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Morfoestrutura da Cordilheira Mesoceânica no Atlantico Sul entre 0ºS e 50ºS

Resumos

A variação morfológica da Cordilheira Mesoatlântica Sul (CMAS) é analisada com foco na segmentação estrutural, gravimetria residual e a geoquímica de basaltos. O estudo estabelece uma análise morfoestrutural da CMAS, inferindo sobre os processos tectônicos e magmáticos em subsuperfície que originam e influenciam a topografia observada. A análise morfológica da CMAS, em escala da ordem de 1.000 km, revelou a existência de domos topográficos, ao norte e ao sul da CMAS, separados por uma região central deprimida. A partir desta análise foram definidos três domínios topográficos, nomeados aqui Norte, Central e Sul, centrados em torno de 10ºS, 25ºS e 40ºS. Estes resultados sugerem um magmatismo mais intenso sob o eixo da cordilheira nos Domínio Norte e, principalmente no Domínio Sul, enquanto na região do Domínio Central predominam os processos tectônicos, com um magmatismo esparso. Tal segmentação de longo comprimento de onda da CMAS está relacionada a processos profundos no manto astenosférico, sugerindo uma estrutura de densidade do manto regionalmente diferenciada em todo Atlântico Sul (AS). Ao norte e ao sul, o eixo da cordilheira parece ser alimentado por fontes profundas no manto, coerente com os domos topográficos observados, enquanto a topografia menos elevada observada na região central provavelmente está relacionada a um adensamento e/ou resfriamento mantélico. A análise morfológica da CMAS em escala de maior detalhe revelou a existência de 20 segmentos tectônicos, cuja morfoestrutura apresenta uma notável variação ao longo da CMAS, intra e intersegmentos. Um vale axial, com profundidade média da ordem de 3.200 m, é em geral observado no eixo da CMAS, mas em certas regiões sua ausência é marcante. A largura do vale central, bem como a elevação das montanhas do rifte também é variável, sugerindo assim forte controle de processos de acresção locais variáveis no tempo e no espaço.

Morfoestrutura; Cordilheira Mesoceânica; Atlântico Sul


The South Atlantic Ridge (SAR) morphology is investigated, focusing on the topography variation across and along the ridge axis, as well as tectonic segmentation, residual gravity and basalt geochemistry variation. This analysis of the SAR allows inferring on the origin and processes that forms the ridge morphology. The analysis of the SAR morphology on a scale larger than 1.000 km revealed two topographic bulges on the northern and southern ends of the South Atlantic (SA) separated by a relatively deep central region. This morphological variation defined three topographic domains, called North, Central and South, localized around 10ºS, 25ºS and 40ºS. These results suggested an enhanced magmatism under the ridge axis on the north and south of the SAR, while tectonic processes and sparse magmatism controls the central domain. Such a pattern is probably related to processes in the asthenospheric mantle, and suggests regional mantle heterogeneities in the SA. On the northern and southern ends of the SAR, the ridge axis seems to be fed by deep sources in the mantle, as indicated by the large bulges observed, while the central part of SAR is probably related to a denser and/or cooler region. More detailed analysis of the SAR morphology revealed the existence of 20 tectonic segments, which showed a remarkable variation. The central rift valley with an average depth of 3,267 m is usually observed along the SAR, but certain regions lack central rift. The width of the central valley as well as the height of the rift mountains vary quite a lot, suggesting the importance of local accreting processes influencing the ridge axial morphology.

Ridge morphology; Ridge structure; South Atlantic Ridge


Morfoestrutura da Cordilheira Mesoceânica no Atlantico Sul entre 0ºS e 50ºS

Natasha StantonI; Sidney L.M. MelloII; Susanna E. SichelII

IDepartamento de Geotectônica, Faculdade de Geologia - UERJ, Rua Professor Gastão Bahiana, 112/1004, Copacabana, 20471-200 Rio de Janeiro, RJ, Brasil.Tel/Fax: (21) 2513-4343 - E-mail: natystanton@gmail.com

IIUniversidade Federal Fluminense, Instituto de Geociências, Departamento de Geologia, LAGEMAR, Av. Litorânea s/n, Gragoatá, 24210-340 Niterói, RJ, Brasil.Tel: (21) 2629-5924 - E-mails: sidney@igeo.uff.br, susanna@igeo.uff.br

RESUMO

A variação morfológica da Cordilheira Mesoatlântica Sul (CMAS) é analisada com foco na segmentação estrutural, gravimetria residual e a geoquímica de basaltos. O estudo estabelece uma análise morfoestrutural da CMAS, inferindo sobre os processos tectônicos e magmáticos em subsuperfície que originam e influenciam a topografia observada. A análise morfológica da CMAS, em escala da ordem de 1.000 km, revelou a existência de domos topográficos, ao norte e ao sul da CMAS, separados por uma região central deprimida. A partir desta análise foram definidos três domínios topográficos, nomeados aqui Norte, Central e Sul, centrados em torno de 10ºS, 25ºS e 40ºS. Estes resultados sugerem um magmatismo mais intenso sob o eixo da cordilheira nos Domínio Norte e, principalmente no Domínio Sul, enquanto na região do Domínio Central predominam os processos tectônicos, com um magmatismo esparso. Tal segmentação de longo comprimento de onda da CMAS está relacionada a processos profundos no manto astenosférico, sugerindo uma estrutura de densidade do manto regionalmente diferenciada em todo Atlântico Sul (AS). Ao norte e ao sul, o eixo da cordilheira parece ser alimentado por fontes profundas no manto, coerente com os domos topográficos observados, enquanto a topografia menos elevada observada na região central provavelmente está relacionada a um adensamento e/ou resfriamento mantélico. A análise morfológica da CMAS em escala de maior detalhe revelou a existência de 20 segmentos tectônicos, cuja morfoestrutura apresenta uma notável variação ao longo da CMAS, intra e intersegmentos. Um vale axial, com profundidade média da ordem de 3.200 m, é em geral observado no eixo da CMAS, mas em certas regiões sua ausência é marcante. A largura do vale central, bem como a elevação das montanhas do rifte também é variável, sugerindo assim forte controle de processos de acresção locais variáveis no tempo e no espaço.

Palavras-chave: Morfoestrutura, Cordilheira Mesoceânica, Atlântico Sul.

ABSTRACT

The South Atlantic Ridge (SAR) morphology is investigated, focusing on the topography variation across and along the ridge axis, as well as tectonic segmentation, residual gravity and basalt geochemistry variation. This analysis of the SAR allows inferring on the origin and processes that forms the ridge morphology. The analysis of the SAR morphology on a scale larger than 1.000 km revealed two topographic bulges on the northern and southern ends of the South Atlantic (SA) separated by a relatively deep central region. This morphological variation defined three topographic domains, called North, Central and South, localized around 10ºS, 25ºS and 40ºS. These results suggested an enhanced magmatism under the ridge axis on the north and south of the SAR, while tectonic processes and sparse magmatism controls the central domain. Such a pattern is probably related to processes in the asthenospheric mantle, and suggests regional mantle heterogeneities in the SA. On the northern and southern ends of the SAR, the ridge axis seems to be fed by deep sources in the mantle, as indicated by the large bulges observed, while the central part of SAR is probably related to a denser and/or cooler region. More detailed analysis of the SAR morphology revealed the existence of 20 tectonic segments, which showed a remarkable variation. The central rift valley with an average depth of 3,267 m is usually observed along the SAR, but certain regions lack central rift. The width of the central valley as well as the height of the rift mountains vary quite a lot, suggesting the importance of local accreting processes influencing the ridge axial morphology.

Keywords: Ridge morphology, Ridge structure, South Atlantic Ridge.

INTRODUÇÃO

As cordilheiras mesoceânicas apresentam uma cadeia de montanhas submarinas, que se estende linearmente por mais de 70.000 km ao redor do globo, compondo o sistema de vulcões mais ativo do planeta (Macdonald et al., 1991). Seu eixo central é geralmente caracterizado por um vale em rifte de algumas dezenas de quilômetros de largura e profundidade média de 3.500 m. Ao longo deste vale, vulcões ativos, de cerca de 2-3 km de diâmetro extravasam magma e dão origem à formação de nova crosta oceânica (Mckenzie & Bowin, 1976).

De acordo com Macdonald (1982 e 1983) e Macdonald et al. (1988), a morfologia geral da cordilheira mesoceânica (CMO) é controlada primeiramente pela taxa de expansão oceânica, que influencia no tempo e no espaço os processos tectônicos, magmáticos e vulcânicos atuantes, com a forma do vale central variando em função da estrutura termal da litosfera. As variações morfológicas de pequena escala da CMO resultam de diferenças na reologia da litosfera e, portanto, podem ser influenciadas pela proximidade de pontos-quentes ou por heterogeneidades geoquímicas na composição do manto (Bonnati, 1990; Fontignie & Schilling, 1996; Le Roux et al., 2002). Segundo Parsons & Sclater (1977), a topografia geral das cordilheiras mesoceânicas varialocal e regionalmente e depende da estrutura termal do manto subjacente. As variações topográficas observadas ao longo do vale central, por sua vez, resultam da intercalação temporal-espacial de dois processos: magmatismo e tectonismo (Lin et al., 1990). O eixo central das cordilheiras tem sua linearidade interrompida por descontinuidades, dando origem a segmentos individuais que representam unidades tectono-magmáticas independentes (e.g., Macdonald et al., 1988; Fox et al., 1991; Grindlayet al., 1991, 1992), as quais muitas vezes limitam provínciasgeoquímicas e petrológicas do manto (Batiza, 1996).

Em particular, a Cordilheira Mesoatlântica Sul (CMAS)apresenta uma taxa de expansão quase constante de 35 mm/a (Cande et al., 1988), enquanto sua morfologia varia consideravelmente ao longo do eixo, revelando notável segmentação tectônica e magmática (e.g., Schilling et al., 1985; Kane & Hayes, 1992;Sichel, 1990). Por outro lado, estudos de detalhe (e.g., Brozena, 1986; Brozena & White, 1990; Kuo & Forsyth, 1988; Carbotte et al., 1991; Fox et al., 1991; Blackman & Forsyth, 1991; Grindlay et al., 1991, 1992; Mello, 1993; Minshull et al., 1998; Bruguier et al., 2003) revelaram a evolução temporal da morfotectônica com base em processos acrescionais locais nos segmentos de cordilheira.

De acordo com Sichel (1990), a CMAS se encontra próxima a seis pontos-quentes principais, nomeados de norte para sul: Circe (C), também chamado de Ascensão; Santa Helena (SH); Tristan da Cunha (TC); Gough (G); Discovery (D) e Shona (S) (Fig. 1). Esses pontos-quentes se encontram entre 100 e 850 km do eixo, estando todos localizados na Placa Africana. Apesar de não se encontrarem centrados sob o eixo da cordilheira, diversos autores como, por exemplo, Schilling et al. (1985) e Le Roux et al. (2002) observaram anomalias topográficas, gravimétricas e geoquímicas nos segmentos da CMAS próximos, e associaram-nas à presença destes pontos-quentes. Outras porções da CMAS completamente afastadas de pontos-quentes como em 26ºS e 33ºS são igualmente observadas anomalias topográficas e de gravidade, evidenciando a existência de processos distintos influenciando a morfoestrutura ao longo do centro de expansão.


Aqui propomos uma análise sistemática das variações morfológicas, tectônicas e magmáticas existentes ao longo da CMAS, integrando dados mais recentes de batimetria, gravimetria e geoquímica de basaltos. Esta análise examina variações morfo-estruturais da CMAS, em escalas da ordem de 1.000 km e da ordem de 100 km, empregando dados batimétricos, gravimétricos, geoquímicos e de idade da crosta oceânica, disponíveis em banco de dados internacionais - National Geophysical Data Center (NGDC) - incluindo GEODAS, topografia predicta e estimada (Smith & Sandwell, 1997), gravimetria derivada de altimetria de satélite (Sandwell & Smith, 1997). Foram ainda compilados dados de geoquímica de basaltos a partir de Schilling et al. (1985). Como resultado desta análise, apresentamos uma caracterização da segmentação tectônica e magmática entre 0ºS a 50ºS, inferindo sobre as relações da morfoestrutura e magmatismo da CMAS com os processos de acresção crustal superficiais e em profundidade.

DADOS E METODOLOGIA

Foram empregados nesse estudo dados derivados de altimetria de satélite, em especial de batimetria estimada e predita de Smith & Sandwell (1997) e gravimetria ar-livre de Sandwell & Smith (1997). Foram ainda utilizados dados de isócronas derivadas de anomalias magnéticas de Müller et al. (1997) e geoquímica de basaltos de Schilling et al. (1985).

A batimetria estimada e predicta foi utilizada para confecção de mapa e perfil topográfico, visando a caracterização morfológica da segmentação morfoestrutural da CMAS. Os processos litosféricos em subsuperfície foram inferidos a partir da análise dos modelos da Anomalia Bouguer do Manto (ABM) e da Anomalia Bouguer Residual do Manto (ABRM), ambos computados apartir de gravimetria ar-livre (e.g., Prince & Forsyth, 1988; Thibaud et al., 1998). A ABM foi computada subtraindo do valor da Anomalia Gravimétrica Ar-Livre (AAR) o efeito dos contrastes de densidade entre as interfaces água/crosta e crosta/manto, considerando as densidades da crosta e manto constantes e da ordem de 2.750 kg/m3 e 3.300 kg/m3, respectivamente. Para este cálculo foi atribuída uma espessura média de 6 km para a crosta oceânica (e.g., Louden et al., 1986; Purdy & Detrick, 1986; Toomey et al., 1988; Kong et al., 1992). A ABMR foi calculada da mesma forma, porém considerando o efeito do resfriamento da litosfera com a idade (e.g., Lin & Phipps Morgan, 1992).

Os mapas de contorno batimétrico e gravimétrico modelado foram elaborados com base em grades de 10 km, enquanto o perfil topográfico e gravimétrico ao longo do eixo da CMAS acompanha a idade-zero da crosta oceânica, determinada pela localização do vale axial da cordilheira entre 0ºS e 50ºS. Os perfis ao longo do eixo da cordilheira foram filtrados em 100 km, utilizando filtro Gaussiano do GMT, de forma a eliminar as feições menor comprimento de onda. A geração de todas as grades, confecção dos mapas e perfis foi realizada utilizando-se o programa Generic Mapping Tools - GMT, versão 3.4.

A geoquímica de basaltos foi analisada a partir de basaltos amostrados longo do eixo da cordilheira e tendo como base as razões dos elementos incompatíveis La/Sm e Nd/Zr nas amostras. A razão La/Sm foi normalizada pela composição dos condritos, segundo o valor utilizado por Schilling et al. (1985), que corresponde a 0,70.

Os mapas e perfis de batimetria, gravimetria modelada, isócrona e geoquímica de basaltos serviram para proporcionar informações integradas sobre a segmentação tectônica e magmática ao longo da CMAS. A análise em si da segmentação foi realizada em duas etapas, consistindo primeiramente numa investigação de grande comprimento de onda, da ordem de 1.000 km e também no mapeamento das principais zonas de fraturas do Atlântico Sul (AS), que definem segmentos tectônicos de 1ª ordem e, provavelmente refletem o comportamento e distribuição das células convectivas astenosféricas (e.g., Macdonald et al., 1988). Em seguida, foi realizada a caracterização tectônica e magmática individualizada de cada um dos segmentos tectônicos de 1ª ordem do AS, permitindo assim uma análise em maior detalhe dos processos atuantes sob o eixo de expansão da cordilheira.

INTERPRETAÇÃO DOS DADOS

A morfologia geral da CMAS varia consideravelmente de norte para sul, com a presença de dezenas de zonas de fraturas que se estendem por milhares de quilômetros ao longo de todo o assoalho oceânico entre as margens continentais brasileira e africana. Macdonald et al. (1988) sugerem que estas zonas de fraturasdelimitam segmentos tectônicos de 1ª ordem com características morfológicas e estruturais intrínsecas, provavelmente associadas aos processos no manto e ao movimento relativo das placas litosféricas.

Em geral, observa-se a presença marcante do vale central ao longo de quase toda a CMAS, cuja profundidade varia consideravelmente de norte para sul, sendo a região equatorial e a porção central do Atlântico Sul (12º-20º) as mais profundas, com uma média de 3.800 m e 3.400 m, respectivamente. A média de profundidade nas outras porções é de 3.200 m. Os perfis de idade-zero ao longo do eixo da cordilheira evidenciam claramente o aumento da profundidade em direção à porção central, formando um "U", com as duas extremidades do AS, em torno de 9ºS e 47ºS, apresentando profundidades mínimas, respectivamente 1.650 m e 1.900 m (Fig. 2a).



Fica assim evidenciada uma variação topográfica de larga escala ao longo da CMAS, representada por um comprimento de onda da ordem de 103 km. Essa variação define três grandes domínios tectônicos (expressos morfologicamente), denominados aqui Norte, Central e Sul, que devem refletir distintos processos atuantes no manto subjacente.

No extremo norte do Atlântico Sul, próxima à região equatorial a CMAS exibe uma topografia bastante irregular, com seu eixo sendo deslocado em cerca de 1.000 km, pela ZF de Romanche, que corresponde à ZF de maior offset dos oceanos. Essa região, entre 0ºS e 4ºS, corresponde a uma zona intensamente deformada tectonicamente, onde a CMAS é bastante profunda, com uma média de 3.800 m para a profundidade axial.

Entre 4ºS e 16ºS, encontra-se o Domínio Tectônico Norte da CMAS. Neste domínio, a profundidade axial aumenta em relação à região equatorial, com uma média de 3.100 m e a CMAS adquire uma morfologia mais suavizada se tornando mais ampla lateralmente, principalmente entre as ZF de Ascensão e Bode Verde. Em particular, nesta região, o eixo da cordilheira atinge a profundidade mínima de 1.650 m em 9,6ºS, sendo deste modo o segmento mais raso do AS. O perfil axial da Anomalia Bouguer do Manto (ABM) (Fig. 2b) mostra uma grande variação ao longo de toda a sua extensão, especialmente no segmento entre as ZF de Ascensão e Bode Verde, onde se observa um mínimo de -75 mGal, portanto, a mais acentuada anomalia gravimétrica negativa em todo AS. Tal mínimo da ABM axial coincide com o pico observado na topografia axial em 9,6ºS, correspondendo provavelmente, ao centro de expansão principal da região. O mapa da Anomalia Bouguer Residual do Manto no AS (ABRM) evidencia uma larga área com valores mais negativos entre 5ºS e 15ºS (Fig. 3) à leste do eixo da cordilheira, interpretado como uma região de crosta oceânica mais espessa ou com uma estrutura de densidade do manto anômala.


A geoquímica dos basaltos amostrados no eixo da cordilheira, representada pelas razões entre os elementos incompatíveis La/Sm e Nb/Zr, evidencia anomalias na região de 8ºS e 15ºS (Fig. 4), correspondendo aos segmentos próximos aos pontos-quentes de Circe e Santa Helena, respectivamente. Estas características refletem um magmatismo intensificado sob o eixo da cordilheira nessa região com a presença de basaltos enriquecidos em elementos incompatíveis típicos de pontos-quentes, que foi reportado anteriormente por Schilling et al. (1985).


Em torno de 17ºS, próximo à latitude da Zona de Fratura - ZF - de Santa Helena, a topografia se torna mais profunda, definindo o Domínio Tectônico Central. Em 23ºS, observa-se um mínimo da profundidade axial de 3.600 m e um estreitamento lateral da CMAS, característica que permanece até a ZF de Montevidéu, em 36ºS. Nota-se paralelamente uma concentração maior de ZF nesse domínio, com a presença de inúmeras ZF duplas, triplas como as ZF de Martins Vaz e do Rio de Janeiro e até quádruplas, como a ZF do Rio Grande, configuração que reflete a prevalência dos processos de deformação nesta região (Alves, 2002). Os segmentos do Domínio Tectônico Central apresentam uma grande variação morfológica, com a presença de áreas elevadas e profundas intensamente segmentadas. Tal configuração sugere uma uniformidade espacial dos processos tectônicos, que parecem predominar sobre a construção da topografia da região. A geoquímica dos basaltos axiais ao longo desse domínio é essencialmente normal em elementos incompatíveis, exceto ao sul, em 33ºS, onde podem ser observados altos valores para as razões La/Sm e Nb/Zr. Dessa forma, as observações a partir da análise da morfológica e da gravidade residual sugerem um magmatismo em geral mais esparso e pouco intensificado na região central do AS, atuando sob a cordilheira.

A partir de 36ºS, ao sul da ZF de Montevidéu, uma topografia distinta define a estrutura morfológica da cordilheira até 50ºS, constituindo assim o Domínio Tectônico Sul. Neste, a cordilheira se torna bem mais rasa ao longo do eixo da cordilheira e das zonas de fraturas. Nota-se um menor desnível topográfico e podem ser observadas inúmeras ilhas vulcânicas nas proximidades da cordilheira. A média de profundidade axial nesse domínio é de 2.950 m, a menor do AS, com a presença de um número menor de zonas de fraturas segmentando o eixo da cordilheira. Sugerindo assim um tectonismo menos intensificado na região.

A origem desses domínios tectônicos só pode refletir processos profundos no manto, em nível astenosférico. Assim esta segmentação de grande escala deve evidenciar uma estrutura de densidade do manto variável ao longo do AS, sugerindo um adensamento e/ou resfriamento mantélico em direção à parte central do AS, enquanto o norte e, principalmente, o sul do AS corresponderiam a regiões mais supridas magmaticamente e, conseqüentemente, menos densas e mais rasas. Os domínios em si, associados a anomalias geoquímicas e de gravimétrica residual, reforçam a hipótese de que resultam de heterogeneidades do manto sejam de origem térmica ou química. Por outro lado, aonde estas anomalias não prevalecem, portanto no Domínio Tectônico Central, o manto é geoquimicamente normal e a topografia axial é relativamente mais profunda.

Superimposto aos três grandes domínios tectônicos foram definidas grandes zonas de fraturas - segmentos de 1ª ordem - e também descontinuidades axiais, conhecidas como segmentos de 2ª ordem. Tais segmentos de 1ª e 2ª ordem foram analisados em detalhe com respeito aos seguintes parâmetros: variação do perfil topográfico axial ao longo da idade-zero, largura dos flancos da cordilheira, linearidade do eixo ao longo do segmento, deslocamento do eixo da cordilheira, variação da anomalia gravimétrica ao longo da idade-zero e a determinação do centro dos segmentos, lócus principal de acresção crustal.

Deste modo, foram caracterizados 20 segmentos tectônicos, nomeados de A até T (Fig. 5), compreendendo assim segmentos de comprimento de onda inferior a 1.000 km. Esta análise de maior detalhe evidenciou uma grande variação morfoestrutural inter e intra-segmento. Com respeito ao comprimento do eixo da cordilheira, profundidade axial e anomalia gravimétrica, foram observados todos os segmentos. Destes, 8 segmentos não apresentam rifte vale, típico da Cordilheira Mesoatlântica. Estes segmentos são os seguintes: E, G, K, L, N, P, S e T. Nas latitudes 9ºS (Segmento E), 15ºS (Segmento G), 33ºS (Segmento N) e 47ºS (Segmento T), a profundidade do eixo da cordilheira é mais rasa do que 2.500 m de profundidade, indicando anomalias topográficas e gravimétricas positivas de pequeno comprimento de onda. Os segmentos mais profundos, cujos vales axiais apresentam os maiores desníveis topográficos e larguras, correspondem ao Segmento H e K, localizados no Domínio Central do AS, que por sua vez apresentam baixos gravimétricos relativos.


A análise da geoquímica dos basaltos amostrados ao longo da CMAS (razões La/Sm Nb/Zr) mostra anomalias geoquímicas nos segmentos E, G, N, P, S e T (Fig. 5). No caso dos segmentos localizados no Domínio Norte E e G, as anomalias observadas são atribuídas à presença dos pontos-quentes próximos, respectivamente Circe (Schilling et al., 1985; Hanan et al., 1986; Brozena & White, 1990; Mello, 1993), o qual está localizado a cerca de 200 km a leste do eixo da cordilheira em 9ºS (O'Connor et al., 1999); e Santa Helena, que se encontra a 400-600 km do eixo em 16ºS (Brozena & White, 1990), que estariam contribuindocom material magmático para o eixo da cordilheira atravésde canais sublitosféricos, causando anomalias batimétricas e de espessura crustal.

No segmento N em 33ºS, as anomalias geoquímicas e geofísicas observadas parecem resultar de heterogeneidades na composição do manto, como proposto por Le Roux et al. (2002). Este segmento se caracteriza por um maior vulcanismo e, conseqüentemente, uma maior espessura crustal, com formação de uma topografia mais elevada, típica de centros de expansão intermediários, como a Elevação do Pacífico Leste. Os demais segmentos anômalos localizados no Domínio Central K e L apresentaram anomalias topográficas positivas e uma assinatura gravimétrica residual negativa, indicando um aumento da espessura crustal, resultante de uma maior produção magmática. Entretanto, a geoquímica dos basaltos é normal, típica de magmas empobrecidos em elementos incompatíveis, portanto basaltos oceânicos ditos normais. De acordo com Grindlay et al. (1992) a morfologia atípica observada parece ser produto da variabilidade temporal e espacial no suprimento magmático para os segmentos em questão, em função destes se encontrarem, atualmente, numa fase mais magmática.

Os segmentos localizados no Domínio Sul P, S e T apresentaram anomalias geofísicas e geoquímicas, as quais foram atribuídas à proximidade dos pontos-quentes que compõem a plataforma Tristan da Cunha/Gough/Discovery no caso dos segmentos P e S (Humpris et al., 1986). Aparentemente o segmento T é influenciado magmaticamente pela presença do ponto-quente de Shona (Douglass et al., 1995). Tal como os segmentos anômalos do Domínio Norte, os pontos-quentes supracitados estariam causando nestas regiões um excesso de magmatismo e, conseqüentemente, de produção crustal.

Essa análise mais detalhada dos segmentos tectônicos evidenciou uma grande variabilidade morfológica ao longo da CMAS, podendo ser observados diversos estilos tectônicos, por vezes contrastantes, em segmentos próximos. O fato de que a morfologia, gravimetria e o magmatismo nos diversos segmentos analisados não parecem controlados pelos grandes domínios tectônicos, portanto, por processos profundos no manto subjacente, acredita-se que a segmentação de maior detalhe da CMAS (< 1.000 km) resulta de processos litosféricos de acresção crustal variável no tempo e no espaço.

CONCLUSÕES

Em larga escala, a análise morfológica da CMAS evidenciou a existência de três grandes domínios topográficos, Norte, Central e Sul, centrados em torno de 10ºS, 25ºS e 40ºS, respectivamente. Associadas a essa variação topográfica foram observadas anomalias geoquímicas em basaltos amostrados no Domínio Norte e, sobretudo, no Domínio Sul. Em concordância com a maior profundidade do eixo da cordilheira no Domínio Central do AS, os basaltos que ocorrem nessa porção da cordilheira são essencialmente empobrecidos em elementos incompatíveis. No Domínio Norte, a Anomalia Bouguer Residual do Manto revelou regiões de anomalias negativas, próximo à Ascensão em 10ºS, enquanto no Domínio Sul, próximo a Tristão da Cunha e Discovery, em torno de 40ºS. Todas estas evidências sugerem um magmatismo mais intensificado ao norte e ao sul do AS, coerente com uma topografia mais elevada do eixo da cordilheira. Em contrapartida, o Domínio Central corresponde a uma região onde predominam os processos tectônicos, portanto um magmatismo esparso e uma maior número de zonas de fraturas.

Tais evidências podem refletir gradientes regionais da estrutura de densidade do manto. A presença dos inúmeros pontos-quentes, bem como o padrão de segmentação observado, evidenciam que a porção sul do AS é caracterizada por um intenso magmatismo ao longo da cordilheira, que no passado geológico esteve associado à formação da Elevação do Rio Grande e Cadeia Walvis. As variações topográficas, gravimétricas e geoquímicas observadas numa escala superior a 103 km, devem refletir processos profundos no manto. Entretanto, são necessários estudos de detalhe para caracterizar a profundidade destes processos, visando uma melhor compreensão dos mecanismos que governam a estrutura do manto.

Os resultados da análise morfológica dos segmentos tectônicos apontam para a grande importância dos processos acrescionais locais em relação aos parâmetros regionais no controle da morfologia de menor escala ao longo da CMAS, bem como na construção do relevo axial dos segmentos de cordilheira. A sua grande variação morfológica intra e intersegmentos reflete, portanto, a evolução temporal desses segmentos de cordilheira através dos ciclos magmato-tectônicos.

AGRADECIMENTOS

Ao LAGEMAR/UFF por fornecer a infra-estrutura necessária à realização desse trabalho, a CAPES pelo suporte financeiro prestado por meio de bolsa de mestrado para Natasha Stanton. Este trabalho foi realizado com suporte do ProgramaCAPES/COFECUB - 415/03.

Recebido em 19 janeiro, 2006 / Aceito em 19 abril, 2006

Received on January 19, 2006 / Accepted on April 19, 2006

NOTAS SOBRE OS AUTORES

Natasha Stanton é oceanógrafa, formada pela UERJ, mestra em geologia e geofísica marinha pela UFF. Atualmente integra o grupo TEKTOS da Faculdade de Geologia da UERJ, onde desenvolve seu projeto sobre a Evolução Tectônica do Alto do Cabo Frio - RJ. Sua área de interesse abrange o conhecimento sobre o fundo marinho, a geofísica e a geotectônica, com foco na tectônica das placas litosféricas.

Sidney L.M. Mello é geólogo formado pela UFRJ, Mestre em Geologia e Geofísica Marinha pela UFRJ em cooperação com o Lamont-Doherty Earth Observatory da Universidade de Columbia - NY, PhD em Geofísica Marinha pela Universidade de Leeds - Inglaterra com Pós-Doutorado pela Universidade da Bretanha Ocidental - França. É professor do Depto. de Geologia - LAGEMAR - da Universidade Federal Fluminense - UFF e ministra disciplinas no programa de Mestrado e Doutorado em Geologia e Geofísica Marinha e no Curso de Graduação em Geofísica da UFF. Foi Chefe do Depto. de Geologia, Diretor do Instituto de Geociências e Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação da UFF. É representante docente da filial RJ-UFF da Society of Exploration Geophysics para apoio à formação discente em Geofísica.

Susanna Eleonora Sichel é geóloga formada pela UFRJ e pela Universidade de Clausthal-Zellerfeld - Alemanha, Mestre em Geologia pela UFRJ, PhD em Oceanografia pela Universidade de Rhode Island - EUA com Pós-Doutorado pela Universidade da Bretanha Ocidental - França. É Professora do Departamento de Geologia - LAGEMAR - no Instituto de Geociências. Coordena projeto de pesquisa no Programa de Ilhas Oceânicas do Pró-Arquipélago (CNPq/SECIRM). Possui artigos publicados em revistas nacionais e internacionais e capítulos de livros. É correspondente brasileira do Programa RIDGE. Foi Chefe do Depto. de Geologia.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Ago 2007
  • Data do Fascículo
    Jun 2006

Histórico

  • Aceito
    19 Abr 2006
  • Recebido
    19 Jan 2006
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