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Recursos genéticos e melhoramento de hortaliças para e com a agricultura familiar

Genetic resources and breeding of vegetables for and with family farming

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Recorte da obra "Colheita na alvorada" de Militão dos Santos. A imagem completa e a biografia do autor estão publicadas na terceira capa deste número.

Agricultura familiar é aquela praticada por pequenos proprietários rurais, com mão-de-obra do núcleo familiar e cultivo diversificado em diferentes sistemas de produção, destinado ao consumo da própria família e/ou a comercialização, sendo, em geral, livres de insumos químicos. São, evidentemente, agricultores familiares, também os agricultores tradicionais que somam a estes aspectos o conhecimento tradicional. Há ainda os agricultores familiares que produzem em grandes áreas, visando especialmente a comercialização, como no caso das abóboras em diferentes regiões do Brasil.

O caso das abóboras é peculiar, uma vez que seu cultivo ocorre de Norte a Sul do Brasil, sendo tradicionais e locais a grande maioria das cultivares utilizadas. Em diagnóstico realizado em todas regiões do Brasil, com exceção da Norte, verificou-se que a diversidade é muito grande em termos de tamanhos, formas, cores e sabores. No Brasil encontram-se as cinco espécies cultivadas de Cucurbita: C. moschata, C. maxima, C. pepo, C. ficifolia e C. argygosperma. Os agricultores familiares fazem a seleção de suas próprias sementes, a exemplo do que acontece no norte do Espírito Santo e sul da Bahia, onde separam sementes de frutos chamados "machos" e "fêmeas", na proporção de 1:9, sendo as mesmas armazenadas em diferentes recipientes (garrafas plásticas, vidros, cabaças, etc). O plantio das cultivares tradicionais e locais é feito em uma mesma área, proporcionando o cruzamento entre elas. Há uma tradição de misturar as sementes tanto de cultivares diferentes quanto de outras cucurbitáceas com cinza ou areia. Tais práticas de seleção, plantio e armazenamento de sementes levam à manutenção e ampliação da variabilidade genética, tornando os cultivos menos vulneráveis. As cultivares tradicionais são conservadas há décadas por pequenos e médios produtores, o que caracteriza a conservação on farm.

Por outro lado, nas hortas familiares, o uso de cultivares locais e tradicionais de outras espécies é pouco difundido. No entanto, existem nos Bancos de Germoplasma nacionais, acessos conservados de diferentes espécies que podem ser utilizados na agricultura familiar como, por exemplo, tomate, pimenta, pimentão, batata, cenoura, cebola, alho, pepino, melancia e melão entre outras. De modo similar, ainda existem, apesar da erosão genética das últimas décadas, cultivares tradicionais e locais conservadas pelos agricultores familiares. Entretanto, todo esse acervo genético tem sido muito pouco utilizado nos programas de melhoramento.

Os programas de melhoramento genético convencional muito contribuíram e continuam contribuindo para a agricultura brasileira, tendo ajudado a convertê-la em uma das forças motrizes da economia nacional, com grande representatividade no PIB. Nesta agricultura, o foco é o monocultivo em grandes áreas de espécies de importância econômica como a batata, tomate e cebola, entre outras. No melhoramento convencional, as variações do ambiente são controladas, visando o aumento da herdabilidade dos caracteres de interesse e dos ganhos genéticos esperados com a seleção. Entretanto, esta estratégia não atende aos agricultores familiares, que têm um sistema agrícola completamente diferenciado, caracterizado na maioria dos casos pelo cultivo agroecológico e diversificado, em áreas menores, sem condições controladas, com uso reduzido de insumos externos e químicos e, muitas vezes, sem uso de tecnologias como, por exemplo, a irrigação. Além disso, os pequenos agricultores valorizam também o cultivo de espécies subutilizadas que nenhuma importância têm para grandes produtores, como chuchu, maxixe, caxixe e várias outras hortaliças, muitas delas consideradas hortaliças não convencionais.

Essas diferenças entre os sistemas de produção comprometem a adequação dos genótipos superiores desenvolvidos no melhoramento convencional ao cultivo nos ambientes sob estresse dos agricultores familiares, onde a adaptação ecológica, e não o potencial produtivo, é a característica mais valiosa para o sucesso da lavoura. Havia uma expectativa de que algumas cultivares obtidas no melhoramento convencional viessem a ser bem sucedidas também em ambientes rústicos. Entretanto, os resultados observados para a maior parte dos cultivos foram limitados.

Isto acontece porque o melhoramento convencional não tem como foco fatores fundamentais para os sistemas de cultivo típicos da agricultura familiar, tais como a estabilidade produtiva frente às variações possíveis em ambientes sob estresse biótico e abiótico, o manejo particular praticado nesses sistemas, os usos secundários e as preferências culturais de cada comunidade. Outro aspecto é que, no melhoramento convencional, os critérios de seleção, além de serem distintos daqueles que têm importância para os agricultores familiares, podem, algumas vezes, ter ordem de relevância diferente das prioridades desses agricultores.

Uma alternativa ao melhoramento convencional é o melhoramento participativo, que implica em selecionar cultivares locais e/ou introduzidas para serem usadas diretamente ou como genitores. A seleção é feita na propriedade rural, utilizando ferramentas participativas. Sua estratégia é manter e, se necessário, introduzir diversidade genética útil para os sistemas locais de produção e aumentar a capacidade dos agricultores familiares na produção, seleção e troca de sementes. Uma das vantagens do melhoramento participativo sobre o melhoramento convencional é o envolvimento dos agricultores em todas as etapas. Isto permite que critérios relevantes para os agricultores familiares sejam utilizados como norteadores dos objetivos do melhoramento, combinando o avanço no potencial produtivo das cultivares à manutenção ou ampliação da agrobiodiversidade tão necessária nos sistemas de cultivo típicos da agricultura familiar. Desta forma, o melhoramento participativo contribui para a agregação de valor às cultivares locais e tradicionais e, a partir do seu uso sustentável, para a geração de emprego e renda, tornando-se um instrumento relevante para o empoderamento das comunidades de agricultores familiares e tradicionais.

  • As idéas aqui expressas e as informações apresentadas são de responsabilidade do autor.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2014
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