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Fratura por estresse segmentária na tíbia em corredora recreacional Trabalho realizado na Disciplina de Ortopedia e Traumatologia do Departamento de Medicina da Universidade de Taubaté, SP, Brasil e nas Disciplinas de Metodologia da Pesquisa Científica e Escrita Científica, Santo André, SP, Brasil.

Resumos

Os primeiros passos para se reduzirem lesões, como a fratura de estresse no esporte, é conhecer e aprofundar o estudo da naturezaeaextensão dessa patologia. A seguir, apresentamos um relato de caso de fratura por estresse segmentar da tíbia, considerado raro na literatura consultada. Descrição do quadro clínico: trata-se de paciente de 40 anos, feminino, que iniciou seguimento médico por dores incaracterísticas na perna direita, concentradas principalmente em região proximal do joelho e do tornozelo direitos, durante a prática de corrida de rua de 10km havia um mês. Após investigação clínica e por meio de exames complementares, diagnosticou-se fratura de estresse segmentar da tíbia.

Fraturas de estresse ; Tíbia ; Corrida ; Atletas


One of the first steps to be taken in order to reduce lesions in sports, such as stress fractures, is to know the nature and extension of this pathology. What follows is a case report of segmental stress fracture of the tibia in recreational athletes, which is considered somewhat rare in the literature. Case report: a 40-year-old female patient who started to have follow-up medical checks due to unusual pain in her right leg, concentrated mainly on the proximal region of the knee and ankle, after a 10-km run for a period of one month. Segmental stress fracture of the tibia was diagnosed after clinical research and further examinations.

Fractures, stress; Tibia ; Running ; Athletes


Introdução

Com o crescente aumento da preocupação com saúde e da qualidade de vida que acompanhamos, principalmente nas últimas duas décadas, podemos constatar uma frequência cada vez maior de pessoas se exercitando. Esse fato tem aumentado consideravelmente os diagnósticos de fratura por estresse. Essa lesão tem efeito indesejado, pois reduz os benefícios que envolvem os esportes e age como barreira para manutenção da saúde e da qualidade de vida.

Os primeiros passos para se reduzirem lesões como a fratura de estresse no esporte é conhecer e aprofundar o estudo da natureza e da extensão dessa patologia.

A seguir, apresentamos um relato de caso de fratura por estresse segmentar da tíbia.

Descrição do quadro clínico

Paciente, 40 anos, feminino, natural e procedente de Taubaté (SP), refere prática de corrida de rua havia seis meses, atualmente sendo acompanhada por assessoria esportiva, com treinamentos divididos em quatro vezes por semana, a saber: uma corrida "regenerativa" às segundas-feiras, "tiros" em pista de atletismo às quartas-feiras, treinos de "ritmo" às sextas-feiras e treinos longos ou competições nos fins de semana. Paciente com prática esportiva regular, porém refere aumento gradual de volume e início dos treinos de alta intensidade em pista de atletismo havia dois meses.

Iniciou seguimento médico por dores incaracterísticas na perna direita, concentradas principalmente em região do joelho e do tornozelo direitos, durante a prática de corrida de rua de 10 km havia um mês. Negava uso crônico de medicamentos, cirurgias prévias ou doenças crônicas anteriormente diagnosticadas.

Ao exame físico admissional, apresentava peso de 65 kg, altura 1,72 m e IMC = 21,97. Sem fascies patológica.

Avaliação do tipo de pisada estática e dinâmica: pisada pronada.

Exame físico do joelho:

  • Inspeção: joelhos valgos fisiológicos em visão frontal sem recurvatum à visão lateral; sem aumento de volume.

  • Palpação óssea: platô tibial medial dolorido à palpação, porém sem dor à palpação do côndilo medial femoral.

  • Palpação de tecidos moles: ligamento colateral medial doloroso à palpação em sua inserção na tíbia. Músculos sartório, grácil e semitendíneo dolorosos em sua inserção na tíbia.

  • Testes de estabilidade articular: negativos.

  • Testes meniscais: negativos.

  • Testes patelo-femorais: negativos para síndrome patelofemoral.

  • Grau de mobilidade: extensão 0º , flexão 135º , rotação interna e externa de 10º .

Exame físico do tornozelo:

  • Inspeção: pisada pronada ao caminhar e correr.

  • Palpação óssea: estruturas mediais - dor à palpação medial da tíbia distal; Estruturas laterais -indolores.

  • Palpação partes moles: regiões de interesse - Zona III - maléolo medial: ligamento deltoide, tendões: tibial posterior, flexor longo dos dedos, flexor longo do hálux indolores; Zona IV - dorso do pé entre os maléolos: tendões: tibial anterior, extensor longo do hálux, extensor longo dos dedos indolores.

  • Testes de estabilidade do tornozelo: negativos.

  • Grau de mobilidade articular: dorsiflexão 20º, flexão plantar 50º, inversão subtalar 5º, eversão subtalar 5º

  • Com base no exame físico descrito, continuamos a investigação diagnóstica e para patologias associadas por meio dos exames abaixo:

  • Exames radiológicos: radiografias e escanometria de membros inferiores -sem alterações significativas; membro inferior direito: 920,1 mm; membro inferior esquerdo: 920,4 mm (fig. 1).

  • Densitometria óssea em 23/04/2010 (fig. 2): padrão dentro da normalidade para a região proximal do fêmur.

  • Ressonância nuclear magnética do tornozelo em 23/04/2010 (fig. 3):

  • Ressonância nuclear magnética do joelho em 23/04/2010 (fig. 4):

Figura 1
Exames radiológicos do joelho e do tornozelo direitos, que mostram tênue linha de continuidade óssea em metáfise proximal e distal da perna direita.

Figura 2
Densitometria óssea.

Figura 3
Exames radiológicos que mostram área de hipersinal em T2 na região distal da tíbia direita com solução de continuidade em cortical posterior, o que pode corresponder à fratura por estresse.

Figura 4
Mostra área de hipersinal em T2 na região proximal do joelho direito com solução de continuidade em cortical posterior, o que pode corresponder à fratura por estresse.

Discussão

Na prática esportiva, as fraturas de estresse são entidades clínicas que também se enquadram na conhecida síndrome de overuse.11. Warden SJ, Hurst JA, Sanders MS, Turner CH, Burr DB, Li J. Bone adaptation to a mechanical loading program significantly increases skeletal fatigue resistance. J Bone Miner Res. 2005;20(5):809 -16. , 22. Nattiv A, Puffer JC, Casper J. Stress fracture risk factors, incidence, and distribution: a 3 year prospective study in collegiate runners. Med Sci Sports Exerc. 2000;32 Suppl 5:S347.

A etiologia da fratura por estresse pode ser melhor descrita como uma acelerada remodelação óssea em resposta a um repetitivo estresse submáximo. O osso responde e forma um novo osso periosteal como um reforço extra. Contudo, se a atividade osteoclástica continuar a exceder a média dos osteoblastos para nova formação óssea, eventualmente uma fratura na cortical pode ocorrer.33. Lavienja AJ, Braam LM, Marjo HJ, KnapenGeusens P, Brouns F, Vermeer C. Factors affecting bone loss in female endurance athletes. A two-year follow-up study. Am J Sports Med. 2003;31(6):889 -95.

Os riscos da fratura por estresse são influenciados por vários fatores e são divididos entre intrínsecos (sexo, idade, etnia e força muscular) e extrínsecos (regime de treinamento, tipo de calçado usado, superfície de treinamento e tipo de esporte), fatores biomecânicos (densidade mineral óssea e geometria do osso), fatores anatômicos (morfologia do pé, discrepância do comprimento da perna e alinhamento do joelho), fatores hormonais (menarca atrasada, distúrbios menstruais e contraceptivos) e fatores nutricionais (deficiência de cálcio e vitamina D, desordens alimentares e a tríade da atleta mulher).22. Nattiv A, Puffer JC, Casper J. Stress fracture risk factors, incidence, and distribution: a 3 year prospective study in collegiate runners. Med Sci Sports Exerc. 2000;32 Suppl 5:S347. , 33. Lavienja AJ, Braam LM, Marjo HJ, KnapenGeusens P, Brouns F, Vermeer C. Factors affecting bone loss in female endurance athletes. A two-year follow-up study. Am J Sports Med. 2003;31(6):889 -95.

Estudos mostram que mulheres atletas apresentam mais fraturas por estresse do que os homens.33. Lavienja AJ, Braam LM, Marjo HJ, KnapenGeusens P, Brouns F, Vermeer C. Factors affecting bone loss in female endurance athletes. A two-year follow-up study. Am J Sports Med. 2003;31(6):889 -95. , 44. Warren MP, Perlroth NE. The effects of intense exercise on the female reproductive system. J Endocrinol. 2001;170(1):3 -11.

A fratura de estresse geralmente ocorre em grupos de pessoas jovens submetidas a atividades físicas intensas, tais como recrutas militares, bailarinos, corredores e atletas em geral. Esse tipo de fratura ocorre principalmente em ossos das extremidades inferiores, tais como metatarso, fíbula, fêmur, calcâneo e, com mais frequência, tíbia.55. Jensen A, Dahl S. Stress fracture of the distal tibia and fibula through heavy lifting. Am J Ind Med. 2005;47(2):181 -3.

A tíbia é o local mais comum de acometimento das fraturas de estresse em atletas. A localização das fraturas varia em função da modalidade esportiva praticada. Nos corredores, são encontradas fraturas na transição do terço médio/distal.55. Jensen A, Dahl S. Stress fracture of the distal tibia and fibula through heavy lifting. Am J Ind Med. 2005;47(2):181 -3.

O diagnóstico diferencial deve incluir tanto a síndrome do estresse tibial medial (SETM) quanto a síndrome compartimental crônica (SCC).66. Yates B, White S. The incidence and risk factors in the development of medial tibial stress syndrome among naval recruits. Am J Sports Med. 2004;32(3):772 -80.

A ressonância magnética pode diagnosticar também precocemente as fraturas por estresse. Os sinais são edema ósseo, que pode ser encontrado na região anterior à cortical tibial, na medular óssea ou até um traço de fratura, como no caso descrito.77. Provencher MT, Baldwin AJ, Gorman JD, Gould MT, Shin AY. Atypical tensile-sided femoral neck stress fractures: the value of magnetic resonance imaging. Am J Sports Med. 2004;32(6):1528 -34.

Nas fases iniciais do tratamento, preconiza-se o uso de medidas fisioterapêuticas específicas para reduzir o quadro álgico: crioterapia, Tens, ultrassom para acelerar a produção do tecido ósseo e o laser como cicatrizante e usam-se também os medicamentos anti-inflamatórios para reduzir a síntese das prostaglandinas, responsáveis por ativar as terminações nervosas livres, que levam a informação sensorial ao cérebro e aumentam a percepção da dor.88. Mollon B, da Silva V, Busse JW, Einhorn TA, Bhandari M. Electrical stimulation for longbone fracture-healing: a meta-analysis of randomized controlled trials. J Bone Joint Surg Am. 2008;90(11):2322 -30. Os exercícios de fortalecimento e alongamentos funcionais devem ser incluídos tão logo se tenha reduzido o quadro álgico e, assim, usam-se os exercícios de membros inferiores, inicialmente em cadeia cinética fechada e, depois, em cadeia cinética aberta.99. Boden BP, Osbahr DC, Jimenez C. Low-risk stress fractures. Am J Sports Med. 2001;29(1):100 -11.

As fraturas de estresse consideradas de alto risco devem ser tratadas cirurgicamente, já que as chances de sucesso com tratamento conservador são baixas.1010. Boden BP, Osbahr DC. High-risk stress fractures: evaluation and treatment. Am Acad Orthop Surg. 2000;8(6):344 -53.

Encontramos, na literatura pesquisada, fraturas de estresse bilaterais nos membros inferiores.1111. Sciberras N, Taylor C, Trimble K. Bilateral distal tibial stress fractures in a military recruit. BMJ Case Reports. 2012, http://dx.doi.org/10.1136/bcr.01.2012.5563.
http://dx.doi.org/10.1136/bcr.01.2012.55...
Porém, fraturas segmentares na tíbia não foram encontradas, o que comprova a raridade do caso relatado. As fraturas diagnosticadas neste caso foram consideradas e tratadas como a maioria das fraturas por estresse: de baixo risco. Este caso foi conduzido conforme protocolo da literatura e tratado em duas fases.1010. Boden BP, Osbahr DC. High-risk stress fractures: evaluation and treatment. Am Acad Orthop Surg. 2000;8(6):344 -53. A Fase 1 caracteriza-se pelo controle da dor por meio da prescrição médica de analgésicos, pela redução ou pelo afastamento dos gestos esportivos que provocam sintomas e pela introdução de modalidades de fisioterapia. A Fase 2 caracteriza-se pelas medidas da Fase 1 acrescidas de um retorno gradual ao esporte; nessa fase, é importante a correção dos fatores predisponentes (tipo de piso, tipo de pisadas, biomecânica da corrida, troca regular de tênis) e começa quando o atleta está sem dor e com mobilidade normal, em torno de 10 a 14 dias do início dos sintomas. O tempo de retorno aos movimentos do esporte depende de muitos fatores, incluindo a severidadeeacronicidade da lesão e o nível de morbidade funcional do atleta.1010. Boden BP, Osbahr DC. High-risk stress fractures: evaluation and treatment. Am Acad Orthop Surg. 2000;8(6):344 -53.

REFERENCES

  • 1
    Warden SJ, Hurst JA, Sanders MS, Turner CH, Burr DB, Li J. Bone adaptation to a mechanical loading program significantly increases skeletal fatigue resistance. J Bone Miner Res. 2005;20(5):809 -16.
  • 2
    Nattiv A, Puffer JC, Casper J. Stress fracture risk factors, incidence, and distribution: a 3 year prospective study in collegiate runners. Med Sci Sports Exerc. 2000;32 Suppl 5:S347.
  • 3
    Lavienja AJ, Braam LM, Marjo HJ, KnapenGeusens P, Brouns F, Vermeer C. Factors affecting bone loss in female endurance athletes. A two-year follow-up study. Am J Sports Med. 2003;31(6):889 -95.
  • 4
    Warren MP, Perlroth NE. The effects of intense exercise on the female reproductive system. J Endocrinol. 2001;170(1):3 -11.
  • 5
    Jensen A, Dahl S. Stress fracture of the distal tibia and fibula through heavy lifting. Am J Ind Med. 2005;47(2):181 -3.
  • 6
    Yates B, White S. The incidence and risk factors in the development of medial tibial stress syndrome among naval recruits. Am J Sports Med. 2004;32(3):772 -80.
  • 7
    Provencher MT, Baldwin AJ, Gorman JD, Gould MT, Shin AY. Atypical tensile-sided femoral neck stress fractures: the value of magnetic resonance imaging. Am J Sports Med. 2004;32(6):1528 -34.
  • 8
    Mollon B, da Silva V, Busse JW, Einhorn TA, Bhandari M. Electrical stimulation for longbone fracture-healing: a meta-analysis of randomized controlled trials. J Bone Joint Surg Am. 2008;90(11):2322 -30.
  • 9
    Boden BP, Osbahr DC, Jimenez C. Low-risk stress fractures. Am J Sports Med. 2001;29(1):100 -11.
  • 10
    Boden BP, Osbahr DC. High-risk stress fractures: evaluation and treatment. Am Acad Orthop Surg. 2000;8(6):344 -53.
  • 11
    Sciberras N, Taylor C, Trimble K. Bilateral distal tibial stress fractures in a military recruit. BMJ Case Reports. 2012, http://dx.doi.org/10.1136/bcr.01.2012.5563.
    » http://dx.doi.org/10.1136/bcr.01.2012.5563
  • Trabalho realizado na Disciplina de Ortopedia e Traumatologia do Departamento de Medicina da Universidade de Taubaté, SP, Brasil e nas Disciplinas de Metodologia da Pesquisa Científica e Escrita Científica, Santo André, SP, Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov-Dec 2013

Histórico

  • Recebido
    13 Ago 2012
  • Aceito
    19 Out 2012
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