Acessibilidade / Reportar erro

Desarticulação da anca - Análise de uma série e revisão da literatura Trabalho desenvolvido no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, Departamento de Ortopedia, Coimbra, Portugal.

RESUMO

OBJETIVO:

Apresentar um estudo retrospectivo em 16 pacientes submetidos a desarticulação da anca.

MÉTODOS:

Foram identificados 16 pacientes submetidos a desarticulação da anca ao longo de 16 anos. Todos foram estudados por meio dos registos clínicos quanto a sexo, idade na cirurgia, causa da desarticulação, complicações no pós-operatório, índices de mortalidade e grau de funcionalidade após a desarticulação da anca.

RESULTADOS:

A desarticulação da anca foi feita eletivamente na maioria das situações e apenas de forma urgente em três casos. As indicações tiveram as seguintes origens: infecção (n = 6), tumor (n = 5), traumatismo (n = 3) e isquemia (n = 2). O tempo médio global de sobrevivência pós-cirurgia foi de 200,5 dias. Os índices de sobrevivência foram de 68,75% após seis meses, 56,25% após um ano e de 50% após três anos. Os índices de mortalidade foram mais elevados nas desarticulações de causa traumática (66,7%) e de causa tumoral (60%). Em relação aos oito pacientes que permanecem vivos, metade faz marcha com apoio de muletas canadenses e sem prótese, 25% fazem marcha com membro protético e 25% encontram-se acamados. As taxas de complicações e mortalidade foram mais elevadas nas desarticulações urgentes e nas efetuadas em consequência de traumatismos e tumores.

CONCLUSÃO:

A desarticulação da anca é uma cirurgia altamente mutilante, com implicações óbvias na funcionalidade do membro e taxas elevadas de complicações e mortalidade. No entanto, quando efetuado em um momento adequado e com indicação correta, esse procedimento pode salvar a vida do paciente e garantir o seu regresso ao domicílio com alguma qualidade de vida.

Palavras-chave:
Articulação da anca; Desarticulação; Amputação; Extremidade inferior; Infeção; Tumor

ABSTRACT

OBJECTIVE:

To present a retrospective study of 16 patients submitted to hip disarticulation.

METHODS:

During the period of 16 years, 16 patients who underwent hip disarticulation were identified. All of them were studied based on clinical records regarding the gender, age at surgery, disarticulation cause, postoperative complications, mortality rates and functional status after hip disarticulation.

RESULTS:

Hip disarticulation was performed electively in most cases and urgently in only three cases. The indications had the following origins: infection (n = 6), tumor (n = 6), trauma (n = 3), and ischemia (n = 2). The mean post-surgery survival was 200.5 days. The survival rates were 6875% after six months, 5625% after one year, and 50% after three years. The mortality rates were higher in disarticulations with traumatic (66.7%) and tumoral (60%) causes. Regarding the eight patients who survived, half of them ambulate with crutches and without prosthesis, 25% walk with limb prosthesis, and 25% are bedridden. Complications and mortality were higher in the cases of urgent surgery, and in those with traumatic and tumoral causes.

CONCLUSION:

Hip disarticulation is a major ablative surgery with obvious implications for limb functionality, as well as high rates of complications and mortality. However, when performed at the correct time and with proper indication, this procedure can be life-saving and can ensure the return to the home environment with a certain degree of quality of life.

Keywords:
Hip joint; Disarticulation; Amputation; Lower extremity; Infection; Tumor

Introdução

A desarticulação da anca consiste na amputação do membro inferior por meio da articulação da anca e continua a ser um dos procedimentos mais radicais na cirurgia ortopédica.11. Dillingham TR, Pezzin LE, MacKenzie EJ. Limb amputation and limb deficiency: epidemiology and recent trends in the United States. South Med J. 2002;95(8):875-83.;22. Kaufman MH, Wakelin SJ. Amputation through the hip joint during the pre-anaesthetic era. Clin Anat. 2004;17(1): 36-44. Essa cirurgia representa apenas cerca de 0,5% das amputações dos membros inferiores.11. Dillingham TR, Pezzin LE, MacKenzie EJ. Limb amputation and limb deficiency: epidemiology and recent trends in the United States. South Med J. 2002;95(8):875-83. As suas indicações mais frequentes são tumores do aparelho locomotor altamente invasivos e irressecáveis com conservação da extremidade, isquemia do membro, traumatismos e infeções musculoesqueléticas graves da região pélvica e/ou proximal da coxa.1

Material e métodos

Os autores apresentam uma série de 16 pacientes submetidos a desarticulação da anca ao longo de 16 anos (1999 até 2015) na nossa instituição, que inclui centros dedicados aos tumores e à patologia séptica do aparelho locomotor. Todos os pacientes foram caracterizados e estudados retrospectivamente por meio dos registos clínicos quanto a gênero, idade na cirurgia, causa da desarticulação, complicações no pós-operatório, índices de mortalidade e grau de funcionalidade após a desarticulação da anca. Essas variáveis foram tratadas estatisticamente por meio do programa SPSSv23, usou-se um nível de significância de 0,05. Os valores quantitativos são apresentados como média, valor mínimo, valor máximo e desvio padrão, enquanto os valores qualitativos surgem como número (n) e percentagem (%). Para as comparações de variáveis qualitativas entre grupos foi usado o teste do qui-quadrado, enquanto para variáveis quantitativas foi usado o teste de Mann-Whitney. O estudo foi aprovado pela Comissão de Ética do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra e todos os pacientes ou respetivas famílias assinaram o Formulário de Informação e Consentimento Informado.

Resultados

A amostra é composta por 16 pacientes, nove do sexo masculino e sete do feminino, com média na cirurgia de 61,25 anos (29-87). A cirurgia de desarticulação foi efetuada de acordo com as técnicas descritas na literatura.33. Boyd HB. Anatomic disarticulation of the hip. Surg Gynecol Obstet. 1947;84(3):346-9.;44. Sugarbaker PH, Chretien PB. A surgical technique for hip disarticulation. Surgery. 1981; 90 (3):546-53. Após isolamento e laqueação do feixe vasculonervoso femoral, os músculos da anca são seccionados até ao nível da cabeça femoral, que se separa do acetábulo.

A desarticulação da anca foi feita eletivamente na maioria das situações e apenas de forma urgente em três casos. As indicações para desarticulação tiveram as seguintes origens: infeciosa (n = 6), tumoral (n = 5), traumática (n = 3) e isquêmica (n = 2) fig. 1 e tabela 1). As perdas sanguíneas intraoperatórias foram avaliadas nas cirurgias eletivas por meio da descida da hemoglobina entre pré e pós-operatório imediato, cuja média foi 3,37 (0,7-4,3).

Figura 1-
Causas de desarticulações da anca.

Tabela 1-
Descrição da série de desarticulações da anca

As desarticulações por causa infeciosa tiveram origem mais frequentemente em próteses de reconstrução tumoral de grande porte (em 66,67% dos casos). As restantes situações de infeção ocorreram em contexto isquêmico e necrótico. O microrganismo mais frequentemente detectado foi o Stafilococos aureus (n = 3), seguido da Pseudomonas aeruginosa (n = 2) e do Enterococcus faecium (n = 2). As infeções foram majoritariamente monomicrobianas e apenas polimicrobianas num único caso. Os tumores encontrados como causa de desarticulação da anca foram o condrossarcoma (n = 3), o sarcoma pleomórfico da coxa (n = 1) e o tumor basocelular (n = 1).

Os três politraumatizados desta série apresentavam extensos esfacelos da pélvis e coxa, com lesões multiorgânicas e necessidade de tratamento multidisciplinar. Todos demonstravam instabilidade hemodinâmica e apenas um sobreviveu além da primeira semana de pós-operatório. As causas de isquemia verificadas na amostra foram arterial aguda por tromboembolia arterial femoral e lesão iatrogênica da artéria femoral comum. Em três pacientes, um com lesão traumática e dois com lesão isquêmica, foi inicialmente efetuada amputação supracondiliana do fêmur, que, por evolução desfavorável e sobreinfecção, se converteu em desarticulação da anca. Foram verificadas complicações no pós-operatório em sete pacientes (43,75% da amostra), notadamente infecções superficiais (n = 5), deiscências da sutura (n = 2), necrose da cicatriz de coto de amputação (n = 2) e metastização do coto de amputação (n = 1). As complicações ocorreram mais nas desarticulações de causa tumoral (em 60%), que corresponde ao grupo com maior tempo de sobrevivência após a cirurgia (416 dias). Verificou-se tendência para maior índice de complicações nas cirurgias urgentes em comparação com as eletivas (66,67% vs 38,50%), no entanto sem significado estatístico (p = 0,55). Não se identificou uma taxa superior de complicações nos indivíduos submetidos a cirurgias prévias à desarticulação.

O tempo médio global de sobrevivência pós-cirurgia foi de 200,5 dias e atualmente, quando deste estudo, apenas metade dos pacientes da amostra está viva. Os índices de sobrevivência foram de 68,75% após seis meses, 56,25% após um ano e de 50% após três anos. Os índices de mortalidade foram mais elevados nas desarticulações de causa traumática (em 66,7%) e de causa tumoral (em 60%). Em relação aos oito pacientes que não estão vivos quando desta revisão, verificou-se uma tendência para tempo de sobrevivência inferior nas cirurgias urgentes (4,33 ± 3,79 dias) em comparação com as eletivas (318,20 ± 318,01 dias), no entanto sem significado estatístico (p = 0,14). Em relação aos pacientes que estão vivos, verificou-se que a causa de desarticulação mais frequente é a infeção (50%), seguida da causa tumoral (25%), houve apenas uma causa isquêmica e outra traumática.

O tempo médio de vida daqueles que sobreviveram por um período superior a três meses após a cirurgia foi de 205,5 dias para os pacientes acamados e 588 dias para os que eram capazes de marcha. Metade desses pacientes faz marcha com apoio de canadianas e sem prótese por intolerância a ela, 25% fazem deambulação com membro protético e 25% encontram-se acamados. Nos seis pacientes que fazem marcha, a causa de desarticulação mais presente é a infeção (50%), seguida da tumoral (33,33%). Todos esses pacientes têm crises frequentes de dor fantasma, com necessidade de tratamento médico.

Discussão

A desarticulação da anca é uma cirurgia complexa e pouco frequente, apenas feita como última linha em casos extremos.11. Dillingham TR, Pezzin LE, MacKenzie EJ. Limb amputation and limb deficiency: epidemiology and recent trends in the United States. South Med J. 2002;95(8):875-83.;55. Zalavras CG, Rigopoulos N, Ahlmann E, Patzakis MJ. Hip disarticulation for severe lower extremity infections. Clin Orthop Relat Res. 2009;467(7):1721-6. A literatura científica sobre essa cirurgia é escassa, há publicações sobretudo sob a forma de casos clínicos e pequenas séries.55. Zalavras CG, Rigopoulos N, Ahlmann E, Patzakis MJ. Hip disarticulation for severe lower extremity infections. Clin Orthop Relat Res. 2009;467(7):1721-6. Apresentamos em seguida uma revisão dos artigos mais relevantes referentes às desarticulações da anca.

Endean et al. 66. Endean ED, Schwarcz TH, Barker DE, Munfakh NA, Wilson- Neely R, Hyde GL. Hip disarticulation: factors affecting outcome. J Vasc Surg. 1991;14(3):398-404. analisaram uma série de 53 desarticulações efetuadas durante 24 anos e as suas indicações repartiram-se entre tumores (n = 17), isquemia associada a infeção (n = 14), infeção (n = 12) e isquemia (n = 10). Os tipos de tumores predominantes foram os sarcomas, mais frequentemente o liposarcoma, o condrosarcoma e o histiocitoma fibroso. O grupo da infeção consistiu em oito infeções graves de tecidos moles, três úlceras de decúbito e três osteomielites femorais. Os pacientes da causa isquêmica apresentavam doença vascular periférica e seis deles foram submetidos previamente a cirurgias de revascularização. No grupo da isquemia associada a infeção todos os pacientes foram previamente submetidos a cirurgias de revascularização e também a amputações distais do membro. Esses autores verificaram 60% de complicações da ferida operatória, mais frequentes no grupo de isquemia associada a infeção (em 83%). Os tipos mais comuns foram infeções e necrose da ferida cirúrgica. A mortalidade média foi de 21% e variava desde 0% na causa tumoral a 50% na causa isquêmica. Foi demonstrada uma relação estatisticamente significativa entre amputação supracondiliana prévia, cirurgia urgente e índice de complicações da ferida operatória. Além disso, a taxa de mortalidade foi superior de forma significativa nas cirurgias urgentes (taxa de mortalidade de 33%), em comparação com as eletivas (taxa de mortalidade de 4%). A presença de isquemia associada a infecção do membro e de cardiopatia foi o maior preditor da mortalidade. Dénes e Till77. Dénes Z, Till A. Rehabilitation of patients after hip disarticulation. Arch Orthop Trauma Surg. 1997;116(8): 498-9. analisaram uma série de 63 desarticulações, cujas indicações foram a isquemia arterial (n = 34), tumores (n = 24) e infeção (n = 4). Quanto às complicações da ferida cirúrgica, variaram entre 64,86% na causa vascular e 20,83% na causa tumoral. A mortalidade no primeiro mês de pós-operatório variou entre 43,24% na causa vascular e 0% na causa tumoral. Todos os pacientes desarticulados por causa tumoral foram capazes de marcha com membro protético, enquanto na causa vascular apenas dois fizeram marcha com prótese e 19 ficaram dependentes de cadeira de rodas. Unruh et al. 88. Unruh T, Fisher DF Jr, Unruh TA, Gottschalk F, Fry RE, Clagett GP, et al. Hip disarticulation. An 11 -year experience. Arch Surg. 1990;125(6):791-3. apresentaram uma série de 38 desarticulações da anca ao longo de 11 anos de experiência. Quatro pacientes foram desarticulados bilateralmente e 20 das desarticulações ocorreram num membro previamente amputado, 13 dos quais durante o mesmo internamento. As indicações para as desarticulações foram a isquemia secundária a aterosclerose (n = 17), a osteomielite femoral (n = 10) e o traumatismo (n = 11). Os autores registaram como complicações mais frequentes as infeções pós-operatórias (63%). No período de pós-operatório verificaram também situações de choque séptico (21%), choque hemorrágico (11%), coagulopatia disseminada (11%), insuficiência renal aguda (24%), disfunção cardíaca (26%) e pulmonar (24%). A mortalidade média foi de 44%, correspondeu a 60% na isquemia associada a infeção, 20% na isquemia sem infeção, 22% na osteomielite femoral, 100% no traumatismo associado a infeção e 33% no traumatismo sem infeção. Os autores afirmam que a presença de infeção pré-operatória triplicou o risco de morte após desarticulação da anca. Em termos de funcionalidade, verificaram que dos 19 sobreviventes nenhum paciente foi capaz de usar o membro protético, apenas quatro conseguiram fazer marcha com andador, 12 ficaram dependentes de cadeira de rodas e três acamados. Fenelon et al. 99. Fenelon GC, Von Foerster G, Engelbrecht E. Disarticulation of the hip as a result of failed arthroplasty. A series of 11 cases. J Bone Joint Surg Br. 1980;62(4):441-6. apresentaram uma série de 11 desarticulações secundárias a complicações infeciosas de artroplastias da anca. As indicações para a desarticulação foram infeções graves fistulizantes de tecidos moles e do fêmur, um caso de perda óssea femoral acentuada e um caso de rotura de falso aneurisma da artéria ilíaca externa. A desarticulação foi urgente em seis casos, eletiva nos restantes e não houve qualquer morte no período perioperatório. Os microrganismos mais encontrados foram Stafilococos aureus, Pseudomonas e Proteus; 81,82% dos pacientes desarticulados já tinham sido submetidos a quatro ou mais cirurgias de revisão da artroplastia da anca. Os autores sugerem que algumas desarticulações poderiam ter sido evitadas se em vez de repetidas revisões da prótese se tivesse optado por artroplastia de resseção. Em termos funcionais em relação aos oito sobreviventes na altura da revisão, seis pacientes faziam marcha, quatro com andador e dois com membro protético, e dois estavam acamados. Registaram-se ainda três casos com complicações da cicatriz operatória e dois casos de dor fantasma. László e Kullmann 1010. László G, Kullmann L. Hip disarticulation in peripheral vascular disease. Arch Orthop Trauma Surg . 1987;106(2): 126-8. estudaram 29 desarticulações da anca por causa isquêmica e verificaram também uma elevada taxa de complicações da ferida cirúrgica. A cicatrização por primeira intenção apenas ocorreu em dois casos, houve cicatrização por segunda intenção com necrose superficial em 13 casos e 12 casos de necrose profunda. A taxa de mortalidade do período perioperatório foi de 37%. Apenas dois pacientes usaram regularmente o membro protético. Verificou-se que a taxa de mortalidade era mais elevada quando os pacientes tinham amputações distais prévias. A maioria dos seus pacientes tinha sido submetida a uma média de 2,3 amputações distais prévias e 2,9 cirurgias conservadoras do membro. Esses autores concluíram que a agressão cirúrgica aumenta o risco de mortalidade e que a amputação deve ser em primeira instância efetuada no nível adequado, de modo a não submeter o paciente a várias cirurgias. Outro estudo sobre 15 desarticulações por causa infeciosa, sete por infeções necrotizantes e oito com infeções persistentes da coxa proximal, verificou que o agente patogênico mais frequente era o Stafilococos aureus, presente em oito pacientes. 55. Zalavras CG, Rigopoulos N, Ahlmann E, Patzakis MJ. Hip disarticulation for severe lower extremity infections. Clin Orthop Relat Res. 2009;467(7):1721-6. As cirurgias foram eletivas em oito pacientes e urgentes em sete. Todos sobreviveram à cirurgia e apenas se registou a morte de um paciente ao 29° dia após a desarticulação.55. Zalavras CG, Rigopoulos N, Ahlmann E, Patzakis MJ. Hip disarticulation for severe lower extremity infections. Clin Orthop Relat Res. 2009;467(7):1721-6. Os autores concluíram que a desarticulação da anca como tratamento de infeções graves da anca e da coxa proximal pode ter elevados níveis de sobrevivência, mesmo nos casos de cirurgia urgente, e atribuem esses resultados ao envolvimento multidisciplinar e à experiência no tratamento cirúrgico e pós-operatório em unidade de cuidados intensivos efetuado na sua instituição.55. Zalavras CG, Rigopoulos N, Ahlmann E, Patzakis MJ. Hip disarticulation for severe lower extremity infections. Clin Orthop Relat Res. 2009;467(7):1721-6. Jain et al. 1111. Jain R, Grimer RJ, Carter SR, Tillman RM, Abudu AA. Outcome after disarticulation of the hip for sarcomas. Eur J Surg Oncol. 2005;31(9):1025-8. estudaram 80 desarticulações exclusivamente de causa tumoral e identificaram que os tipos histológicos predominantes eram o osteossarcoma (n = 27), o condrosarcoma (n = 8), o leiomiossarcoma (n = 8) e o liposarcoma (n = 6). Em 52,5% dos casos a desarticulação foi feita como primeira cirurgia, enquanto nos restantes foi efetuada por recidiva local após tentativa de cirurgia conservadora do membro. A taxa de sobrevivência aos cinco anos da desarticulação primária foi de 32%, enquanto para a recidiva local foi 25%. Foram registados 10 casos de recidiva local após desarticulação com margens de resseção inadequadas. Dos 11 pacientes que responderam ao questionário sobre a funcionalidade, apenas um é capaz de usar regularmente um membro protético e oito apresentam dor fantasma.

Na nossa amostra, verificou-se que a maior parte das desarticulações por infeção ocorreu em contexto de pacientes com próteses tumorais de grandes dimensões, o que está de acordo com o risco mais elevado de essas reconstruções desenvolverem infeção, não só pela extensão e duração da cirurgia, como também muitas vezes pelo estado imunocomprometido dos pacientes.1212. Graci C, Maccauro G, Muratori F, Spinelli MS, Rosa MA, Fabbriciani C. Infection following bone tumor resection and reconstruction with tumoral prostheses: a literature review. Int J Immunopathol Pharmacol. 2010;23(4):1005-13. Como seria de prever, as complicações após desarticulação da anca são frequentes, não só pela extensão da cirurgia, mas também porque muitas vezes os pacientes apresentam situações extremas, com várias comorbidades e instabilidade hemodinâmica. A mortalidade após uma desarticulação da anca tem resultados controversos na literatura, seus índices variam de acordo com a indicação, o estado do paciente e o grau de urgência da cirurgia.66. Endean ED, Schwarcz TH, Barker DE, Munfakh NA, Wilson- Neely R, Hyde GL. Hip disarticulation: factors affecting outcome. J Vasc Surg. 1991;14(3):398-404.;77. Dénes Z, Till A. Rehabilitation of patients after hip disarticulation. Arch Orthop Trauma Surg. 1997;116(8): 498-9.;88. Unruh T, Fisher DF Jr, Unruh TA, Gottschalk F, Fry RE, Clagett GP, et al. Hip disarticulation. An 11 -year experience. Arch Surg. 1990;125(6):791-3.;99. Fenelon GC, Von Foerster G, Engelbrecht E. Disarticulation of the hip as a result of failed arthroplasty. A series of 11 cases. J Bone Joint Surg Br. 1980;62(4):441-6.;1010. László G, Kullmann L. Hip disarticulation in peripheral vascular disease. Arch Orthop Trauma Surg . 1987;106(2): 126-8. Na nossa série, é evidente que os melhores índices de sobrevivência se verificaram nas cirurgias eletivas, em particular nas causas infeciosa e tumoral. Por sua vez, os politraumatismos graves, quando se trata de situações de urgência e associados muitas vezes a instabilidade hemodinâmica, têm os piores resultados em termos de sobrevivência e de taxa de mortalidade. Os poucos estudos que analisam os resultados funcionais após a desarticulação da anca demonstram que os pacientes obtêm uma fraca qualidade de vida e dificuldades importantes na recuperação da marcha e no uso de prótese de substituição do membro inferior.77. Dénes Z, Till A. Rehabilitation of patients after hip disarticulation. Arch Orthop Trauma Surg. 1997;116(8): 498-9.;88. Unruh T, Fisher DF Jr, Unruh TA, Gottschalk F, Fry RE, Clagett GP, et al. Hip disarticulation. An 11 -year experience. Arch Surg. 1990;125(6):791-3.;99. Fenelon GC, Von Foerster G, Engelbrecht E. Disarticulation of the hip as a result of failed arthroplasty. A series of 11 cases. J Bone Joint Surg Br. 1980;62(4):441-6.;1111. Jain R, Grimer RJ, Carter SR, Tillman RM, Abudu AA. Outcome after disarticulation of the hip for sarcomas. Eur J Surg Oncol. 2005;31(9):1025-8.;1313. Daigeler A, Lehnhardt M, Khadra A, Hauser J, Steinstraesser L, Langer S, et al. Proximal major limb amputations - a retrospective analysis of 45 oncological cases. World J Surg Oncol. 2009;7:15.;1414. Ebrahimzadeh MH, Kachooei AR, Soroush MR, Hasankhani EG, Razi S, Birjandinejad A. Long -term clinical outcomes of war- related hip disarticulation and transpelvic amputation. J Bone Joint Surg Am. 2013;95(16):e114, 1-6. O gasto energético para conseguir fazer marcha nos pacientes submetidos a desarticulação da anca aumenta em 82%, como tal muitas vezes o paciente fica limitado a cadeira de rodas ou mesmo acamado.55. Zalavras CG, Rigopoulos N, Ahlmann E, Patzakis MJ. Hip disarticulation for severe lower extremity infections. Clin Orthop Relat Res. 2009;467(7):1721-6.;88. Unruh T, Fisher DF Jr, Unruh TA, Gottschalk F, Fry RE, Clagett GP, et al. Hip disarticulation. An 11 -year experience. Arch Surg. 1990;125(6):791-3.;1515. Nowroozi F, Salvanelli ML, Gerber LH. Energy expenditure in hip disarticulation and hemipelvectomy amputees. Arch Phys Med Rehabil. 1983;64(7):300-3. Além disso, Nowroozi et al. 1515. Nowroozi F, Salvanelli ML, Gerber LH. Energy expenditure in hip disarticulation and hemipelvectomy amputees. Arch Phys Med Rehabil. 1983;64(7):300-3.indicam que a marcha com uso do membro protético nos pacientes desarticulados tem um gasto energético superior em comparação com a marcha com canadianas. No nosso estudo, o fato de metade dos sobreviventes fazer marcha com apoio de canadianas sem uso do membro protético e de apenas 25% conseguirem usar a prótese está de acordo com o referido anteriormente. Dénes e Till.77. Dénes Z, Till A. Rehabilitation of patients after hip disarticulation. Arch Orthop Trauma Surg. 1997;116(8): 498-9. referem que o sucesso da funcionalidade depende da causa da desarticulação e defendem a tese de que em regra geral as desarticulações por causa tumoral e traumática são mais capazes de marcha do que as de causa vascular. Na nossa amostra, as causas de desarticulação mais presentes nos pacientes deambulantes atualmente foram a infeção e os tumores, o único paciente de causa isquêmica vivo encontra-se acamado. A motivação individual, a idade, o estado geral e as comorbidades do paciente são considerados fatores decisivos para a recuperação da marcha.1111. Jain R, Grimer RJ, Carter SR, Tillman RM, Abudu AA. Outcome after disarticulation of the hip for sarcomas. Eur J Surg Oncol. 2005;31(9):1025-8.

O estudo presente apresenta como principais limitações o número reduzido de indivíduos da amostra e o fato de se tratar de um estudo retrospectivo observacional. Provavelmente, o aumento da dimensão da amostra poderia tornar algumas das tendências estatísticas verificadas em diferenças estatisticamente significativas.

Conclusões

A desarticulação da anca é uma cirurgia altamente mutilante e de último recurso, com implicações óbvias na funcionalidade do membro e taxas elevadas de complicações e mortalidade. No entanto, quando aplicada em tempo adequado e com indicação correta, possibilita salvar a vida do paciente e o seu regresso ao domicílio. É fundamental para o sucesso desse procedimento cirúrgico reconhecer precocemente a indicação para desarticulação da anca, de modo a não adiar uma situação inevitável e consequentemente agravar o prognóstico.

References

  • 1
    Dillingham TR, Pezzin LE, MacKenzie EJ. Limb amputation and limb deficiency: epidemiology and recent trends in the United States. South Med J. 2002;95(8):875-83.
  • 2
    Kaufman MH, Wakelin SJ. Amputation through the hip joint during the pre-anaesthetic era. Clin Anat. 2004;17(1): 36-44.
  • 3
    Boyd HB. Anatomic disarticulation of the hip. Surg Gynecol Obstet. 1947;84(3):346-9.
  • 4
    Sugarbaker PH, Chretien PB. A surgical technique for hip disarticulation. Surgery. 1981; 90 (3):546-53.
  • 5
    Zalavras CG, Rigopoulos N, Ahlmann E, Patzakis MJ. Hip disarticulation for severe lower extremity infections. Clin Orthop Relat Res. 2009;467(7):1721-6.
  • 6
    Endean ED, Schwarcz TH, Barker DE, Munfakh NA, Wilson- Neely R, Hyde GL. Hip disarticulation: factors affecting outcome. J Vasc Surg. 1991;14(3):398-404.
  • 7
    Dénes Z, Till A. Rehabilitation of patients after hip disarticulation. Arch Orthop Trauma Surg. 1997;116(8): 498-9.
  • 8
    Unruh T, Fisher DF Jr, Unruh TA, Gottschalk F, Fry RE, Clagett GP, et al. Hip disarticulation. An 11 -year experience. Arch Surg. 1990;125(6):791-3.
  • 9
    Fenelon GC, Von Foerster G, Engelbrecht E. Disarticulation of the hip as a result of failed arthroplasty. A series of 11 cases. J Bone Joint Surg Br. 1980;62(4):441-6.
  • 10
    László G, Kullmann L. Hip disarticulation in peripheral vascular disease. Arch Orthop Trauma Surg . 1987;106(2): 126-8.
  • 11
    Jain R, Grimer RJ, Carter SR, Tillman RM, Abudu AA. Outcome after disarticulation of the hip for sarcomas. Eur J Surg Oncol. 2005;31(9):1025-8.
  • 12
    Graci C, Maccauro G, Muratori F, Spinelli MS, Rosa MA, Fabbriciani C. Infection following bone tumor resection and reconstruction with tumoral prostheses: a literature review. Int J Immunopathol Pharmacol. 2010;23(4):1005-13.
  • 13
    Daigeler A, Lehnhardt M, Khadra A, Hauser J, Steinstraesser L, Langer S, et al. Proximal major limb amputations - a retrospective analysis of 45 oncological cases. World J Surg Oncol. 2009;7:15.
  • 14
    Ebrahimzadeh MH, Kachooei AR, Soroush MR, Hasankhani EG, Razi S, Birjandinejad A. Long -term clinical outcomes of war- related hip disarticulation and transpelvic amputation. J Bone Joint Surg Am. 2013;95(16):e114, 1-6.
  • 15
    Nowroozi F, Salvanelli ML, Gerber LH. Energy expenditure in hip disarticulation and hemipelvectomy amputees. Arch Phys Med Rehabil. 1983;64(7):300-3.
  • Trabalho desenvolvido no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, Departamento de Ortopedia, Coimbra, Portugal.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar-Apr 2017

Histórico

  • Recebido
    14 Fev 2016
  • Aceito
    01 Set 2016
Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia Al. Lorena, 427 14º andar, 01424-000 São Paulo - SP - Brasil, Tel.: 55 11 2137-5400 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: rbo@sbot.org.br