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Análise das características dos pacientes com fratura exposta de tíbia grau III de Gustilo e Anderson Trabalho desenvolvido no Complexo Hospitalar do Mandaqui, São Paulo, SP, Brasil.

Resumos

OBJETIVO:

Analisar as características dos indivíduos com fratura exposta de tíbia tipo III de Gustillo e Anderson, tratados em um hospital de nível terciário em São Paulo, entre janeiro de 2013 e agosto de 2014.

MÉTODOS:

Estudo transversal retrospectivo. Foram coletados dos prontuários eletrônicos: idade, gênero, diagnóstico, mecanismo de trauma, comorbidades, fraturas associadas, classificações de acordo com Gustillo e Anderson, Tscherne e AO, tratamento (inicial e definitivo), presença de síndrome compartimental, amputações primárias e secundárias, índice de MESS, índices de mortalidade e infeção.

RESULTADOS:

Foram incluídos 116 pacientes, 81% com fratura tipo IIIA, 12% IIIB e 7% IIIC, 85% do gênero masculino, média de 32,3 anos e 57% vítimas de acidente de motocicleta. A fratura da diáfise da tíbia foi significativamente mais prevalente (67%). Oito pacientes foram submetidos à amputação, uma primária e sete secundárias. Houve predomínio dos tipos IIIC (75%) e IIIB (25%) entre os pacientes com amputação secundária. O índice de MESS obteve pontuação maior do que 7 em 88% dos amputados e em 5% dos pacientes com o membro salvo.

CONCLUSÃO:

O perfil dos pacientes com fratura exposta de tíbia de tíbia tipo III de Gustilo e Anderson envolveu principalmente indivíduos jovens do gênero masculino, vítimas de acidentes de motocicleta. A diáfise da tíbia foi o segmento mais acometido. Apenas 7% dos pacientes foram submetidos à amputação. Diante da controvérsia existente na literatura sobre a amputação ou o salvamento do membro inferior gravemente lesionado, tornam-se necessários mais estudos prospectivos para apoiar a escolha clínica.

Fraturas da tíbia; Amputação/epidemiologia; Amputação/métodos


OBJECTIVE:

To analyze the characteristics of patients with Gustilo-Anderson Type III open tibial fractures treated at a tertiary care hospital in São Paulo between January 2013 and August 2014.

METHODS:

This was a cross-sectional retrospective study. The following data were gathered from the electronic medical records: age; gender; diagnosis; trauma mechanism; comorbidities; associated fractures; Gustilo and Anderson, Tscherne and AO classifications; treatment (initial and definitive); presence of compartment syndrome; primary and secondary amputations; MESS (Mangled Extremity Severity Score) index; mortality rate; and infection rate.

RESULTS:

116 patients were included: 81% with fracture type IIIA, 12% IIIB and 7% IIIC; 85% males; mean age 32.3 years; and 57% victims of motorcycle accidents. Tibial shaft fractures were significantly more prevalent (67%). Eight patients were subjected to amputation: one primary case and seven secondary cases. Types IIIC (75%) and IIIB (25%) predominated among the patients subjected to secondary amputation. The MESS index was greater than 7 in 88% of the amputees and in 5% of the limb salvage group.

CONCLUSION:

The profile of patients with open tibial fracture of Gustilo and Anderson Type III mainly involved young male individuals who were victims of motorcycle accidents. The tibial shaft was the segment most affected. Only 7% of the patients underwent amputation. Given the current controversy in the literature about amputation or salvage of severely injured lower limbs, it becomes necessary to carry out prospective studies to support clinical decisions.

Tibial fractures; Amputation/epidemiology; Amputation/methods


Introdução

As fraturas expostas correspondem a qualquer padrão de lesão que provoca um rompimento no envelope de tecidos moles e resulta em comunicação direta entre o osso e o meio ambiente.11. Kamath AF, Horneff JG, Esterhai JL, Lackey WG, Jeray KJ, Broderick JS. Open fractures. In: Bhandari M, editor. Evidence-based orthopedics. Oxford: Blackwell Publishing; 2012. p. 617-26.and22. Gustilo RB, Anderson JT. Prevention of infection in the treatment of one thousand and twenty-five open fractures of long bones: retrospective and prospective analyses. J Bone Joint Surg Am. 1976;58(4):453-8. Dados epidemiológicos da Europa demonstram uma taxa aproximada de 4% de fraturas expostas ao ano, similar às taxas de outros países desenvolvidos. Acredita-se que esse valor equivale a cerca de 250.000 fraturas ao ano nos Estados Unidos.11. Kamath AF, Horneff JG, Esterhai JL, Lackey WG, Jeray KJ, Broderick JS. Open fractures. In: Bhandari M, editor. Evidence-based orthopedics. Oxford: Blackwell Publishing; 2012. p. 617-26.

O grau de severidade das fraturas expostas é frequentemente classificado de acordo com o sistema de Gustillo e Anderson,22. Gustilo RB, Anderson JT. Prevention of infection in the treatment of one thousand and twenty-five open fractures of long bones: retrospective and prospective analyses. J Bone Joint Surg Am. 1976;58(4):453-8.and33. Gustilo RB, Mendoza RM, Williams DN. Problems in the management of type III (severe) open fractures: a new classification of type III open fractures. J Trauma. 1984;24(8):742-6. que considera o tamanho da ferida, o padrão da fratura e o grau de contaminação dos tecidos moles. A classificação Tipo III corresponde às fraturas por trauma de alta energia, com lesão extensa de tecidos moles, e é dividida em três subtipos: tipo IIIA, IIIB e IIIC, de acordo com a gravidade da lesão.11. Kamath AF, Horneff JG, Esterhai JL, Lackey WG, Jeray KJ, Broderick JS. Open fractures. In: Bhandari M, editor. Evidence-based orthopedics. Oxford: Blackwell Publishing; 2012. p. 617-26.,22. Gustilo RB, Anderson JT. Prevention of infection in the treatment of one thousand and twenty-five open fractures of long bones: retrospective and prospective analyses. J Bone Joint Surg Am. 1976;58(4):453-8.and33. Gustilo RB, Mendoza RM, Williams DN. Problems in the management of type III (severe) open fractures: a new classification of type III open fractures. J Trauma. 1984;24(8):742-6.

Os extensos danos causados pelos tipos IIIB e IIIC podem ser um verdadeiro desafio mesmo para os cirurgiões mais experientes e envolve a decisão clínica entre a tentativa de salvamento do membro e a amputação. Os avanços clínicos em cirurgia ortopédica, plástica e vascular fornecem meios para reconstruir os ferimentos do membro que, há cerca de 20 anos, seria primariamente amputado. Contudo, alguns estudos relatam que o salvamento do membro nem sempre é a melhor solução e a amputação precoce, com tratamento protético, deve ser recomendada em alguns casos.44. Busse JW, Jacobs CL, Swiontkowski MF, Bosse MJ, Bhandari M. Complex limb salvage or early amputation for severe lower-limb injury: a meta- analysis of observational studies. J Orthop Trauma. 2007;21(1):70-6., 55. Fochtmann A, Mittlböck M, Binder H, Köttstorfer J, Hajdu S. Potential prognostic factors predicting secondary amputation in third- degree open lower limb fractures. J Trauma Acute Care Surg. 2014;76(4):1076-81.,66. Tufescu TV. Mangled extremity. In: Bhandari M, editor. Evidence-based orthopedics. 1st ed. Oxford: Blackwell Publishing; 2012. p. 655-60.and77. Helfet DL, Howey T, Sanders R, Johansen K. Limb salvage versus amputation. Preliminary results of the Mangled Extremity Severity Score. Clin Orthop Relat Res. 1990;(256):80-6.

Alguns escores são usados para complementar a avaliação clínica criteriosa do membro acometido e auxiliar na tomada de decisão clínica.88. Johansen K, Daines M, Howey T, Helfet D, Hansen ST Jr. Objective criteria accurately predict amputation following lower extremity trauma. J Trauma. 1990;30(5):568-72, discussion 572-3.and99. Robertson PA. Prediction of amputation after severe lower limb trauma. J Bone Joint Surg Br. 1991;73(5):816-8. Helfet et al.77. Helfet DL, Howey T, Sanders R, Johansen K. Limb salvage versus amputation. Preliminary results of the Mangled Extremity Severity Score. Clin Orthop Relat Res. 1990;(256):80-6. estabeleceram o uso do MESS (Mangled Extremity Severity Score), o qual gradua a lesão baseado nos achados clínicos e leva em consideração as características da lesão, o tempo de isquemia, o choque e a idade. Uma pontuação maior ou igual a sete tem um valor preditivo de amputação do membro.44. Busse JW, Jacobs CL, Swiontkowski MF, Bosse MJ, Bhandari M. Complex limb salvage or early amputation for severe lower-limb injury: a meta- analysis of observational studies. J Orthop Trauma. 2007;21(1):70-6. De acordo com Tufescu,66. Tufescu TV. Mangled extremity. In: Bhandari M, editor. Evidence-based orthopedics. 1st ed. Oxford: Blackwell Publishing; 2012. p. 655-60. os escores de avaliação predizem o salvamento do membro, e não a amputação ou a função do membro salvo, por isso não podem ser usados como ferramenta única para escolha do tratamento, e sim em conjunto com a avaliação clínica e o grau de comprometimento do membro inferior.

A tentativa de salvamento de um membro pode apresentar altos índices de complicações e falhas em longo prazo e pode requerer múltiplos procedimentos de alto custo sem garantia de sucesso. Contudo, no momento da decisão 92% dos pacientes optam pela tentativa de salvamento e reconstrução do membro acometido. O impacto econômico também dever ser considerado antes da definição do tratamento, e alguns fatores sociodemográficos do paciente predizem o desfecho clínico desfavorável tanto para a amputação quanto para o salvamento do membro: indivíduos idosos, baixo nível educacional, pobreza, tabagismo e baixa motivação.66. Tufescu TV. Mangled extremity. In: Bhandari M, editor. Evidence-based orthopedics. 1st ed. Oxford: Blackwell Publishing; 2012. p. 655-60.

Embora muito tenha sido descrito sobre fraturas expostas atualmente, existe na literatura uma lacuna em relação aos estudos de alto nível de evidência que comparem os desfechos entre o salvamento do membro e a amputação. Esse fato ocorre devido às preocupações éticas a respeito da randomização dos pacientes para esses dois procedimentos.1010. McNamara MG, Heckman JD, Corley FG. Severe open fractures of the lower extremity: a retrospective evaluation of the Mangled Extremity Severity Score (MESS). J Orthop Trauma. 1994;8(2):81-7., 1111. Georgiadis GM, Behrens FF, Joyce MJ, Earle AS, Simmons AL. Open tibial fractures with severe soft-tissue loss. Limb salvage compared with below-the-knee amputation. J Bone Joint Surg Am. 1993;75(10):1431-41.,1212. Saddawi- Konefka D, Kim HM, Chung KC. A systematic review of outcomes and complications of reconstruction and amputation for type IIIB and IIIC fractures of the tibia. Plast Reconstr Surg. 2008;122(6):1796-805.and1313. Oestern H- J, Tscherne H. Pathophysiology and classification of soft tissue injuries associated with fractures. In: Tscherne H, Gotzen L, editors. Fractures with soft tissue injuries. Berlin: Springer- Verlag; 1984. p. 1-8. Assim, muitas das recomendações que estão incorporadas na rotina de tratamento dos pacientes com fratura exposta de tíbia e fíbula são baseadas na opinião de especialistas. Sendo assim, são necessários mais estudos científicos para dar apoio científico à escolha do cirurgião e do paciente antes da cirurgia. O objetivo deste estudo foi analisar as características dos indivíduos com fratura exposta de tíbia, tipo III de Gustillo e Anderson, tratados em um hospital de nível terciário em São Paulo, de janeiro de 2013 a agosto de 2014.

Materiais e métodos

Este estudo transversal retrospectivo foi feito no Conjunto Hospitalar do Mandaqui, em São Paulo, Brasil. Após aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da instituição (n° 745.737), os prontuários eletrônicos dos pacientes com diagnóstico de fratura exposta da tíbia, tipo III de Gustillo e Anderson, tratados nesse serviço de janeiro de 2013 a agosto de 2014, foram identificados. Os dados foram coletados por meio do programa HospGestor (disponível em https://www.hgresidencia.com.br), o qual é diariamente atualizado pela equipe de traumatologia deste hospital. As características analisadas foram: número de amputações (primárias e secundárias) e salvamentos do membro acometido, grau de severidade das fraturas expostas classificado de acordo com Gustillo e Anderson,22. Gustilo RB, Anderson JT. Prevention of infection in the treatment of one thousand and twenty-five open fractures of long bones: retrospective and prospective analyses. J Bone Joint Surg Am. 1976;58(4):453-8.and33. Gustilo RB, Mendoza RM, Williams DN. Problems in the management of type III (severe) open fractures: a new classification of type III open fractures. J Trauma. 1984;24(8):742-6. classificação de Oestern e Tscherne1313. Oestern H- J, Tscherne H. Pathophysiology and classification of soft tissue injuries associated with fractures. In: Tscherne H, Gotzen L, editors. Fractures with soft tissue injuries. Berlin: Springer- Verlag; 1984. p. 1-8. para avaliação da condição dos tecidos moles, índice de MESS,x idade, gênero, diagnóstico (tipo de fratura e classificação de acordo com AO/OTA),1414. Marsh JL, Slongo TF, Agel J, Broderick JS, Creevey W, DeCoster TA, et al. Fracture and dislocation classification compendium - Orthopaedic Trauma Association classification, database and outcomes committee. J Orthop Trauma. 2007;21 10 Suppl.:S1-133. mecanismo de lesão, politrauma (mais de um órgão acometido), fraturas associadas, presença de complicações (síndrome compartimental e infecção) e taxa de mortalidade.

Os dados foram analisados estatisticamente e calculou-se a média (com valores mínimo e máximo) para os desfechos contínuos; frequência e porcentagem para os dados dicotômicos (intervalo de confiança de 95%).

Foram excluídos os pacientes com prontuários incompletos e/ou ausência de exames radiográficos e os transferidos para outro serviço. A análise estatística dos dados foi feita com a análise descritiva de dados contínuos, com cálculo de média, desvio-padrão e intervalo de confiança de 95%, o teste t de Student e a análise da frequência relativa com intervalo de confiança de 95% para os dados dicotômicos.

Resultados

A seleção inicial incluiu 126 pacientes que cumpriram os critérios de inclusão, porém 10 foram excluídos devido à transferência do tratamento para outro serviço. Assim, a amostra foi composta por 116 pacientes com diagnóstico de fratura exposta de tíbia do tipo III de Gustillo e Anderson, 81% do tipo IIIA (IC 95%, 73% a 87%), 12% IIIB (IC 95%, 7% a 19%) e 7% IIIC (IC 95%, 3% a 13%). Houve predomínio significativo do gênero masculino (85%, IC 95%, 78% a 91%) e a média de idade da amostra foi de 32,3 anos (± 15,70). O lado esquerdo foi o mais acometido, porém não houve diferença significativa (56%, IC 95%, 46,95% a 64,73%). Os acidentes de trânsito corresponderam a 84% dos mecanismos de lesão, com diferença significativa em relação aos acidentes que envolveram motocicleta, 57% (IC 95%, 47,80% a 65,55%). A fratura da diáfise da tíbia foi significativamente mais prevalente, foi diagnosticada em 78 pacientes (67% do total da amostra, IC 95% 58,25% a 75,13%), seguida de 13 pacientes com fratura do planalto tibial (11%, IC 95% 6,54% a 18,36%) (tabela 1). Em relação à classificação AO/OTA, 20% de todas as fraturas foram do tipo 42-A3 e 13% 42-B3 (fig. 1).

Tabela 1
- Características da amostra

Figura 1
- Distribuição da amostra de acordo com o sistema de classificação AO/OTA.

Do total da amostra (116 pacientes), oito (7%) foram submetidos à amputação do membro acometido: uma primária e sete secundárias. O paciente submetido à amputação primária é do gênero masculino, 17 anos, vítima de acidente de motocicleta, com diagnóstico de fratura do planalto tibial (AO 41-A2), do tipo 3 C de Gustillo e Anderson, tipo III de Tscherne, índice de MESS 11 e apresentou lesão irreversível da artéria poplítea.

Dentre os sete pacientes que necessitaram de amputação secundária, três apresentaram fratura de planalto tibial, dois de diáfise da tíbia, um de tíbia proximal extra-articular e um de tíbia distal extra-articular. Em relação à classificação de Gustillo e Anderson, houve predomínio das fraturas do tipo IIIC (cinco pacientes) e tipo IIIB (dois pacientes), e a pontuação do índice de MESS foi semelhante entre os pacientes (média de 9,5). O tempo médio entre o tratamento inicial e a amputação secundária foi de 17,5 dias (entre cinco e 40) e os principais motivos para essa decisão foram problemas com a reperfusão (quatro pacientes), infecção dos tecidos moles com secreção purulenta e área de necrose extensa (três pacientes). Dos sete pacientes amputados no segundo momento, dois apresentaram infecção tratada e um faleceu devido a complicações relacionadas à reperfusão e falência múltipla de órgãos (tabela 2).

Tabela 2
- Características dos pacientes submetidos à amputação secundária

Os 108 pacientes que tiveram o membro acometido salvo apresentaram características diferentes quando comparados com os amputados. A maioria significativa dos indivíduos (87%, IC 95%, 79% a 92%) apresentou classificação de Gustillo IIIA enquanto no grupo de pacientes amputados houve apenas fraturas dos tipos IIIB (25%, IC 95%, 6% a 60%) e IIIC (75%, IC 95%, 40% a 94%) e não foi possível observar diferença significativa. A média de idade no grupo de pacientes amputados foi de 42,62 (± 22,26) anos e de 31,57 (± 14,96) anos no outro grupo (P = 0,0543). Houve diferença entre os amputados e os que tiveram o membro salvo também quanto ao índice de MESS, no qual 88% dos pacientes amputados tiveram pontuação acima de 7 (IC 95%, 51% a 99%) comparados com 5% do outro grupo (IC 95%, 2% a 11%). O mesmo ocorreu com o número de pacientes politraumatizados, com frequência de 50% entre os amputados (IC 95% 22% a 78%) em comparação com 9% entre os que tiveram o membro salvo (IC 95% 4% a 15%); com fraturas associadas, 50% (IC 95%, 22% a 78%) versus 19% (IC 95%, 13% a 28%), respectivamente; e com diagnóstico de síndrome compartimental, com 38% entre os amputados (IC 95% 13% a 70%) versus 6% dos salvos (IC 95%, 3% a 13%), respectivamente. O índice de infecção foi significativamente diferente, com 62% entre os pacientes amputados (IC 95%, 30% a 87%) e 17% entre os que tiveram o membro salvo (IC 95%, 11% a 25%) ( tabela 3).

Tabela 3
- Distribuição das características dos pacientes amputados comparados com os que tiveram o membro acometido salvo

Discussão

Este estudo teve como objetivo analisar as características dos pacientes com diagnóstico de fratura exposta de tíbia grau III, tratados em um hospital de nível terciário, em São Paulo, Brasil. Houve predomínio significativo do gênero masculino (85%), média de 32,3 anos e maior acometimento no membro inferior esquerdo. Fodor et al.1515. Fodor L, Sobec R, Sita-Alb L, Fodor M, Ciuce C. Mangled lower extremity: can we trust the amputation scores? Int J Burns Trauma. 2012;2(1):51-8. relatam que a modernização, a industrialização e o aumento da taxa de violência na sociedade têm contribuído para o crescimento da incidência das lesões traumáticas severas dos membros inferiores. A maior incidência em homens, jovens e em idade produtiva, demonstrada no presente estudo, relaciona-se diretamente a esses fatores, principalmente no que diz respeito ao mecanismo de lesão.

Os principais mecanismos de lesão para as fraturas expostas de tíbia são os acidentes de trânsito, a violência, os acidentes de trabalho e os graves ferimentos por arma de fogo.1515. Fodor L, Sobec R, Sita-Alb L, Fodor M, Ciuce C. Mangled lower extremity: can we trust the amputation scores? Int J Burns Trauma. 2012;2(1):51-8. A análise dos dados coletados neste estudo corrobora essa descrição, 84% das fraturas expostas foram causados por acidentes de trânsito, principalmente os que envolviam motocicletas (57%).

Vários sistemas de pontuação têm sido descritos para auxiliar na decisão sobre a amputação ou o salvamento do membro ferido.55. Fochtmann A, Mittlböck M, Binder H, Köttstorfer J, Hajdu S. Potential prognostic factors predicting secondary amputation in third- degree open lower limb fractures. J Trauma Acute Care Surg. 2014;76(4):1076-81. O índice de gravidade da extremidade esmagada (MESS) é talvez o mais usado tanto na prática clínica quanto no meio científico, porém sua sensibilidade e especificidade são ainda controversas.

No presente estudo o índice de MESS com escore superior ou igual a 7 foi observado em 88% dos casos de amputação comparado com 5% dos casos de salvamento do membro. Ainda, entre os pacientes submetidos à amputação, 75% tiveram suas fraturas classificadas como IIIC e 25% IIIB de Gustillo e Anderson. Fagelman et al.1616. Fagelman MF, Epps HR, Rang M. Mangled extremity severity score in children. J Pediatr Orthop. 2002;22(2):182-4. avaliaram a correlação entre as fraturas grau IIIB e IIIC de Gustillo e Andersom e o índice de MESS para fraturas expostas de membros inferiores e encontraram resultado significativo de previsão do tratamento em 93% da amostra. Em contrapartida, Sheean et al.1717. Sheean AJ, Krueger CA, Napierala MA, Stinner DJ, Hsu JR. Skeletal Trauma and Research Consortium (STReC). Evaluation of the mangled extremity severity score in combat- related type III open tibia fracture. J Orthop Trauma. 2014;28(9):523-6. não encontraram diferença significativa do valor de MESS entre os pacientes amputados e os tratados com salvamento do membro. Ambos os autores destacaram a importância da lesão vascular como fator preditivo de amputação. Slauterbeck et al.1818. Slauterbeck JR, Britton C, Moneim MS, Clevenger FW. Mangled extremity severity score: an accurate guide to treatment of the severely injured upper extremity. J Orthop Trauma. 1994;8(4):282-5. relataram que o uso precoce de um sistema de pontuação como o MESS poderia reduzir a morbidade associada a uma internação prolongada e aos vários procedimentos cirúrgicos geralmente feitos nesses casos.

Dua et al.1919. Dua A, Desai SS, Shah JO, Lasky RE, Charlton-Ouw KM, Azizzadeh A, et al. Outcome predictors of limb salvage in traumatic popliteal artery injury. Ann Vasc Surg. 2014;28(1):108-14. fizeram um estudo transversal retrospectivo e demonstraram que o controle de danos do paciente, a evolução das técnicas cirúrgicas e os tempos isquêmicos mais curtos são benefícios que contribuem para a redução das taxas de mortalidade e morbidade, porém, mesmo com o avanço dessas técnicas, ainda é controversa a decisão entre a reconstrução e o salvamento do membro versus a amputação nos casos de fraturas expostas complexas com lesão associada dos tecidos adjacentes.

Sgarbi et al.2020. Sgarbi MWM, Gotfryd AO. Amputação ou reconstrução da extremidade esmagada: utilização do Índice da Síndrome da Extremidade Esmagada. Acta Ortop Bras. 2006;14(5): 264-7. destacam a importância de os pacientes com fraturas expostas de tíbia grau III de Gustillo e Anderson serem tratados em serviços que disponham de todos os recursos para garantir o possível salvamento do membro acometido. Porém, o salvamento de membros inferiores acometidos por esmagamento e a extensa lesão de partes moles em vítimas politraumatizadas podem resultar em graves alterações metabólicas e no risco de sepse por meio da disseminação sistêmica de infecção. Assim, essas lesões devem ser criteriosamente avaliadas pela equipe.

De acordo com Slauterbeck et al.,1818. Slauterbeck JR, Britton C, Moneim MS, Clevenger FW. Mangled extremity severity score: an accurate guide to treatment of the severely injured upper extremity. J Orthop Trauma. 1994;8(4):282-5. a preservação de um membro com várias tentativas de salvamento pode mostrar-se inviável, uma vez que o membro torna-se insensível e incapaz de recuperação funcional, além do maior risco de morbidade e mortalidade devido à hospitalização prolongada e aos diversos procedimentos cirúrgicos.

É importante ainda levar em consideração os elevados custos e as despesas financeiras, pessoais e sociais, que podem decorrer de amputações teoricamente "inevitáveis", mas que muitas vezes são postergadas. As indicações absolutas para amputação primária de extremidades inferiores incluem a completa avulsão do membro, lesão da artéria poplítea, isquemia superior a seis horas, lesão neurológica, gangrena gasosa e impossibilidade de restaurar o fluxo circulatório.2020. Sgarbi MWM, Gotfryd AO. Amputação ou reconstrução da extremidade esmagada: utilização do Índice da Síndrome da Extremidade Esmagada. Acta Ortop Bras. 2006;14(5): 264-7.

Durhan et al.2121. Durham RM, Mistry BM, Mazuski JE, Shapiro M, Jacobs D. Outcome and utility of scoring systems in the management of the mangled extremity. Am J Surg. 1996;172(5):569-73. tiveram como taxa de amputação primária 41% dos 21 membros com MESS superior a 7 e taxa de amputação secundária de 11,7% com uma média de 8,8 pontos para o indicador MESS. A coleta de dados do presente estudo demonstrou que dos oito pacientes submetidos à amputação, apenas um caso foi intervenção primária e os outros sete necessitaram de amputação secundária por falha na tentativa de salvamento do membro. Entre os principais motivos que levaram à amputação secundária estão a infecção dos tecidos moles, a presença de extensas áreas de necrose e complicações vasculares e de reperfusão.

Dua et al.1919. Dua A, Desai SS, Shah JO, Lasky RE, Charlton-Ouw KM, Azizzadeh A, et al. Outcome predictors of limb salvage in traumatic popliteal artery injury. Ann Vasc Surg. 2014;28(1):108-14. relataram que, historicamente, os elevados índices de mortalidade frente à necessidade de revascularização de membros gravemente feridos tornou mais aceitável a decisão pela amputação do segmento lesionado. Neste estudo, foram registrados dois casos de óbito relacionados ao déficit grave de perfusão (2,4% do total da amostra): um paciente submetido à amputação secundária (homem, 47 anos, vítima de atropelamento com fratura exposta de diáfise da tíbia do tipo 3 C e índice de MESS de 10 pontos) e o outro que teve como opção de tratamento o salvamento do membro (mulher, 88 anos, vítima de queda de escada com fratura exposta de pilão tibial, tipo 3 B e índice de MESS de 7).

A decisão final do tratamento dos pacientes com diagnóstico de fratura exposta de tíbia deve levar em conta a funcionalidade futura, a disponibilidade de recuperação, o perfil do paciente e a expertise do cirurgião. Os critérios de indicadores como o escore de MESS e a classificação da fratura devem ser minuciosamente analisados para que o salvamento de um membro se faça de maneira efetiva e a amputação nos casos precisamente bem selecionados.1515. Fodor L, Sobec R, Sita-Alb L, Fodor M, Ciuce C. Mangled lower extremity: can we trust the amputation scores? Int J Burns Trauma. 2012;2(1):51-8.and1616. Fagelman MF, Epps HR, Rang M. Mangled extremity severity score in children. J Pediatr Orthop. 2002;22(2):182-4.

A coleta de dados de forma retrospectiva foi considerada uma limitação deste trabalho. Assim, a necessidade de um estudo prospectivo é evidente, principalmente diante da ausência de estudos de boa qualidade metodológica. O termo de consentimento informado para amputação usado nos serviços de atendimento ao paciente traumatizado deve incluir a avaliação ortopédica e vascular criteriosa, associada aos fatores preditivos, como o índice de MESS e a classificação de Gustillo e Anderson e de Tscherne, além de acompanhar as evoluções de tratamento e as evidências científicas de qualidade para colaborar com o melhor tratamento dos pacientes vítimas de traumas graves dos membros inferiores.

Conclusão

De acordo com a amostra analisada neste estudo, o perfil dos pacientes com fratura exposta de tíbia de tíbia tipo III de Gustillo e Anderson envolveu principalmente indivíduos do gênero masculino, jovens e em idade produtiva, vítimas de acidentes de trânsito, especialmente de motocicleta. A maioria significativa apresentou fratura da diáfise da tíbia, 81% do tipo IIIA. Apenas 7% dos pacientes foram submetidos à amputação, 75% com fratura do tipo IIIC e 25% do tipo IIIB de Gustillo e Anderson. O índice de MESS com escore superior ou igual a sete foi observado em 88% dos casos de amputação comparado com 5% dos casos de salvamento do membro. Diante da escassez de estudos e da controvérsia existente na literatura sobre a amputação ou o salvamento do membro inferior gravemente lesionado, tornam-se necessários estudos prospectivos que forneçam evidência científica de qualidade sobre os critérios para a escolha do tratamento das fraturas expostas complexas de tíbia, com vistas ao melhor prognóstico funcional e à redução das taxas de morbidade e mortalidade.

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  • Trabalho desenvolvido no Complexo Hospitalar do Mandaqui, São Paulo, SP, Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar-Apr 2016

Histórico

  • Recebido
    26 Mar 2015
  • Aceito
    01 Jun 2015
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