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Desenvolvimento às avessas e depredação socioambiental por uma mineradora

Reverse development and the socio environmental degradation by a mining company

Resumo

Este artigo estuda a relação entre a insustentabilidade do padrão de desenvolvimento permitido pelo Brasil a uma empresa de mineração multinacional, associado à ideologia neoliberal, que resulta na agressão aos direitos sociais e ambientais, verificados com 70,54% de seus trabalhadores locais, com impactos na própria saúde, na da população à qual pertencem e do meio ambiente. Essa realidade é ocultada pela submissão de uma gestão ambiental pública alienada.

Palavras-chave:
Trabalho; Saúde do trabalhador; Meio ambiente; Desenvolvimento insustentável

Abstract

This article is about the relationship between the unsustainability of the pattern of development allowed to a multinational mining company in Brazil, and its association with the neoliberal ideology, which results in the aggression to socio environmental rights. Such and aggression can be seen in relation to 70,54% of its local workers, with impacts on their own health, on the population they belong to, and on the environment. This reality is hidden by the alienated public environmental management.

Keywords:
Labor; Laborer’s health; Environment; Unsustainable development


1. Introdução

Este artigo tem como objetivo analisar e demonstrar a contradição e a insustentabilidade da atual política de desenvolvimento econômico, marcada pela permissividade subalterna, resultando no mau uso dos recursos naturais do Brasil e na agressão aos direitos básicos da população onde se instalam grandes empreendimentos, incidindo particularmente sobre os trabalhadores neles alocados e no meio ambiente local, desestruturando e destruindo condições de vida, de trabalho e de economias tradicionais sustentáveis da região. Essas agressões têm sido toleradas por órgãos fiscalizadores do meio ambiente local, em nome do dito crescimento da economia e arrecadação do município, em sintonia com a marca subalterna, impregnada de alienação sobre a realidade mais ampla e suas mediações, mantendo o seu ocultamento.

A análise apresentada neste artigo utiliza o método dialético na perspectiva marxiana e tem por base uma tese de doutorado defendida em 2011, acrescida de estudos posteriores. A tese apresenta um estudo de casos que, além de análise bibliográfica e documental, realiza entrevistas junto a 91 trabalhadores de uma empresa multinacional, instalada no Brasil no período da ditadura militar, correspondentes a 70,54% do universo dos que apresentam uma dupla carga de agentes nocivos a sua saúde: as que incidem sobre as condições do processo de trabalho e sobre o pequeno município onde residem e se encontram instaladas três usinas siderúrgicas.

Tal política tem ocorrido pela mediação do processo caracterizado como desenvolvimentismo no país, identificado desde os anos 1930 no primeiro governo Vargas, segundo Bielschhowsky (1995), citado por Castelo (2012)CASTELO, R. O novo desenvolvimentismo e a decadência ideológica do pensamento econômico brasileiro. Serviço Social & Sociedade, São Paulo, n. 112, p. 613-636, out./dez. 2012., até o início do atual século XXI, inserido no que vem sendo denominado novo desenvolvimentismo.

O novo desenvolvimentismo, junto com outras expressões variantes - tais como neodesenvolvimentismo, social-desenvolvimentismo, neonacional-desenvolvimentismo - relacionadas ao desempenho econômico e social pelo Estado brasileiro a partir do governo Lula, vem provocando debates de interesse no estudo desse período comparado com formas de desenvolvimento anteriores, no Brasil e na América Latina.

Esses processos denotam o revigoramento dos traços de uma forma dependente de economia desses países, em especial os da maioria da América Latina desde 1930, caracterizada na denominada teoria marxista da dependência, tendo Marini (2000)MARINI, R. M. Dialética da dependência. In: ______. Dialética da dependência: uma ontologia da obra de Ruy Mauro Marini; organização e apresentação de Emir Sader. Petrópolis: Vozes; Buenos Aires: Clacso, 2000. como um dos seus expoentes.

A política inerente a esse estágio de desenvolvimento também expressa a tendência hegemônica da divisão internacional do trabalho, desfavorável para os países de economia dependente, desenvolvida no processo neoliberal de mundialização da economia. Nesse processo é mantido o movimento de depredação da natureza e da força de trabalho pelos grandes empreendimentos capitalistas nesses países, e, com eles, os efeitos catastróficos dos descartes e poluentes industriais, a despeito dos discursos e fóruns sobre a "questão ambiental".

Nesse sentido, entre os diversos matizes do pensamento ambientalista, ressaltamos o conceito de sustentabilidade, paralelamente ao de gestão ambiental. Conceitos esses contraditórios com o caso pesquisado, cujo processo produtivo apresenta evidências de insustentabilidade e de gestão alienada pelos órgãos oficiais de fiscalização que ocultam e alimentam esse processo destruidor da natureza, da força de trabalho e da população. Nesse campo, Silva (2010)SILVA, M. das G. Questão ambiental e desenvolvimento sustentável: um desafio ético-político ao Serviço Social. São Paulo: Cortez, 2010. ressalta a ação dos movimentos ambientalistas e sociais em geral na dinâmica dessa questão nas sociedades.

Nesse cenário, considera-se exemplar o caso aqui apresentado em síntese, a seguir, inclusive por desmentir muitos dos discursos e correntes de defesa do meio ambiente, em especial os que afirmam a conciliação entre a economia capitalista e a preservação ambiental e da vida humana com qualidade, que são direitos inalienáveis.

A pesquisa sobre o caso foi realizada na indústria de mineração multinacional citada, que produz pelotas de ferro para exportação no Espírito Santo, na qual o processo de trabalho é analisado como mediação central, determinando consequências desastrosas para a saúde dos seus trabalhadores e da população, diante de sua exposição a riscos e cargas negativas de trabalho, também relacionados com a destruição do meio ambiente. Os resultados mostraram uma dupla realidade. A primeira, dos documentos oficiais, consensual e sistêmica, como a engrenagem da informática. A segunda, contraposta pela realidade dialética vivida pelos trabalhadores, ocultada e contraditória, desvendando esses múltiplos riscos e cargas negativas de trabalho na multiplicidade de 166% das respostas sobre os processos e condições de trabalho.

2. Análises sobre o tema e mediações centrais

Iniciamos a análise do tema apresentando, em pequena síntese, o contexto político que envolve direções diferenciadas do denominado desenvolvimentismo no Brasil. Como já sinalizado, seguindo Castelo (2012)CASTELO, R. O novo desenvolvimentismo e a decadência ideológica do pensamento econômico brasileiro. Serviço Social & Sociedade, São Paulo, n. 112, p. 613-636, out./dez. 2012., essa denominação surge a partir do primeiro governo ditatorial de Vargas, nos anos 1930, tendo o seu auge ocorrido nos anos 1950-1960 com o governo Juscelino Kubitschek, seguido do de João Goulart, inconcluso. Com o golpe civil-militar que depôs este último, o que estava se constituindo como nacional-desenvolvimentismo, apoiado pelos grupos progressistas, derrotados e massacrados no período da ditadura militar, sofreu outros rumos (Ibidem). Após esse período, com a redemocratização consensuada, foi mantido o padrão de portas abertas para a exploração estrangeira de nossas riquezas, sendo impulsionado no início do atual século XXI, a partir do governo Lula da Silva, inserido no que vem sendo denominado de novo desenvolvimentismo.

Para Gonçalves (2012, p. 637)GONÇALVES, E. Novo desenvolvimentismo e liberalismo enraizado. Serviço Social & Sociedade, São Paulo, n.112, p. 637-671, out./dez. 2012., esse estágio constituiria "mais uma versão do liberalismo enraizado". Na demonstração dessa hipótese, afirma que o novo desenvolvimento no governo Lula expressa o que denomina "desenvolvimentismo às avessas", diante dos eixos estruturantes do nacional-desenvolvimentismo terem sido invertidos, manifestando-se em processos como:

desindustrialização, dessubstituição de importações; reprimarização das exportações; maior dependência tecnológica; maior desnacionalização; perda de competitividade internacional, crescente vulnerabilidade externa estrutural [...]; maior concentração de capital; e crescente dominação financeira, que expressa a subordinação da política de desenvolvimento à política monetária focada no controle da inflação. (Ibidem, p. 638)

Esse autor considera antes as convergências desse padrão com o Consenso de Washington e o pós-Consenso de Washington, com reformas de segunda geração, em face das críticas e equívocos do primeiro, constituindo, junto com as formulações da nova Cepal, expressões do "embebed liberalism", assim denominado por Ruggie (1982), por ele citado, que consiste no "compromisso entre as diretrizes estratégicas do liberalismo e a intervenção estatal orientada para a estabilização" (Gonçalves, 2012GONÇALVES, E. Novo desenvolvimentismo e liberalismo enraizado. Serviço Social & Sociedade, São Paulo, n.112, p. 637-671, out./dez. 2012., p. 639).

Sob um ângulo diferenciado, Almeida (2012)ALMEIDA, L. F. R. de. Entre o nacional e o neonacional-desenvolvimentismo: poder e classes sociais no Brasil contemporâneo. Serviço Social & Sociedade, São Paulo, n. 112, p. 689-710, out./dez. 2012.discute esse padrão a partir do que considera "um riquíssimo debate", iniciando com três posições a respeito da afirmação sobre o desenvolvimentismo como marca do governo Lula: a da Rede (ou Frente) Desenvolvimentista (FD), lançada em novembro de 2011, com participação de analistas de alta referência, alertando sobre a necessidade de maior aprofundamento e congruência sobre o desenvolvimentismo desse governo; a posição oposta de Gonçalves sobre o "nacional-desenvolvimentismo às avessas", já explicitada, e a de Armando Boito, que considera "o neodesenvolvimento [...] um modelo capitalista neoliberal reformado". Este último questiona a FD, por ser dirigida pela burguesia interna brasileira, desprovida de qualquer disposição anti-imperialista, beneficiando-se do "modelo". Almeida busca ultrapassar essas posições analisando, comparativa e historicamente, a

dimensão ideológica presente tanto no nacional como no neonacional-desenvolvimentismo, [destacando] que se trata de políticas e ideologias integrantes da reprodução, em diferentes contextos, de relações sociais capitalistas, ou seja, relações de exploração e dominação de classe. (2012, p. 692)

As análises e constatações semelhantes às de Gonçalves (2012)GONÇALVES, E. Novo desenvolvimentismo e liberalismo enraizado. Serviço Social & Sociedade, São Paulo, n.112, p. 637-671, out./dez. 2012. sobre o novo desenvolvimentismo encontram-se ampliadas no livro de Fontes (2010)FONTES, V. O Brasil e o capital-imperialismo. 3. ed. Rio de Janeiro: EPSIV/Ed. da Uerj, 2010., com enfoque paralelo mais abrangente, centrado no caso brasileiro. Esse enfoque concentra-se na relação histórica de dependência dos países de capitalismo periférico ou retardatário, inserida no que denomina capital-imperialismo. Essa categoria é concebida por Fontes (Ibidem) como uma nova fase do imperialismo, que considera evidente "há já quase meio século", em sua expansão contemporânea. Ressalta que, para o desvendamento do processo real em curso, é crucial entender a questão da

interpenetração de capitais no plano internacional, sob o predomínio do capital monetário contemporâneo, que conduziu a um aprofundamento da "união íntima" apontada por Lenin (1975, p. 59), em direção a uma fusão pornográfica de capitais [...], cuja valorização exige e impõe as mais variadas formas de extração de sobretrabalho e de expropriação. (Ibidem, p. 359)

No caso do Brasil, em dupla posição, diante da América Latina e do mundo, essa autora afirma que o País "hoje integra o grupo desigual dos países capital-imperialistas, em posição subalterna. Como o último dos primeiros, em situação tensa e instável, depende de uma corrida alucinada de concentração de capitais que, a cada passo, escancara crises sociais dramáticas" (Ibidem) . Consideramos aqui o caso pesquisado como expressão dessas crises sociais, incluindo nelas a degradação ambiental, em troca de um preço barato de exportação de matéria-prima beneficiada, com custo geral provavelmente negativo.

A contribuição de Marini (2000)MARINI, R. M. Dialética da dependência. In: ______. Dialética da dependência: uma ontologia da obra de Ruy Mauro Marini; organização e apresentação de Emir Sader. Petrópolis: Vozes; Buenos Aires: Clacso, 2000. é fundamental para o entendimento dessa posição subalterna, ao apresentar a configuração da dependência na divisão internacional do trabalho na região, determinando o curso do seu desenvolvimento, "entendida como uma relação de subordinação entre nações formalmente independentes, em cujo âmbito as relações de produção das nações subordinadas são modificadas ou recriadas para assegurar a reprodução ampliada da dependência" (Ibidem, p. 109) . Acrescenta a sua posição anticapitalista de que: "O fruto da dependência só pode assim significar mais dependência e sua liquidação supõe necessariamente a supressão das relações de produção que ela supõe" (Marini, 2000MARINI, R. M. Dialética da dependência. In: ______. Dialética da dependência: uma ontologia da obra de Ruy Mauro Marini; organização e apresentação de Emir Sader. Petrópolis: Vozes; Buenos Aires: Clacso, 2000., p. 109) . Nessa esteira, ressalta que a criação da indústria moderna, nos países centrais, teria sido fortemente obstaculizada sem essa relação dependente, situação esta que prossegue na década de 1970 - quando publicou Dialética da dependência - e até este início do século XXI, na função da América Latina de "criar uma oferta mundial de alimentos [... e] de contribuir para a formação de um mercado de matérias-primas industriais..." (Ibidem, p. 111). Porém essa possibilidade "dar-se-á, fundamentalmente, com base numa maior exploração do trabalhador [da produção latino-americana]" (Ibidem, p. 113), chamando a atenção para esse caráter contraditório da dependência dos países da América Latina, "que determina as relações de produção no conjunto do sistema capitalista" (Ibidem).

Desse modo, Marini contribui para a compreensão das determinações da tendência hegemônica da divisão internacional do trabalho, desenvolvida no processo neoliberal de mundialização da economia, sob os critérios de maiores riscos sociais e ambientais para os países periféricos e preservação do maior valor agregado e poder de controle e direção para os desenvolvidos.

Nesse sentido, há uma transferência para os periféricos, pelas corporações internacionais, de "partes de suas plantas produtivas - especialmente aquelas demandantes de maior utilização de trabalhadores -, deixando nos países industrializados os setores de pesquisa e de desenvolvimento de produtos" (Silva, 2010SILVA, M. das G. Questão ambiental e desenvolvimento sustentável: um desafio ético-político ao Serviço Social. São Paulo: Cortez, 2010., p. 171).

Desse modo, a parte poluidora e destrutiva do processo vai para os países de economia subalterna, menos rigorosa em suas leis de proteção e com abundante força de trabalho - barata e dependente quanto à empregabilidade, sendo política e educacionalmente frágil -, mantendo o domínio tecnológico e direitos inerentes, inclusive sob forma de patentes, muitas vezes ainda auferindo incentivos fiscais e financiamento. Essa divisão também tem priorizado, nos países periféricos, a exploração de recursos naturais não renováveis, como o minério e o petróleo, junto com o uso de bens escassos, ali mais abundantes, como a água, a madeira e a extensão de terra, verificáveis no caso analisado quanto ao minério e a água.

Nesse contexto, o movimento de destruição da natureza e da força de trabalho, incluindo os efeitos catastróficos dos descartes e poluentes industriais pelos grandes empreendimentos capitalistas, tem suscitado resistências, pesquisas e eventos sobre a "questão ambiental". Essa questão ecológica (cf. Silva, 2010SILVA, M. das G. Questão ambiental e desenvolvimento sustentável: um desafio ético-político ao Serviço Social. São Paulo: Cortez, 2010., p. 66-86) é agravada e desperta o posicionamento da sociedade, sobretudo no período das sucessivas crises econômicas mundiais, a partir de 1970. Em relação a essa questão, situam-se diversas matrizes do pensamento ambientalista, revelando "um amplo leque de abordagens, que vai desde o ecofascismo até o ecossocialismo" (Ibidem). Os seus componentes centrais, comuns às diferentes tendências, são a depredação da natureza e o decorrente comprometimento do futuro da humanidade, originado da escassez dos recursos do planeta para a reprodução do sistema produtivo, no crescente nível de consumo.

De outro lado, Silva (2010, p. 85)SILVA, M. das G. Questão ambiental e desenvolvimento sustentável: um desafio ético-político ao Serviço Social. São Paulo: Cortez, 2010. ressalta a ação dos movimentos ambientalistas e sociais em geral na dinâmica dessa questão nas sociedades, presente nas agências internacionais, mas enfatiza

a insuficiência das reformas no campo da "questão ambiental", posto que a sua produção e reprodução se darão enquanto a sociedade do capital prevalecer, ganhando expressões diversas, de acordo com cada região geopolítica, cada país, cada localidade. As múltiplas facetas que adquire - como partes constitutivas de uma ordem social e ambiental mais ampla - vão revelar, tendencialmente, as contradições centrais do capitalismo na apropriação da natureza.

Ainda utilizamos a reflexão de Mészàros (2009)MÉSZÀROS, I. A crise estrutural do capital. São Paulo: Boitempo, 2009. ao alertar acerca da ciência e da tecnologia como solução da crise ambiental, propondo, a par dessa necessidade, a questão central sobre "se seremos capazes ou não de redirecioná-las radicalmente, uma vez que hoje ambas estão estreitamente determinadas e circunscritas pela necessidade da perpetuação do processo de maximização dos lucros" (Ibidem, p. 53).

Entre os diversos matizes do pensamento ambientalista, ressalta-se o conceito de sustentabilidade, dominante na agenda da última Conferência de Desenvolvimento Sustentável (Rio+20), paralelamente ao de gestão ambiental. Esse conceito tem origem no de desenvolvimento sustentável, notabilizado pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, em 1987, presidida por Brundtland. Ela retoma as teses discutidas na Conferência de Estocolmo, em 1972 (cf. Silva, 2010SILVA, M. das G. Questão ambiental e desenvolvimento sustentável: um desafio ético-político ao Serviço Social. São Paulo: Cortez, 2010., p. 167-187). A ideia central que subjaz a esse conceito tem por base o desenvolvimentismo, buscando ao mesmo tempo enfrentar a "tese neomalthusiana", que relaciona o crescimento das populações à pobreza e degradação do ambiente.

Em contraposição, Vasconcellos (2007)VASCONCELLOS, L. C. F. Saúde, trabalho e desenvolvimento sustentável: apontamentos para uma política de Estado. Tese (Doutorado em Saúde Pública) - Escola Nacional de Saúde Pública, Rio de Janeiro, 2007. 439f. Disponível em: <http://www.scielo.br>. Acesso em: 25 nov. 2010.
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, em sua tese, alerta sobre o embate acerca do conceito de desenvolvimento sustentável, considerando-o uma ideologia excludente, ao abandonar o campo da saúde do trabalhador, que está no centro da questão. Segundo ele, amparado por autores de referência nessa matéria, tem sido mantida a fragmentação no que se refere à relação entre meio ambiente, trabalho e saúde do trabalhador. Este artigo, pelo contrário, busca demonstrar, a partir do caso analisado, essa relação.

Desde então, em face da realidade do crescente desenvolvimento econômico e da finitude dos recursos naturais, tem sido mantida a contradição de aceitação do padrão de consumo dos países centrais, mas negando a sua extensão a toda a humanidade. Também não tem sido responsabilizado o modo de produção capitalista para com a degradação da natureza e das populações - e consequentemente a necessidade de mudá-lo -, mas o inverso: a responsabilização das populações e da pobreza.

Essa lógica foi encontrada, em toda a sua expressão alienada, nos estudos dos impactos ambientais e respectivos relatórios (EIA-Rima), no órgão oficial da região. Ela se apoia na antiga lógica do desenvolvimento econômico como requisito para o desenvolvimento social sem alterar o ritmo acelerado de produção destrutiva, sendo prescritas apenas formas de controlar abusos mais gritantes e principalmente de "combater" a pobreza e suas consequências, procurando conciliar o desenvolvimento econômico com o social, que caracteriza o neodesenvolvimentismo. Ao designar o combate, culpabiliza a pobreza, e não o sistema que a produz crescentemente. Mas como eliminá-la sem a mudança do que a produz?

Nessa lógica, também o documento oficial da Rio+20 reitera essas "teses", apresentando 58 cláusulas de combate à pobreza e seus derivados. No total, apenas cinquenta compromissos, sem metas, são firmados, existindo 124 cláusulas de reconhecimento de compromissos anteriores não realizados, com retrocessos e maior deterioração (Conferência das Nações Unidas. Rio+20, 2012CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES UNIDAS. Rio+20 2012. Relatório Rio+20: modelo brasileiro. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2012. Disponível em: <http://www.rio20.gov.br/documentos>. Acesso em: 30 jul. 2012.
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). Inexistem referências sobre grandes empreendimentos poluidores da natureza, de trabalhadores e das populações, apesar de sua existência, como a do caso do exemplo, que teve seu início no Brasil na década de 1970.

De outro lado, em bom momento, a Cúpula dos Povos, realizada no Rio de Janeiro no mesmo período da Rio+20, demonstrou a vitalidade dos movimentos sociais críticos e politizados de todo o mundo (Fundação Perseu Abramo, 2012FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO. Declaração final Cúpula dos Povos na Rio+20. Noticias, São Paulo, 26 maio 2012. Disponível em: <http://www.csbh.fpabramo.org.br/node/8638>. Acesso em: 30 jul. 2012.
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). O seu documento síntese, apresentado ao secretário-geral da ONU, foi focado na convergência anticapitalista, responsabilizando o modelo de desenvolvimento econômico vigente pela crise mundial e toda a sua devastação ambiental e social. Entre as conclusões críticas do evento destacam-se as relativas ao peso dado pela Rio+20 às corporações capitalistas transnacionais representativas do mercado (Coca-cola, Monsanto, Bayer, Siemens), como se de fato representassem simbolicamente os países hegemônicos ausentes, apresentando pseudossoluções para os males por elas provocados. A Cúpula deu ênfase à desautorização dessas corporações de pretenderem representar os interesses da humanidade e de seu futuro, assim como, indiretamente, no final, uma representante dos jovens, que rasgou o documento da Rio+20 e outros segmentos que se retiraram do evento oficial.

3. A depredação provocada pela mineração e análise de suas principais mediações1 1 A mediação é entendida neste artigo de acordo com o método de Marx, correspondendo aos processos de passagem da esfera da totalidade, em suas determinações diversas, para a da particularidade. Para seu aprofundamento, ver Marx (1982) e Netto (2011).

Antes de passar da esfera da totalidade das reflexões anteriores para as particularidades concretas verificadas na pesquisa, apresentamos algumas referências para nos aproximarmos do concreto pensado, através do estudo de Mechi e Sanches (2010)MECHI, A.; SANCHES, D. L. Impactos ambientais da mineração no estado de São Paulo. Estudos Avançados, São Paulo, v. 24, n. 68, p. 209-220, jul./dez. 2010. Disponível em: <http://www.scielo.br/>. Acesso em: 15 jul. 2011.
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, que indicam algumas mediações particularmente significativas da atividade de mineração.

Segundo esses autores, nessa atividade, da extração ao beneficiamento, há implicações desastrosas, tanto para o meio ambiente, provocando a destruição de algumas espécies e a redução de outras, ao impedir sua regeneração, quanto para a saúde do trabalhador e os grupos humanos ali residentes. Em muitos casos, o solo de maior fertilidade é afetado, sendo os solos remanescentes expostos a processos erosivos que podem acarretar o assoreamento dos corpos d’água do entorno. Destacamos, a seguir, os resultados dos seus estudos, perceptíveis na pesquisa:

  • O comprometimento da qualidade das águas, pois os rios e reservatórios que servem aos empreendimentos apresentam danos, em consequência da turbidez desencadeada pelos sedimentos finos em suspensão, assim como pela poluição causada por substâncias contidas nos efluentes dos diferentes setores da mineração, tais como óleos, graxa e metais pesados, podendo estes também atingir as águas subterrâneas.

  • A possível alteração do regime hidrológico dos cursos d’água e dos aquíferos, quando, na lavra e no beneficiamento, se faz uso desses recursos (desmonte hidráulico). O rebaixamento de calha de rios com a lavra de seus leitos pode provocar a instabilidade de suas margens, causando a supressão das matas ciliares, além de possibilitar o descalçamento de pontes com eventuais rupturas.

  • A poluição do ar provocada por particulados suspensos pela atividade de lavra, beneficiamento e transporte, ou por gases emitidos da queima de combustível. Outros impactos estão associados a ruídos, sobre pressão acústica e vibrações no solo associados à operação de equipamentos e explosões. Todos esses impactos podem ter efeitos danosos no equilíbrio dos ecossistemas, como a redução ou a destruição de hábitat, afugentando a fauna e provocando a morte de espécimes, incluindo aquelas em extinção e também da flora terrestre e aquática.

  • Em relação às áreas residenciais, próximas ao local de instalação de empresas de mineração e de pelotização, além da poluição sonora pelos timbres elevados dos motores e máquinas em funcionamento, a saúde da população é afetada pela poluição do ar, da água e do solo. No entanto, os grupos mais vulneráveis a esses impactos são constituídos pelos próprios trabalhadores, retidos por mais tempo e localizados no chão da fábrica, recebendo cargas físicas, químicas e biológicas diretamente em seu corpo, afetando seu organismo, aos quais se impõem os mais diversos riscos.

Em complemento à categoria dos riscos, acrescentamos a de "carga de trabalho", de acordo com três autores pioneiros na identificação dessa categoria, que visa estudar o impacto dos elementos constitutivos do processo de trabalho, que vai além do acidente, apesar de conviver com ele e até precipitá-lo, provocando a depredação lenta, progressiva e silenciosa da saúde do trabalhador.

Os primeiros, na América Latina, são Laurell e Noriega (1989)LAURELL, A. C.; NORIEGA, M. Processo de produção e saúde: trabalho e desgaste operário. São Paulo: Hucitec, 1989., que introduzem o conceito de carga de trabalho, associado ao de desgaste do trabalhador. Esse conjunto é concebido como um modo específico de trabalhar-desgastar-se de exploração e de resistência, que, por sua vez, determinam padrões específicos de reprodução vinculados ao processo de trabalho. Como determinantes desse complexo saúde-doença-trabalho, são inseridos os diversos aspectos da organização, divisão, processo e relações sociais no trabalho. As cargas de trabalho, segundo os autores, são classificadas em vários tipos. De um lado, os tipos físico, químico, biológico e mecânico; de outro, o fisiológico e o psíquico, que representam a transformação dos primeiros no organismo.

Facchini (1993)FACCHINI, L. A. Por que a doença? A inferência causal e os marcos teóricos de análise. In: BUSCHINELLI, J. T.; ROCHA, L. E; RIGOTTO, R. M. (Orgs.). Isto é trabalho de gente? Vida, doença e trabalho no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1993. reforça essas concepções, apontando que as cargas de trabalho decorrem "tanto do objeto de trabalho e da tecnologia de trabalho, como da sua organização e divisão" (Ibidem, p. 180). Segundo esse autor, essa categoria "é bem mais ampla, e denota um nível maior de profundidade [do que a de risco], compreendendo-se as [...] exigências ou demandas psicobiológicas do processo de trabalho", que provocam, no decorrer de exposição a trabalhos penosos, ou em ambiente afetados ou contaminados por agentes de diversas naturezas, "as particularidades do desgaste do trabalhador. Em outras palavras, as cargas são mediações entre o processo de trabalho e o desgaste psicobiológico" (Ibidem).

Os dois primeiros estudos são reforçados por Freire (1995)FREIRE, L. M. de B. O Serviço Social e a saúde do trabalhador diante da reestruturação produtiva nas empresas. In: MOTA, A. E. A nova fábrica de consensos. São Paulo: Cortez, 1995., que, a partir de Laurell e Noriega, acrescenta a esse conjunto a categoria de "carga social no trabalho", na sua dimensão particular gerada e alimentada no espaço de trabalho, onde reproduz as relações sociais da sociedade capitalista, frutos da desigualdade econômica e política. Também ali é gerado o desgaste social e político, além dos desgastes fisiológicos e psíquicos, agravados por essa carga social. Essa autora também considera a interação entre os conceitos de carga e risco, com predominância e determinação da primeira, através do desgaste e também por condições inseguras de trabalho, sob a falsa conotação sugerida pelo termo risco, de algo fortuito e evitável. Diante dessa característica, as análises dos acidentes e eventos considerados quase-acidentes tendiam a buscar antes a culpabilização do trabalhador do que as condições inseguras ou acúmulo do desgaste do trabalhador por excesso de cargas de trabalho, de toda a natureza - física, psíquica e sociopolítica.

4. A empresa pesquisada, o contexto regional e os primeiros sinais da depredação local e alienação estatal

No Espírito Santo, principalmente em 1998, com a descoberta do petróleo no sul do estado, um número considerável de empresas ligadas ao setor expandiram-se nos municípios nessa região. Em virtude dessa expansão, têm ocorrido impactos que expressam a destruição, sob a justificativa da expectativa de crescimento de empregos, desmentida na pesquisa deste artigo.

Com duas décadas e meia de antecedência a esse processo, a empresa pesquisada - a Samarco S.A. - constitui um exemplo de caso sobre esses impactos. Trata-se de uma multinacional que se instalou no Brasil em 1973, resultante de outras duas - Samitri e Marcona Corporation - para explorar, em conjunto, o minério itabirítico de Minas Gerais.2 2 A Samitri possuía grandes jazidas desse mineral no país e a Marcona detinha a tecnologia de processamento de pelotas de minério de ferro. Até esta data, ela mantém unidades industriais nos estados de Minas Gerais, em Mariana e Ouro Preto, onde se localiza a Unidade de Germano, de mineração e beneficiamento, e no Espírito Santo, município de Anchieta, em Ubu. Esta foi inaugurada em 1977, com escritório em Vitória (ES), para operações de comércio exterior e câmbio, além de escritórios de vendas em Amsterdã e Hong Kong (cf. Cepemar, 2004CEPEMAR. EIA/RIMA. Terceira empresa de pelotização da Samarco S.A. em Ponta Ubu. Relatório técnico. Vitória, 2004.).

O processo produtivo da empresa no Brasil é iniciado na lavra de minério itabirítico, em Mariana (MG), que produzia, em 2010, 2,1 bilhões de toneladas de minério de ferro por ano. Esse minério, beneficiado em forma denominada de polpa, é transportado de Minas Gerais para as unidades de Anchieta (ES), bairro de Ubu, onde é recebido 24 horas por dia, após percorrer 360 quilômetros de extensão por dois minerodutos.3 3 A "polpa" contém 70% do minério concentrado e 30% da água, sendo esse sistema de mineroduto economicamente vantajoso, principalmente porque a quantidade da água usada não é contabilizada (cf. Ramos, 2011), sendo retirada de Minas Gerais sem custo.

Os dois minerodutos, quando chegam à cidade de Anchieta, cortam a reserva da ilha do Papagaio e parte de seu manguezal, colocando em risco a preservação da sua biodiversidade. Além desse impacto e os da fase de construção, destacam-se dois outros, demonstrativos do que denominamos desenvolvimento insustentável. O primeiro ocorre no final do processo produtivo das pelotas de ferro, quando os últimos resíduos são despejados e depositados na lagoa de Mãe-Bá, em Anchieta, onde é visível a vegetação queimada, em imagens disponíveis no site da empresa e na tese. Esse processo de descarte, de forma recorrente, vem sendo tolerado pelo Instituto Estadual de Meio Ambiente (Iema-ES), que aprovou a construção da terceira usina, em 2008, apesar de o tratamento desses resíduos, não cumprido, ter sido um dos condicionantes desde a instalação da primeira usina, em 1977, há 31 anos! Este fato confirma a priorização dos interesses do capital pelos órgãos ditos ambientais. O segundo processo poluidor permanente, de grande alcance, refere-se às periódicas dragagens para o funcionamento do porto de Ubu, pertencente à empresa desde os anos 1970, com o apoio do governo ditatorial militar. Elas são realizadas a cada dois anos, para remoção dos resíduos que se acumulam no fundo das águas, no sentido de assegurar o ancoradouro dos navios. Esses resíduos são depositados mais adiante no fundo do mar, cujo processo reduz o espaço tradicionalmente usado pela pesca artesanal. Além disso, a movimentação dos navios e operações no porto afasta os cardumes, com destruição maior observada no derramamento de óleo no mar, junto com os resíduos industriais depositados, afetando a saúde dos peixes, que têm apresentado deformações físicas e morte de grandes parcelas, impeditivos a sua adequada reprodução. Nesse processo, a pesca vem sendo diminuída em quantidade e qualidade, além dos possíveis danos causados à alimentação da população. Esses danos, muitos irrecuperáveis, não são cobrados à empresa para ressarcimento ao Estado dos custos para recuperação do meio ambiente ou para a saúde da população.

5. A pesquisa de campo: o perfil dos trabalhadores residentes no local entrevistados, o processo de trabalho e os impactos por eles vividos

Em complemento à pesquisa bibliográfica e documental sobre a questão objeto deste artigo, junto com a análise do contexto regional, a caracterização da empresa pesquisada e os primeiros sinais da depredação local e alienação estatal, foi realizada a pesquisa de campo sobre o processo de trabalho nas três usinas dessa empresa, em Anchieta/Ubu.

Nesta seção, destaca-se a realidade vivida pelos trabalhadores, ao mesmo tempo parte da população do município, na singularidade dos sujeitos integrantes da pesquisa. Para a coleta desses dados das entrevistas, que expressam as maiores problemáticas dos trabalhadores, contou-se com o apoio do Sindicato dos Metalúrgicos do Espírito Santo (Sindimetal), que demonstra o seu interesse de oportunizar este estudo, a quem dedicamos o artigo, como representantes de uma luta desigual, que deveria inspirar o Estado brasileiro. Esse sindicato, através de divulgação e sensibilização sobre a pesquisa, durante o período de setembro a novembro de 2009, solicitou o preenchimento de fichas de identificação nos encontros da categoria, com esclarecimento sobre seus objetivos, sendo solicitada a participação desses trabalhadores como sujeitos de informação.4 4 Da lista que continha 129 contatos residentes no município, foram excluídos 38 trabalhadores, não localizados ou sem interesse de participar, sendo aplicados 91 questionários nos domicílios dos trabalhadores, em fevereiro e março de 2010, correspondentes a 70,54%. Outros detalhes podem ser localizados na tese sobre a pesquisa de campo aqui analisada. O universo de 129 trabalhadores residentes no município onde estão instaladas as usinas de pelotização representa apenas 6,82% do total dos que trabalhavam nessas usinas (1.891 trabalhadores), o que desmistifica o discurso da empresa enquanto mercado de trabalho privilegiado para trabalhadores residentes no município.

5.1 O perfil socioeconômico dos trabalhadores pesquisados da empresa

No município local da pesquisa de campo, dos 1.891 trabalhadores, 927 (49,02%) pertenciam ao quadro da empresa e 964 (50,98%) eram subcontratados, inseridos no universo de 4.178 trabalhadores da empresa nos dois estados no Brasil, em 2009.

No conjunto dos trabalhadores entrevistados, residentes no município local da pesquisa de campo, em 2010, registrou-se uma pequena inversão quanto ao vínculo contratual em relação ao total de trabalhadores nas usinas. Dos 91 sujeitos pesquisados (70,54% desse universo), 56% constituíam-se daqueles com vínculo direto e 36% contratados por empreiteiras (fora 8% que não informaram). Essa inversão provavelmente está relacionada com os baixos salários locais e atração e manutenção de uma força de trabalho qualificada e dócil, como verificado.

É fato notório cada vez mais presente no Brasil e no mundo que, na reestruturação do capital com desestruturação da força de trabalho, uma das tendências crescentes para o primeiro compensar a sua própria crise, manifestada na queda da taxa de lucros, consiste nas subcontratações (pela via de contratos terceirizados e quarteirizados), existindo polêmica atual no Brasil entre defensores dos interesses do empresariado e representantes dos trabalhadores, que também apresentam corrente conservadora, diante da ameaça de ser legalizada a sua ampliação, por parte de parlamentares que representam o capital.

Essa tendência corresponde ao padrão flexível iniciado pelo toyotismo, conforme Antunes (2002)ANTUNES, R. Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. São Paulo: Boitempo, 2002., entre outros, nas fábricas do complexo produtivo, nas quais as responsabilidades ficam reduzidas às atividades centrais da área específica no processo produtivo (teoria do foco), transferindo para firmas terceiras grande parte do que antes era produzido dentro de seu espaço produtivo. Esse autor ressalta que as mutações no processo produtivo têm provocado resultados trágicos no mundo do trabalho, constatados na pesquisa descrita neste artigo. Eles se expressam, sobretudo, na desregulamentação dos direitos dos trabalhadores, eliminados cotidianamente em quase todas as partes onde há produção industrial e de serviços. O autor destaca outros efeitos da subcontratação, como aumento da fragmentação no interior da classe trabalhadora (segmentada em um grande número de empreiteiras), com desestruturação do sindicalismo de classe, entre outros.

No caso pesquisado, registra-se uma flutuação nas empreiteiras, entre o término dos contratos de seus trabalhadores e nova recontratação, após um intervalo de tempo, pela mesma ou por outra empreiteira, a fim de driblar a legislação vigente no Brasil, agora ameaçada de legitimar essa superexploração e destituição de direitos.5 5 Na realidade investigada, esses trabalhadores encontram-se segmentados pela particularidade de sua contratação, observando-se uma pulverização de treze empreiteiras especializadas em determinados tipos de força de trabalho, conforme a tendência da lógica pós-fordista de gestão e do projeto aprovado na Câmara Federal do país, em avaliação no Senado brasileiro (Brasil, 2015).

Os trabalhadores subcontratados, residentes no município investigado (36% do universo pesquisado), fragmentados nos vínculos com treze diferentes empreiteiras, reúnem-se, em sua grande maioria, no chão das próprias usinas. Porém, representando uma intensa e quase criminosa carga social e política contrária ao sentimento de classe e seus interesses, esses trabalhadores, apesar de operar no interior da mesma indústria de pelotização, são considerados, na perversa dinâmica e estrutura da empresa, trabalhadores de segunda categoria, que alimenta sua discriminação em relação àqueles que mantêm vínculo direto. Essa discriminação manifesta-se não somente nos baixos salários, mas na precarização das relações de trabalho e em absurdas expressões de carga social, manifestada inclusive no acesso distinto à empresa pela entrada de serviço secundária, localizada na parte de trás.

A tabela a seguir reúne o perfil do conjunto desses trabalhadores investigados, residentes no município das usinas, obtido dos dados colhidos nas entrevistas.

Itens Predominância e mediações Sexo Predominância do sexo masculino, como no quadro total da empresa, possivelmente, pela natureza da indústria de mineração, caracterizada por atividades mais pesadas e com risco de vida. Idade Faixa etária predominante (46,15%) entre 26 anos e 43 anos, considerada mais produtiva. Estado civil 57% de casados e 35% de solteiros, categoria esta que possivelmente agrupa as faixas etárias de 20 a 31 anos.6 Salário mensal 75,90% de trabalhadores se alocam na faixa entre um e três salários mínimos, seguida de 12,10% na faixa de quatro salários mínimos, com provável distinção de funções. Renda familiar 42,86% encontram-se com renda familiar igual ou maior a quatro salários mínimos, provavelmente relativos aos demais membros da família, e 35,15% entre um e três salários mínimos. Número de filhos 83,50% declararam possuir filhos, predominando (em 49,60%) os têm de um a dois filhos, seguidos de 28,60% que têm entre três e quatro filhos. Escolaridade 37,40% possuem segundo grau completo e 16,50%, segundo grau incompleto, perfazendo um total de 53,90%. Além disso, destacam-se 12,08% com curso superior completo e 8,80% com superior incompleto, estes em prováveis funções de controle. Tipo de vínculos 56% são constituídos de trabalhadores diretos da empresa, com minoria de 36% no regime de subcontratação, submetidos à perversa discriminação antes analisada. Tempo de permanência na empresa Somente 12,03% de trabalhadores permanecem entre catorze e quinze anos e 8,80% entre doze e treze anos no mesmo local. Há, porém, exceções apresentadas nas observações da nota de rodapé.7 Função desempenhada 47,28% encontram-se em setores ligados ao processo de pelotização (o mais desgastante), seguidos de 26,36% nas áreas de manutenção, supervisão, controle e segurança em geral. Treinamento para a função 52% dos trabalhadores pesquisados, portanto, um pouco mais da metade, realizaram algum tipo de treinamento antes de entrar na empresa, como exigência desta. Tipo de treinamento oferecido Os 52% acima citaram 51 vezes diversos cursos, com predominância de 27,45% com treinamento na área de segurança do trabalho, seguidos de 15,70% com cursos profissionais dentro da própria empresa. Espaço de trabalho 64% informaram que trabalham todo o tempo dentro da empresa, 15% operam em outro espaço e 11% ora na empresa, ora em outro local.

5.2 Os processos de trabalho mais agressivos captados, as cargas e os riscos relatados

Os fatores de risco e, sobretudo, a carga de trabalho aferidos demonstram uma realidade permanentemente agressiva, que ultrapassa os discursos e metodologias sistêmicas, ao mergulhar no banho da realidade dialética de quem convive cotidianamente com esses múltiplos riscos e cargas. Ainda que os acidentes sejam controlados e evitados, a dura realidade cotidiana apresentada por quem ali passa os anos produtivos e a maior parte das horas acordadas de sua vida, na perspectiva de saúde do trabalhador apresentada, mostra grande probabilidade de desgaste de sua saúde, comprovada por dados oficiais do município, além dos incômodos físicos experimentados em decorrência de queimaduras, calor excessivo, ruídos e das demais condições dificilmente suportáveis. Essas condições contradizem as afirmações iniciais da maioria, em um primeiro momento, de não ter problemas de saúde, talvez condicionados a reafirmarem o discurso oficial da empresa. Diante de nossos olhos e mentes, na descrição dos processos de trabalho, desvelou-se a "síntese das múltiplas determinações", podendo ser captada "a unidade do diverso", que pode expressar-se em depredação, para nós, como "concreto pensado"8 8 As expressões entre aspas são reproduzidas das notórias expressões do método de Marx (1982, p. 14). e potencialmente para os trabalhadores que descreviam esses processos. Entre eles, ressaltam-se:

5.2.1 O de envio do "pellet feed", usado como matéria-prima principal para a produção de pelotas, para a "mistura", local que recebe dosagens de perigosas cargas químicas de calcário e de bentonita, danosas ao meio ambiente e à saúde. Isto devido ao fato de o calcário provocar problemas respiratórios nos trabalhadores e na população do entorno. No meio ambiente, esse produto, por seu alto potencial de infiltração e absorção pelo solo, atinge rapidamente as águas subterrâneas. Já a bentonita (cf. Silva et al., 2009SILVA, E. E. P. et al. Poluição atmosférica por emissão de material particulado: avaliação da lapidação de rocha bentonítica do Distrito Industrial de Campina Grande. In: SIMPÓSIO AMBIENTALISTA BRASILEIRO NO CERRADO. Resumos..., Goiânia, UFG, p. 1-12, 2009. Disponível em: <http://www.conhecer.org.br/enciclop/SABC/poluicao.pdf>. Acesso em: 11 jun. 2011.
http://www.conhecer.org.br/enciclop/SABC...
), atuando como aglomerante de partículas minerais na produção das pelotas cruas, pode gerar na saúde de quem as manipula ou com elas tem contato, uma série de problemas respiratórios e cardíacos. No meio ambiente, provoca danos à vegetação, à água e à qualidade do ar, entre outras consequências.

5.2.2 O forno de endurecimento de grelha contínua. Nesse forno, as pelotas cruas formadas nos discos de pelotamento passam por um tratamento térmico para deixá-las com resistência física, mediante uma temperatura em seu ponto máximo exigido, entre 60 e 80 graus. Uma roupa especial é utilizada para suportar essas temperaturas, que precisa ser imediatamente substituída, pelo risco de os trabalhadores terem parte de sua pele a ela agregada. Foi relatada também a carga de choque térmico, ao passarem, logo após, para locais refrigerados.

Para a queima das pelotas nos fornos, uma das fontes térmicas usadas é o carvão. Nessa fase, toda a sua fuligem é expelida, junto com material particulado do minério e gases, pelas chaminés das usinas. A grande emissão desse material pode ser observada "a olho nu", com maior amplitude e intensidade, depois da meia-noite, quando essa nuvem mais forte pode chegar até Guarapari (cf. Ramos, 2011RAMOS, M. H. Macaé hoje, Anchieta amanhã: a ação destrutiva do capital. Anchieta: Edição do autor, 2011.). As consequências fisiológicas referem problemas respiratórios, de pele, nos olhos, obstrução nasal, alergias, crise de asmáticos, tosse e dor no peito. O material particulado sob forma de cinzas não tem sido eliminado pelo uso de "precipitadores", piorando em períodos de inversão térmica e de ausência de ventos (cf. Lopes, 2008LOPES, M. A. Os problemas de saúde causados pela deposição de cinzas de carvão na população da vila Princesa Isabel no município de São Jerônimo-RS/Brasil. Revista Ciência e Conhecimento, São Jerônimo, v. 3, n. 1, jan./jun. 2008. Disponível em: <http://www.cienciaeconhecimento.com.br/> Acesso em: 11 jun. 2011.
http://www.cienciaeconhecimento.com.br/...
).

5.2.3 O processo de condução das pelotas, com expansão da poluição, nas seguintes etapas: a) arremesso das pelotas para as esteiras, quando há grande emissão de partículas de ferro, com malefícios diretos aos trabalhadores e às populações no entorno da indústria; b) condução das pelotas para a estação de penei ramento, no pátio exterior da empresa (onde recebem uma cobertura especial - denominada "coachting" -, grande responsável pela emissão de particulados poluentes no ar atmosférico; c) estocagem em pilhas no pátio da empresa, quando as pelotas expelem partículas, sendo perceptível uma nuvem de pó em imagens;9 9 Todo esse processo aparece em imagens na tese, captadas do site da empresa. d) recuperação das pelotas, retomadas das pilhas, expelindo mais partículas; e) transporte das pelotas até o porto de Ubu/Anchieta, no navio, igualmente poluente do ar atmosférico e para os trabalhadores.

Na maioria, os trabalhadores relataram utilizar equipamentos de proteção para manter a segurança e a saúde, mas apresentaram os riscos do trabalho diário, classificados a seguir.

A partir do setor do forno, comparável ao "vapor do diabo", assim denominado por Lopes (1976)LOPES, J. S. L. O vapor do diabo: o trabalho dos operários do açúcar. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976. no estudo sobre as caldeiras dos engenhos de cana-de-açúcar do Nordeste brasileiro, as queimaduras e a desidratação assumem a "liderança" do que estamos chamando "podiumdo diabo", no qual 78% dos trabalhadores destacaram esse risco. No rank total, entretanto, o setor de Pelotagem ganha essa "corrida" em direção ao desgaste da saúde física, psíquica e social, com toda a possibilidade, por ter sido citado como integrante de todos os riscos. Seguem-se, na ordem de classificação dessa "corrida", segundo os índices de respostas dos trabalhadores: a contaminação por inalação de gases e metais em numerosos setores, sentida por 51%; os choques elétricos, com risco de eletrocução, mencionado por 47,25%, especialmente os da caldeira; os problemas respiratórios, também em numerosos setores, sentidos por 47,2%; as temperaturas altas, com desidratação similar e concomitante ao das queimaduras, por 45%; as explosões, por 35%; as radiações, sentidas por 25,27%, incluindo uma resposta indicando todos os setores e locais da indústria; o risco das mutilações e esmagamentos, ocorridos inclusive em trabalhadores mais habilitados, sentidos por 24%; os ruídos e os acidentes com queda, cada um deles sentidos por 23%; os riscos de alterações na visão, por 22%; os de vazamento de produtos danosos e os de afogamento, cada um deles sentidos por 20,8%; e, também, com o mesmo índice de 20,8%, a lucidez de um grupo que identificou problemas cardíacos ou todos os riscos vinculados ao trabalho. Destaca-se também a multiplicidade de respostas, implicadas nas percepções dos múltiplos riscos, que atingiram assim o percentual de 166%.

Nessas respostas fica, portanto explícita a percepção dos trabalhadores sobre os numerosos e graves riscos do processo de trabalho, em numerosos ou quase todos os principais setores de produção da empresa, com destaque para a pelotagem. Na melhor das hipóteses, eles constituiriam uma carga psicológica permanente, geradora de potencial desgaste psíquico e fisiológico para a grande maioria dos trabalhadores, paralelamente ao desgaste social do seu potencial político para enfrentar a luta pela mudança dessas condições, que se revela na afirmação inicial de não terem problemas de saúde.

5.3 As análises oficiais

Essas cargas negativas e riscos, que se transformam em sintomas fisiológicos, são confirmados nos dados da Secretaria da Saúde do Estado do Espírito Santo sobre os óbitos decorrentes de neoplasias.10 10 10. Espírito Santo. Secretaria da Saúde: Portal do Governo do Estado. Tabnet-ES: mortalidade geral. Disponível em: <www.saude.es.gov.br/tabnet.saude.es.gov.br>. Em 2000, segundo o EIA Rima de 2010, em Anchieta, aumentou o número de internações, sendo: 14,47% por doenças do aparelho circulatório, quando, em todo o Estado, foi de 11,50%; 13,41% por doenças do aparelho respiratório quando, no Estado, foi de 11,98%. Também foram registradas, no mesmo ano: 11,85% de internações e no Estado 7,34%, por algum tipo de doenças infecciosas e parasitárias, e 10,36% de doenças do aparelho digestivo e no Estado, 8,62%. Com 5,04% de ocorrências aparecem as neoplasias, também com índice superior ao de todo o Estado, que teve 4,42% de internações por câncer. Segundo esses dados, no período de 2000 a 2010, 185 pessoas morreram por neoplasias somente na população residente no município de Anchieta, com média de dezessete óbitos anuais ou entre um e dois mensais.11 11 Concomitantemente, a população do pequeno município, que era de 14.934 habitantes, em 1991, teve uma ampliação para 23.902 habitantes em 2010, em um processo migratório pela atração do grande empreendimento, durante a construção de três usinas, que se ampliou na fase de construção de mais uma, provocando a mudança de uma vida rural, com atividades predominantemente agrícolas e de pesca, para uma vida urbana de 75,98% da nova população, surgindo habitações irregulares e culpabilização de seus moradores acerca da poluição do meio ambiente. Dessas mortes, predominam as de estômago e esôfago (que somadas totalizaram 18,4% de casos, também decorrente da contaminação dos rios) e de pulmão (com 13,5% do total das incidências em todos os anos). Ainda chama a atenção a neoplasia maligna do encéfalo, com treze óbitos, correspondente a 7,02% do total, que também apresenta prováveis relações com as condições estressantes.

A análise dos dados nas fontes documentais do EIA-Rima, IBGE e Prefeitura de Anchieta, permite supor que não houve compensações substantivas nas condições de serviços à população, em todos os períodos de implantação e de desenvolvimento das usinas, principalmente se for considerada a relação entre a riqueza produzida, auferida pelos empresários e acionistas, e os prejuízos ao meio ambiente e à saúde de trabalhadores e habitantes do município.12 12 Em 2005, nem todos os bairros possuíam unidade de saúde. O atendimento em diversos deles era realizado em forma de rodízio, com a presença de um médico clínico geral, em um ou dois dias da semana. Em Mãe-Bá existia uma unidade-base, enquanto Recanto do Sol e Ubu tinham unidades com rodízio de atendimento (Cf. Cepemar, 2004, p. 327). Até 2011 permanecia o único hospital, de natureza filantrópica, com 55 leitos, situação idêntica à de 1992, sem existir equipamentos médicos avançados, infraestrutura e médicos nas diferentes especialidades para atender à demanda da população. Apenas a Prefeitura, quando possível, mas nem sempre, colocava ambulância à disposição para transportar pacientes para os hospitais da rede pública existente na Grande Vitória.

De modo geral, observa-se que os relatórios dos EIA-Rima dão ênfase predominante às alterações e índices econômicos vantajosos, dividindo a responsabilidade pela poluição do meio ambiente com o estado e a população pobre, que permaneceu após a construção das usinas (exército industrial de reserva dos tempos atuais) , pelas habitações irregulares, com falta de saneamento. Esta observação traduz a tendência tradicional conservadora já analisada, que culpabiliza a pobreza, e não os processos que a produzem e destroem, extensivos ao meio ambiente.

A empresa procede de forma semelhante, justificada por ser de seu interesse. Ela alega que controla os danos ambientais e adota medidas compensatórias, por exemplo, pelo financiamento da reforma do único hospital de Anchieta (insuficiente para os casos, que aumentaram) e oferta à comunidade local de um Centro de Educação Ambiental, em bairro constituído com ocupação irregular bastante adensado, habitado inicialmente por trabalhadores atraídos pela ilusão dos milhares de empregos anunciados, extintos após a construção das usinas e de sua estrutura.13 13 Esse fenômeno migratório tem sido recorrente na atração e expulsão de massas de trabalhadores pouco qualificados, utilizados na etapa de construção e alijados em seguida, sendo construídos novos bolsões de pobreza. Ele tem impulsionado a dinâmica migratória e o crescimento populacional para municípios sem infraestrutura. Argumenta sobre a sua boa vontade (quando deveria ser obrigação) no que se refere à proteção ambiental, indicando o vínculo com o Sistema Integrado de Gestão e a rede de monitoramento meteorológico e oceanográfico da costa brasileira, através das estações meteorológicas maregráfica e oceanográfica da própria empresa, de seu interesse (Samarco, 2009SAMARCO S.A. Relatório anual. Belo Horizonte, 2009, 140 p. Disponível em: <http://www.samarco.com>. Acesso em: 25 fev. 2011.
http://www.samarco.com...
).

Em sua totalidade, confirmando a política do capital, o processo mais poluente, o de extração e pelotização do minério, destruidor da natureza, da população e de suas condições sustentáveis de vida, é realizado no Brasil. Nos demais países, o processo de produção é relativamente leve em termos de danos à natureza, sendo agregado mais valor com menor impacto ambiental.

6. Considerações finais

No final deste artigo, apresentamos as sínteses conclusivas, a seguir, sobre as múltiplas determinações captadas nos estudos e na pesquisa do caso que evidenciam a depredação das duas fontes principais da riqueza: a natureza e a força de trabalho.

A saúde dos trabalhadores e as condições de vida do seu grupo social são determinadas pelas relações sociais do modo de produção capitalista, tendo o processo de trabalho como mediação central, a partir da qual vão se produzindo outros processos, na grande maioria destrutivos para os direitos à saúde e demais condições de vida, também interferindo no direito ao meio ambiente saudável.

Na análise do trabalho na empresa de pelotização instalada no município do sul do Espírito Santo, foram levados em conta os componentes do processo de trabalho, sendo considerados os riscos e as cargas desse processo nas condições que incidem sobre a força de trabalho, produzindo desgastes na sua saúde e alterando a própria subjetividade e capacidade política do trabalhador.

Da observação e descrição do processo de trabalho na produção das pelotas de ferro, para serem exportadas e transformadas em produtos sofisticados no exterior para venda extremamente valorizada, conclui-se que há uma depredação perversa tanto da saúde do trabalhador como da população do município em geral, com a contaminação extensiva ao ambiente. Em especial, os trabalhadores ali residentes são expostos ao duplo risco 24 horas por dia: no processo de trabalho e devido à poluição do ar atmosférico e à contaminação das águas e do subsolo urbano onde residem. Nesse sentido, os dados aferidos nos órgãos oficiais - EIA-Rima e Secretaria da Saúde do Estado - comprovam a maior incidência de alguns tipos de adoecimento e mortes no pequeno município onde a Samarco está instalada do que em todo o estado do Espírito Santo.

Essa depredação, incidindo especialmente nesses trabalhadores residentes no município, que constituíram os sujeitos que desvendaram os processos destrutivos no trabalho e no meio ambiente, de início reafirmaram o discurso de ausência de problemas de saúde. O desvendamento, porém, evidencia a contradição e tensão em que vivem.

Dentro das usinas, os processos produtivos para o capital, mas destrutivos para o ambiente e trabalhadores, mostram a pouca atenção dada às necessidades e direitos humanos, comparadas à sofisticação das tecnologias de interesse do capital. As condições de trabalho demonstram o grau de penosidade suportada pela força de trabalho dos países periféricos, farta, barata e pouco politizada, com vantagens paralelas de expansão dos empreendimentos, incentivos fiscais, legislação "flexível" e tolerância nas exigências.

Pode-se afirmar também que a saúde em todas as suas dimensões - físicas, psíquicas e sociais, implicando a subjetividade sociopolítica, embora mantida na luta do sindicato e demais instituições parceiras da pesquisa - mantém relações com a depredação dos trabalhadores e do ambiente, provocada pela empresa pesquisada, que afeta todos os demais ramos de produção tradicionais ali existentes.

As contradições são mediadas pela grande desigualdade entre os países e as classes, que desenvolvem relações de dependência sob todos os ângulos: econômico, social, cultural e político. Paralelamente, situa-se a necessidade do desenvolvimento crítico e político dos trabalhadores e da população, no sentido de aprofundar o entendimento das contradições da realidade e sua reprodução social, para superar esse metabolismo destrutivo, a exemplo do movimento verificado na Cúpula dos Povos de 2012 no Rio de Janeiro. Esse movimento crítico, articulado internacionalmente e em expansão continuada, poderá impulsionar a pressão social para o redirecionamento dos governos, no sentido de desatar as amarras de dependência que os prendem às forças do grande capital. Nesse processo, é importante o papel dos estudiosos e pesquisadores numa troca de saberes com a população.

  • 1
    A mediação é entendida neste artigo de acordo com o método de Marx, correspondendo aos processos de passagem da esfera da totalidade, em suas determinações diversas, para a da particularidade. Para seu aprofundamento, ver Marx (1982)MARX, K. Para a crítica da economia política... São Paulo: Abril Cultural, 1982. (Col. Os Economistas.) e Netto (2011)NETTO, J. P. Introdução ao estudo do método de Marx. São Paulo: Expressão Popular, 2011..
  • 2
    A Samitri possuía grandes jazidas desse mineral no país e a Marcona detinha a tecnologia de processamento de pelotas de minério de ferro.
  • 3
    A "polpa" contém 70% do minério concentrado e 30% da água, sendo esse sistema de mineroduto economicamente vantajoso, principalmente porque a quantidade da água usada não é contabilizada (cf. Ramos, 2011RAMOS, M. H. Macaé hoje, Anchieta amanhã: a ação destrutiva do capital. Anchieta: Edição do autor, 2011.), sendo retirada de Minas Gerais sem custo.
  • 4
    Da lista que continha 129 contatos residentes no município, foram excluídos 38 trabalhadores, não localizados ou sem interesse de participar, sendo aplicados 91 questionários nos domicílios dos trabalhadores, em fevereiro e março de 2010, correspondentes a 70,54%. Outros detalhes podem ser localizados na tese sobre a pesquisa de campo aqui analisada.
  • 5
    Na realidade investigada, esses trabalhadores encontram-se segmentados pela particularidade de sua contratação, observando-se uma pulverização de treze empreiteiras especializadas em determinados tipos de força de trabalho, conforme a tendência da lógica pós-fordista de gestão e do projeto aprovado na Câmara Federal do país, em avaliação no Senado brasileiro (Brasil, 2015BRASIL. Senado Federal. Entenda o projeto da terceirização - PL n. 4.330. Disponível em: <http://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2015/04/27/quadro-pl-4.330>. Acesso em: 30 maio 2015.
    http://www12.senado.leg.br/noticias/mate...
    ).
  • 6
    A falta de cruzamento das respostas prejudicou algumas relações como esta, que ficaram apenas supostas. Os detalhes do perfil encontram-se descritos na referida tese.
  • 7
    Essas exceções confirmam também a aproximação da empresa com a lógica toyotista, através do índice de 7,70% de trabalhadores que atuam há mais de trinta anos na empresa, indicando que há uma possível política de gestão, presumivelmente junto a trabalhadores especializados com vínculo direto, em atividades de controle.
  • 8
    As expressões entre aspas são reproduzidas das notórias expressões do método de Marx (1982, p. 14)MARX, K. Para a crítica da economia política... São Paulo: Abril Cultural, 1982. (Col. Os Economistas.).
  • 9
    Todo esse processo aparece em imagens na tese, captadas do site da empresa.
  • 10
    10. Espírito Santo. Secretaria da Saúde: Portal do Governo do Estado. Tabnet-ES: mortalidade geral. Disponível em: <www.saude.es.gov.br/tabnet.saude.es.gov.br>. Em 2000, segundo o EIA Rima de 2010, em Anchieta, aumentou o número de internações, sendo: 14,47% por doenças do aparelho circulatório, quando, em todo o Estado, foi de 11,50%; 13,41% por doenças do aparelho respiratório quando, no Estado, foi de 11,98%. Também foram registradas, no mesmo ano: 11,85% de internações e no Estado 7,34%, por algum tipo de doenças infecciosas e parasitárias, e 10,36% de doenças do aparelho digestivo e no Estado, 8,62%. Com 5,04% de ocorrências aparecem as neoplasias, também com índice superior ao de todo o Estado, que teve 4,42% de internações por câncer.
  • 11
    Concomitantemente, a população do pequeno município, que era de 14.934 habitantes, em 1991, teve uma ampliação para 23.902 habitantes em 2010, em um processo migratório pela atração do grande empreendimento, durante a construção de três usinas, que se ampliou na fase de construção de mais uma, provocando a mudança de uma vida rural, com atividades predominantemente agrícolas e de pesca, para uma vida urbana de 75,98% da nova população, surgindo habitações irregulares e culpabilização de seus moradores acerca da poluição do meio ambiente.
  • 12
    Em 2005, nem todos os bairros possuíam unidade de saúde. O atendimento em diversos deles era realizado em forma de rodízio, com a presença de um médico clínico geral, em um ou dois dias da semana. Em Mãe-Bá existia uma unidade-base, enquanto Recanto do Sol e Ubu tinham unidades com rodízio de atendimento (Cf. Cepemar, 2004CEPEMAR. EIA/RIMA. Terceira empresa de pelotização da Samarco S.A. em Ponta Ubu. Relatório técnico. Vitória, 2004., p. 327). Até 2011 permanecia o único hospital, de natureza filantrópica, com 55 leitos, situação idêntica à de 1992, sem existir equipamentos médicos avançados, infraestrutura e médicos nas diferentes especialidades para atender à demanda da população. Apenas a Prefeitura, quando possível, mas nem sempre, colocava ambulância à disposição para transportar pacientes para os hospitais da rede pública existente na Grande Vitória.
  • 13
    Esse fenômeno migratório tem sido recorrente na atração e expulsão de massas de trabalhadores pouco qualificados, utilizados na etapa de construção e alijados em seguida, sendo construídos novos bolsões de pobreza. Ele tem impulsionado a dinâmica migratória e o crescimento populacional para municípios sem infraestrutura.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2015

Histórico

  • Recebido
    25 Maio 2015
  • Aceito
    10 Jun 2015
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