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Melanoma anorretal: relato de 2 casos e revisão da literatura

Anorectal melanoma: two case reports and review of the literature

Resumos

Os tumores malignos do canal anal e do anus são muito raros, não ultrapassam 2% de todos os tumores do colo, reto e anus; segundo os principais levantamentos os melanomas não ultrapassam a incidência de 0,1 a 1,2% dos tumores malignos. Os autores descrevem 2 casos de melanoma, discutindo os principais dados da literatura, enfocando os aspectos diagnósticos, tratamento, evolução e prognostico. Os indicies de cura s são baixos e com elevados índices de mortalidade a curto prazo.

melanoma anorretal; melanoma; câncer anorretal; tratamento


Malignant tumors of the anal canal and anus are rare pathologic events, representing less than 2% of all tumors of the colon, rectum and anus; according to reports, the incidence of melanoma does not achieve 0,1 to 1,2% of malignant tumors. Authors describe two cases of melanoma, discussing the data described in literature, focusing on the diagnosis aspects, treatment, evolution and prognosis. Cure rates are low and the disease presents high rates of mortality in short term.

Anorectal melanoma; melanoma; anorectal cancer; treatment


RELATO DE CASOS

Melanoma anorretal - relato de 2 casos e revisão da literatura

Anorectal melanoma – two case reports and review of the literature

Rogério Saad HossneI; Renê Gamberini PradoI; Alexandre Bakonyi NetoI; Euclides Denardi JuniorII; André FerrariII

IProfessor Assistente Doutor da Faculdade de Medicina de Botucatu – Uneso

IIResidente da FMB – Unesp em Cirurgia do Aparelho Digestivo

Endereço para Correspondência Endereço para Correspondência: Rogério Saad Hossne Departamento de Cirurgia e Ortopedia Faculdade de Medicina de Botucatu – UNESP Distrito de Rubião Júnior s/nº 18618-000 Botucatu – SP e-mail: saad@fmb.unesp.br Fax: (14) 3815-7428

RESUMO

Os tumores malignos do canal anal e do anus são muito raros, não ultrapassam 2% de todos os tumores do colo, reto e anus; segundo os principais levantamentos os melanomas não ultrapassam a incidência de 0,1 a 1,2% dos tumores malignos. Os autores descrevem 2 casos de melanoma, discutindo os principais dados da literatura, enfocando os aspectos diagnósticos, tratamento, evolução e prognostico. Os indicies de cura s são baixos e com elevados índices de mortalidade a curto prazo.

Descritores: melanoma anorretal; melanoma; câncer anorretal; tratamento.

ABSTRACT

Malignant tumors of the anal canal and anus are rare pathologic events, representing less than 2% of all tumors of the colon, rectum and anus; according to reports, the incidence of melanoma does not achieve 0,1 to 1,2% of malignant tumors. Authors describe two cases of melanoma, discussing the data described in literature, focusing on the diagnosis aspects, treatment, evolution and prognosis. Cure rates are low and the disease presents high rates of mortality in short term.

Key words: Anorectal melanoma; melanoma; anorectal cancer; treatment.

INTRODUÇÃO

A pele é a principal localização do melanoma, porém outros locais podem ser afetados, como cavidade oral, nasal, fígado, baço e intestino seja de forma primaria ou secundaria (metastaticos).

O melanoma maligno anorretal apresenta baixa incidência, sendo um tumor pouco freqüente; representa 0,4% - 1,6% de todos os melanomas e 1% dos tumores do canal anal.(1-10), a faixa etária prevalente é entre a sexta e oitava décadas de vida(5,14-16).

Quanto à localização, os tumores podem localizar-se na região retal (muito rara), anorretal e anal, sendo estas duas as apresentações mais freqüentes.

O objetivo desse trabalho é revisar a literatura sobre o assunto, e relatar dois casos de melanoma anorretal em duas pacientes do sexo feminino, com idades de 53 e 61 anos, diagnosticados no serviço de cirurgia do aparelho digestivo da Faculdade de Medicina de Botucatu.

RELATO 1

A.J.O.C. 61 anos, sexo feminino, paciente há 9 meses com história de episódios de enterorragia. Caracterizava o sangramento como sendo vivo após as evacuações, manchando o vaso sanitário e o papel higiênico, com perda ponderal de 10kg no período associado à inapetência, sem outros sintomas associados. Há 2 meses foi submetida a histerectomia vaginal, durante a qual, durante o posicionamento o ginecologista visualizou lesão vegetante em canal anal, sendo então encaminhada ao nosso serviço. A paciente foi submetida à retossigmoidoscopia onde foi evidenciada lesão vegetante endurecida, medindo cerca de 3 cm de extensão, a 2cm da borda anal, hiperpigmentada escurecida, aderida a planos profundos (figura 1). A biópsia foi compatível com Melanoma de Canal Anal comprovada por imuno-histoquímica.


Nos exames de estadiamento, a colonoscopia evidenciando apenas doença diverticular dos cólons em descendente e sigmóide, Rx tórax normal, CT abdominal e pélvica (figura 2) mostrou a presença de lesão pedunculada, parcialmente delimitada, em parede posterior distal do reto/canal anal, sendo bastante espessada com realce pós-contraste endovenoso, promovendo discreto estreitamento da luz do órgão com discreta dilatação à montante de reto e sigmóide. Submetida à avaliação dermatológica, oftalmológica e ginecológica, não evidenciou-se qualquer outro foco de melanoma possível, e comprovando-se a origem primária de canal anal.


A paciente foi submetida à amputação-abdomino perineal de reto (figura 3), sem complicações com boa evolução, recebendo alta no 10º pós-operatório. O anatomopatológico mostrou tratar-se de melanoma de canal anal na transição anorretal, pigmentado, estendendo-se até submucosa, com índice de Breslow com cerca de 0,7cm; com presença de invasão angiolinfática, margens cirúrgicas livres de neoplasia, e ausência de metástase em 10 de 10 linfonodos.


A paciente mantém-se em seguimento ambulatorial, sem sinais de recidiva há 3 meses.

RELATO 2

R.F., 53 anos, sexo feminino, paciente relata que há 8 meses vem apresentando episódios de sangramento vivo após as evacuações, notando sangue no vaso sanitário e no papel higiênico

Submetida à investigação, inicialmente a retossigmoidoscopia rígida constatou lesão vegetante endurecida a 1,5cm da borda anal, de 3cm de diâmetro hiperpigmentada escurecida cuja biópsia veio compatível com melanoma de canal anal comprovada por imunohistoquímica.

Os exames de estadiamento foram: colonoscopia normal, Rx tórax normal, CT abdômen e pelve com imagem hipodensa, limites bem definidos, contornos parcialmente definidos, medindo 2,5cm em seu maior diâmetro, adjacente ao reto do lado direito, comprimindo e desviando reto para esquerda. Submetida à avaliação dermatológica, oftalmológica e ginecológica sendo descartada lesão em qualquer outro sítio possível, comprovando melanoma primário de canal anal.

Realizada amputação-abdomino perineal de reto, o laudo anátomopatologico revelou melanoma de canal anal medindo 3,5x1,7x1,7cm acometendo canal anal, infiltrativo até esfíncter anal interno. Metástase de melanoma em 3 linfonodos de 13 dissecados, com infiltração extensa de tecido gorduroso pericólico.

Paciente mantém-se em seguimento ambulatorial.

DISCUSSÃO

O canal anal mede cerca de 4 cm de comprimento, e pode ser dividido em anatômico, da linha pectínea a linha anocutânea, e o cirúrgico, da linha anorretal a linha anocutânea. Abaixo da linha pectinea encontra-se o epitélio escamoso, e logo acima uma área de transição onde é possível observar epitélio colunar, cuboidal, escamoso e transicional; nesta área transicional o epitélio é extremamente pleomórfico e instável, o que pode gerar diversos tipos de neoplasia.

1. Os tumores anais malignos podem ser classificados de acordo com a Organização Mundial de Saúde e da Classificação Histológicas dos tumores intestinais conforme quadro abaixo(7).

Câncer de canal anal

- Carcinoma de células escamosas

Carcinoma epidermóide

Carcinoma basalóide ou cloacogênico

Carcinoma epidermóide mucóide

- Melanoma maligno

- Adenocarcinoma

Tipo retal

Tipo de glândulas e ductos anais

Tipo de fístulas anorretais

- Sarcoma

Câncer de margem anal

- Carcinoma de células escamosas

- Carcinoma de células basais

- Doença de Bowen

- Tumor de Buschke-Lowenstein (ou carcinoma verrucoso)

- Sarcoma de Kaposi

- Doença de Paget

O melanoma maligno anorretal apresenta baixa incidência, sendo um tumor pouco freqüente; representa 0,4 - 1,6% de todos os melanomas e 1% dos tumores do canal anal.(1-10)

Desde sua primeira publicação em 1857(11) até os dias atuais, existem cerca de 600 relatos de casos ao longo de todo mundo, o que confirma a sua baixa incidência.

Em nosso meio, diversos autores já salientaram, através de relato de casos, estas características discutidas até aqui; Cruz e cols(7) observaram em sua casuística pessoal que de 30.000 pacientes atendidos, somente 3 casos eram de melanoma anorretal.

O melanoma anorretal é mais comum entre a sexta e oitava décadas de vida(5,14-16), alguns autores(12) tiveram a oportunidade de diagnosticar a doença em indivíduos de 23 anos, outros(13) em pacientes com 91 anos. Em nossos relatos de casos a idade dos pacientes foi 53 e 61 anos, o que vem de encontro à faixa etária mais prevalente.

Quanto ao sexo, embora alguns relatos(5) demonstrem que não há prevalência entre os sexos, as casuísticas com maior número de casos observam que há uma predominância do sexo feminino(7,8,13), fato este observado por nós (2 casos).

A incidência em brancos é maior, embora Weinstoch(13) tenha relatado ligeira preponderância em negros, porém em quase todos os relatos de casos a incidência em brancos sempre foi maior, fato este também observado por nós.

Quanto à sintomatologia, assim como as demais neoplasias anorretais, pode-se manifestar como a maioria das patologias anais benígnas: sangramento, prurido, secreção anal, dor anal, dor durante a evacuação, alteração do hábito intestinal e fezes em fita. Estas características dificultam e atrasam o diagnóstico, pois com freqüência são atribuídas a hemorróidas, plicomas ou fissuras; por vezes o medo, pudor ou ignorância por parte do paciente, acabam atrasando o diagnóstico. Isto colabora para piorar o prognóstico e proporcionar baixos índices de cura; outro fato que pode contribuir para o pior prognóstico é que entre 15 a 40% as lesões podem ser amelanóticas(17,8,5) o que dificulta ainda mais o diagnóstico. O tempo médio de sintomas relatados varia de acordo com a literatura, em geral entre 3 a 12 meses(5,7,12,13,17-20) em nossos casos os principais sintomas foram sangramento e o tempo de duração dos sintomas foram 9 e 8 meses.

A maioria dos tumores apresenta-se sob a forma de tumores nodulosos ou ulcerados.

Os tumores podem localizar-se na região retal (muito rara), anorretal e anal, sendo estas duas as apresentações mais freqüentes, o que foi observado também nos dois casos aqui apresentados (anorretais).

A disseminação pode ser hematogênica ou linfática, e não guarda relação com o tamanho da lesão. Os principais sítios metastáticos por via hematogênica são fígado, pulmões, cérebro e ossos; quando ocorrem metástases linfáticas, elas localizam-se na cadeia inguinal, mesentérica e para-aórtica; a disseminação também pode ocorrer localmente. Segundo Pack e cols(21), o melanoma anorretal pode ser classificado em 3 estágios principais:

01) Lesão localizada e limitada ao local primário

02) Metástases para linfonodos regionais

03) Metástases à distância

Outra classificação utilizada nos melanomas anorretais é a descrita por Breslow(22) (1970), classificação esta realizada após a retirada e análise da extensão do tumor; baseia-se na espessura dos tumores em milímetros, medida a partir da superfície do epitélio da lesão até o ponto onde ocorre a maior penetração da neoplasia.

Nível 1 – Penetração restrita ao epitélio

Nível 2 – Penetração menor que 1mm

Nível 3 – Penetração entre 1 e 2 mm

Nível 4 – Penetração maior que 2mm

A pigmentação destes tumores é bastante variável, podendo apresentar-se desde diminuída até ausente; quando a melanina se faz presente o diagnóstico anátomo-patológico é suficiente, porém nos casos dos tumores amelânico, o diagnóstico tem que ser feito por imuno-histoquímica ou pelos testes de tirosinase e dopaoxidase(14,22).

Complementam a investigação diagnóstica os exames de imagem, em especial a ultra-sonografia endoanal, pois proporciona o diagnóstico do nível de invasão da lesão, bem como a presença de gânglios possivelmente metastáticos, cujo diagnóstico nem sempre é possível; outros exames úteis no diagnóstico são a ultra-sonografia, tomografia ou ressonância. Em nossos pacientes não realizamos o ultra-som endoanal por falta de disponibilidade, os demais exames de ultra-som e tomografia, não revelaram a presença de gânglios.

Após o estadiamento, faz-se necessário uma ampla explanação ao paciente sobre procedimentos, riscos, possibilidade de colostomia e das opções terapêuticas; infelizmente não há consenso na literatura no que tange ao tratamento(1-15). Um gama de procedimentos de menor ou maior amplitude é descrito como a excisão local ampliada, amputação abdomino perineal do reto, exenteração pélvica, radio e quimioterapia(23), ressecções alargadas, injeção local de interferom beta e a braquiterapia(24) entre outros(2).

Em recente artigo publicado nesta revista, Cruz e cols.(7) (1999) realizaram uma revisão das maiores séries de melanomas anorretais do membro, e demonstraram que num total de 315 pacientes, 256 (66,5%) foram abordados por cirurgia curativa, dos quais aproximadamente 64% foram submetidos à amputação do reto; quanto à sobrevida foi possível observar que somente 15% dos pacientes sobreviveram mais que 5 anos.

Cooper e cols.(23) revisaram 255 casos e puderam constatar que não havia diferença significante quanto à sobrevida entre as duas condutas (excisão local/amputação).

Quanto à radioterapia há consenso de que os melanomas são radio-resistentes, sendo o seu uso restrito ao tratamento paliativo.

Dentre os quimioterápicos observa-se também que não há consenso na literatura, os principais quimioterápicos utilizados são: dacarbazini, vindesina, 5 fluoracil, vincristina(5,17,24).

Desta forma o tratamento cirúrgico curativo quando possível deve ser prioritário, porém, levando-se em consideração os estádios avançados, devemos escolher o método mais adequado ao paciente, avaliando-se caso a caso, objetivando uma melhor qualidade de vida do paciente.

O prognóstico, tendo em vista o grande número de paciente em estádios avançados, é muito ruim, variando de 3 a 15% de sobrevida em 5 anos, e tempo médio de sobrevida ao redor de 20 meses(1,5,7,8,17,24).

Os pacientes deste relato de caso foram submetidos à amputação de reto, com sobrevidas atuais em torno de 5 e 3 meses.

CONCLUSÃO

A ocorrência dos melanomas anorretais é pouco freqüente, associa-se a um prognóstico reservado, tendo em vista a dificuldade em realizar o diagnóstico precoce, pelo fato das queixas serem semelhantes às patologias orificiais benignas.

A sobrevida em cinco anos varia de 3 a 15%, com tempo médio de sobrevida em torno de 20 meses.

Recebido em 11/05/2007

Aceito para publicação em 18/06/2007

Trabalho realizado pelo Grupo de Coloproctologia da Faculdade de Medicina de Botucatu – UNESP. Departamento de Cirurgia e Ortopedia da Faculdade de Medicina de Botucatu – UNESP.

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Nov 2007
    • Data do Fascículo
      Set 2007

    Histórico

    • Recebido
      11 Maio 2007
    • Aceito
      18 Jun 2007
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