Acessibilidade / Reportar erro

Síndrome do impacto ulnocarpal dinâmico em tenistas: relato de dois casos Trabalho desenvolvido na Universidade de São Paulo, Hospital das Clínicas, Instituto de Ortopedia e Traumatologia, São Paulo, SP, Brasil

RESUMO

O relato apresenta os casos de dois tenistas portadores de dor no bordo ulnar do carpo com sinais de impacto no semilunar. Ambos são portadores de ulna neutra. Esses casos representam uma entidade denominada síndrome do impacto ulnocarpal dinâmico na qual ocorre o impacto entre a cabeça da ulna e o carpo em situação de pronação com punho fechado durante a atividade física. A literatura e o tratamento dos dois casos são discutidos no artigo.

Palavras-chave:
Traumatismos do punho; Tênis/lesões; Fibrocartilagem/lesões; Impacto ulnocarpal

ABSTRACT

In this report, two tennis players with symptoms of ulnar impaction syndrome are reviewed. Both players have neutral ulnar variance. These cases represent dynamic ulnar impaction syndrome, when the impact between ulna and carpus occurs during conditions of pronated grip. The literature and the treatment of these two cases are discussed.

Keywords:
Wrist injuries; Tennis/injuries; Fibrocartilage/injuries; Ulnocarpal impaction

Introdução

A síndrome do impacto ulnocarpal (SIUC) é uma lesão degenerativa caracterizada pela compressão, ou impacto, da cabeça da ulna contra o semilunar e/ou o piramidal, com ou sem lesão do complexo da fibrocartilagem triangular.11 Iwasaki N, Ishikawa J, Kato H, Minami M, Minami A. Factors affecting results of ulnar shortening for ulnar impaction syndrome. Clin Orthop Relat Res. 2007;465:215-9.

2 Loh YC, Van Den Abbeele K, Stanley JK, Trail IA. The results of ulnar shortening for ulnar impaction syndrome. J Hand Surg Br. 1999;24(3):316-20.
-33 Coggins CA. Imaging of ulnar-sided wrist pain. Clin Sports Med. 2006;25(3):505-26.

Geralmente associada com a presença de ulnaplus, a SIUC também pode ocorrer na presença de ulna neutra ouminus.44 Tomaino MM. Ulnar impaction syndrome in the ulnar negative and neutral wrist. Diagnosis and pathoanatomy. J Hand Surg Br . 1998;23(6):754-7.Durante a pronação há um encurtamento relativo entre o rádio e a ulna e em situações de ulna neutra ouminusmenor do que 2 mm pode ocorrer impacto entre o carpo e a cabeça da ulna, essa condição é denominada síndrome do impacto ulnocarpal dinâmica (SIUCD).44 Tomaino MM. Ulnar impaction syndrome in the ulnar negative and neutral wrist. Diagnosis and pathoanatomy. J Hand Surg Br . 1998;23(6):754-7.

A SIUCD na presença de ulna neutra ouminusé descrita em situações de pronação associadas a força de preensão, comuns em atividades esportivas como tênis ou beisebol.55 Baer DJ. Dynamic ulnar impaction syndrome in a collegiate baseball player. IJATT. 2014;19(3):15-9.

Neste relato serão apresentados dois casos de tenistas portadores de SIUCD, tratados por via artroscópica. Após a apresentação dos casos é feita discussão da literatura.

Relato do caso 1

Paciente feminina, 20 anos, jogadora de tênis bolsista em universidade americana, portadora de lesão da fibrocartilagem triangular punho direito diagnosticada na própria universidade.

Submetida naquele serviço à artroscopia com debridamento da fibrocartilagem e sinovectomia do punho foi diagnosticada condromalácia do semilunar associada.

Após sete meses da cirurgia e uma intensa reabilitação persistia com dor que a impossibilitava de jogar.

Ao exame físico apresentava dor à supinação máxima; sinal da fóvea + (dor à palpação volar ulnar da cabeça da ulna); ausência de instabilidade da articulação radioulnar distal (ARUD); ADM punho normal e pouca dor ao desvio ulnar contra resistência.

Exames de imagem demonstraram lesão da fibrocartilagem triangular, intensa sinovite e edema no semilunar e piramidal. Presença de ulna neutra (fig. 1).

Figura 1 -
Imagens do caso 1. A, Ressonância que evidenciando sinovite e edema semilunar e piramidal; B, Lesão da fibrocartilagem triangular na porção distal apenas; C, Tomografia que demonstra ulna neutra.

Paciente submetida a nova artroscopia do punho com evidente situação de impacto visualizada no intraoperatório durante pronossupinação do punho. Feito procedimento dewaferartroscópico, debridamento da fibrocartilagem triangular e da cartilagem solta do semilunar (fig. 2).

Figura 2 -
Procedimentowaferartroscópico A, Lesão da fibrocartilagem com exposição cabeça ulna; B, Lesão condral do semilunar; C, Insinuação da cabeça da ulna durante pronação acima da linha articular do rádio; D,Waferartroscópico.

Paciente permaneceu imobilizada com órtese antebraquiopalmar com bloqueio epicondilar durante três semanas. Encaminhada para reabilitação. Retornou às atividades esportivas sem dor após quatro meses de pós-operatório.

Relato do caso 2

Paciente masculino, 49 anos, jogador de tênis amador, todos os fins de semana, apresentava dor crônica, progressiva, principalmente ao executarforehanddurante as partidas.

Ao exame físico apresentava dor à supinação máxima; sinal da fóvea + ausência de instabilidade da articulação radioulnar distal (ARUD); ADM punho normal e sem dor ao desvio ulnar contra resistência. Esse paciente também apresentou dor à palpação da projeção do ligamento interósseo escafossemilunar (LIES), porém o teste de Watson foi negativo.

Exame de ressonância magnética demonstrou edema ósseo semilunar e piramidal, lesão da fibrocartilagem triangular e suspeita de lesão parcial no ligamento interósseo escafossemilunar, confirmada no intraoperatório (lesão tipo Geissler III). Ulna neutra (fig. 3).

Figura 3 -
A, Ressonância magnética evidencia lesão da fibrocartilagem triangular; B, Edema na cabeça da ulna; C, Edema no semilunar.

Paciente submetido a artroscopia do punho, impacto ulnocarpal também visualizado durante pronossupinação do punho (fig. 4). Feitos procedimentos dewaferartroscópico e debridamento da fibrocartilagem triangular, não havia cartilagem solta do semilunar. Nesse caso também foi feito debridamento do LIES e fixação percutânea escafossemilunar e escafocapitado com fios de Kirschner. Devido ao tratamento do LIES, nesse caso o tempo de imobilização foi de seis semanas.

Figura 4 -
Procedimento tipowafer. A, Lesão da fibrocartilagem com exposição da cabeça ulna; B, Abaulamento da fibrocartilagem (seta) à pronação do punho; C,Waferartroscópico; D, Resultado apóswafer.

Discussão

Ao se considerarem síndromes dolorosas no punho de atletas várias afecções podem ser citadas:44 Tomaino MM. Ulnar impaction syndrome in the ulnar negative and neutral wrist. Diagnosis and pathoanatomy. J Hand Surg Br . 1998;23(6):754-7.

5 Baer DJ. Dynamic ulnar impaction syndrome in a collegiate baseball player. IJATT. 2014;19(3):15-9.

6 Fufa DT, Goldfarb CA. Sports injuries of the wrist. Curr Rev Musculoskelet Med. 2013;6(1):35-40.
-77 Cornwall R. The painful wrist in the pediatric athlete. J Pediatr Orthop. 2010;30 2 Suppl.:S13-6.

  • fraturas da extremidade distal do rádio, escafoide, hamato, pisiforme

  • epifisiodese traumática temporária ou permanente

  • sinovite (síndrome impacto dorsal do punho)

  • lesões ligamentares, ligamento escafossemilunar, complexo da fibrocartilagem triangular

  • pseudoartrose do hâmulo hamato

  • tendionopatia ou luxações do tendão extensor ulnar do carpo

  • degeneração, por impacto, do complexo da fibrocartilagem triangular.

Em relação ao impacto ulnocarpal dinâmico, esse deve ser considerado quando há dor no bordo ulnar do carpo, na presença de ulna neutra ouminus, em situações de preensão em pronação do antebraço. Ao exame físico o sinal da fóvea pode estar positivo associado a dor ulnar na pronação máxima. A amplitude de movimento do punho geralmente está preservada e pode não haver dor para atividades diárias sem carga.

Ressonância magnética ou radiografias em pronação com preensão palmar (pronated grip views) podem auxiliar no diagnóstico88 Tomaino MM, Elfar J. Ulnar impaction syndrome. Hand Clin. 2005;21(4):567-75.(fig. 5).

Figura 5 -
Radiografia em pronação com preensão palmar (pronated grip views).88 Tomaino MM, Elfar J. Ulnar impaction syndrome. Hand Clin. 2005;21(4):567-75.A, Sem pronação; B, Pronação com preensão palmar que altera a relação da ulna com o rádio.

Janget al.99 Jang E, Danoff JR, Rajfer RA, Rosenwasser MP. Revision wrist arthroscopy after failed primary arthroscopic treatment. J Wrist Surg. 2014;3(1):30-6.referem que a SIUCD é uma das causas mais comuns de revisão de artroscopia do punho por persistência de dor.

A visualização dinâmica da insinuação da cabeça da ulna acima da articulação do rádio observada pelos portais 3-4, 4-5 e 6 R foi fundamental no diagnóstico nesses dois casos, sobretudo no caso 1, no qual a ressonância magnética não apresentava sinais claros de impacto ulnocarpal. A lesão condral no semilunar também é um achado significativo da SIUCD.

Em ambos os casos a técnica escolhida foi o procedimento artroscópico radiocarpal, uma vez que em ambos os casos a fibrocartilagem tinha lesão degenerativa e não houve necessidade de uso de portais radioulnares distais. Nenhum dos pacientes apresentava instabilidade da articulação radioulnar distal.

Este autor considera a imobilização pós-operatória importante após qualquer procedimento artroscópico do punho, para controle da dor e estabilização do processo inflamatório. Imobilização com órtese de punho com ou sem bloqueio epicondilar geralmente por três a seis semanas, a depender dos procedimentos concomitantes. Reabilitação funcional do membro durante quatro a oito semanas.

A importância da SIUCD está na possibilidade de ser muito mais prevalente do que se imagina pelo imenso número de praticantes de esportes que usam preensão palmar associada a pronação do antebraço, como tênis, golfe, beisebol, boliche, canoagem etc. O reconhecimento e o tratamento precoce dessa síndrome são fundamentais para a recondução do atleta a sua prática esportiva.

References

  • 1
    Iwasaki N, Ishikawa J, Kato H, Minami M, Minami A. Factors affecting results of ulnar shortening for ulnar impaction syndrome. Clin Orthop Relat Res. 2007;465:215-9.
  • 2
    Loh YC, Van Den Abbeele K, Stanley JK, Trail IA. The results of ulnar shortening for ulnar impaction syndrome. J Hand Surg Br. 1999;24(3):316-20.
  • 3
    Coggins CA. Imaging of ulnar-sided wrist pain. Clin Sports Med. 2006;25(3):505-26.
  • 4
    Tomaino MM. Ulnar impaction syndrome in the ulnar negative and neutral wrist. Diagnosis and pathoanatomy. J Hand Surg Br . 1998;23(6):754-7.
  • 5
    Baer DJ. Dynamic ulnar impaction syndrome in a collegiate baseball player. IJATT. 2014;19(3):15-9.
  • 6
    Fufa DT, Goldfarb CA. Sports injuries of the wrist. Curr Rev Musculoskelet Med. 2013;6(1):35-40.
  • 7
    Cornwall R. The painful wrist in the pediatric athlete. J Pediatr Orthop. 2010;30 2 Suppl.:S13-6.
  • 8
    Tomaino MM, Elfar J. Ulnar impaction syndrome. Hand Clin. 2005;21(4):567-75.
  • 9
    Jang E, Danoff JR, Rajfer RA, Rosenwasser MP. Revision wrist arthroscopy after failed primary arthroscopic treatment. J Wrist Surg. 2014;3(1):30-6.
  • Trabalho desenvolvido na Universidade de São Paulo, Hospital das Clínicas, Instituto de Ortopedia e Traumatologia, São Paulo, SP, Brasil

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Oct 2017

Histórico

  • Recebido
    05 Ago 2016
  • Aceito
    22 Ago 2016
Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia Al. Lorena, 427 14º andar, 01424-000 São Paulo - SP - Brasil, Tel.: 55 11 2137-5400 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: rbo@sbot.org.br