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Manifesto de Fundação do Curso de Serviço Social da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), do campus Baixada Santista

Pronouncement of the Foundation of the Social Services Course at Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) in Santos

Resumos

Trata-se do Manifesto de Fundação do Curso de Serviço Social da Universidade Federal de São Paulo/Campus Baixada Santista, cujo objetivo é documentar, refletir e registrar a criação e a importância do primeiro curso de Serviço Social em uma universidade pública federal, decorridos 73 anos do Serviço Social brasileiro e paulistano.

História; Serviço Social; Formação profissional; Lutas sociais; Resistências


It is the Pronouncement of the Foundation of the Social Services Course at Universidade Federal de São Paulo in Santos. Its aim is to record and to reflect about the creation and the importance of the first course of Social Services in a federal public university, after the 73-year-old existence of the Brazilian and Paulistano Social Services.

History; Social Services; Professional background; Social struggle; Resistance


INFORME-SE

Manifesto de Fundação do Curso de Serviço Social da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), do campus Baixada Santista* * Elaborado e lido publicamente no Ato de Fundação do Curso de Serviço Social da Universidade Federal de São Paulo/ campus Baixada Santista, ocorrido no dia 11 de novembro de 2009, no prédio Ponta da Praia, localizado na Av. Saldanha da Gama, 89 — Santos/SP.

Pronouncement of the Foundation of the Social Services Course at Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) in Santos

Ana Rojas AcostaI; Luzia Fátima BaierlII; Maria Liduína de Oliveira e SilvaIII; Maria Norma de Oliveira Braz Peixoto da SilvaIV; Silvia Maria Tagé ThomazV

IEx-diretora do Celats (Centro Latino-Americano de Trabajo Social), assistente social com pós-doutorado em políticas públicas, docente e pesquisadora do curso de Serviço Social da Unifesp/BS — Santos/SP, Brasil. E-mail: anroac@uol.com.br

IIProfesssora doutora do curso de Serviço Social da Universidade Federal de São Paulo/Baixada Santista, Brasil. E-mail: baierl@uol.com.br

IIIProfessora e coordenadora do curso de Serviço Social Unifesp/BS — Santos/SP, Brasil, vice-presidente da Abepss Sul II (gestão 2009/10), pesquisadora e militante dos direitos humanos de crianças e adolescentes. E-mail: liduoliveira@ig.com.br

IVProfessora adjunta da Unifesp-BS — Curso de Serviço Social — Santos/SP, Brasil. E-mail: norma_braz@hotmail.com

VProfessora e vice-coordenadora do Curso de Serviço Social do Departamento de Ciências da Saúde — Unifesp/campus Baixada Santista/SP, Brasil. E-mail: silviamtt@uol.com.br

RESUMO

Trata-se do Manifesto de Fundação do Curso de Serviço Social da Universidade Federal de São Paulo/Campus Baixada Santista, cujo objetivo é documentar, refletir e registrar a criação e a importância do primeiro curso de Serviço Social em uma universidade pública federal, decorridos 73 anos do Serviço Social brasileiro e paulistano.

Palavras-chave: História. Serviço Social. Formação profissional. Lutas sociais. Resistências.

ABSTRACT

It is the Pronouncement of the Foundation of the Social Services Course at Universidade Federal de São Paulo in Santos. Its aim is to record and to reflect about the creation and the importance of the first course of Social Services in a federal public university, after the 73-year-old existence of the Brazilian and Paulistano Social Services.

Keywords: History. Social Services. Professional background. Social struggle. Resistance.

O que é a história? O historiador Eric Hobsbawm (2002) tem uma maneira poética de explicar a história. Ensina-nos que a história fala daquilo que acontece visto de fora e as memórias falam daquilo que acontece visto de dentro. Para Hobsbawm (1999), a história é feita por pessoas extraordinárias, entre as quais, destacam-se: os sapateiros, os camponeses, os que vivem em situação de rua, os camelôs, os desempregados, os trabalhadores, crianças, jovens, adultos, idosos violentados em seus direitos sociais e humanos, mães que não tiveram a oportunidade de cuidar de seus filhos, jovens violados e violentadores, crianças fora da escola e que estão no tráfico, albergados, pessoas desassistidas por políticas sociais, sem direitos. O extraordinário para ele é o campo da fissura, da desigualdade social, da rebeldia e da luta social.

Assim, a história é tecida por homens, mulheres, jovens e crianças que produzem e reproduzem suas existências em sociedade, a partir das condições sociais, econômicas, culturais determinadas. A existência do ser social, objetivada historicamente na relação natureza, trabalho e sociedade, remete à particularidade da condição humana genérica, mediada pela totalidade da vida social.

Tecer o fio da história conduzida pela linha da memória e o tecido do tempo faz também dos assistentes sociais construtores da práxis social, da vida e da transformação da história. Eduardo Galeano (1999) expressa bem essa ideia de ação, de indignação e de luta para mudança do mundo, quando afirma que somos o que fazemos, principalmente o que fazemos para mudar o que somos.

Nesse sentido, é importante recuperar, brevemente, os marcos históricos tecidos pelo Serviço Social — como protagonista de mudanças — para demarcar o significado político, social e histórico da fundação do primeiro curso de Serviço Social em uma universidade pública federal, no estado de São Paulo.

Da criação da primeira Escola de Serviço Social, em 1936 — que nos anos 1970 se agrega à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) —, à fundação da primeira escola pública federal de Serviço Social, em 2009, na Unifesp, decorreram 73 anos. Trata-se de uma grandiosa conquista histórica para o ensino público em Serviço Social, em tempos de mercantilização e de precarização do ensino superior, sendo que, nesses anos, a particularidade de São Paulo é tomada fortemente pelo ensino de natureza privada e confessional.

O Serviço Social brasileiro tem seu marco inicial nas décadas de 1930 e de 1940, a partir da emergente questão social, reflexo da expansão urbano-industrial e das lutas e resistências dos trabalhadores. É no contexto da produção e reprodução da vida social que o Serviço Social se inscreve na divisão social e técnica do trabalho (Iamamoto, 1982). Profissão em que o tecido histórico da sua legitimação na sociedade brasileira se dá na esteira do pensamento conservador, seja pela perspectiva doutrinária, confessional e humanista cristã, seja pelo legado do funcionalismo norte-americano, que reproduziu uma prática sincrética (Netto, 1992) e mantenedora da ordem, mas que, a partir da década de 1960, no contexto da autocracia burguesa, busca redefinições teórico-metodológicas e questiona as bases do Serviço Social tradicional em consonância com o conjunto dos profissionais latino-americanos, por meio do processo de renovação que alcança expressão no Movimento de Reconceituação.

Esse Movimento é compreendido como uma primeira aproximação do Serviço Social latino-americano à tradição marxista e de contestação ao tradicionalismo vigente na profissão (Netto, 1998). Nesse processo de renovação destacam-se dois grandes marcos: o III Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais — conhecido como Congresso da Virada —, realizado em 1979, que se configurou como um marco público do processo de ruptura com o tradicionalismo, com o conservadorismo e se apresentou como possibilidade para a construção de uma direção social crítica à profissão, que incide na formação, no exercício profissional, na prática política, na ética, na pesquisa e na produção de conhecimento em Serviço Social. O segundo acontecimento foi a realização da XXI Convenção Nacional da Associação Brasileira de Escolas em Serviço Social (Abess), que ocorreu em Natal, onde se definiu pela necessidade de uma revisão curricular, com ênfase nos estudos da realidade brasileira.

Nessa linha, destacam-se outros marcos que vêm construindo a formação e o trabalho profissional nas últimas três décadas, como: o Currículo Mínimo aprovado em 1982; a obra clássica da professora Marilda Iamamoto e Raul de Carvalho Relações sociais e Serviço Social no Brasil: esboço de uma interpretação histórico-metodológica, os Códigos de Ética de 1986 e 1993, a Lei de Regulamentação da Profissão de 1993, as Diretrizes Curriculares de 1996 da Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (Abepss), o crescimento dos programas de pós-graduação, o reconhecimento pelos organismos de fomento à pesquisa do Serviço Social como área de pesquisa e a produção de conhecimento, e, não menos importante, a organicidade das entidades da categoria profissional: Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (Abepss), Conselho Federal de Serviço Social (CFESS) e Conselho Regional de Serviço Social (Cress) e a Executiva Nacional dos Estudantes de Serviço Social (Enesso), articuladas às lutas da classe trabalhadora, na constituição de sindicatos, partidos políticos e movimentos sociais e na conquista de direitos sociais e humanos universais.

Tais marcos inserem o Serviço Social nas lutas da classe trabalhadora e apontam para a construção de um projeto profissional, com uma dimensão ético-politica que potencializa a defesa intransigente dos direitos humanos, da democracia, da liberdade como potencializadora da vida humana e da recusa de toda e qualquer forma de preconceito e autoritarismo.

O contexto histórico que determinou mudanças significativas na profissão, nos anos 1980, foi marcado pelo: fim da ditadura militar, protagonismo dos movimentos sociais no campo e na cidade, fortalecimento dos sindicatos e consolidação de uma classe trabalhadora que lutava por uma sociedade justa, igualitária e pela afirmação dos direitos sociais, conquistados na Constituição Federal de 1988.

No entanto, contraditoriamente, na década de 1990 a política neoliberal colide com as conquistas constitucionais — resultado da luta social — e com o processo de regulamentação jurídica dos direitos sociais. O neoliberalismo, a globalização, a crise do padrão de acumulação, a crise do Welfare State, o pronunciado "fim da história", a crise do socialismo real, as redefinições nas relações Estado-sociedade civil, a instauração de novos padrões de produção, o avanço da robótica e da tecnologia, as modificações no mundo do trabalho e na proteção social do trabalhador, a perda de direitos, o aumento da violência no campo e na cidade, o agravamento da questão social, a ausência do Estado na proteção social, o fortalecimento das práticas filantrópicas no enfrentamento à questão social e a retração da capacidade de lutas e resistências da classe trabalhadora impõem ao mundo uma estrutura desumanizante, que exige interpretar e transformar a história.

Esses marcos estruturais e conjunturais ampliam, agravam e radicalizam as expressões da questão social — fundamento e matéria-prima do trabalho do assistente social — e requisitam uma formação profissional crítica, com rigorosa fundamentação teórico-metodológica, ético-política e técnico-operativa, com capacidade para dialogar e intervir frente às mudanças desses tempos, na perspectiva de construir uma práxis social com componentes e mediações essenciais da ação profissional.

Nessa perspectiva, a formação profissional não deve ceder à lógica vigente do ensino superior brasileiro, que impõe a precarização do ensino em virtude da redução da carga horária e do tempo dos cursos de graduação, da maior otimização da tecnificação para rápida absorção do mercado; da dissolução entre ensino, pesquisa e extensão, da proliferação do ensino a distância; do incentivo e do investimento à abertura de faculdades isoladas, de caráter privado.

É nesse contexto de adversidade para a formação profissional que, paradoxalmente, nasce o Curso de Serviço Social da Unifesp/BS, como resposta e resistência às imposições do capital, particularmente da mercantilização do ensino e do ensino a distância. Resulta de trinta anos do Serviço Social crítico; reflete 73 anos de luta pela legitimidade da formação profissional no espaço público e se insere na defesa e na efetivação de um ensino público, gratuito, laico, de qualidade e universal, de modo a afirmar os princípios, os pressupostos, os objetivos, o perfil profissional que se deseja formar e a lógica curricular contida nas Diretrizes Curriculares da Abepss. Cabe ressaltar que, atualmente, a Unifesp/BS é a escola sede dos estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul da Abepss.

Construir um Projeto Ético-Político do Serviço Social que direciona de forma crítica a formação e o exercício profissional, sem perder de vista as determinações e antagonismo deste tempo — que é um tempo de barbárie e de capital fetiche — é um dos maiores desafios. E, nesse sentido, o curso de Serviço Social já nasce sob a égide do Projeto Ético-Político profissional, que tem como direção social a emancipação humana. Trata-se da formação de trabalhadores da práxis e da transformação da história porque ousa e luta cotidianamente, resiste às imposições de um capitalismo destrutivo e não capitula na luta por um mundo justo, junto aos sujeitos que são capturados por histórias e sociabilidades marcadas pelas faces das subalternidades, pobreza, espoliação, violência, ausência de protagonismo político e social.

Assim, essa profissão busca aprofundar a sua contribuição na construção de um novo projeto societário mais justo, equânime. E é sob essa prerrogativa que se constrói o curso de Serviço Social em Santos, reconhecendo que esse município foi e é cenário de destaque nos grandes acontecimentos históricos do país e nos movimentos sociais mais atuantes da vida brasileira. A instalação do curso de Serviço Social, em 2/3/2009, e da Unifesp, em 2006, representam uma conquista legítima dessa população. Nesse sentido, o curso de Serviço Social veio agregar os cursos de psicologia, nutrição, terapia ocupacional, fisioterapia e educação física no campus da Baixada Santista/Unifesp, de modo a desenvolver um trabalho interdisciplinar e em equipe, articulado com os mencionados cursos e mediado pelos eixos comuns: o ser humano em sua dimensão biológica; o ser humano e sua inserção social e o trabalho em saúde.

Nesse processo, o curso de Serviço Social campus Baixada Santista assume muitos desafios, entre eles: o aprofundamento da reflexão, a realização dos princípios da educação interprofissional, da interdisciplinaridade na formação, da integração de saberes na competência para o trabalho em equipe. Além do trabalho com a integralidade do cuidado com o sujeito, o que parece informar sobre o vigor de uma nova mentalidade e abordagem que não se quer estreita em uma justaposição de disciplinas, mas se quer vivificador no plano político, pedagógico e prático-operativo, capaz de estabelecer mecanismos e estratégias de correlações e reciprocidades de saberes e ações.

Nesse sentido, o curso de Serviço Social se expressa como uma valiosa contribuição, por se tratar de uma área de conhecimento, com a competência de formar profissionais e habilitá-los para a leitura e a análise crítica da complexa e dinâmica realidade. Acrescenta-se à particularidade do convite à intervenção qualificada nos processos e nas manifestações da questão social. Significa, em sociedades desiguais como a brasileira, a essencialidade de um profissional capaz de propor intervenções estratégicas para enfrentar problemas sociais e assegurar a realização dos direitos da população. Pode-se afirmar que o "cuidado" é parte fundamental da formação e a intervenção do Serviço Social e, neste caso, o "cuidado" não se restringe ao âmbito de uma área específica da política social. Em outras palavras, reafirma-se a formação generalista, porém não se trata exclusivamente da subjetividade daqueles que o demandam, porque a intervenção profissional volta-se para a emancipação do sujeito em suas relações com outros sujeitos, com a família, com o sentido de pertencimento à comunidade. Trata-se, portanto, do exercício profissional junto ao sujeito, mas sujeito esse que se contextualiza em coletivos de sujeitos, em comunidades e em suas relações sociais, políticas e culturais mais amplas e abrangentes.

Esse Manifesto de Fundação do Curso de Serviço Social da Universidade Federal de São Paulo, campus Baixada Santista, reforça nos docentes e discentes o desejo da partilha, como espaço de abertura para repensar o pensado, para somar com a ousada decisão de que o pioneirismo está em buscar novos caminhos. Nesse campus se desenha o novo, com todas as tensões e contradições desse tempo histórico, mas também com muitas potencialidades de redefinições, de conquistas e de desafios.

Artigo recebido em fev./2010

Aprovado em mar./2010

  • GALEANO, Eduardo. O livro dos abraços. Porto Alegre: LPM, 1999.
  • HOBSBAWM, Eric. Tempos interessantes: uma vida no século XX. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
  • ______. Pessoas extraordinárias: resistência, rebelião e jazz. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1999.
  • IAMAMOTO, Marilda; CARVALHO, Raul de. Relações sociais e Serviço Social no Brasil: esboço de uma interpretação histórico-metodológica. São Paulo: Cortez, 1982.
  • NETTO, José Paulo, Ditadura e Serviço Social: uma análise do Serviço Social no Brasil pós-64. São Paulo: Cortez; 1998.
  • ______. Capitalismo monopolista e Serviço Social. São Paulo: Cortez, 1992.
  • *
    Elaborado e lido publicamente no Ato de Fundação do Curso de Serviço Social da Universidade Federal de São Paulo/
    campus Baixada Santista, ocorrido no dia 11 de novembro de 2009, no prédio Ponta da Praia, localizado na Av. Saldanha da Gama, 89 — Santos/SP.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      29 Nov 2010
    • Data do Fascículo
      Jun 2010

    Histórico

    • Recebido
      Fev 2010
    • Aceito
      Mar 2010
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