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Fratura bilateral do fêmur distal após artroplastia total do joelho#x2606; Trabalho feito no Instituto Nacional de Ortopedia e Traumatologia (Into), Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

RESUMO

O número de artroplastias totais do joelho tem aumentado de forma exponencial e suas indicações têm sido ampliadas. O procedimento apresenta complicações desafiadoras ao cirurgião ortopédico e potencialmente catastróficas para o paciente. Os autores relatam um raro caso de fratura periprotética do joelho, bilateral e simultânea e discutem os fatores causais, as possíveis condutas e a profilaxia.

Palavras-chave:
Artroplastia do joelho; Fraturas do fêmur; Idoso

ABSTRACT

The number of total knee arthroplasties has increased exponentially and their indications have been expanded. This procedure presents challenging complications for orthopedic surgeons that are potentially catastrophic for patients. Here, a rare case of simultaneous bilateral periprosthetic fracture of the knee is reported, with discussion of the causal factors, possible management and prophylaxis.

Keywords:
Arthroplasty, knee; Femoral fractures; Elderly

Introdução

A fratura periprotética do joelho é uma complicação incomum, porém potencialmente devastadora,11. Singh JA, Jensen M, Lewallen D. Predistors of periprosthetic fracture after total knee replacement. An analysis of 21.723 cases. Acta Orthop. 2013;84(2):170-7. configura um desafio ao cirurgião ortopédico.22. Meek RMD, Norwood T, Smith R, Brenkel IJ, Howie CR. The risk of peri-prosthetic fracture after primary and revision total hip and Knee replacement. J Bone Joint Surg Br. 2011;93(1): 96-101. Com o crescimento do número de artroplastias totais do joelho (ATJ) a cada ano, a frequência dessa complicação tende a aumentar.33. Davis N, Higgins G. Periprosthetic fractures around total knee arthroplasty. Trauma. 2014;16(3):174-82. A incidência varia na literatura entre 0,3% a 4,2% para ATJ primárias11. Singh JA, Jensen M, Lewallen D. Predistors of periprosthetic fracture after total knee replacement. An analysis of 21.723 cases. Acta Orthop. 2013;84(2):170-7.and44. Toogood PA, Vail TP. Periprosthetic fractures: a common problem with a disproportionately high impact on healthcare resources. J Arthroplasty. 2015;30(10):1688-91. e entre 1,6% e 38% para revisões.22. Meek RMD, Norwood T, Smith R, Brenkel IJ, Howie CR. The risk of peri-prosthetic fracture after primary and revision total hip and Knee replacement. J Bone Joint Surg Br. 2011;93(1): 96-101.and44. Toogood PA, Vail TP. Periprosthetic fractures: a common problem with a disproportionately high impact on healthcare resources. J Arthroplasty. 2015;30(10):1688-91. O mecanismo de trauma é, em sua maioria, de baixa energia. Porém, os pacientes idosos apresentam pouca reserva hemodinâmica, o que eleva a morbidade e mortalidade.22. Meek RMD, Norwood T, Smith R, Brenkel IJ, Howie CR. The risk of peri-prosthetic fracture after primary and revision total hip and Knee replacement. J Bone Joint Surg Br. 2011;93(1): 96-101.and33. Davis N, Higgins G. Periprosthetic fractures around total knee arthroplasty. Trauma. 2014;16(3):174-82. Os traumas de alta energia podem ocorrer em 10% dos casos.55. Carvalho M, Fonseca R, Simões P, Bahute A, Mendonça A, Fonseca F. Bilateral distal femoral mailing in rare symmetrical periprosthetic knee fracture. Case Rep Orthop. 2014;2014:745083.

Relato do caso

Paciente feminina, 73 anos, branca, aposentada. Portadora de hipertensão arterial sistêmica, sem outras patologias. A queixa principal era dor em ambos os joelhos, pior à direita. Apresentava genuvaro bilateral e exame radiográfico revelou gonartrose. O tratamento conservador já havia sido tentado por mais de um ano, porém a dor manteve-se refratária.

Foi submetida a ATJ no joelho direito em 27/11/2006. Em 25/05/2008 sofreu queda da própria altura e foi internada para tratamento cirúrgico de fratura transtrocanteriana de fêmur esquerdo, fixada com haste cefalomedular. Em 07/08/2009 foi submetida a ATJ em joelho esquerdo. Evoluiu sem complicações em todos os períodos pós-operatórios e encontrava-se em acompanhamento ambulatorial para revisões anuais (fig. 1).

Figura 1
Radiografias após ATJ e fixação do fêmur proximal.

Em 2015, sofreu nova queda da própria altura, cursou com fratura supracondiliana bilateral do fêmur (fig. 2), classificadas como tipo II segundo Rorabeck e Taylor.66. Rorabeck CH, Taylor JW. Classification of periprosthetic fractures complicating total knee arthroplasty. Orthop Clin North Am. 1999;30(2):209-14. Foi submetida ao tratamento cirúrgico para fixação simultânea com placas bloqueadas poliaxiais, introduzidas subvasto lateral e fixadas "em ponte" (fig. 3).

Figura 2
Fratura periprotética supracondiliana bilateral (Rorabeck tipo II).

Figura 3
Radiografias do pós-operatório imediato.

A paciente evoluiu sem complicações e a consolidação ocorreu no terceiro mês pós-operatório (fig. 4). Atualmente encontra-se em acompanhamento ambulatorial e já deambula com auxílio de bengala.

Figura 4
Radiografias após três meses de evolução.

Discussão

O número de artroplastias tem crescido de forma exponencial. Nos USA estima-se um crescimento de 5% a cada ano, essa porcentagem é maior entre os pacientes abaixo de 65 anos.33. Davis N, Higgins G. Periprosthetic fractures around total knee arthroplasty. Trauma. 2014;16(3):174-82.

Apesar de ser uma complicação relativamente rara, a incidência da fratura periprotética também está aumentando. Meek et al.22. Meek RMD, Norwood T, Smith R, Brenkel IJ, Howie CR. The risk of peri-prosthetic fracture after primary and revision total hip and Knee replacement. J Bone Joint Surg Br. 2011;93(1): 96-101. relataram que a frequência absoluta dessa complicação dobrou na Escócia entre 2001 e 2007, sendo a quarta causa de revisão após ATJ.44. Toogood PA, Vail TP. Periprosthetic fractures: a common problem with a disproportionately high impact on healthcare resources. J Arthroplasty. 2015;30(10):1688-91. O sítio mais frequente de ocorrência é o fêmur distal, seguido pela patela e tíbia proximal.

Os fatores predisponentes clássicos são osteopenia, infecção e osteólise, gênero feminino, aumento da idade, invasão da cortical anterior (notching) e artroplastia de revisão. 33. Davis N, Higgins G. Periprosthetic fractures around total knee arthroplasty. Trauma. 2014;16(3):174-82. Porém, Singh et al.,11. Singh JA, Jensen M, Lewallen D. Predistors of periprosthetic fracture after total knee replacement. An analysis of 21.723 cases. Acta Orthop. 2013;84(2):170-7. em um estudo retrospectivo com 21.723 artroplastias, encontraram como único fator significativo para fratura em ATJ primárias a idade do paciente. Essa incidência apresentou uma distribuição bimodal, o primeiro pico abaixo dos 60 anos e o segundo acima dos 80. Os autores discutem a probabilidade de um estilo de vida mais ativo entre os pacientes mais jovens gerar maior tensão na relação osso-implante. Nesse grupo também encontram-se os pacientes com doenças inflamatórias, que por usarem corticosteroides de forma crônica apresentam uma pior qualidade óssea.

A invasão da cortical anterior (notching) é classicamente descrita como fator predisponente à fratura suprancondiliana do fêmur. Embora estudos biomecânicos tenham demonstrado a diminuição da resistência, principalmente às forças torcionais, estudos clínicos têm dificuldade de comprovar essa relação. Ritter et al. 77. Ritter MA, Thong AE, Keating EM, Faris PM, Meding JB, Berend ME, et al. The effect of femoral notching during total knee arthroplasty on the prevalence of postoperative femoral fractures and on clinical outcome. J Bone Joint Surg Am. 2005;87(11):2411-4. avaliaram 1.089 casos de ATJ primária e encontraram a invasão da cortical anterior em 325 deles (29,8%). Após seguimento médio de 5,1 anos, houve dois casos de fratura suprancondiliana, ambos no grupo sem invasão da cortical anterior. A paciente apresentava uma pequena invasão da cortical anterior no joelho esquerdo, porém não acreditamos haver uma relação causal com a fratura.

O tratamento tem como objetivos restaurar a mobilidade do paciente e promover boa função por meio da recuperação do comprimento, do alinhamento e da rotação do membro. O status da fixação do implante deve ser definido e em caso de soltura (tipo III de Rorabeck), a revisão da ATJ deve ser feita.33. Davis N, Higgins G. Periprosthetic fractures around total knee arthroplasty. Trauma. 2014;16(3):174-82. Para as fraturas tipo I e II existem duas opções de fixação: a haste intramedular retrógrada e a placa bloqueada. Carvalho et al.55. Carvalho M, Fonseca R, Simões P, Bahute A, Mendonça A, Fonseca F. Bilateral distal femoral mailing in rare symmetrical periprosthetic knee fracture. Case Rep Orthop. 2014;2014:745083. publicaram uma caso de fratura periprotética bilateral do fêmur distal em que optaram pelo tratamento com haste retrógrada e a consolidação ocorreu no quarto mês. Esse tipo de haste exige um fragmento distal mínimo de dois centímetros, o que aconteceu no caso anterior, mas não no nosso. Embora a haste retrógrada apresente nítida vantagem na preservação de partes moles e um maior índice de consolidação, Herrera et al.,88. Herrera DA, Gregor PJ, Cole PA, Levy BA, Jönsson A, Zlowodzki M. Treatment of acute distal fêmur fractures above a total knee arthroplasty. Systematic review of 415 cases (1981-2006). Acta Orthop. 2008;79(1):22-7. após revisão sistemática com 415 casos, não foram capazes de demonstrar vantagem de um dos métodos de fixação. Optamos pelo uso da placa bloqueada poliaxial. Esse implante permite a angulação de 30° dos parafusos bloqueados, levando ao melhor posicionamento da placa e maior fixação dos fragmentos. Além disso, o uso da haste retrógrada geraria um ponto de tensão com o implante do quadril, o que não ocorreu devido à sobreposição da placa sobre a ponta da haste trocantérica.

A fratura periprotética é um desafio ao cirurgião ortopédico quando se observa o tratamento, a recuperação e o índice de complicações. Embora existam poucos dados na literatura, o índice de pseudartrose varia entre 9 a 20%, infecção entre 3 e 9%, perda da redução de 4 a 27% e a incidência de reoperação está ao redor de 13%.88. Herrera DA, Gregor PJ, Cole PA, Levy BA, Jönsson A, Zlowodzki M. Treatment of acute distal fêmur fractures above a total knee arthroplasty. Systematic review of 415 cases (1981-2006). Acta Orthop. 2008;79(1):22-7.and99. Platzer P, Schuster R, Aldrian S, Prosquill S, Krumboeck A, Zehetgruber I, et al. Management and outcome of periprosthetic fractures after total knee arthroplasty. J Trauma. 2010;68(6):1464-70. Algum tipo de complicação pode estar presente em mais de 50% dos casos.99. Platzer P, Schuster R, Aldrian S, Prosquill S, Krumboeck A, Zehetgruber I, et al. Management and outcome of periprosthetic fractures after total knee arthroplasty. J Trauma. 2010;68(6):1464-70.

Os cirurgiões ortopédicos que tratam pacientes portadores de osteoartrite grave do joelho geralmente têm pouco interesse em investigar a qualidade óssea, provavelmente porque a osteoporose é menos incidente em pacientes com osteoartrose. Chang et al.,1010. Chang BC, Kim TK, Kang YG, Seong SC, Kang SB. Prevalence of osteoporosis in female patients with advanced knee osteoarthritis undergoing total knee arthroplasty. J Korean Med Sci. 2014;29(10):1425-31. após avaliarem a densidade óssea de 347 pacientes submetidos a ATJ, todos femininos e maiores de 65 anos, encontraram uma prevalência de 31% de osteoporose, menor do que no grupo controle (42%). Nossa paciente apresentava um sinal de alerta para osteoporose, que foi a fratura do fêmur proximal esquerdo. Devemos estar atentos para essa possibilidade, pois tratar a doença de base pode evitar uma complicação potencialmente catastrófica.

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  • Trabalho feito no Instituto Nacional de Ortopedia e Traumatologia (Into), Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Oct 2016

Histórico

  • Recebido
    12 Set 2015
  • Aceito
    20 Out 2015
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