Resumos
Foram avaliadas 24 gatas, hígidas, sem raça definida, distribuídas em três grupos de oito animais. Descreveu-se o acesso laparoscópico para ovariossalpingo-histerectomia (OSH) e comparou-se o uso do eletrocautério bipolar (grupo I), do clipe de titânio (grupo II) e da ligadura com fio de sutura (grupo III) para a oclusão dos vasos ovarianos e uterinos. Hemorragia e enfisema subcutâneo foram as principais complicações observadas no transoperatório e hematoma subcutâneo e deiscência de sutura, as do pós-operatório. O procedimento cirúrgico e a técnica operatória mostraram-se viáveis nos três grupos. O uso do eletrocautério bipolar apresentou vantagens na comparação com os outros métodos de hemostasia.
gata; ovário-histerectomia; laparoscopia
Twenty-four healthy female mongrel cats were submitted to ovaryhisterectomy and distributed into three groups of eight animals each: (I) bipolar electrical cautery, (II) titanium clips, and (III) suture ligature for the occlusion of ovarian and uterine vessels, which were compared. The surgical procedure and the operation technique were viable in all three groups. Hemorrhagia and subcutaneous emphysema were the main intraoperative complications, and hematoma and suture dehiscence in the postoperative. The bipolar electrical cautery procedure is shown to be comparatively successful regarding the other studied methods for hemostasia.
cat; ovariohysterectomy; laparoscopy
MEDICINA VETERINÁRIA
Ovário-histerectomia laparoscópica em felinos hígidos: estudo comparativo de três métodos de hemostasia
Laparoscopic ovariohysterectomy in healthy felines: comparative study of three hemostatic methods
F. SchiochetI; C.A.C. BeckI; A.P.F.F. SilvaI; E.A. ContesiniI; M.M. AlieviI; R. StedileI; V. PintoII; P.H. YamazakiIII; D.F. JurinitzIII; M. PellizariIII
IFaculdade de Medicina Veterinária - UFRGS Caixa Postal 15094 91540-000 Porto Alegre, RS
IIFaculdade de Medicina Veterinária - ULBRA Porto Alegre, RS
IIIAluno de graduação - FMV-UFRGS Porto Alegre, RS
RESUMO
Foram avaliadas 24 gatas, hígidas, sem raça definida, distribuídas em três grupos de oito animais. Descreveu-se o acesso laparoscópico para ovariossalpingo-histerectomia (OSH) e comparou-se o uso do eletrocautério bipolar (grupo I), do clipe de titânio (grupo II) e da ligadura com fio de sutura (grupo III) para a oclusão dos vasos ovarianos e uterinos. Hemorragia e enfisema subcutâneo foram as principais complicações observadas no transoperatório e hematoma subcutâneo e deiscência de sutura, as do pós-operatório. O procedimento cirúrgico e a técnica operatória mostraram-se viáveis nos três grupos. O uso do eletrocautério bipolar apresentou vantagens na comparação com os outros métodos de hemostasia.
Palavras-chave: gata, ovário-histerectomia, laparoscopia
ABSTRACT
Twenty-four healthy female mongrel cats were submitted to ovaryhisterectomy and distributed into three groups of eight animals each: (I) bipolar electrical cautery, (II) titanium clips, and (III) suture ligature for the occlusion of ovarian and uterine vessels, which were compared. The surgical procedure and the operation technique were viable in all three groups. Hemorrhagia and subcutaneous emphysema were the main intraoperative complications, and hematoma and suture dehiscence in the postoperative. The bipolar electrical cautery procedure is shown to be comparatively successful regarding the other studied methods for hemostasia.
Keywords: cat, ovariohysterectomy, laparoscopy
INTRODUÇÃO
Estudos têm revelado que a cirurgia laparoscópica oferece vantagens em relação à cirurgia aberta, como: menor trauma cirúrgico (Beck et al., 2003), menor formação de aderências (Campos, 2004), melhor preservação da imunidade celular, menor resposta inflamatória peritoneal (Cohen et al., 2003), menor resposta endócrino-metabólica (Pupo e Lacombe, 2003), melhor preservação da função pulmonar (Macedo et al., 2004), possibilidade de realizar a intervenção cirúrgica durante o diagnóstico e menor sangramento no transcurso cirúrgico (Beck et al., 2003). A cirurgia de ovariossalpingo-histerectomia (OSH) é o procedimento cirúrgico realizado com maior frequência na medicina veterinária, tendo sua importância relacionada a esterilizações eletivas (Beck et al., 2004); à prevenção de neoplasia mamária (Oliveira et al., 2003), de doenças reprodutivas (Stone et al., 1998) e de anomalias congênitas; e ao tratamento coadjuvante de epilepsia e diabetes melitos. De acordo com Freeman e Hendrinkson (1998), as técnicas laparoscópicas para oclusão dos vasos ovarianos são: eletrocauterização bipolar, clipes de titânio, ligadura com fio de sutura e grampeador vascular.
A primeira OSH laparoscópica em pequenos animais foi realizada em cadelas (Siegl et al., 1994). Os autores utilizaram eletrocautério monopolar e ligaduras confeccionadas com a técnica de nó extracorpóreo. Não houve complicações no transoperatório. No Brasil, a primeira descrição da OSH pelo acesso minimamente invasivo foi realizada em cães por Brun (1999), que utilizou clipes de titânio para a oclusão dos vasos ovarianos e uterinos. A técnica mostrou ser adequada e viável.
Recentemente foi realizado um estudo por Malm et al. (2004) comparando as abordagens laparoscópica e aberta no procedimento de OSH em cães. Nele foram analisados os tempos cirúrgicos, as complicações hemorragia, lesões viscerais e vasculares , as dificuldades técnicas, os custos, os níveis do cortisol plasmático e a evolução clínica no pós-operatório. O tempo cirúrgico foi maior na laparoscopia enquanto a ocorrência de hemorragia foi menor e a OSH laparoscópica mostrou-se mais onerosa (Malm et al., 2004). Os níveis de cortisol plasmático elevaram-se significativamente no intraoperatório durante manobras nos pedículos ovarianos no grupo laparoscópico. No pós-operatório o estresse mostrou-se semelhante para as duas abordagens cirúrgicas (Malm et al., 2005b). A evolução clínica e a recuperação pós-operatória nas duas abordagens foram semelhantes, embora a incidência de complicações nas feridas cirúrgicas fosse maior nas cadelas operadas pela laparoscopia (Malm et al., 2005a).
No estudo da OSH laparoscópica (Paiva et al., 2004) com 10 gatas, distribuídas em dois grupos iguais, os vasos do complexo artério-venoso ovariano (CAVO) foram obliterados com o auxílio de cauterização. No primeiro grupo, a artéria e a veia uterina foram ligadas em conjunto na porção proximal da cérvice, com a aplicação de dois clipes metálicos. No segundo grupo, o corpo uterino foi ligado em conjunto com os vasos uterinos por meio de uma braçadeira (polymide nylon 6.6-T 18s). Em duas gatas do primeiro grupo, foi necessária a colocação de um clipe extra para que a hemostasia fosse eficiente. No entender dos autores, tanto o clipe como as braçadeiras poderiam ser utilizadas para ligadura uterina.
O objetivo deste trabalho foi desenvolver e comparar três técnicas de OSH laparoscópico em gatos.
MATERIAL E MÉTODOS
Foram utilizadas 24 gatas, adultas, hígidas, sem raça definida, com pesos entre 2,2 e 4,6kg e média de 3,4kg. As gatas foram avaliadas clinicamente, everminadas1 1 Petzi, Vetbrands S.A. - Jacaraí, Brasil. por via oral e alojadas em gaiolas individuais, onde receberam ração comercial balanceada2 2 Iams Cat Adult Chicken, Eukanuba - San Luis, Argentina. como fonte nutricional e água ad libitum. Após um período de adaptação de 20 dias, as gatas foram distribuídas em três grupos de oito animais.
No grupo I, o procedimento cirúrgico de OSH consistiu da oclusão dos vasos ovarianos e uterinos mediante uso de eletrocautério bipolar (grupo cautério); no grupo II, a oclusão dos vasos foi realizada por aplicação de clipes de titânio (grupo clipe); e no grupo III, a oclusão deu-se por ligadura com fio ácido poliglicólico (grupo ligadura). No período intraoperatório avaliaram-se: a viabilidade do acesso laparoscópico, o tempo cirúrgico, as complicações hemorragia, lesões viscerais e vasculares e presença dos cornos uterinos após secção uterina e o grau de dificuldade técnica.
Para a realização dos procedimentos cirúrgicos, foram utilizados os seguintes equipamentos e instrumentais videoendoscópicos: insuflador eletrônico de CO2, fonte de luz halógena, cabo de luz de fibra ótica, microcâmera, processador da microcâmera, monitor de vídeo 14', gravador de DVD, endoscópio rígido de 10mm de diâmetro (Ø ) com ângulo de visão de 0º, além de um conjunto básico de instrumentais acrescidos de uma pinça bipolar.
O protocolo anestésico constou de medicação pré-anestésica com associação de acepromazina3 3 Univet - São Paulo, Brasil. (0,2mg.kg-1 IM) e meperidina4 4 Cristália Prod. Quim. Farm. Ltda. - Itapira, Brasil. (5mg.kg-1 IM). Na indução anestésica, foi utilizado midazolam4 4 Cristália Prod. Quim. Farm. Ltda. - Itapira, Brasil. (0,5mg.kg-1 IV) e propofol4 4 Cristália Prod. Quim. Farm. Ltda. - Itapira, Brasil. (4mg.kg-1 IV). Após a intubação orotraqueal, a anestesia foi mantida com isofluorano4 4 Cristália Prod. Quim. Farm. Ltda. - Itapira, Brasil. vaporizado em oxigênio a 100%. Sempre que necessário, foi utilizado citrato de fentanila4 4 Cristália Prod. Quim. Farm. Ltda. - Itapira, Brasil. (0,0025mg.kg-1 IV) durante o transcirúrgico.
Todos os animais foram submetidos a jejum alimentar e hídrico de, respectivamente, 12 e duas horas e medicados profilaticamente com ampicilina sódica5 5 Prodotti - Santo Amaro, Brasil. (20mg.kg-1 IV) cerca de 30 minutos antes da intervenção cirúrgica.
A equipe cirúrgica foi constituída pelo cirurgião, assistente ou operador de câmera, instrumentador e anestesista, cujo posicionamento está ilustrado na Fig. 1.
Independente do grupo, os procedimentos cirúrgicos obedeceram à seguinte sequência: posicionamento dos animais em decúbito dorsal; incisão de pele de aproximadamente 1cm de extensão sobre a linha média ventral e cerca de 5 a 6cm cranial à cicatriz umbilical; abertura da cavidade abdominal e introdução do primeiro trocarte por meio do método aberto; instalação do pneumoperitôneo com pressão de 10mmHg; introdução do endoscópio pela cânula; e inspeção de toda a cavidade abdominal. As eventuais alterações nas diferentes estruturas anatômicas ou lesões iatrogênicas foram registradas.
Na sequência dos procedimentos foram realizadas duas incisões de pele para introdução, sob visão direta, do segundo (10mm de Ø) e do terceiro (5mm de Ø) trocartes, posicionados cerca de 5-6cm lateral e caudalmente ao trocarte inicial (Fig. 2A). Em seguida, iniciaram-se as manobras cirúrgicas: localização e fixação do corpo uterino à parede abdominal ventral cerca de 2,5 cm à direita da linha alba , por meio de um ponto de reparo transcutâneo, com fio monofilamento de náilon 2-06 6 Shalon - São Luís de Montes Belo, Brasil. , a fim de evitar a colocação de um quarto trocarte (Fig. 2B).
No grupo I foi realizada a dissecção do mesométrio, isolando o corpo e os vasos uterinos que, na sequência, foram cauterizados em conjunto. Essa cauterização foi realizada cranialmente à cérvice e em três locais distantes, aproximadamente 0,8cm um do outro (Fig. 2C). Após, seccionou-se por completo o corpo uterino entre a segunda e a terceira cauterização, permanecendo duas cauterizações no coto uterino. A cirurgia teve prosseguimento com a localização do ovário esquerdo, dissecação do complexo artério-venoso ovariano (CAVO) e sua cauterização em três locais, distantes cerca de 0,5cm um do outro (Fig. 2D).
Concluídas as três cauterizações, o CAVO foi seccionado entre o segundo e o terceiro local, permanecendo dois desses pontos de cauterização no pedículo ovariano remanescente. Após, o ligamento suspensório, mesovário, ligamento redondo e mesométrio do lado esquerdo também foram seccionados. Manobras idênticas foram realizadas no ovário e estruturas contralaterais. Após inspeção meticulosa de todos os vasos seccionados, foi removido o ponto de reparo transcutâneo que fixava o útero e foi realizada a retirada em bloco do útero e dos ovários por meio de um redutor de diâmetro adaptado no segundo trocarte. Nos animais com os cornos uterinos de diâmetro maior que o redutor, foi necessária a remoção em bloco dos ovários e útero em conjunto com o segundo trocarte, através do orifício da pele. Ao final, na ausência de hemorragia, a cavidade foi desinsuflada, e as cânulas removidas sob visão direta. A parede abdominal foi suturada com fio ácido poliglicólico 3-07 7 Polysuture - São Sebastião do Paraíso, Brasil. mediante padrão Sultan, e a pele com pontos isolados simples com fio monofilamento de náilon 3-06 6 Shalon - São Luís de Montes Belo, Brasil. . A ferida cirúrgica foi protegida com gaze estéril e mantida com micropore e uso concomitante de colar elisabetano.
A diferença estabelecida entre o três grupos esteve relacionada unicamente com a maneira como os vasos uterinos e ovarianos foram obliterados.
No grupo II, os vasos uterinos, juntamente com o corpo, foram ocluídos cranialmente à cérvice com três clipes de titânio8 8 Atrauclip (clip médio 7,0mm 121507) - EUA. a uma distância de aproximadamente 0,7cm entre eles (Fig. 2E), sendo após seccionados com tesoura de Metzenbaum entre o segundo e o terceiro clipes, permanecendo dois clipes no coto uterino. Sempre que necessário, aplicou-se um clipe suplementar. Em relação aos ovários, a técnica foi semelhante à adotada na obliteração dos vasos uterinos, com aplicação de três clipes hemostáticos9 9 Domalain (clip médio 5,9mm SLS199709) - França. a uma distância de aproximadamente 0,5cm entre eles. Realizou-se a secção dos vasos no espaço entre o segundo e o terceiro clipe, permanecendo dois deles no pedículo ovariano (Fig. 2F).
No grupo III, os vasos uterinos, juntamente com o corpo uterino, foram obliterados com duas ligaduras cranialmente à cérvice, a uma distância de aproximadamente 1,5cm entre elas (Fig. 2G). As ligaduras foram confeccionadas com a utilização de um porta-agulhas endoscópico e um contra-porta-agulhas, utilizando um segmento de aproximadamente 11,6cm de fio ácido poliglicólico 3-0. Após, seccionou-se o corpo uterino com seus respectivos vasos, numa distância média entre as duas ligaduras. Quando presentes, hemorragias pequenas foram coibidas com o auxílio de uma pinça de eletrocautério bipolar. Neste grupo, devido à necessidade de o cirurgião ter ambas as mãos livres para a confecção das ligaduras no CAVO, foi realizada a fixação dos ovários por meio de uma sutura de reparo transcutânea. Para essa manobra, foi utilizado fio monofilamento de náilon 2-0. Após a fixação, foram realizadas duas ligaduras cranialmente ao ovário, com distância de aproximadamente 1,5cm entre elas, utilizando-se o mesmo fio da confecção da ligadura uterina. Posteriormente, com uma tesoura de Metzenbaum, os vasos do CAVO foram seccionados em um ponto médio entre as ligaduras (Fig. 2H).
Para auxiliar na avaliação e na comparação dos diferentes métodos de oclusão, registrou-se o tempo cirúrgico total (TCT).
Logo após o término da cirurgia, todos os animais receberam amoxacilina triidratada10 10 Bayer - São Paulo, Brasil. (20mg.kg-1 IM) e cetoprofeno11 11 Unia Química - Embu-Guçu, Brasil. (2mg.kg-1 SC) e foram acompanhados até a recuperação completa da anestesia e o retorno normal da temperatura corporal interna. As gatas foram avaliadas por um período de 10 dias, registrando-se, diariamente, as frequências cardíaca e respiratória, a temperatura corporal interna e a coloração das mucosas.
Acompanhou-se também a ingestão de sólidos e líquidos e observou-se o eventual desconforto abdominal.
A análise estatística constou de análise de variância complementada pelo teste Tukey de comparações múltiplas para a avaliação dos tempos cirúrgicos, da temperatura corporal interna e das frequências cardíaca e respiratória entre os grupos.
RESULTADOS
A abordagem laparoscópica possibilitou boa visibilização do útero, ovários e das estruturas e vísceras abdominais. O pneumoperitônio com pressão de 10mmHg gerou espaço de trabalho adequado entre as vísceras e a parede abdominal e permitiu o bom acesso ao corpo uterino e aos ovários. A utilização do método aberto para a introdução do primeiro trocarte mostrou-se eficaz e segura em todos os animais.
O TCT para os três grupos é mostrado na Tab. 1. Os animais do grupo III apresentaram tempo médio significativamente maior que os dos grupos I e II, mas os tempos destes últimos não diferiram significativamente entre si.
A manobra de transfixação do corpo uterino na parede abdominal em todos os grupos mostrou-se positiva, gerando espaço e segurança durante a cauterização, a aplicação de clipe e a confecção das ligaduras. O mesmo ocorreu com a transfixação dos ovários no grupo III.
Com relação à oclusão dos vasos ovarianos e uterinos, o eletrocautério bipolar proporcionou excelente obliteração. Das oito gatas do grupo I, apenas duas exigiram a utilização de gaze laparoscópica: a primeira por apresentar discreta hemorragia proveniente do ligamento largo e a segunda devido ao sangramento de retorno proveniente do CAVO. No grupo II, o clipe médio (7,0mm), utilizado no conjunto corpo uterino e vasos uterinos direito e esquerdo, revelou-se adequado, proporcionando excelente oclusão dessas estruturas. Na oclusão dos vasos ovarianos desse grupo, foi necessário, em três animais, incluir o ligamento suspensório durante a aplicação do clipe médio (5,9mm) para garantir melhor fixação devido ao pequeno calibre dos vasos. Em duas gatas foi necessária a aplicação de três clipes suplementares em um dos pedículos, além dos três convencionalmente utilizados, e, em quatro gatas, foi necessária a utilização de um clipe extra em um dos pedículos.
Em seis dos oito animais do grupo II, foi necessária a utilização de gaze laparoscópica: dois devido ao sangramento proveniente de vasos ovarianos, três por sangramento de retorno do útero e um com sangramento oriundo de uma iatrogenia no fígado.
No grupo III, o fio ácido poliglicólico 3-0 mostrou-se adequado tanto pela facilidade de manipulação quanto pela resistência na realização da tração da ligadura, promovendo excelente oclusão do CAVO em todos os animais. Duas gatas deste grupo não apresentaram uma oclusão adequada dos vasos uterinos, sendo necessária sua cauterização complementar. A introdução de gaze laparoscópica fez-se necessária em quatro animais: dois devido ao sangramento dos vasos uterinos e dois pelo sangramento de retorno decorrente da secção dos vasos ovarianos.
Após a secção do corpo uterino, foi constatada a presença dos cornos uterinos direito e esquerdo em cinco animais, sendo duas do grupo I, uma do grupo II e duas do grupo III. Nesses animais, o coto uterino foi cauterizado. A ocorrência de enfisema subcutâneo foi observada em 10 animais, quatro do grupo I, três do grupo II e três do grupo III.
No período de pós-operatório, as mucosas ocular e oral mantiveram-se rosadas em todas as gatas. A temperatura corporal interna nos diferentes tempos, nos três grupos, manteve-se nos limites fisiológicos descritos para a espécie felina. Os valores médios da frequência respiratória apresentaram-se acima dos limites fisiológicos (42 movimentos por minuto). Ocorreu deiscência de sutura, restrita aos pontos de pele, no local de punção do segundo trocarte em dois animais do grupo I. Nestes casos, o tratamento consistiu de limpeza prévia do local com clorexidine 0,12% e aplicação tópica de sulfato de neomicina pomada. Foram obtidos resultados satisfatórios nos dois casos. Observou-se em dois animais, um do grupo I e um do grupo II, a presença de hematoma na região abdominal no segundo dia de pós-operatório. Aqui usou-se escina amorfa tópica, com resultados satisfatórios.
DISCUSSÃO
Para Lemos et al. (2003) e Berger et al. (2005), a técnica aberta para promoção do pneumoperitôneo é mais segura, pois, além de diminuir a incidência de lesões viscerais, evita o risco de embolia gasosa durante a criação do pneumoperitôneo. No presente estudo, optou-se pela técnica aberta por ser considerada mais segura, sendo esta característica confirmada devido à ausência de lesão iatrogênica em todos os animais durante a colocação do primeiro trocarte. A opção também levou em consideração o fato de os gatos apresentarem a parede abdominal extremamente delgada e a cavidade abdominal pequena, reduzindo a possibilidade de iatrogenia quando pela técnica aberta.
O pneumoperitôneo foi mantido com pressão de 10mmHg e gerou espaço de trabalho adequado entre as vísceras e a parede abdominal, permitindo bom acesso ao corpo uterino e aos ovários (Normando et al., 2004), e minimizando as alterações respiratórias e os efeitos cardiovasculares decorrentes do aumento da pressão intra-abdominal (Zorrón et al., 2003). A manobra de fixação do corpo uterino à parede abdominal ventral, lateralmente à linha alba, mostrou-se efetiva, evitando a colocação de um quarto trocarte para exposição do corpo uterino, e promoveu adequado afastamento da bexiga, o que reduziu os riscos de iatrogenia. O procedimento baseou-se em estudo realizado por Brun et al. (2004).
Nos animais do grupo I, a utilização do eletrocautério bipolar proporcionou excelente oclusão dos vasos ovarianos. Bart et al. (2003), ao compararem eletrocautérios monopolar e bipolar na ovariectomia laparoscópica em cães, concluíram que houve decréscimo do tempo cirúrgico com a utilização do cautério bipolar e menor hemorragia durante o procedimento.
No grupo II, a aplicação de três clipes no CAVO e dois clipes no corpo uterino mostrou-se efetiva, embora houvesse necessidade de clipes extras em alguns animais, fato também relatado por Brun (1999), em estudo realizado com 24 cães, e por Paiva et al. (2004), em estudo de OSH laparoscópica em 10 gatas.
No grupo III, o fio ácido poliglicólico 3-0 mostrou-se adequado, proporcionando excelente oclusão dos vasos ovarianos. Em apenas dois animais, houve necessidade de cauterização do coto uterino. Freeman e Hendrinckson (1998) relataram que os vasos e o corpo uterino podem ser ligados por meio de endoloop ou ligadura extracorpórea. No presente trabalho, a ligadura em conjunto dos vasos e corpo uterino foi realizada intracorporeamente.
No grupo III, o TCT foi maior que nos grupos I e II. Isso se deveu ao grau de complexibilidade relacionado com a ligadura intracorpórea que, além de ser uma das manobras mais complexas da videocirurgia, foi dificultada pelo tamanho da cavidade abdominal dos gatos. Entre os grupos I e II, não houve diferença no TCT.
Dentre as complicações cirúrgicas ocorridas no presente estudo, destacam-se: o enfisema subcutâneo, a hemorragia e a secção do corpo uterino próximo à bifurcação dos cornos uterinos. O enfisema subcutâneo tem sido relatado tanto em humanos como em cães e, geralmente, não causa alterações clínicas importantes (Coelho et al., 1995) e não impede a continuidade do procedimento (Campos e Roll, 2003), sendo reabsorvido em poucas horas sem tratamento (Coelho et al., 1995). O enfisema apresentado pelos animais deste estudo não resultou em nenhuma alteração clínica digna de nota e foi reabsorvido espontaneamente.
Em dois animais que apresentaram sangramento proveniente do CAVO, o problema foi imediatamente solucionado mediante apreensão do vaso com uma pinça e aplicação de clipe. Em duas gatas que apresentaram hemorragia decorrente dos vasos uterinos, a solução foi imediata com a utilização de cauterização bipolar. Hemorragias provenientes dessas estruturas também podem ocorrer durante a OSH convencional (Stone et al., 1998). Brun (1999) mencionou que, em medicina humana, a taxa de conversão devido à hemorragia varia de 0,3 a 0,8% durante esterilizações laparoscópicas. No presente estudo, não houve necessidade de conversão em nenhum caso.
Em quatro animais, a secção do corpo uterino foi próxima à bifurcação dos cornos uterinos, fato que pode ter ocorrido devido à pequena dimensão do corpo uterino (Fossun, 2005) e à sua localização no terço caudal do abdome (Stone et al., 1998). Quando não se remove todo o corpo uterino cranialmente à cérvice ou as porções de qualquer dos cornos uterinos poderá, ocorrer piometra de coto uterino como complicação da OSH (Fingland, 1996). No presente estudo, nos casos em que a secção do corpo uterino ocorreu próximo à bifurcação dos cornos uterinos, realizou-se cauterização destes cotos a fim de evitar complicações futuras.
Dois animais apresentaram hematoma subcutâneo dois dias após o procedimento. A utilização diária de escina amorfa apresentou resultado excelente nesses animais. Coelho et al. (1995) relataram que o hematoma é geralmente autolimitante, e Campos e Roll (2003) citaram que os vasos da parede abdominal podem ser lesados durante a inserção dos trocartes, provocando a saída de sangue pela incisão abdominal ou ao longo do trocarte, em sua parte intraperitoneal, formando progressivamente um hematoma na parede, principalmente após o pneumoperitônio ser desfeito.
Beck (2003) citou que a ocorrência de alterações nas feridas cirúrgicas das punções operatórias é uma complicação frequente no pós-operatório das cirurgias videoendoscópicas, e pode estar relacionada ou não à deiscência de suturas de pele. No presente estudo, houve deiscência de pontos em dois locais de punção do total de 72 punções, perfazendo 2,8% das punções.
Embora a média da frequência respiratória estivesse acima dos valores fisiológicos, as demais características observadas situaram-se dentro dos valores normais. Os animais apresentaram-se clinicamente sem alterações, portanto a taquipneia provavelmente esteve associada às funções fisiológicas como respiração acelerada normal, exercício ou ansiedade (Turnwald, 1997).
CONCLUSÕES
A OSH laparoscópica em felinos com a utilização de eletrocautério bipolar, clipes de titânio ou ligadura com fio de sutura como métodos de hemostasia é efetiva e viável, podendo ser utilizada rotineiramente nos casos clínicos eletivos. Na comparação entre as três técnicas, o eletrocautério bipolar destacou-se por proporcionar hemostasia de excelente qualidade e de fácil execução.
Recebido em 19 de março de 2008
Aceito em 16 de março de 2009
E-mail: fabianaschiochet@yahoo.com.br
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
07 Jul 2009 -
Data do Fascículo
Abr 2009
Histórico
-
Recebido
19 Mar 2008 -
Aceito
16 Mar 2009