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Análise comparativa da dor em pacientes submetidos à artroplastia total do joelho em relação aos níveis pressóricos do torniquete pneumático Trabalho desenvolvido no Departamento de Ortopedia e Traumatologia, Fundação Hospital Adriano Jorge, Manaus, AM, Brasil.

RESUMO

OBJETIVOS:

Avaliar, por meio da escala visual analógica (EVA), a dor em pacientes submetidos à artroplastia total do joelho (ATJ) com diferentes pressões do torniquete pneumático.

MÉTODOS:

Foi feito um estudo observacional, descritivo, de caráter analítico, prospectivo, randomizado, no qual 60 pacientes foram submetidos à ATJ, divididos em dois grupos, os quais foram comparados entre si: um grupo no qual a ATJ foi feita com pressão do torniquete de 350 mmHg (Padrão) e outro com 100 mmHg acima da pressão arterial sistólica (P + 100). Esses pacientes tiveram sua dor aferida pela EVA após 48 horas, no quinto e no 15° dias após o procedimento cirúrgico. Secundariamente, foram medidos também a amplitude de movimento (ADM), o sangramento via dreno suctor e as complicações em cada um dos grupos estudados; os dados foram submetidos à análise estatística.

RESULTADOS:

Após a análise dos dados, não foi constatada diferença estatisticamente significante em nível de 5% de significância da pressão em relação à incidência de complicações (p = 0,612), ADM (p = 0,202), ao sangramento após 24 e 48 h (p = 0,432 e p = 0,254) e à EVA. Também não foi constatada correlação do tempo de isquemia em relação a EVA e ao sangramento.

CONCLUSÕES:

As pressões usadas do torniquete pneumático, 350 mmHg ou pressão arterial sistólica + 100 mmHg, não tiveram influência sobre a dor, a perda sanguínea, a amplitude de movimento e as complicações, são pressões seguras que não alteram o resultado final, desde que respeitados o tempo da isquemia e individualizados os casos.

Palavras-chave:
Artroplastia do joelho; Medição da dor; Torniquetes

ABSTRACT

OBJECTIVES:

To evaluate through the visual analog scale (VAS) the pain in patients undergoing total knee replacement (TKR) with different pressures of the pneumatic tourniquet.

METHODS:

An observational, randomized, descriptive study on an analytical basis, with 60 patients who underwent TKR, divided into two groups, which were matched: a group where TKR was performed with tourniquet pressures of 350 mmHg (standard) and the other with systolic blood pressure plus 100 mmHg (P + 100). These patients had their pain assessed by VAS at 48 h, and at the 5th and 15th days after procedure. Secondarily, the following were also measured: range of motion (ROM), complications, and blood drainage volume in each group; the data were subjected to statistical analysis.

RESULTS:

After data analysis, there was no statistical difference regarding the incidence of complications (p = 0.612), ROM (p = 0.202), bleeding after 24 and 48 h (p = 0.432 and p = 0.254) or in relation to VAS. No correlation was observed between time of ischemia compared to VAS and bleeding.

CONCLUSIONS:

The use of the pneumatic tourniquet pressure at 350 mmHg or systolic blood pressure plus 100 mmHg did not influence the pain, blood loss, ROM, and complications. Therefore the pressures at these levels are safe and do not change the surgery outcomes; the time of ischemia must be closely observed to avoid major complications.

Keywords:
Arthroplasty, replacement, knee; Pain measurement; Tourniquets

Introdução

O papel do torniquete pneumático ainda é controverso. No entanto, é amplamente usado pelos cirurgiões ortopédicos. Acredita-se que o uso dele seja eficaz na diminuição intraoperatória da perda de sangue e na criação de um campo exangue, no que teoricamente facilitaria a cirurgia e a técnica de cimentação. O uso do torniquete é quase indispensável na prática ortopédica.

O moderno torniquete pneumático tem as suas raízes no tempo do Império Romano (199 AC-500 DC), quando dispositivos de bronze e couro (fig. 1) foram usados para o controle do sangramento de amputações dos membros durante as batalhas. O termo torniquete foi cunhado por Jean Louis Petit e é uma derivação do verbo francês tourner (girar). Com o advento da anestesia geral, Joseph Lister em 1864 foi o primeiro a usar um torniquete para criar um campo cirúrgico exangue. Em 1904 Harvey Cushing introduziu o primeiro torniquete inflável (pneumático) e permitiu, assim, que a pressão do torniquete pudesse ser monitorizada e controlada manualmente. 11. Noordin S, McEwen JA, Kragh JF Jr, Eisen A, Masri BA. Surgical tourniquets in orthopaedics. J Bone Joint Surg Am. 2009;91(12):2958-67.

Figura 1
Torniquete usado pelos romanos. O torniquete é feito de bronze e é coberto com couro para ajudar a proteger a coxa do paciente e reduzir a dor (impresso com permissão da Science and Society Picture Library: http://www.scienceandsociety.co.uk/).

Uma desvantagem do torniquete é a morbidade que advém de seu uso, especialmente na lesão neuromuscular secundária à isquemia neural e dos tecidos musculares e da lesão direta compressiva aos nervos. Além disso, as mudanças hemodinâmicas que acompanham a insuflação e a desinsuflação podem deprimir a função cardiorrespiratória no período perioperatório.22. Tetro AM, Rudan JF. The effects of a pneumatic tourniquet on blood loss in total knee arthroplasty. Can J Surg. 2001;44(1):33-8. O tempo de duração e a pressão seguros para o uso do torniquete permanecem controversos, não há diretrizes rígidas estabelecidas. Um limite seguro de uma a três horas de tempo tem sido descrito.33. Pedowitz RA. Tourniquet-induced neuromuscular injury. A recent review of rabbit and clinical experiments. Acta Orthop Scand Suppl. 1991;245:1-33. O uso do torniquete por mais de duas horas e pressões maiores do que 350 mmHg nos membros inferiores e maiores do que 250 mmHg na extremidade superior aumenta o risco de compressão e neuropraxia.44. Sharma JP, Salhotra R. Tourniquets in orthopedic surgery. Indian J Orthop. 2012;46(4):377-83.

A maneira mais frequente de se avaliar a dor é por meio da escala visual analógica (EVA), instrumento que tenta aferir uma característica ou atitude que se acredita que varia por meio de uma série contínua de valores e não pode ser facilmente medida diretamente. Por exemplo, a quantidade de dor que o paciente sente varia por meio de uma faixa que vai de nenhuma dor (zero) à dor extrema (10).55. Wewers ME, Lowe NK. A critical review of visual analogue scales in the measurement of clinical phenomena. Res Nurs Health. 1990;13(4):227-36.

O objetivo deste estudo é avaliar, por meio da EVA, a dor em pacientes submetidos à ATJ. São comparados dois grupos de pacientes. Um no qual a ATJ será feita com pressões do torniquete de 350 mmHg e o outro com 100 mmHg acima da pressão arterial sistólica (PAS). Secundariamente serão avaliadas a perda sanguínea, as complicações da ferida operatória e a amplitude de movimento (ADM) do joelho operado. A partir daí, determinar qual método é mais seguro e vantajoso para os pacientes.

Materiais e métodos

Foi feito um estudo clínico randomizado, o pesquisador principal foi coberto (cego) em relação à pressão que seria usada no torniquete. Este trabalho teve segmento de setembro de 2014 a setembro de 2015, com 60 pacientes submetidos à ATJ. Foram seguidas as Normas Consolidadas dos Relatórios de Ensaios (Consolidated Standards of Reporting Trials - CONSORT, desenvolvidas por um grupo internacional de ensaístas clínicos, estatísticos, epidemiologistas e editores de revistas biomédicas a fim de melhorar o registro dos ensaios clínicos randomizados e permitir, assim, aos leitores entenderem o desenho do estudo, o comportamento, a análise e a interpretação por meio da total transparência)66. The CONSORT Group Consolidated Standards of Reporting Trials - CONSORT. Available in: http://www.consort-statement.org [accessed 02.12.2014].
http://www.consort-statement.org ...
and77. Schulz KF, Altman DG, Moher D. CONSORT Group 2010 statement: updated guidelines for reporting parallel group randomized trials. Ann Intern Med. 2010;152(11):726-32. (fig. 2).

Figura 2
Fluxograma CONSORT.

Foi criado um protocolo próprio para este estudo. Os pacientes que atendiam aos critérios de elegibilidade para ATJ, neste estudo, eram aleatoriamente agrupados, por meio de sorteio simples em dois grupos por um dos autores, não participante da cirurgia, sem levar em consideração idade, sexo, deformidade: um grupo chamado de padrão, no qual as pressões do torniquete na raiz da coxa eram de 350 mmHg, e um grupo chamado de P + 100, no qual as pressões do torniquete seriam 100 mmHg acima da última PAS aferida antes de entrar na sala de cirurgia (processo feito na sala de recuperação anestésica). Os grupos foram randomizados da seguinte forma: foram colocados em uma bolsa de tecido 60 papelotes do tipo Post-it(r) (3 M do Brasil, Sumaré, SP), 101 mm x 101 mm, da mesma cor, dobrados sobre si mesmos por duas vezes com 30 unidades escritas Padrão e 30 papelotes preparados da mesma maneira escritos P + 100. Daí os papelotes eram retirados à medida que os pacientes fossem operados; se por acaso a cirurgia fosse suspensa por qualquer motivo, os papelotes voltavam à sacola. O grupo padrão, então, foi composto de 30 pacientes, sete do gênero masculino e 23 do feminino, com média de 65,4 anos, com desvio padrão - DP de ± 8,6 anos. No grupo P + 100, foram alocados 30 pacientes, oito masculinos e 22 femininos, com média de idade de 66 anos (DP ± 7 anos). A deformidade em varo foi presente em 83,3% dos casos e valgo em 16,7% de todos os pacientes.

Foram incluídos pacientes regularmente cadastrados na instituição na qual o estudo foi feito com indicação clássica da ATJ, tais como: pinçamento medial ou lateral que impedisse a visualização do espaço articular, desvios em varo femorotibial maiores do que 15°; desvios em valgo femorotibial maiores do que 10°; subluxação femorotibial no plano frontal maior do que 10 mm; anteriorização da tíbia em relação ao fêmur na radiografia de perfil; comprometimento grave de dois dos três compartimentos articulares do joelho (femorotibial medial, femorotibial lateral ou femoropatelar)88. Camanho GL, Olivi R, Camanho LF. Artroplastia total de joelho em pacientes idosos portadores de osteoartrose. Rev Bras Ortop. 1998;33:271-4. e falha no tratamento conservador por pelo menos três meses, quando esses critérios não foram preenchidos. A idade, apesar de consensualmente ser preferível acima de 60 anos, não foi levada em consideração, e sim o real dano articular do joelho: o paciente ter diagnóstico de artrose moderada em diante (Ählback, modificado por Keys ≥ III).99. Ahlbäck S. Osteoarthrosis of the knee. A radiographic investigation. Acta Radiol Diagn (Stockh). 1968; Suppl. 277:7-72.and1010. Keyes GW, Carr AJ, Miller RK, Goodfellow JW. The radiographic classification of medial gonarthrosis. Correlation with operation methods in 200 knees. Acta Orthop Scand. 1992;63(5):497-501.

Excluímos qualquer paciente com diabetes descompensado (glicemia jejum > 140 mg/dL), hipertensão arterial sistêmica descontrolada (PAS >200 mmHg), doenças vasculares periféricas, tromboembolismo prévio, neoplasia ativa, infecção, artrite reumatoide, obesos com índice de massa corpórea maior do que 35 Kg/m2 (devido à circunferência da coxa), sem teto cirúrgico (American Society of Anesthesiologists [ASA] escore > III), os que evoluíssem com complicações graves e os que se recusaram a assinar ou não entenderam o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE).

Para aplicação do torniquete usamos as dez regras seguras de Bruner para uso do torniquete (recomendadas por Kutty e McElwain),1111. Kutty S, McElwain JP. Padding under tourniquets in tourniquet controlled surgery: Bruner's ten rules revisited. Injury. 2002;33(1):75. conforme a tabela 1. O torniquete usado em todos os pacientes foi o Scandmed Eletronic Tourniquet 600-20(r) (Scandmed AB, Stockholm, Sweden) de 12,5 cm de largura.

Tabela 1
Dez regras seguras de Bruner para uso do torniquete (recomendado por Kutty e McElwain)11

Os pacientes foram submetidos à anestesia raquidiana de acordo com os protocolos do serviço de anestesiologia da instituição (os anestesiologistas não sabiam do objetivo do trabalho). Após o procedimento anestésico, o torniquete pneumático era aplicado na raiz da coxa do membro a ser operado sobre uma camada de algodão ortopédico com intuito de proteção da pele. A técnica cirúrgica feita foi a padrão para artroplastia do joelho: com via de acesso articular transquadricipital clássica, com eversão da patela. Usam-se no serviço guias intramedulares para os cortes do fêmur e extramedulares para o corte da tíbia. A decisão de preservar ou não o ligamento cruzado posterior (LCP) foi tomada de acordo com os achados intraoperatórios, as deformidades e o balanço de partes moles. Faz parte da rotina do serviço recapear a patela após denervação e sinovectomia local a fim de evitar "clunck síndrome", os casos nos quais não era recapeada foram devido à espessura (<18 mm), mas essas eram eburneadas, neurotizadas e foi feita facectomia lateral. A prótese usada foi a Modular III(r) (MDT, Rio Claro, SP, Brasil) do tipo que preservasse ou não o LCP. Foram usados drenos suctores do tipo portovac de 3,2 mm, alocados intra-articular e profundamente ao tecido celular subcutâneo; após as suturas, era confeccionado curativo oclusivo compressivo inguino maleolar do tipo Robert Jones. Caso o tempo da cirurgia fosse superior a duas horas, o torniquete era liberado e então feita revisão da hemostasia e o processo semelhante ao anterior era feito (drenos, curativos). O tempo médio de isquemia foi de 118,5 min no grupo P = 100 mmHg e de 110 min no grupo Padrão. As cirurgias foram feitas pelo pesquisador principal ou sob assistência direta desse.

Com 24 e 48 horas de pós-operatório eram medidos os débitos do dreno suctor; os curativos eram trocados e os drenos retirados às 48 horas do procedimento pelo autor que não sorteou os grupos e então era feita a aferição da dor por meio da EVA (fig. 3) sem haver manipulação articular, eram verificados a ADM passiva e o aspecto da ferida operatória; os pacientes recebiam de acordo com as condições clínicas o mesmo protocolo de analgesia (tenoxicam 20 mg 12/12 h, tramadol 50 mg EV 8/8 h, dipirona 1 g EV 6/6 h) e reabilitação. Ao quinto dia, os pacientes tinham aferida novamente a dor, a ADM, o aspecto da ferida operatória e dada a alta hospitalar conforme tolerado e encaminhados ao serviço de fisioterapia. No 15° dia, esses padrões foram novamente avaliados no retorno ambulatorial e anotados no protocolo. Todos os pacientes fizeram tromboprofilaxia com Dabigatrana com dose ajustada à idade e função renal por 15 dias (220 mg ou 150 mg/dia). Todos os pacientes fizeram profilaxia de infecção hospitalar com cefazolina sódica na dose de 1 g de 8/8 h por cinco dias.

Figura 3
Escala visual analógica (EVA).

Os dados foram apresentados por meio de gráficos e tabelas, nos quais se calcularam as frequências absolutas simples e relativas para os dados categóricos. Na análise dos dados quantitativos foi calculada a média e o desvio padrão (DP). No entanto, quando foi constada a rejeição da hipótese de normalidade dos dados por meio do teste de Shapiro-Wilk ao nível de significância de 5% (p < 0,05), optou-se por calcular a mediana e os quartis (Qi). Na comparação das médias para os dados paramétricos foi calculada a estatística de teste t de Student. Já na análise da mediana, usou-se a estatística não paramétrica de Mann-Whitney. O nível de significância fixado nos teste foi de 5%.

O software usado na análise foi o programa Epi-Info versão 7.4 para Windows(r).

Todos os pacientes leram e assinaram o TCLE; o trabalho foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da instituição, com o número de Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE): 36658014.2.0000.0007, que recebeu o parecer consubstanciado do CEP com o número 869.472.

Resultados

Dos 60 pacientes operados, 45 eram do gênero feminino e 25 do masculino. O lado direito foi operado em 53,3% dos casos e o esquerdo em 46,7%. Houve um predomínio da deformidade em varo com 50 pacientes operados e apenas 10 com deformidade em valgo. Verificou-se uma complicação no grupo P + 100 e três no grupo Padrão sem diferença estatisticamente significativa (p = 0,612). A EVA no segundo dia pós-operatório (DPO), no quinto e no 15° também não mostrou diferenças significativas (p = 0,625; 0,571; 0,195; respectivamente). Os sangramentos através do dreno suctor com 24 e 48 horas também não mostraram diferenças estatisticamente significativas em ambos os grupos por meio do teste de Mann-Whitney (tabela 2). O resultado da EVA está mais bem representado no box plot da Figura 4 e o sangramento no box plot da Figura 5. A amplitude de movimento não se mostrou diferente em ambos os grupos (tabela 3). Não foi observada correlação entre o tempo de isquemia e as variáveis: EVA no segundo, quinto e 15° DPO e sangramento de 24 e 48 h (tabela 4), foram insignificantes do ponto de vista estatístico.

Tabela 2
Resumo das avaliações dos pacientes

Figura 4
Box plot das medianas da EVA em relação a pressão do torniquete nos pacientes submetidos a ATJ. EVA, escala visual analógica; ATJ, artroplastia total do joelho; DPO, dia pós-operatório.

Figura 5
Box plot das medianas do sangramento (24 e 48 h) em relação a pressão do torniquete nos pacientes submetidos a ATJ. ATJ, artroplastia total do joelho.

Tabela 3
Distribuição segundo a mediana da flexão, extensão e ADM em relação a pressão do torniquete nos pacientes submetidos a ATJ
Tabela 4
Correlação do tempo de isquemia em relação a EVA em 2 DPO, 5 DPO, 15 DPO e sangramento

Discussão

A história de uma especialidade cirúrgica é, em grande parte, escrita em torno do registro dos seus avanços técnicos. O torniquete pneumático é um simplório instrumento quando comparado com os outros apetrechos no cenário e armamentário cirúrgico moderno. No entanto, tem desempenhado um papel importante em melhorar a precisão das cirurgias ortopédicas. O torniquete, apesar de ser um dispositivo relativamente simples, leva a muitos perigos potenciais e sua aplicação deve ser confiada apenas a pessoas experientes.1212. Klenerman L. The tourniquet in surgery. J Bone Joint Surg Br. 1962;44- B:937-43.

Abdel-Salam e Eyres,1313. Abdel-Salam A, Eyres KS. Effects of tourniquet during total knee arthroplasty. A prospective randomised study. J Bone Joint Surg Br. 1995;77(2):250-3. já em 1995, afirmavam que a taxa de complicações das ATJs sem o uso do torniquete era menor do que quando a cirurgia era feita com isquemia, na qual houve uma redução significante da dor pós-operatória e com recuperação do joelho mais rápida. Não usar o torniquete na ATJ não mostrou benefício, exceto uma recuperação um pouco mais rápida da dor pós-operatória.

Ao usar o torniquete na ATJ, os cirurgiões devem considerar cuidadosamente a sua eficácia e segurança. Insuflar o torniquete somente quando da cimentação ou por um tempo limitado pode ser uma opção. Ensaios clínicos randomizados adicionais bem projetados são necessários para esclarecer os papéis e comparar os efeitos de diferentes métodos aplicações dos torniquetes nas ATJs.1414. Tai TW, Lin CJ, Jou IM, Chang CW, Lai KA, Yang CY. Tourniquet use in total knee arthroplasty: a meta- analysis. Knee Surg Sports Traumatol Arthrosc. 2011;19(7):1121-30.

Worland et al.1515. Worland RL, Arredondo J, Angles F, Lopez-Jimenez F, Jessup DE. Thigh pain following tourniquet application in simultaneous bilateral total knee replacement arthroplasty. J Arthroplasty. 1997;12(8):848-52. chegam a conclusões semelhantes, porém com métodos diferentes ao nosso estudo, no qual na artroplastia total do joelho se recomenda o uso do torniquete com uma pressão de 100 mmHg acima da pressão arterial sistólica, e essa é adequada para proporcionar um campo ausente de sangue e irá resultar numa menor dor pós-operatória, dados que podem ser corroborados por este trabalho.

Em 2012, Tai et al.,1616. Tai TW, Chang CW, Lai KA, Lin CJ, Yang CY. Effects of tourniquet use on blood loss and soft-tissue damage in total knee arthroplasty: a randomized controlled trial. J Bone Joint Surg Am. 2012;94(24):2209-15. em estudo prospectivo, randomizado e bem controlado, concluíram que o uso do torniquete na ATJ poupa tempo cirúrgico, reduz a perda sanguínea e impede a inflamação e o dano muscular excessivos.

A grande controvérsia atual é acerca do uso ou não do torniquete. Nikolaou et al., 1717. Nikolaou VS, Chytas D, Babis GC. Common controversies in total knee replacement surgery: current evidence. World J Orthop. 2014 Sep 18;5(4):460-8. em metanálise recente, concluem que a complicada resposta para esse dilema ainda é difícil, apesar da extensa pesquisa sobre o assunto. É evidente que várias questões emergem sobre o uso do torniquete, relacionam, por exemplo, o melhor momento de liberação, a pressão ideal e as fases da cirurgia em que deve ser insuflado. Já Zhang et al.1818. Zhang W, Li N, Chen S, Tan Y, Al- Aidaros M, Chen L. The effects of a tourniquet used in total knee arthroplasty: a meta- analysis. J Orthop Surg Res. 2014;9(1):13. demonstram em metanálise que o não uso do torniquete na ATJ tem melhores resultados clínicos em relação à incidência de complicações e ADM no pós-operatório imediato. Não houve diferença significativa entre os grupos estudados na perda real de sangue. Portanto, deve-se pensar na eficácia e segurança do uso do torniquete na ATJ, os cirurgiões devem usá-lo de forma prudente. Todavia, nos dados que foram avaliados no estudo não se observaram diferenças de perda sanguínea, conforme se observou no nosso trabalho.

A incidência de complicações sempre esteve presente com uso do torniquete. Odinsson e Finsen1919. Odinsson A, Finsen V. Tourniquet use and its complications in Norway. J Bone Joint Surg Br. 2006;88(8):1090-2. revelaram uma taxa de complicações semelhante à da década de 1970. Castropil et al.2020. Castropil W, Bitar AC, Brotto MWI, D'Elia CO, Schor B, Luques IU. Neurapraxia do femoral pelo uso do garrote: relato de caso. Rev Bras Ortop. 2008;43(11/12):513-5. relatam um caso de lesão do nervo femoral, no qual a pressão do torniquete esteve dentro do indicado e não houve reinsuflação. Isso demonstra que até quando se respeitam todos os parâmetros descritos como adequados ao longo da insuflação em cirurgias do joelho o risco de ocorrerem complicações existe; numericamente, no grupo no qual a pressão do torniquete foi de 350 mmHg, houve mais complicações, porém sem significância estatística (p = 0,612).

Olivecrona et al.2121. Olivecrona C, Ponzer S, Hamberg P, Blomfeldt R. Lower tourniquet cuff pressure reduces postoperative wound complications after total knee arthroplasty: a randomized controlled study of 164 patients. J Bone Joint Surg Am. 2012;94(24):2216-21. usam em seu estudo uma técnica chamada de "pressão de oclusão do membro" e pressão padrão, o que pode ajudar o cirurgião a individualizar as pressões do manguito, com essas frequentemente menores. Concluíram que, mesmo no grupo de pacientes em que foi usada a "pressão de oclusão do membro", e essa geralmente era mais baixa, não houve diminuição da dor pós-operatória ou outros resultados. No entanto, pacientes submetidos à ATJ com uma pressão do torniquete de ≤ 225 mmHg tiveram uma menor taxa de complicações da ferida operatória, tais como retardo na cicatrização e infecções, achados que foram reproduzidos no nosso estudo, pois não verificamos diferenças nos padrões de dor, complicações e sangramento entre os grupos.

Noordin et al.11. Noordin S, McEwen JA, Kragh JF Jr, Eisen A, Masri BA. Surgical tourniquets in orthopaedics. J Bone Joint Surg Am. 2009;91(12):2958-67. e Sharma e Salhotra44. Sharma JP, Salhotra R. Tourniquets in orthopedic surgery. Indian J Orthop. 2012;46(4):377-83. fazem excelente explanação acerca do uso dos torniquetes, até com diretrizes futuras e resumem que níveis pressóricos mais elevados do torniquete estão associados com um maior risco relacionado de lesão nervosa. Ishii e Matsuda2222. Ishii Y, Matsuda Y. Effect of tourniquet pressure on perioperative blood loss associated with cementless total knee arthroplasty: a prospective, randomized study. J Arthroplasty. 2005;20(3):325-30. recomendam uma pressão de 100 mmHg acima da pressão sistólica, em vez do convencional 350 mmHg, obtendo um campo operatório suficientemente exangue e minimizaram potenciais complicações, fatos esses observados no trabalho em questão, no qual a cirurgia é perfeitamente factível com pressões menores e houve uma percepção geral de recuperação mais rápida sem evidências de maior sangramento.

Souza Leão et al.,2323. Souza Leão MG, Souza HAP, Ferreira YMC. Avaliac¸ão da perda sanguínea após a liberac¸ão precoce ou tardia da isquemia em pacientes submetidos à artroplastia total do joelho. Rev Bras Ortop. 2013;48(2):152-8. em publicação nacional, avaliaram apenas a perda sanguínea com a liberação do torniquete após a cimentação ou confecção dos curativos, sem levar em consideração a pressão de insuflação. Concluíram que não houve diferenças estatisticamente significativas no tocante aos níveis hematimétricos e perda sanguínea pelo dreno suctor; quando se comparam as diferentes pressões do torniquete não há diferença da perda sanguínea, conforme foi demonstrado neste trabalho.

Wakankar et al.2424. Wakankar HM, Nicholl JE, Koka R, D'Arcy JC. The tourniquet in total knee arthroplasty. A prospective, randomised study. J Bone Joint Surg Br. 1999;81(1):30-3. concluíram que o uso do torniquete é seguro e que a prática pode ser mantida. Não há diferença significativa no tempo cirúrgico, na dor pós-operatória, necessidade de analgesia, no volume recolhido nos drenos, no edema pós-operatório e na incidência de complicações da ferida ou trombose venosa profunda, nos quais tivemos resultados semelhantes nos parâmetros avaliados. É a habilidade cirúrgica que reduz consideravelmente o tempo da cirurgia e consequentemente do torniquete e se observam destarte menores taxas de complicações.

Unver et al.2525. Unver B, Karatosun V, Tuncali B. Effects of tourniquet pressure on rehabilitation outcomes in patients undergoing total knee arthroplasty. Orthop Nurs. 2013;32(4):217-22. mostraram que a aplicação do torniquete com menor pressão de insuflação pode minimizar as complicações do seu uso e os pacientes recuperam a mobilidade funcional mais rapidamente. Dados corroborados por Papalia et al.,2626. Papalia R, Zampogna B, Franceschi F, Torre G, Maffulli N, Denaro V. Tourniquet in knee surgery. Br Med Bull. 2014;111(1):63-76. segundo os quais o uso do torniquete não leva a um aumento significativo no risco de complicações maiores, porém com nenhuma diferença clínica nos resultados em médio prazo.

A dor da EVA é um instrumento válido para mensurar a dor em um ponto no tempo. No entanto, a dor da EVA não se comporta linearmente e a receptividade pode variar ao longo da peculiaridade da dor. Consequentemente, diferenças clínicas minimante importantes ou alteram os escores em geral ou superestimam a verdadeira mudança.2727. Kersten P, White PJ, Tennant A. Is the pain visual analogue scale linear and responsive to change? An exploration using Rasch analysis. PLoS One. 2014;9(6):e99485.

Como fatores limitantes do trabalho têm-se o pouco tempo de seguimento dos pacientes após o procedimento cirúrgico, até para verificar outras complicações, como trombose venosa profunda, que costumam aparecer em até 30 dias, e os pacientes já não estavam mais inseridos no protocolo de pesquisa; a não feitura de testes de força muscular a fim de saber o real dano causado pelo torniquete não foi nosso objetivo, assim como a função articular, bem como o resultado da cirurgia por meio de escores específicos para esse fim; a tomada da leitura da EVA se torna esporadicamente difícil para avaliação da dor, pois os pacientes têm dificuldade de compreender onde se localizar na escala para quantificar sua dor.

Conclusões

De posse dos dados do estudo, não foi possível verificar diferenças, nos grupos estudados, relativas ao nível de dor por meio da escala visual analógica, ao volume de sangramento através do dreno suctor e à amplitude de movimento do joelho; também não foi possível correlacionar essas variáveis com o tempo de isquemia. A taxa de complicações foi numericamente superior no grupo no qual a pressão do torniquete pneumático foi de 350 mmHg, porém sem significância estatística. Dessa forma, pressões de até 350 mmHg no torniquete são seguras e caso o cirurgião opte por pressões menores, essas não irão trazer prejuízo ao ato operatório nem acarretarão maior sangramento. As pressões devem ser individualizadas para os pacientes, sendo as complicações são muito mais relacionadas com a experiência do cirurgião do que com as pressões do torniquete usadas, desde que nos parâmetros adequados.

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  • Trabalho desenvolvido no Departamento de Ortopedia e Traumatologia, Fundação Hospital Adriano Jorge, Manaus, AM, Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov-Dec 2016

Histórico

  • Recebido
    16 Out 2015
  • Aceito
    10 Fev 2016
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