, média e alta auto-estima. O passo seguinte foi comparar os resultados do Inventário de Beck para depressão com os níveis de auto-estima. Os achados foram discutidos com reflexões apoiadas na literatura.

Resultados e discussão

As turmas de alunos do curso de graduação em enfermagem são compostas de 80 alunos, portanto, a estimativa era encontrar 240 sujeitos no conjunto das três salas. Mesmo contando que havia alguns alunos excedentes que caíram de turma, alguns que não faziam a matéria da aula no dia da pesquisa, houve faltosos e dois não quiseram colaborar. O índice de aproveitamento foi de 93,3%.

Participaram da pesquisa 224 sujeitos, alunos dos três primeiros anos do curso de graduação em enfermagem com o seguinte perfil: a maioria (95,1%) era do sexo feminino. A idade variou de 17 a 44 anos, com predominância na faixa de 21 a 25 anos (60,3%). Quase todos (95,6%) eram solteiros, 3,1% eram casados e 1,3% separados (Tabela 1).

Chamam a atenção os índices de quase 5,8% dos alunos com idade superior a 25 anos, de 4,4% de não-solteiros e de 4,9% do sexo masculino. Esses três indicadores mostram mudanças no perfil dos alunos de enfermagem.

Como a enfermagem na EERP/USP é um curso em tempo integral, a grande maioria dos alunos não trabalha. Entretanto, muitos estão engajados em projetos que lhes oferecem bolsa (IC, PIBIC, Coseas, Cultura e Extensão). Observou-se que poucos têm atividade remunerada.

A depressão

Tal como em outros estudos (Santos et al., 2003; Silva et al., 2003; Furegato et al., 2005), esta investigação trabalhou com uma amostra não diagnosticada e insuspeita. Entretanto, como na população geral (OPAS/OMS, 1999; Andrade, 1999), partimos do pressuposto de que poderia haver casos de depressão entre os estudantes de enfermagem.

Mesmo não sendo um grupo suspeito, decidimos conhecer a freqüência da ocorrência de depressão entre os alunos, identificar os casos e orientá-los ou encaminhá-los, se necessário.

Foram utilizados os dois testes simultaneamente para, mais uma vez, testar o alcance diagnóstico das duas escalas. Os escores adotados foram os seguintes:

a) Inventário de Beck: < 15: sem depressão; de 15 a 20: disforia ou depressão leve; de 20 a 30: depressão moderada; > 30: depressão grave;

b) Escala de Zung: < 59: sem depressão; 60 a 69: depressão moderada; > 70: depressão grave.

Na identificação da depressão, os dados dos dois instrumentos mostraram diferenças (Tabela 2). Segundo o Inventário de Beck, 181 alunos (80,8%) não apresentaram sinais indicativos de depressão; 28 apresentaram disforia; 14, depressão moderada; e 1, depressão grave. A Escala de Zung detectou 219 alunos (97,8%) sem sinais de depressão e 5 com depressão moderada a grave.

Comparando os dois instrumentos aplicados aos alunos de enfermagem, observou-se alguma diferença na detecção dos sinais de depressão. O Inventário de Beck mostrou maior sensibilidade ao detectar a presença de sinais indicativos de depressão em 43 alunos (19,2%), diferenciando ausência de depressão, depressão leve/disforia, moderada e grave. A Escala de Zung, por sua vez, detecta apenas ausência de depressão e depressão moderada a grave. Vale ressaltar que, observando os resultados individualmente, o aluno identificado com depressão grave foi o mesmo nos dois instrumentos.

Em outro estudo, no qual se comparou o resultado da avaliação da depressão entre os dois instrumentos, com os mesmos sujeitos, os resultados foram equivalentes (Furegato et al., 2005).

Pelos resultados do Inventário de Beck, os índices encontrados neste estudo estão próximos aos da população geral.

Os alunos que apresentaram sinais indicativos de depressão foram procurados e informados do resultado, sendo orientados quanto à importância de buscarem ajuda profissional, em especial aqueles com maiores níveis de depressão. Foram ouvidos atentamente, receberam o devido apoio e foram esclarecidas as suas dúvidas, conforme preceitos das relações interpessoais terapêuticas na enfermagem (Furegato, 1999).

A auto-estima e a depressão

Com base nas respostas dos 224 sujeitos desta pesquisa, observou-se no Inventário de Beck que 80,8% não apresentavam sinais indicativos de depressão, e destes, apenas 0,4% tinha baixa estima e 17%, altos níveis de estima pessoal. A grande maioria (63,4%) apresentou níveis médios de auto-estima. Tal panorama muda nos casos de disforia e de depressão moderada e grave, pois não havia nenhum aluno com altos níveis de estima pessoal, conforme se observa na tabela 3.

Quando foram analisados os níveis de depressão em cada turma, observou-se que o aluno sem depressão e com baixa estima era do segundo ano. Percebeu-se também que a presença de disforia apresentou um índice de 12% a 13% nos três grupos, com 2,7%, 2,7% e 1,3% de baixa estima; a depressão moderada e grave teve quatro, cinco e seis casos, respectivamente, no primeiro, segundo e terceiro anos do curso, sendo entre 7% e 8% do total, todos com níveis médios de auto-estima (Tabela 4).

Neste estudo, chamou a atenção que apenas 17% (38 dos 181 alunos sem depressão) de todos os alunos têm altos níveis de auto-estima.

Não foi encontrado, entre os alunos que apresentaram sinais indicativos de depressão leve (disforia), moderada e grave, nenhum caso de níveis elevados de auto-estima.

Esse resultado mostra que tanto os instrumentos de avaliação de depressão quanto o de avaliação dos níveis de auto-estima estão equilibrados. Seria estranho se justamente encontrássemos resultados diferentes.

Por outro lado, foi percebida pouca freqüência de baixos níveis de estima pessoal, presentes nos casos de disforia/depressão leve, algo esperado nessa população de jovens estudantes universitários.

Assim, 64,4%, 62,7% e 63,2% dos alunos do primeiro, segundo e terceiro anos, respectivamente, apresentaram índices médios de auto-estima, sem presença de depressão.

Quanto à depressão, apenas um aluno apresentou pontuação indicando depressão grave. Aqueles que tiveram níveis de depressão moderada (14 alunos), detectados pelo Inventário de Beck, foram objeto de preocupação, visto que são jovens, estudantes universitários com perspectiva de entrada no mercado de trabalho imediatamente após a formatura e, em geral, estão iniciando seus relacionamentos afetivos objetivando a constituição de suas famílias.

No estudo de Soares (1999), os sintomas mais freqüentes na população compreendida entre 15 e 24 anos foram insônia, desânimo e irritabilidade.

Os índices de 6,7% de casos de depressão moderada e grave e de 12,5% de média (10,3%) e baixa (2,2%) estima pessoal entre os alunos com depressão leve do presente estudo condizem com aqueles referidos na literatura (Andrade, 1999; Soares et al., 1999; Lafer et al., 2000; Fleck et al., 2003; Silva, 2003; Moreno, 2005).

As condições externas falam a favor de comportamentos de estabilidade, equilíbrio, de uma fase de alegria e descontração com responsabilidades, porém, na transição da juventude para a vida adulta. Seria uma fase em que a auto-estima "deveria" estar em alta: eles deveriam estar vivendo sem grandes preocupações com o passado, mirando um futuro promissor, vivendo intensamente o momento presente, desfrutando da vida com criatividade e sentimentos positivos.

Por outro lado, o cenário econômico do País, com falta de perspectivas de trabalho, não é nada favorável à auto-estima dos jovens que estão prestes a entrar no mercado de trabalho. Além disso, a vivência desses alunos nos campos de estágio, a realidade da prática de atenção à saúde da população e um sistema de saúde pouco voltado ao atendimento das reais necessidades da população não são fatores estimulantes para um desempenho otimista.

Conclusões

O Inventário de Beck e a Escala de Zung mostraram equivalência para a detecção de sinais de depressão, embora o Inventário de Beck seja mais sensível às diferenças. As escalas de avaliação da depressão e de níveis de auto-estima mostram-se equilibradas nos resultados deste estudo.

A freqüência de depressão entre os alunos de enfermagem está dentro dos níveis esperados para a população em geral. Apesar do atual cenário político-econômico do País e da falta de perspectiva de trabalho, era de se esperar níveis mais altos de estima entre os estudantes de enfermagem em função do momento de vida que atravessam. Nesse aspecto, os resultados encontrados neste estudo devem ser observados com atenção.

Os enfermeiros precisam estar atentos para que a presença de depressão seja detectada e enfrentada antes que cause prejuízos ao seu desempenho profissional. Devemos começar a criar o mundo solidário dentro da própria profissão, identificando os problemas de saúde entre os alunos e os enfermeiros, nas mais diversas situações de trabalho. Programas educacionais, estratégias clínicas para orientação e o diagnóstico precoce desses problemas devem ser estimulados.

Recebido: 12/02/2006 – Aceito: 25/04/2006

Projeto apoiado pelo CNPq (Projeto 520277 e PIBIC 111317/2004-5)

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Nov 2006
    • Data do Fascículo
      2006

    Histórico

    • Aceito
      25 Abr 2006
    • Recebido
      12 Fev 2006
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