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CREAS: concepções de violações de direitos e os caminhos do trabalho social

CREAS: rights violations conceptions and social work paths

Resumo:

O presente ensaio é resultado de uma pesquisa sobre o CREAS e desvela as particularidades dessa unidade no âmbito da proteção social especial. Traz a prerrogativa do trabalho social em rede, e suscita reflexões profícuas sobre as violações de direitos e o papel do Estado capitalista. Aborda as categorias profissionais possíveis no SUAS e a importância da interdisciplinaridade. Os resultados apontaram avanços do CREAS no sistema de proteção social, concluindo que esse serviço está em consolidação.

Palavras-chaves:
CREAS; Proteção social especial; Trabalho em rede; Interdisciplinaridade

Abstrat:

This essay is the result of research on CREAS and reveals the particularities of this unit within the scope of special social protection. It brings the prerogative of social networking and raises fruitful reflections on violations of rights and the role of the capitalist State. It addresses the possible professional categories in SUAS and the importance of interdisciplinarity. The results showed advances made by CREAS in the social protection system, concluding that this service is in consolidation.

Keywords:
CREAS; Special social protection; Networking; Interdisciplinarity

Introdução

O interesse em aprofundar essa temática surgiu a partir da atuação profissional no cotidiano da Política de Assistência Social, em que observamos as dificuldades de materialização da atenção especializada no âmbito do Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), sendo esta uma das principais unidades do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) (Lei n. 12.435/2011BRASIL. Lei n. 12.435, de 6 de julho de 2011. Altera a Lei n. 8.742, de 7 de dezembro de 1993, que dispõe sobre a organização da Assistência Social. Diário Oficial da União, Brasília, 2011a.).

O Estado brasileiro, através da Política Nacional de Assistência Social, criou o CREAS para ofertar serviços “especializados”, que deem respostas qualificadas às situações de violação de direitos humanos e sociais. Assim, o CREAS se caracteriza como uma unidade pública estatal, de abrangência municipal ou regional, voltada ao atendimento de pessoas com os vínculos familiares rompidos ou inexistentes, que vivenciam situações de violações de direitos caracterizadas como risco pessoal ou social.

Empiricamente, notamos muitos entraves para a concretização do papel do CREAS que refletiam no atendimento das demandas da população usuária. As dificuldades operacionais atreladas à complexidade das situações apresentadas pelas famílias não tinham respostas concretas ‒ talvez pela falta de clareza da gestão ou dos profissionais quanto às competências do CREAS, pela dificuldade de articulação da rede ou pela ausência de serviços públicos que pudessem atender às urgências apresentadas, e ainda, provocadas pela ausência da capacitação, pois nem sempre os profissionais são capacitados para atuar em casos tão “cronificados” pelas violações de direitos.

Esse desconforto suscitou indagações quanto à concretização do trabalho do CREAS, para além das normativas da Política Nacional de Assistência Social - PNAS/2004BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Política Nacional de Assistência Social - PNAS/2004. Brasília, 2004. − e cartilhas do governo federal. O ponto de partida para alcançar a finalidade almejada foi conhecer as demandas trazidas pela população usuária e os desafios presentes no CREAS, abordando a função da Proteção Social Especial e o quanto o Estado, pelo viés neoliberal, favorece a desproteção social, causando as violações de direitos. Em seguida, levantaram-se as especificidades dos serviços do CREAS e a primazia do trabalho intersetorial.

Primeiramente, realizamos a pesquisa bibliográfica e documental, que concedeu o embasamento teórico para a análise dos dados coletados. No entanto, foram consultados livros, artigos científicos, monografias, teses e dissertações; dados da Secretaria Nacional de Assistência Social e legislações da Política de Assistência Social, sendo imprescindível um levantamento histórico dos municípios, da implantação e do trabalho dos CREAS.

Em segundo lugar, aplicamos a pesquisa de campo, que teve como cenário a região administrativa de Bauru, a qual integra a VI Macrorregião do estado de São Paulo, composta por 39 municípios; destes, dez possuem o CREAS na rede de serviços de média complexidade. Diante do universo, optou-se por realizar a pesquisa com uma amostra de 50% dos municípios, entre eles, Bauru (SP), Jaú (SP), Lençóis Paulista (SP), Pederneiras (SP) e Dois Córregos (SP), e a escolha se deu por sorteio.

Ao optar por municípios de diferentes portes (pequeno, médio e grande), buscamos abarcar a totalidade do objeto de pesquisa, pois apesar de haver uma padronização no processo de trabalho do CREAS, as cidades brasileiras apresentam heterogeneidade territorial, diversidade na organização da rede de serviços e no modo de gestão das políticas públicas, ou seja, particularidades que geram implicações no reconhecimento do papel e na delimitação das competências desse equipamento.

A pesquisa de campo foi realizada com cinco assistentes sociais, uma de cada município, sendo alguns trechos das entrevistas inseridos neste artigo, situando a fala das participantes no contexto histórico e social. Em respeito aos procedimentos éticos exigidos nas pesquisas com seres humanos, buscamos preservar a identidade das participantes a partir do uso de nomes fictícios de personagens da literatura brasileira, como: Glória, Justina, Pádua, Fortunata e Sancha.

A análise e a interpretação dos dados foram pautadas pela tradição marxista - método materialista histórico-dialético. Essa concepção contribuiu no desvelamento do objeto de pesquisa, pois buscou apreendê-lo a partir das contradições e das relações entre universalidade, singularidade e particularidade. A pesquisa considerou o método histórico-dialético como um importante caminho na busca da essência do problema.

O caminho percorrido revelou que a temática deve ser demasiadamente explorada pelos pesquisadores que se identificam com a complexidade das demandas da Proteção Social Especial. Apesar disso, concluímos que houve muitos avanços na Política de Assistência Social, do ponto de vista normativo e estrutural, pois a presença de CREAS sinaliza a ampliação do sistema de proteção social. Trata-se de uma política pública recente que está em consolidação, e enfrenta desafios e retrocessos notórios no campo dos direitos sociais e na capacidade de atendimento condizente com a cobertura das demandas sociais. Os resultados alcançados com a pesquisa foram satisfatórios, dados os conhecimentos obtidos.

1. Violação de direitos e as demandas do CREAS

Por atender a demandas tão complexas marcadas pela desproteção do Estado, o CREAS integra os serviços de Proteção Social Especial, previstos na Lei Orgânica de Assistência Social - LOAS (Lei n. 8.742/1993BRASIL. Lei n. 8.742, de 7 de dezembro de 1993. Dispõe sobre a organização da Assistência Social e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 1993.). A principal função da proteção social especial é prevenir a ocorrência de novos riscos e o agravamento das demandas, a fim de evitar que os vínculos familiares sejam rompidos, prevenindo assim a institucionalização de crianças, adolescentes, pessoas com deficiência e idosos (Brasil, 2011bBRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Orientações técnicas: Centro de Referência Especializado de Assistência Social - CREAS. Brasília: Gráfica e Editora Brasil, 2011b.).

Para a efetivação da proteção social especial, os municípios de pequeno, médio e grande porte, inclusive as metrópoles, dispõem do CREAS. Este integra uma rede de serviços de média complexidade e atua ao lado do sistema de garantia de direitos, prestando ofertas às famílias e aos indivíduos em risco pessoal ou social, em decorrência de situações de ameaça ou violação de direitos.

A atuação do CREAS se faz necessária sempre que os direitos sociais forem ameaçados ou violados por ação ou omissão do Estado, da família ou de outro indivíduo, e até mesmo em razão da própria conduta do indivíduo que sofre a violação. As situações violadoras decorrem, muitas vezes, da ausência do Estado, o qual tem a primazia de garantir serviços públicos de qualidade, mas muitas vezes se mostra omisso.

Para definir com lucidez a demanda do CREAS, partimos do pressuposto de que os riscos são provocados pela ausência de acesso a bens e serviços públicos, através dos quais o Estado deveria garantir acesso aos direitos sociais. Como as políticas sociais não são sinônimo de “garantia de direitos” e a previsão legal não garante sua efetividade, é preciso entender que as situações de riscos que chegam até o CREAS não são geradas pelos indivíduos que as vivenciam, mas pelo sistema econômico que vigora na sociedade capitalista.

O reconhecimento das violações requer a análise dos direitos sociais como fruto de um longo processo histórico de lutas pela conquista não somente das liberdades individuais, como também dos direitos coletivos, políticos e sociais. A luta pela conquista dos direitos individuais ou das liberdades clássicas desenvolveu-se nos séculos XVII e XVIII, pela participação na vida política, com a progressiva ampliação do direito ao voto (Simões, 2014SIMÕES, Carlos. Curso de direito do Serviço Social. 7. ed. São Paulo: Cortez, 2014. v. 3. (Biblioteca Básica de Serviço Social)., p. 77).

Assim, os direitos civis deixaram de ser concebidos como manifestação da vontade divina e passaram a ser responsabilidade do Estado, o qual tem a prerrogativa legal de prover serviços que assegurem os direitos sociais, a fim de sanar as desigualdades sociais presentes na sociedade de classes. “A constituição dos direitos sociais efetivou-se pela instituição da social-democracia e do Estado de Bem-estar social, no bojo da primeira grande crise do sistema capitalista e do acirramento da luta de classes” (Simões, 2014SIMÕES, Carlos. Curso de direito do Serviço Social. 7. ed. São Paulo: Cortez, 2014. v. 3. (Biblioteca Básica de Serviço Social)., p. 69).

Como resultado dos movimentos e das lutas sociais, dá-se a promulgação da Constituição Federal (CF) de 1988, que legitimou todas as gerações de direitos individuais e coletivos. A CF/1988 traz no artigo 6o os direitos sociais universais (a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados), sob o princípio da igualdade e da solidariedade, e atribui caráter social ao valor da dignidade.

Entre os direitos fundamentais enunciados constitucionalmente, o artigo 5o da CF/1988 “assegura a igualdade de todos perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo aos brasileiros e estrangeiros, residentes no país, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade” (Brasil, 1988BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União, Brasília, Poder Legislativo, 5 out. 1988.). Apesar de os direitos fundamentais serem inalienáveis e concebidos como inerentes à pessoa humana, as populações sem acesso a bens e serviços públicos têm seus direitos violados e, consequentemente, passam a vivenciar situações de vulnerabilidades e riscos sociais.

Ao ser negligente para com a população, o Estado nega o acesso à saúde, à educação, à alimentação, ao transporte, à cultura, ao esporte, ao lazer, à assistência social, à moradia, à renda etc. Devido à falta de acesso a serviços públicos, os indivíduos, principalmente crianças, adolescentes e idosos, incluindo pessoas com deficiência, vivenciam situações de desproteção social, passam a ter seus direitos violados e ficam expostos a situações de vulnerabilidades que se agravam, tornando-se casos de risco pessoal ou social.

Para tanto, é fundamental aprofundar os conceitos trazidos na PNAS/2004 conhecidos como “vulnerabilidades” e “riscos sociais”, pois ambos indicam níveis de exclusão. Esses conceitos demonstram uma relativa fragilidade na delimitação dos usuários e dos próprios serviços a serem prestados, para atender aos níveis de proteção propostos (Mota, 2013MOTA, Ana Elizabete (org.). O mito da assistência social: ensaios sobre Estado, política e sociedade. São Paulo: Cortez, 2013.). Na mesma direção, Couto et al. (2017COUTO, Berenice Rojas et al. Sistema Único de Assistência Social no Brasil: uma realidade em movimento. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2017., p. 53) afirmam que é necessário examinar esses conceitos, sem sucumbir a recortes e fragmentos das problemáticas sociais:

[...] é preciso lembrar que muitas situações de vulnerabilidade e riscos sociais são determinadas pelos processos de produção e reprodução social, sendo uma condição social coletiva vivenciada por um amplo conjunto de trabalhadores, a partir das clivagens da classe social a que pertencem.

Seguindo essa perspectiva, Boschetti (2016BOSCHETTI, Ivanete. Assistência social e trabalho no capitalismo. São Paulo: Cortez, 2016.) acrescenta que desde 2004, no Brasil, vive-se um paradoxo: avanços institucionais importantes para a consolidação da Política de Assistência Social, a exemplo da criação do SUAS, mas com parâmetros, normativas e orientações técnicas que contêm categorias com um nítido DNA neoconservador, pois os conceitos de risco, capacidades, exclusão e vigilância são como um “panóptico” da classe trabalhadora.

O que acontece com os despossuídos, hoje, é mais do que vulnerabilidade própria do ser social. São, muitas vezes, danos, reparáveis ou irreparáveis, são graves ameaças, são exposições ao perigo e à morte, postas pela sociedade e não pela condição humana. A luta pela democracia pede mais do que um conceito de vulnerabilidade, pede o conceito de iniquidade (Teixeira, 2011TEIXEIRA, Joaquina Barata. O reconhecimento de categorias profissionais de nível superior no SUAS: apontamentos extraídos do “Encontro Nacional dos Trabalhadores do SUAS”. In: BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (org.). Gestão do trabalho no âmbito do SUAS: uma contribuição necessária para ressignificar as ofertas e consolidar o direito socioassistencial. Brasília: MSD; Secretária de Assistência Social, 2011., p. 132).

Teixeira (2011TEIXEIRA, Joaquina Barata. O reconhecimento de categorias profissionais de nível superior no SUAS: apontamentos extraídos do “Encontro Nacional dos Trabalhadores do SUAS”. In: BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (org.). Gestão do trabalho no âmbito do SUAS: uma contribuição necessária para ressignificar as ofertas e consolidar o direito socioassistencial. Brasília: MSD; Secretária de Assistência Social, 2011.) também evidencia a crueldade sofrida pela classe trabalhadora e a tentativa de controle social do Estado. Na visão destas autoras, a adoção dos termos trazidos pelas normativas rotula os sujeitos como “despossuídos”, “vulneráveis”, ao tempo que banaliza a barbárie social vivida pela população brasileira, privada do acesso a bens e serviços públicos.

Conforme Raichelis (2011RAICHELIS, Raquel. O trabalho e os trabalhadores do SUAS: o enfrentamento necessário na assistência social. In: BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (org.). Gestão do trabalho no âmbito do SUAS: uma contribuição necessária para ressignificar as ofertas e consolidar o direito socioassistencial. Brasília: MSD; Secretária de Assistência Social, 2011.), é preciso repensar as categorias da assistência social, que surgiram principalmente na década de 1990 e hoje se caracterizam por seu conteúdo vazio. O termo “vulnerabilidade, por exemplo, por seu conteúdo demasiado abstrato e genérico, uma vez que vulnerável é a condição humana, vulneráveis somos todos nós” (Raichelis, 2011RAICHELIS, Raquel. O trabalho e os trabalhadores do SUAS: o enfrentamento necessário na assistência social. In: BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (org.). Gestão do trabalho no âmbito do SUAS: uma contribuição necessária para ressignificar as ofertas e consolidar o direito socioassistencial. Brasília: MSD; Secretária de Assistência Social, 2011., p. 132).

Assim, é imperativo que se faça uma leitura crítica da realidade, para a apreensão tanto dos elementos estruturais quanto dos conjunturais que abarcam as totalidades sociais e, assim, desviar-se de posturas que responsabilizam as famílias por suas “enfermidades”. Tais violações incidem sobre as relações familiares e comunitárias, gerando conflitos, tensões e rupturas, demandando, portanto, uma atenção especializada em conjunto com os órgãos de defesa de direitos e as políticas públicas setoriais, objeto estudado no próximo item.

2. As especificidades do CREAS na proteção social especial e a primazia do trabalho em rede

Ao fazer uma analogia entre o SUAS e o Sistema Único de Saúde (SUS) (Lei n. 8.080/1990BRASIL. Lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 1990.), os CREAS se assemelham aos centros especializados em nível ambulatorial e hospitalar, que atuam nos casos de urgência e emergência. Trata-se de um equipamento “intermediário” que oferta atendimento especializado, e atua em conjunto com a rede de serviços setoriais, com os órgãos do sistema de garantia de direitos e com a rede de serviços socioassistenciais, em parceria com os Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) e com os serviços socioassistenciais de média e alta complexidade.

A implantação dos CREAS deve ser antecedida de diagnóstico da realidade e do mapeamento dos serviços que integram a rede de proteção social básica e especial. Quanto aos critérios a serem seguidos para a instalação do CREAS nas cidades brasileiras, o governo federal, através do Caderno de Orientações Técnicas do CREAS, estabeleceu:

É importante mencionar que o Quadro 1 apresenta parâmetros de referência, contudo, a quantidade de CREAS pode variar de acordo com o diagnóstico local e o número de habitantes. Já o CREAS Regional dar-se-á por iniciativa do Estado; este deve assumir o cofinanciamento, a coordenação e a supervisão da unidade, em parceria com os municípios envolvidos. Essa modalidade contempla cidades pequenas com até 50 mil habitantes, que tenham proximidades geográficas e demanda reduzida, e não justifiquem a oferta de um CREAS exclusivo (de abrangência municipal).

Quadro 1.
Parâmetros para definição de quantidade de CREAS, conforme o porte do município

Quanto aos serviços possíveis no CREAS, a Tipificação de Serviços Socioassistenciais (Brasil, 2009BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Tipificação nacional de serviços socioassistenciais. Brasília: MDS, 2009.) estabelece até quatro modalidades: a) Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos (PAEFI); b) Serviço Especializado em Abordagem Social; c) Serviço de Proteção Social a Adolescentes em Cumprimento de Medida Socioeducativa de Liberdade Assistida (LA) e de Prestação de Serviços à Comunidade (PSC); e d) Serviço de Proteção Social Especial para Pessoas com Deficiência, Idosas e suas Famílias.

Para a execução de cada um dos serviços, o município deve dispor de estrutura física, recursos humanos e financeiros condizentes com sua demanda. No CREAS, pode haver várias ofertas de serviços; a principal delas é a efetivação do PAEFI, que não deve seguir a lógica mercadológica, pois abrange as parcerias entre o Estado e as organizações do terceiro setor.

Ao eleger o CREAS como unidade pública estatal, a PNAS (Brasil, 2004BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Política Nacional de Assistência Social - PNAS/2004. Brasília, 2004.) confere ao Estado a primazia da responsabilidade pela implantação, execução e implementação das ações no campo da proteção social, sob o paradigma reconhecido na Constituição Federal do direito à Assistência Social, haja vista sua condição de política pública integrante do sistema de seguridade social brasileira.

O CREAS recebe recursos federais; os repasses podem ser usados para o custeio da equipe técnica, limitado à utilização de até 60% do valor para o pagamento de servidores concursados. É permitida a aquisição de material de consumo e de serviços de terceiros necessários à realização das ações de acompanhamento familiar. O investimento maior ainda está a cargo dos municípios, que arcam com as despesas de aluguel, água, energia elétrica, telefonia, internet, alarme/segurança, sistema de informação, manutenção dos prédios, reparos e reformas, remuneração dos trabalhadores, encargos trabalhistas e materiais em geral.

Apesar dos avanços relativos ao financiamento do SUAS, Couto et al. (2017COUTO, Berenice Rojas et al. Sistema Único de Assistência Social no Brasil: uma realidade em movimento. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2017.) afirmam que a principal inovação do SUAS é a ruptura com a lógica convenial (convênios) e a instalação do cofinanciamento pautado por pisos de proteção social básica e especial, e no repasse de fundo a fundo. Nesse quesito, Couto et al. (2017COUTO, Berenice Rojas et al. Sistema Único de Assistência Social no Brasil: uma realidade em movimento. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2017.) constataram que o governo estadual assume apenas custos relativos à capacitação de pessoal e ações de monitoramento e avaliação dos municípios, atividades essas nem sempre desenvolvidas sistematicamente.

No que se refere à localização, o CREAS deve ser instalado em local estratégico, que assegure às equipes possibilidades e meios para o deslocamento no território; prioritariamente, em local de fácil acesso à população a ser atendida, levando em conta a disponibilidade de transporte público e a proximidade com área de maior concentração de riscos sociais. Ainda segundo Couto et al. (2017COUTO, Berenice Rojas et al. Sistema Único de Assistência Social no Brasil: uma realidade em movimento. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2017.), a territorialização, que é um princípio do SUAS, é um elemento-chave para que os serviços sejam ofertados próximos à população, a fim de que o local seja provido de recursos que melhorem as condições de vida, e que nesse território se construa o sentimento de pertencimento dos usuários ao município.

Couto et al. (2017COUTO, Berenice Rojas et al. Sistema Único de Assistência Social no Brasil: uma realidade em movimento. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2017.) advertem sobre o cuidado que se deve ter com o processo da territorialização, para não reforçar estigmas, rotular a população por morar em determinado “território” ou cercear a mobilidade dos sujeitos coletivos. Segundo as autoras, é no território que as manifestações da questão social se concretizam, por ser também o terreno das políticas públicas onde se dão os tensionamentos e as possibilidades de enfrentamento das expressões da questão social.

[...] a guetificação dos territórios impede a convivência entre grupos e classes sociais heterogêneos e os diferentes usos e “contrausos” da cidade. São processos que contradizem os valores de universalidade, heterogeneidade, acessibilidade e igualdade que fundamentam a construção de espaços públicos democráticos (Couto et al., 2017COUTO, Berenice Rojas et al. Sistema Único de Assistência Social no Brasil: uma realidade em movimento. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2017., p. 53).

Nesse ponto, concordamos com as autoras, pois a ocupação urbana a partir do viés neoliberal vem suscitando um processo de segregação espacial com base na implantação de bairros apartados dos centros urbanos, sem o mínimo de infraestrutura que ofereça condições de acesso à educação básica (ensino infantil, fundamental e médio), bem como a unidades de saúde, assistência social, esporte, cultura, entre outros serviços públicos essenciais.

Em geral, os territórios sem infraestrutura concentram grande parte da demanda social acompanhada pelo CREAS. O fato de residir em bairros desprovidos de serviços públicos certamente contribui para que a família não desempenhe sua função protetiva, expondo seus membros, de modo especial as crianças e os adolescentes, os idosos e as pessoas com deficiência, a “violações de direitos”.

Em se tratando de territórios afastados com casos que envolvam a exposição das vítimas, a equipe do CREAS tem a prerrogativa de realizar o atendimento no próprio domicílio dos usuários ou, até mesmo, em outra unidade pública mais próxima da residência (a exemplo do CRAS), de modo que o local garanta o sigilo profissional e facilite o acompanhamento mensal dos usuários.

A estrutura física do CREAS pode variar conforme a quantidade de serviços executados nessa unidade. O tamanho do imóvel, a disposição das salas e as normas de acessibilidade devem seguir as regras da ABNT1 1 A acessibilidade das pessoas com deficiência é um direito estabelecido no Decreto n. 5.296/04, que regulamenta as Leis n. 10.048/2000 e n. 10.098/2000, e a Norma Técnica ABNT NBR 9050: 2004. e os dispositivos do Caderno de Orientações Técnicas ‒ Centro de Referência Especializado de Assistência Social - CREAS (BRASIL, 2011bBRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Orientações técnicas: Centro de Referência Especializado de Assistência Social - CREAS. Brasília: Gráfica e Editora Brasil, 2011b., p. 73).

Além das questões estruturais, o CREAS tem a incumbência de fazer a gestão da rede e a articulação com as demais políticas públicas e os órgãos do sistema de garantias de direitos. Essa integração é necessária para a concretização das garantias afiançadas pela política de assistência social, pois sem isso o CREAS não avança no cuidado e na prevenção das violações de direitos.

A articulação com a rede é importante, porque o CREAS não consegue fazer nada sozinho. Quando há casos muito complexos, a gente monta uma estratégia de enfrentamento daquela situação. Aí a gente reúne toda a rede, o CREAS, o CRAS, a Saúde, o Conselho (Tutelar), para acompanhar e trocar as informações (Sancha).

Assim como Sancha, a fala de Pádua ressalta que o trabalho em rede garante uma maior resolutividade aos casos atendidos:

Aqui nós tivemos muitos avanços com a rede (de serviços). A gente enfrenta algumas dificuldades ainda, mas avançou muito. O promotor cobra bastante articulação da rede, porque o CREAS tem essa função de articular a rede, que é a gestão. É muito rico quando a rede atende em conjunto e define o que cada um pode fazer. A gente percebe que os casos de sucesso são aqueles em que conseguimos articular a rede (Pádua).

Entre as políticas públicas, a Assistência Social se destaca por sua dimensão essencialmente intersetorial, uma vez que incorpora e desenvolve um conjunto de atividades integradas com as demais políticas setoriais (Almeida; Alencar, 2011ALMEIDA, Ney Luiz Teixeira; ALENCAR, Mônica Maria Torres de. Serviço Social, trabalho e políticas públicas. São Paulo: Saraiva, 2011.). Com as novas racionalidades criadas pela PNAS/2004, a Assistência Social teve ainda um aumento de ações interinstitucionais, envolvendo também os órgãos dos Poderes Executivo e Judiciário.

Para facilitar a intersetorialidade, necessária à efetivação do trabalho social no CREAS, é importante que a equipe conheça efetivamente a rede existente no seu território de atuação, incluindo, por exemplo, visitas para conhecer o funcionamento dos serviços e Unidades que a compõem, objetivos, público atendido, atividades desenvolvidas, horários de funcionamento, equipes, profissionais, dentre outras informações que permitam estabelecer e fortalecer o desenvolvimento de ações articuladas e complementares (Brasil, 2011bBRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Orientações técnicas: Centro de Referência Especializado de Assistência Social - CREAS. Brasília: Gráfica e Editora Brasil, 2011b., p. 61).

A lógica da intersetorialidade requer a articulação em rede, a qual depende de amplo conhecimento do território e dos atores envolvidos, pois é nele que se situam as instituições públicas e privadas, as igrejas, a associação de bairro, o comércio, as empresas etc. O trabalho em rede é oportuno para o estabelecimento de parcerias, a definição de protocolos e os fluxos de encaminhamentos, a discussão de casos etc.

O trabalho social requer o envolvimento da rede de serviços socioassistenciais (CRAS e Organizações da Sociedade Civil, que executam serviços de média e alta complexidade), das políticas setoriais (Educação, Saúde, Trabalho e Renda, Esporte e Cultura etc.). Soma-se a este a parceria com as instituições de defesa de direitos (Ministério Público, Defensoria Pública, Poder Judiciário e delegacias especializadas) e, ainda, das instâncias de controle social (Conselhos de Direitos e Conselhos Gestores).

Temos um parceiro, o Conselho Municipal do Idoso. Eles são muito atuantes nos casos que envolvem idoso. Mas ainda não temos instituído o Conselho da Mulher, até seria importante, pra poder dar força ao nosso trabalho (Fortunata).

A pesquisa identificou que a participação de profissionais e usuários do CREAS nos Conselhos visa fomentar o protagonismo e o controle social no SUAS. Ao levantar as particularidades estruturais e organizacionais do CREAS, bem como as especificidades do trabalho ofertado por esse equipamento no sistema de proteção social, identificamos a riqueza do trabalho em rede, seja na construção de ações coletivas, seja no alcance das metas estabelecidas e pactuadas entre as instituições envolvidas no trabalho social.

3. A riqueza do trabalho interdisciplinar no CREAS

A operacionalização das políticas públicas, em especial da Assistência Social, é permeada pela visão minimalista do Estado, de focalização na pobreza e sucateamento e privatização dos serviços públicos. Nesse contexto, é preciso que os profissionais que atuam no CREAS defendam o direito à Assistência Social na perspectiva da universalidade do atendimento, descolado do critério de renda e de seletividade, até mesmo para não torná-la uma “política de exceções”.

Com o advento da Norma Operacional Básica de Recursos Humanos do Sistema Único de Assistência Social - NOB-RH/SUAS −, a Política de Assistência Social foi profissionalizada. Ao tempo que a normativa exige a presença de profissionais concursados, ela rompe com a cultura do voluntariado, assegura continuidade às ações e fortalece o vínculo entre profissional e a população usuária, impactando positivamente no acompanhamento familiar.

Essa normativa enfatiza a necessidade de se ter servidores públicos concursados, mas também prevê a possibilidade de contratação temporária de profissionais externos que prestam supervisão e assessoria técnica. Com base no Caderno de Orientações Técnicas: Centro de Referência Especializado de Assistência Social - CREAS (Brasil, 2011bBRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Orientações técnicas: Centro de Referência Especializado de Assistência Social - CREAS. Brasília: Gráfica e Editora Brasil, 2011b., p. 94), estabeleceu-se a seguinte equipe de referência:

Observamos no Quadro 2 que o número de profissionais nos municípios de grande porte (12 profissionais) é quase o dobro se comparado com os municípios de pequeno porte (sete profissionais). Esse número deve ser condizente com a quantidade de serviços executados na unidade do CREAS, sendo relevantes considerar na formação das equipes o perfil e a experiência profissional, no sentido de agregar valor ao trabalho social.

Quadro 2.
Parâmetros para a composição da equipe de referência do CREAS

O reconhecimento de diversas categorias profissionais no SUAS nasce após a aprovação da Resolução n. 17/2011 pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) e pelo Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS)BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Conselho Nacional de Assistência Social. Resolução n. 17, de 20 de junho de 2011. Ratificar a equipe de referência definida pela Norma Operacional Básica de Recursos Humanos do Sistema Único de Assistência Social - NOB-RH/SUAS − e reconhecer as categorias profissionais de nível superior para atender às especificidades dos serviços socioassistenciais e das funções essenciais de gestão do Sistema Único de Assistência Social - SUAS. Brasília, 2011c.. Nessa direção, 11 categorias de nível superior podem compor a equipe do SUAS, a saber: o assistente social, o psicólogo, o advogado, o administrador, o antropólogo, o contador, o economista, o economista doméstico, o pedagogo, o sociólogo e o terapeuta ocupacional.

Embora seja recente no SUAS a inserção de novas categorias profissionais, a presença de assistentes sociais, psicólogos e advogados no CREAS é fundamental para a efetividade do trabalho interdisciplinar no âmbito da Proteção Social Especial.

A vinda dos advogados faz a gente se atualizar o tempo todo sobre a legislação, o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Código Civil; a gente lia muito pouco o Código Civil, e eles usam muito ele na atuação. Eles nos passam todas as atualizações, é muito boa essa troca. A presença do advogado é importante para clarear sobre a legislação. Eu sei que temos advogados muito especiais, porque não é fácil achar um profissional que se identifica com a Política de Assistência que compreende (Pádua).

Os dados demonstram que o trabalho interdisciplinar vem conseguindo alcançar resultados satisfatórios no que tange à defesa dos direitos dos usuários que tiveram seus direitos violados. O contato diário entre assistentes sociais, psicólogos e advogados amplia o universo informacional da equipe acerca das legislações sociais, facilita o encaminhamento das demandas para os órgãos de defesa de direitos e avança na superação das vulnerabilidades e riscos sociais.

Às vezes a gente precisa buscar na legislação a garantia dos direitos dos usuários. Esses dias nós fizemos um atendimento de um adulto com Mal de Parkinson. Eu preciso garantir o direito do usuário enquanto pessoa com deficiência. Sentamos juntos com os advogados e fomos buscar na legislação que mudou recentemente. Conseguimos acessar a rede de serviços do usuário na condição de pessoa com deficiência (Pádua).

Ao definir as equipes, a NOB-RH/SUAS (2006BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Secretaria Nacional de Assistência Social. Política Nacional de Assistência Social (PNAS): Norma Operacional Básica (NOB/SUAS). Brasília, 2005.) propôs a interdisciplinaridade como um recurso aglutinador de saberes desconexos e independentes. A junção dos saberes se mostra como a principal estratégia de intervenção diante das expressões da questão social apresentadas cotidianamente. O trabalho interdisciplinar cresceu na Política de Assistência Social a partir do SUAS e, hoje, é um coeficiente que garante eficácia e efetividade no acompanhamento individual e familiar no âmbito do CREAS.

Conforme Pereira-Pereira (2014)PEREIRA-PEREIRA, Potyara Amazoneida. A intersetorialidade das políticas sociais na perspectiva dialética. In: MONNERAT, Giselle Lavinas; ALMEIDA, Ney Luiz Teixeira; SOUZA, Rosimary Gonçalvez de (org.). A intersetorialidade na agenda das políticas sociais. Campinas: Papel Social, 2014. art. 1., a interdisciplinaridade surgiu da consciência de um estado de carência no campo do conhecimento, causado pelo aumento exagerado das especializações e pela rapidez do desenvolvimento autônomo de cada uma delas. Nesse ponto, concordamos com a autora, pois o trabalho interdisciplinar pode ser um instrumento facilitador ou dificultador, a depender da maneira como é utilizado, do olhar da equipe e da própria coordenação do CREAS.

Durante a pesquisa, constatamos a relevância do trabalho do advogado junto à equipe do CREAS, no trato das questões jurídicas, atuando na elaboração de acordos extrajudiciais, a fim de evitar a judicialização da pobreza e o afastamento do idoso do ambiente familiar.

Diminuiu muito a quantidade de acolhimento de idosos nesses últimos anos. Eu acredito que depois que nós instituímos o serviço jurídico, as famílias responderam melhor ao Termo de Acordo. Antes a gente fazia o atendimento, mas ficava vago pra família; apesar de todas as orientações, ela continuava na mesma rotina (Pádua).

Segundo Pádua, a chance de a família cuidar do indivíduo idoso, que está em situação de violação de direitos, aumenta quando se realiza também o “Acordo Extrajudicial”, para a definição do cuidador responsável pelo idoso (podendo definir mais de um cuidador) e o estabelecimento da “pensão alimentícia”, que será paga pelos filhos para o custeio das despesas mensais do usuário (despesas com alimentação, saúde, vestimentas e moradia).

Todavia, observamos a riqueza do trabalho interdisciplinar no CREAS a partir da junção de três categorias profissionais fundamentais no SUAS, que são: o assistente social, o psicólogo e o advogado. A atuação conjunta desses profissionais vem contribuindo positivamente para a construção de respostas coletivas que vão ao encontro da complexidade das demandas apresentadas.

Considerações finais

Ao analisarmos os resultados da pesquisa, restaram evidências de que houve avanços nas normativas da Assistência Social, marcados pela especificidade do campo da proteção social especial, sinalizada principalmente pela presença do CREAS na rede de serviços. A pesquisa demonstrou que o trabalho do CREAS está em consolidação. Por ser uma unidade recente no sistema de proteção social, ele é bastante confundido com uma “unidade intensiva”, que presta atendimento imediato e pontual e atente a todas as demandas comumente reprimidas, que ficam aquém de atendimentos por parte das demais políticas públicas e dos órgãos do SGD (Sistema de Garantia de Direitos).

Por outro lado, as situações de risco social e pessoal acompanhadas pelo CREAS são complexas e abarcam violações causadas pela ausência do Estado que, muitas vezes, não promove o acesso a bens e serviços e, consequentemente, viola direitos sociais. Ainda que seja uma ação executada por um ou mais indivíduos (agressor/es), envolve a desproteção do Estado, pois a família não é a única responsável pela proteção de seus membros.

Não restaram dúvidas de que o acompanhamento sociofamiliar ofertado no CREAS deve estar norteado pelo respeito aos direitos dos indivíduos que, muitas vezes, já perderam ou nunca tiveram assegurada a sua condição de cidadãos, cabendo aos profissionais compreender que as situações vivenciadas pelos indivíduos não decorrem das escolhas pessoais, mas da própria condição humana; e que essas situações são causadas pelo sistema capitalista excludente.

Nessa perspectiva, os usuários que adentram essa unidade devem ser recepcionados na sua singularidade e no seu pertencimento à classe trabalhadora. As violações provocam fragilidades que exigem uma postura profissional acolhedora e ética, de respeito à dignidade, à diversidade e à não discriminação. Por isso, os profissionais do CREAS devem proporcionar aos usuários atendimento de qualidade e ambiência que garanta “acolhida e escuta especializada”.

Entretanto, a presença do CREAS por si só não garante a proteção social provida pelo Estado, tampouco consegue prevenir o “agravamento” ou evitar que milhares de violações de direitos ocorram. Dá-se o mesmo quando se espera que os profissionais e as famílias sejam capazes de dar conta das vicissitudes da vida, haja vista que a garantia dos direitos sociais compete ao Estado.

De acordo com Boschetti (2016BOSCHETTI, Ivanete. Assistência social e trabalho no capitalismo. São Paulo: Cortez, 2016.), a proteção social não se restringe a uma política social, e a existência de políticas sociais tampouco constitui um Sistema de Proteção Social. Este decorre justamente da união de diversas políticas sociais. Perante as atrocidades sociais, o CREAS deve ser reconhecido como o lócus onde se forjam dialeticamente as resistências e as lutas coletivas de defesa dos direitos sociais da classe trabalhadora.

Portanto, o que une as políticas sociais é a intersetorialidade, instrumento adotado na nova lógica de gestão, que transcende um “único” setor ou uma única política social. Conforme Pereira-Pereira (2014PEREIRA-PEREIRA, Potyara Amazoneida. A intersetorialidade das políticas sociais na perspectiva dialética. In: MONNERAT, Giselle Lavinas; ALMEIDA, Ney Luiz Teixeira; SOUZA, Rosimary Gonçalvez de (org.). A intersetorialidade na agenda das políticas sociais. Campinas: Papel Social, 2014. art. 1.), a intersetorialidade é uma estratégia política de articulação entre “setores” diversos e especializados, que também deve ser entendida como um instrumento de otimização dos saberes (competências e relações sinérgicas) em prol de um objetivo comum.

Acreditamos que os resultados alcançados com a pesquisa foram satisfatórios, pois contribuíram para a construção de conhecimentos. Apesar disso, tem-se a convicção de que a pesquisa não esgotou os estudos, devendo a temática ser mais explorada pelos pesquisadores que se identificam com a complexidade da Proteção Social Especial, tendo em vista que existem poucas análises sobre esse assunto.

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    A acessibilidade das pessoas com deficiência é um direito estabelecido no Decreto n. 5.296/04, que regulamenta as Leis n. 10.048/2000 e n. 10.098/2000, e a Norma Técnica ABNT NBR 9050: 2004ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS E TÉCNICAS (ABNT). NBR 9050. Norma brasileira de acessibilidade de pessoas portadoras de deficiência às edificações, espaço mobiliário e equipamentos urbanos. Rio de Janeiro: Associação Brasileira de Normas Técnicas, 2004..

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Jul 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    01 Jul 2022
  • Aceito
    13 Fev 2023
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