Resumos
Foram investigadas, no presente estudo a composição de espécies e a abundância de uma comunidade de pequenos mamíferos presentes nos campos de murundus, um tipo fitofisionômico característico da região central dos Cerrados brasileiros. Duas grades de armadilhas do tipo Sherman foram montadas e oito espécies de roedores foram capturadas. Não foi registrada a presença de nenhum marsupial na região. As espécies mais abundantes foram Bolomys lasiurus (Lund, 1841), Thalpomys lasiotis Thomas, 1916 e Calomys tener (Winge, 1888). Durante a estação chuvosa, B. lasiurus foi a espécie mais abundante, ao contrário de T. lasiotis que apresentou maior número de indivíduos durante o período seco. Esta distinção com relação à abundância dos indivíduos dessas duas espécies pode ser um mecanismo de adaptação que permite a coexistência nos mesmos habitats.
Brasil central; Cerrado; diversidade; campos de murundus; heterogeneidade ambiental
In the present study we investigated the species composition and abundance of a small mammal community from a "campo de murundus", a characteristic vegetational type of Central Brazilian Cerrados. Two grids of Sherman traps were set and eight species of rodents was recorded. No marsupials were found in this habitat. The most abundant species were Bolomys lasiurus (Lund, 1841), Thalpomys lasiotis Thomas, 1916 and Calomys tener (Winge, 1888). Bolomys lasiurus was the most abundant species during the rainy season and T. lasiotis was more common in dry season. This may be a mechanism allowing their coexistence in the same habitats.
Cerrado; Central Brazil; murundus; species diversity; structural heterogeneity
Estrutura da comunidade de pequenos mamíferos (Mammalia, Rodentia) da Estação Ecológica de Águas Emendadas, Planaltina, Distrito Federal, Brasil
Community structure of small mammals (Mammalia, Rodentia) from Estação Ecológica de Águas Emendadas, Planaltina, Distrito Federal, Brazil
Raquel Ribeiro; Jader Marinho-Filho
Departamento de Zoologia, Universidade de Brasília. 70910-900 Brasília, Distrito Federal, Brasil. E-mail: raquelribeiro@rbsturbo.com.br
RESUMO
Foram investigadas, no presente estudo a composição de espécies e a abundância de uma comunidade de pequenos mamíferos presentes nos campos de murundus, um tipo fitofisionômico característico da região central dos Cerrados brasileiros. Duas grades de armadilhas do tipo Sherman foram montadas e oito espécies de roedores foram capturadas. Não foi registrada a presença de nenhum marsupial na região. As espécies mais abundantes foram Bolomys lasiurus (Lund, 1841), Thalpomys lasiotis Thomas, 1916 e Calomys tener (Winge, 1888). Durante a estação chuvosa, B. lasiurus foi a espécie mais abundante, ao contrário de T. lasiotis que apresentou maior número de indivíduos durante o período seco. Esta distinção com relação à abundância dos indivíduos dessas duas espécies pode ser um mecanismo de adaptação que permite a coexistência nos mesmos habitats.
Palavras chave: Brasil central, Cerrado, diversidade, campos de murundus, heterogeneidade ambiental.
ABSTRACT
In the present study we investigated the species composition and abundance of a small mammal community from a "campo de murundus", a characteristic vegetational type of Central Brazilian Cerrados. Two grids of Sherman traps were set and eight species of rodents was recorded. No marsupials were found in this habitat. The most abundant species were Bolomys lasiurus (Lund, 1841), Thalpomys lasiotis Thomas, 1916 and Calomys tener (Winge, 1888). Bolomys lasiurus was the most abundant species during the rainy season and T. lasiotis was more common in dry season. This may be a mechanism allowing their coexistence in the same habitats.
Key words: Cerrado, Central Brazil, murundus, species diversity, structural heterogeneity.
A estrutura de uma comunidade diz respeito aos padrões de composição, riqueza e abundância de espécies e das forças evolutivas que moldam estes padrões. Estudos comparativos entre comunidades tornaram-se importantes nas décadas de 1960 e 1970, quando alguns pesquisadores testaram se comunidades de diferentes partes do mundo convergiam em estrutura e diversidade (KARR 1976, CODY & MOONEY 1978). Como resultados desses estudos, surgiram teorias que tentam explicar os padrões gerais observados em algumas comunidades, como o aumento de diversidade nas latitudes próximas aos trópicos (COOK 1969) ou em ambientes de complexidade mais elevada, (SIMPSON 1964) e a coexistência de espécies de acordo com as diferentes estratégias de competição por recursos (TILMAN & PACALA 1993).
Estudando uma comunidade de pequenos mamíferos terrestres (Rodentia e Didelphimorphia) do Cerrado, ALHO (1981) questionou o porquê de algumas espécies apresentarem grandes números de indivíduos em uma área e serem raras ou inexistentes em outras localidades, sugerindo que a complexidade de habitats interferiria na riqueza de espécies e suas abundâncias. Resultados semelhantes foram encontrados por MARINHO-FILHO et al. (1994) , que compararam 11 comunidades em diferentes regiões do Cerrado e verificaram que as abundâncias locais das espécies diferiam em cada localidade, sugerindo que a riqueza de espécies de pequenos mamíferos numa dada área estaria relacionada com a diversidade de habitats nela encontrados. Estudos acerca das comunidades de pequenos mamíferos do Cerrado vêm se acumulando com o passar dos anos, pois compõem um grupo que apresenta facilidade de captura e abundância relativamente alta, podendo fornecer resultados confiáveis e mais robustos sobre seus padrões de distribuição, riqueza e abundância.
Considerada a savana mais rica do mundo, o Cerrado apresenta 1.268 espécies de vertebrados, das quais 117 são endêmicas (IBAMA 2002) . Este bioma tem sido alvo de intensas e descontroladas ocupações, pois por muitos anos foi considerado como uma área desinteressante do ponto de vista biológico. Grandes extensões foram alvos de projetos expansionistas para fronteiras agrícolas e produção de grãos para a exportação. Muitos destes projetos foram implantados por meio de incentivos governamentais, como o Polocentro e o Prodecer, com o objetivo de incorporar a região do Cerrado na produção de grãos do país, aumentando a competitividade dos produtos agrícolas no mercado internacional (MMA 2000).
Em vista da rápida ocupação e transformação deste bioma, estudos sobre a fauna e a flora do Cerrado tornaram-se prioridade para embasar estratégias de conservação e utilização sustentável destas áreas. Neste sentido, o presente estudo tem como objetivo caracterizar uma comunidade de pequenos mamíferos de uma formação típica e pouco estudada dos cerrados do Brasil central, o campo de murundus, analisando sua composição, riqueza e abundância de espécies.
MATERIAL E MÉTODOS
O estudo foi realizado na Estação Ecológica de Águas Emendadas (ESECAE) durante os meses de janeiro a dezembro de 2004. O clima da região é do tipo tropical Aw, na classificação de Köppen (RIBEIRO & WALTER 1998). Há uma estação fria e seca no período de inverno (março a setembro) e uma estação quente e chuvosa no período de verão (outubro a fevereiro) (Fig. 1).
A ESECAE abriga as nascentes de afluentes das bacias Amazônica e Platina, sendo uma das unidades de conservação representativas da área core da distribuição dos cerrados no Brasil central. Com uma área total de aproximadamente 10.500 ha, localiza-se em Planaltina, na porção nordeste do Distrito Federal (15º32'-15º38'S e 47º33'-47º37'W) (Fig. 2). A ESECAE abriga muita das fitofisionomias presentes no Cerrado, entre elas as formações campestres (campos limpo e cerrado), cerrado sensu stricto, matas de galeria e veredas. Foram escolhidas duas áreas para as capturas dos pequenos mamíferos, em duas manchas vegetacionais que correspondem a uma fisionomia singular, o campo de murundus. Esta fisionomia consiste num campo encaixado numa suave depressão do terreno, no qual se observam pequenas elevações formadas por formigueiros ou cupinzeiros, com vegetação arbustiva de cerrado associada, os murundus (ARAÚJO-NETO et al. 1986, OLIVEIRA-FILHO 1992, PONCE & CUNHA 1993). A vegetação predominante nas porções baixas é herbácea, dominada por gramíneas e outros tipos de vegetação rasteira, analogamente ao observado nos campos de murundus da Fazenda Água Limpa, a fazenda experimental da Universidade de Brasília, DF. Os campos de murundus, em geral, parecem se desenvolver entre formações vegetais mais altas e secas (cerrados) e as mais baixas e úmidas (matas de galeria), obedecendo a um gradiente vegetacional (ARAÚJO-NETO et al. 1986). Na situação estudada em Águas Emendadas, eles estão situados em áreas suavemente rebaixadas no topo do platô e cercados por cerrado sensu stricto. Sua origem parece ser resultado do progressivo assoreamento de lagoas temporárias no passado (ARAÚJO-NETO et al. 1986).
Florística dos campos de murundus
O inventário das espécies de plantas presentes nas duas grades de captura foi realizado durante os meses de novembro e dezembro de 2004. Amostras de todas as plantas encontradas ao longo dos transectos no interior de cada grade foram coletadas e levadas ao Herbário da Universidade de Brasília, onde foram identificadas pela professora Dra. Carolyn Proença e por Luciano Milhomens (Tab. I).
Captura dos Animais
Para a amostragem da comunidade de pequenos mamíferos, foram montados dois gradeados de armadilhas (Grade I: 15º32'44,8"S e 47º36'48,0"W, Grade II: 15º32'15,3"S e 47º36' 43,3"W), distantes 1 km dentre si, com dimensões de 135 x 135m, totalizando uma área de 1,82 ha por localidade. Cada gradeado era formado por 10 linhas (A-J) contendo 10 estações de captura cada (1-10), espaçadas 15 m entre si. Armadilhas do tipo Sherman foram posicionadas alternadamente em cada linha (A1, ..., A9, B2, ..., B10) e iscadas com uma mistura de pasta de amendoim, banana, sardinha e fubá. As capturas se realizaram durante seis noites consecutivas (uma sessão de captura) por mês, ao longo de 11 meses (janeiro a dezembro/2004), com exceção do mês de maio. O método das armadilhas móveis, proposto por ALHO (1979), foi utilizado com algumas modificações. As armadilhas permaneceram durante três noites nas estações pares e nas três noites seguintes eram movidas para as estações ímpares. Portanto, armadilhas posicionadas nas estações A1, ..., A9 nas três primeiras noites, foram trocadas para o ponto seguinte A2, ..., A10 na quarta noite, assim permanecendo até a sexta noite de captura. Essa metodologia permite que toda a área seja amostrada e reduz a habituação dos animais às armadilhas.
Os animais capturados foram marcados na orelha esquerda com brincos específicos para roedores (National Band & Tags, Mod. 1005-1). Após a captura, os animais foram anestesiados com éter, pesados, medidos com relação aos comprimentos de cabeça-corpo, cauda, pé traseiro direito, orelha interna direita e cabeça, e verificados quanto ao sexo e à condição reprodutiva (machos com testículos na bolsa escrotal ou não; fêmeas com abertura vaginal perfurada, grávidas ou lactantes) e, posteriormente, foram marcados e soltos nos respectivos locais de captura. Animais recapturados durante a mesma sessão de captura (num mesmo mês) não foram submetidos a novas medições, mas quando recapturados numa outra sessão de captura, tinham seu peso e condição reprodutiva novamente avaliada.
Análise dos Dados
A diversidade foi calculada utilizando os índices de Shannon-Wiener (H'), índice modificado de Shannon-Wiener (N1) e de Simpson (D). O índice modificado de Shannon facilita a interpretação dos resultados, pois é expresso em número de espécies (KREBS 1999). A utilização de mais de um índice de diversidade facilita a comparação e esclarecimentos de questões relacionadas a cada uma das áreas de estudo, além de ampliar as possibilidades de comparação com estudos anteriores.
A equitabilidade foi calculada utilizando-se o índice de heterogeneidade de Simpson (E1/D), que se baseia no número de espécies observadas na amostra e é calculado a partir do índice recíproco de diversidade de Simpson. Este índice varia de zero a um e é pouco afetado por espécies raras presentes na amostra.
A similaridade das comunidades animais entre as áreas foi calculada utilizando o índice de similaridade de Morisita (Im) (BROWER et al. 1997, KREBS 1999), que varia de zero (total dissimilaridade) a um (total similaridade) e baseia-se na abundância relativa dos indivíduos de cada espécie. Este índice refere-se à probabilidade de indivíduos retirados aleatoriamente de cada uma das comunidades pertencerem à mesma espécie e é pouco afetado pelo tamanho e diversidade das amostras (BROWER et al. 1997). Para as comunidades vegetais, a similaridade entre as grades foi calculada utilizando o Coeficiente de Comunidade de Jaccard (CCJ), pois os dados não levam em consideração a abundância dos indivíduos, apenas a presença e ausência das espécies (BROWER et al. 1997). Da mesma maneira que o Índice de Morisita, o Coeficiente de Jaccard varia de zero a um de acordo com a dissimilaridade ou similaridade entre as duas comunidades.
A riqueza de espécies foi considerada como o número de espécies de cada grade e a abundância foi determinada pela contagem simples do número de indivíduos capturados em cada área.
A variação no número de indivíduos com relação à sazonalidade foi testada pelo teste do c2 e considerada significativa ao nível de 5% (ZAR 1999).
RESULTADOS
Composição Florística do Campo de Murundus
As áreas onde foram demarcadas as grades de captura dos pequenos mamíferos são cobertas por espécies vegetais pioneiras e características do Cerrado (Tab. I). A principal característica de ambas as áreas é a distribuição da vegetação. As espécies lenhosas são restritas aos montes de terra ao passo que as rasteiras (ervas, subarbustos, arbustos) localizam-se entre os 'murundus' propriamente ditos. A primeira grade é tipicamente dominada por gramíneas, herbáceas e arbustos com as poucas espécies de lenhosas restritas aos montes de terra. A segunda grade, apesar de também ser uma área dominada por gramíneas, apresenta mais espécies lenhosas que a primeira, também restritas aos montes de terra. De um modo geral, as duas áreas podem ser caracterizadas como campo de murundus, diferenciando-se, aparentemente, quanto ao estágio de sucessão no qual se encontram.
Observações na variação sazonal das plantas foram realizadas ao longo de todo o ano e um crescente aumento do estrato herbáceo, inflorescências e infrutescências de herbáceas foram observadas na Grade I durante os meses de chuva. Na Grade II foi observada frutificação de várias espécies de plantas também apenas na estação chuvosa, assim como a brotação e folhas novas. Durante a estação seca, a vegetação das duas áreas se torna amarela e seca, recuperando o aspecto verde e viçoso com as primeiras chuvas.
A composição de espécies diferiu muito entre as duas áreas, sendo o número de espécies coletadas na Grade II expresso por mais que o dobro do número de espécies da Grade I (N = 18 e N = 41, respectivamente). A similaridade entre as áreas, calculada pelo Coeficiente de Comunidade de Jaccard (CCJ) demonstra que ao retirarmos ao acaso uma planta de cada comunidade, a probabilidade destas pertencerem à mesma espécie de é de apenas 11%.
Abundância de Pequenos Mamíferos
Com um esforço total de captura de 6.600 armadilhas-noite, foram amostrados 221 indivíduos, capturados 441 vezes e distribuídos em oito espécies de roedores (Tab. II). Durante as onze sessões de captura realizadas ao longo de todo o ano de 2004, o esforço em cada grade foi de 1.500 armadilhas-noite no período seco e de 1.800 armadilhas-noite durante os meses de chuva. O sucesso de captura variou entre as duas grades. A Grade I obteve sucesso 7% e 9% nos períodos de seca e chuva, respectivamente, e a segunda grade 11% e 13%. A proporção de ocorrência dos indivíduos de cada uma das espécies capturadas diferiu entre as duas grades, sendo Bolomys lasiurus (Lund, 1841) e Thalpomys lasiotis Thomas, 1916 as espécies mais abundantes nas Grades I e II, respectivamente (Fig. 3). Calomys tener (Winge, 1888) e T. lasiotis apresentaram amplas variações com relação ao número de indivíduos nas duas áreas. Na primeira grade, C. tener foi aproximadamente três vezes mais abundante e T. lasiotis quase cinco vezes menos abundante do que na segunda. As cinco espécies restantes foram capturadas em proporções relativas muito baixas e algumas foram encontradas com exclusividade em uma ou outra área (Tab. II).
Composição da Comunidade de Pequenos Mamíferos
O número de indivíduos e de espécies variou dentro das duas áreas, sendo encontradas sete espécies na Grade I e seis na Grade II (Tab. II). Tanto na primeira, quanto na segunda grade, o número de espécies alcança seu pico no mês de julho. Entretanto, a abundância dos indivíduos acompanha o aumento do número de espécies apenas na segunda grade (Figs 4-6). Quando analisadas em conjunto, as populações das duas áreas atingem seu pico em julho e agosto. A riqueza de espécies também alcança seu máximo em julho (Figs 4-6).
Ao analisarmos apenas o número de indivíduos das três espécies mais abundantes nas duas áreas, observamos que durante os meses de janeiro a abril, B. lasiurus foi a espécie dominante. Entretanto, esta espécie reduz seu número de indivíduos consideravelmente a partir do mês de junho, dando lugar à T. lasiotis que mantém uma alta abundância durante toda a seca, diminuindo nos primeiros meses da chuva (outubro a dezembro) (Fig. 7). Calomys tener manteve seu número de indivíduos mais constante (Fig. 7). Analisando as duas áreas (grades) separadamente, verificamos que apenas a Grade II parece reproduzir este padrão para estas duas espécies (Figs 8-9).
É importante salientar que nenhuma espécie de marsupial foi registrada na área de estudo em todo o período de amostragem.
A diversidade mostrou-se semelhante entre as duas áreas de estudo e relativamente alta para a região como um todo (Tab. III). Embora os índices calculados assemelhem-se em números absolutos, podemos verificar tanto pelo índice de Shannon-Wiener, quanto pelo modificado de Shannon-Wiener, expresso em número de espécies, que a Grade I apresenta uma diversidade maior que a Grade II (Tab. III).
Quando o número de indivíduos e suas respectivas capturas nas duas áreas são comparados com o número de espécies ou com os índices de diversidade, observamos uma proporção inversa, onde a grade com maior índice de diversidade (Grade I) apresentou um número menor de capturas de seus indivíduos do que a Grade II. O número de indivíduos capturados na Grade I foi praticamente o mesmo das recapturas, ou seja, os indivíduos foram capturados praticamente uma única vez. O inverso aconteceu na segunda grade, onde a taxa de recapturas foi duas vezes maior do que a de capturas, indicando que a permanência destes indivíduos neste local foi maior do que na primeira área (Tab. II). As medidas de equitabilidade calculadas pelo índice de equitabilidade de Simpson determinam como os indivíduos se distribuem entre as várias espécies. Portanto, na primeira grade, o número de indivíduos não está homogeneamente distribuído entre as sete espécies, sendo a abundância de algumas muito superiores às das outras. Na segunda grade, entretanto, as seis espécies parecem distribuir-se mais uniformemente com relação ao número de indivíduos. Quando as duas grades são analisadas em conjunto, observamos uma equitabilidade ainda menor entre o número de espécies e o número de indivíduos de cada espécie (Tab. III).
O fato do índice de similaridade de Morisita alcançar valores tão altos (85%) demonstra que a comunidade de roedores do campo de murundus nas duas grades, difere pouco quanto à composição de espécies (Tab. III).
DISCUSSÃO
Composição florística e sua relação com a estrutura da comunidade dos pequenos mamíferos
A teoria de comunidades estabelece que e a complexidade e a heterogeneidade ambiental determinam a diversidade e riqueza das espécies e que, além desses fatores, essa riqueza tende a aumentar em latitudes próximas aos trópicos (STEHLI et al. 1969, LATHAM & RICKLEFS 1993, CODY 1993, WILLIG & GANNON 1997). Estudos com comunidades de mamíferos foram realizados tanto em zonas tropicais, quanto em zonas temperadas e muitos deles ainda buscam explicações para a riqueza e diversidade de espécies nas regiões mais próximas ao Equador. MARES & OJEDA (1982) determinaram que o aumento de diversidade de pequenos mamíferos nos trópicos estaria relacionado não somente à grande variedade de ambientes que a região abriga, mas também aos fatores históricos evolutivos desses animais. Entretanto, FLEMING (1973) verificou que à medida que se afastava da América do Norte em direção à América Central, a riqueza de espécies de mamíferos aumentava, sugerindo que este aumento de diversidade nos ambientes tropicais estaria ligado à disponibilidade de recursos, e não à heterogeneidade ambiental.
Estudos realizados nos principais biomas brasileiros (Cerrado, Mata Atlântica, Amazônia) descrevem uma fauna de mamíferos bastante heterogênea com relação à ocupação de ambientes (JOHNSON et al. 1999, BONVICINO et al. 2002, MARINHO-FILHO et al. 2002). De um modo geral, acredita-se que em áreas de maior complexidade vegetal, a riqueza e diversidade de espécies sejam maiores.
No Cerrado, vários estudos apontam a mata de galeria como a fitofisionomia que abriga o maior número de espécies de pequenos mamíferos (FONSECA & REDFORD 1984, NITIKMAN 1987, MARES & ERNEST 1995). MARES et al. (1986) verificaram que a mata de galeria apresentou a maior riqueza de espécies, seguida dos campos e do cerrado sensu strictu, que apresentaram uma diversidade moderada. Além de possuir maior riqueza e diversidade, a mata de galeria abrigou um número maior de macronichos comparada aos demais tipos fitofisionômicos.
Este trabalho é um dos primeiros a apresentar resultados de comunidades de pequenos mamíferos em campos de murundus. Os campos de murundus podem ser comparados a um campo sujo com poucas espécies de plantas lenhosas, sendo, portanto, um ambiente de baixa complexidade estrutural. LACHER et al. (1989) capturaram cinco espécies de roedores em duas áreas de campo e verificaram, com base em outros estudos, que nove espécies de roedores ocorrem nos campos do Brasil central e que a composição da comunidade depende da proximidade do Cerrado de áreas mésicas. MARINHO-FILHO et al. (1994) compararam 11 áreas de Cerrado com relação à composição e riqueza de espécies de pequenos mamíferos e à variedade de habitats amostrados, e concluíram que a heterogeneidade dos habitats pode explicar o número de espécies de pequenos mamíferos do Cerrado. Neste mesmo estudo, os índices de diversidade de Shannon-Wiener, calculados para as diferentes regiões de cerrado amostradas, variaram de 0,57 (Fazenda Água Limpa, Brasília, DF) a 3,09 (ESECAE, Planaltina, DF), com média de 1,80 ± 0,72. Comparando os resultados anteriores com os encontrados no campo de murundus da ESECAE, verifica-se que a diversidade local (diversidade alfa) foi alta, pois as áreas amostradas apresentam menor heterogeneidade espacial do que as áreas de cerrado sensu stricto. ALHO (1982) argumenta que a diversidade de espécies aumenta com a densidade das árvores, variando de baixos valores em áreas abertas a valores elevados em florestas de galeria. Esta complexidade da estrutura influenciaria a quantidade de recursos disponíveis (e.g. alimento, abrigo e locais de acasalamento), permitindo a coexistência de um maior número de espécies.
A florística das áreas das duas grades de amostragem sugere que os campos de murundus são formações pioneiras e que a Grade I corresponderia a um estágio de sucessão inicial ao passo que a área da Grade II estaria num estágio de sucessão mais avançado, apresentando um maior número de espécies lenhosas e um tipo vegetacional mais estruturado. Tendo em vista estudos anteriores que relacionaram a heterogeneidade ambiental com a abundância de indivíduos e a riqueza de espécies (ALHO 1981, 1982, MARES & OJEDA 1982), poderíamos inferir que a segunda grade teria capacidade de abrigar muito mais indivíduos e espécies, o que não ocorreu com relação à riqueza de espécies.
Outra abordagem para explicar a maior diversidade e riqueza de espécies da Grade I é justamente a disponibilidade de recursos oferecida por espécies vegetais pioneiras e invasoras. Áreas em processos de regeneração produzem mais biomassa, principalmente aquelas que contêm espécies invasoras, pois estas são melhores competidoras que as nativas, dispersam-se com muito mais facilidade e resistem melhor às adversidades ambientais (PIVELLO et al. 1999), favorecendo o aparecimento de roedores oportunistas, como Bolomys lasiurus, Mus musculus (Linnaeus, 1758) e Oryzomys scotti (Wagner, 1842). Aparentemente uma maior biomassa de folhas, frutos e sementes foram produzidos na área da Grade I (observações pessoais), resultando em maior disponibilidade de recursos que, conforme FLEMING (1973) poderia sustentar a riqueza de espécies observadas.
Padrões de Abundância das Espécies
Algumas espécies foram mais freqüentes que outras e como na maioria das regiões tropicais, foram observadas muitas espécies raras e poucas espécies comuns. Dentre as espécies comuns presentes na ESECAE, destacam-se Bolomys lasiurus, que, em muitos outros estudos também foi considerado uma espécie muito abundante (LACHER et al. 1989, ALHO et al. 1986, VIEIRA & BAUMGARTEN 1995), Calomys tener, que já foi encontrado em altas densidades em áreas que sofreram o recente efeito do fogo (BRIANI et al. 2004), e Thalpomys lasiotis, espécie endêmica do Cerrado que apresentou altas taxas de captura, principalmente nos meses de junho a dezembro. Apesar de T. lasiotis aparecer em diversos estudos com baixas densidades populacionais (VIEIRA & BAUMGARTEN 1995, MARINHO-FILHO et al. 2002), na ESECAE essa espécie demonstrou ser bastante comum, sendo encontrada com maior facilidade na Grade II. BONVICINO & BEZERRA (2003) observaram que Thalpomys lasiotis foi uma das espécies mais freqüentes durante coletas realizadas em setembro de 1998 em uma área de Cerrado localizada entre os municípios de Cocos e Jaborandi, BA, ocorrendo em áreas de campo úmido e campo de murundu. DIETZ (1983), MARES et al. (1989), LACHER et al. (1989) relataram a presença de Thalpomys lasiotis em áreas de transição entre campos e cerrado, sendo mais comum na porção mais estreita do campo que marca o ecótono.
A distribuição diferencial das abundâncias de B. lasiurus e T. lasiotis ao longo dos meses sugere que este seja um mecanismo de coexistência entre estas espécies potencialmente competidoras, similarmente aos resultados encontrados por LACHER et al. (1989), que definiram T. lasiotis como um competidor dominante e com alto índice de especialização e B. lasiurus como fraco competidor e generalista. VIEIRA (2002) também verificou que B. lasiurus foi a espécie com a dieta mais generalista dentre as encontradas no seu estudo e com menor habilidade competitiva, sendo, portanto, a espécie com maior probabilidade de competir com as demais.
Ainda que algumas espécies de marsupiais possam utilizar as formações mais abertas do Cerrado, nenhuma foi registrada no presente estudo. Didelphis albiventris (Lund, 1840) pode ter sido excluída pelo tamanho das armadilhas utilizadas. Espécies como Thylamys velutinus (Wagner, 1842) e Gracilinanus agilis (Burmeister, 1854), mesmo quando registradas em áreas abertas, tendem a ser relativamente raras nesta circunstância (EMMONS 1997). A estrutura extremamente simplificada do habitat e conseqüente disponibilidade mais restrita de recursos podem ser as principais explicações para a ausência deste grupo.
AGRADECIMENTOS
A CAPES e CNPq pelas bolsas concedidas à Raquel Ribeiro durante a realização deste trabalho. Ao CNPq pela bolsa de produtividade concedida a Jader Marinho Filho. Aos colegas que efetivamente colaboraram nos trabalhos de campo (P. Jardel, C. Rocha & G. Abreu).
Recebido em 06.IV.2005; aceito em 03.X.2005.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
09 Mar 2006 -
Data do Fascículo
Dez 2005
Histórico
-
Recebido
06 Abr 2005 -
Aceito
03 Out 2005