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Vantagens e limitações dos registros nacionais de artroplastias. A necessidade de registros multicêntricos: o Rempro-SBQ Trabalho desenvolvido pelos membros da Diretoria do Registro Multicêntrico de Procedimentos Operatórios (Rempro), Sociedade Brasileira de Quadril (SBQ), Batatais, SP, Brasil.

Resumo

Ainda que os registros nacionais de artroplastias (RNAs) sejam um importante instrumento de controle e melhoria da qualidade da artroplastia total de quadril (ATQ), algumas limitações metodológicas associadas aos estudos epidemiológicos observacionais, que podem interferir na avaliação da segurança e eficácia dos implantes protéticos, têm sido recentemente descritas na literatura.Dentre as principais limitações destacam-se a necessidade de cobertura mínima de 80% das instituições hospitalares da região objeto do registro; integralidade mínima de 90% de todas as ATQs feitas; coleta de informações mais restritas; uso da cirurgia de revisão como critério único de desfecho e a dificuldade de se estabelecer um nexo causal com a disfunção protética.No presente artigo avaliamos as vantagens e limitações dos RNAs, à luz dos conhecimentos atuais, que apontam para a necessidade da coleta de informações mais amplas e de uso de critérios mais estruturados na definição de desfechos.Nesse cenário, descrevemos os processos de idealização, a estrutura conceitual e operacional e o projeto de implantação e implementação de um modelo de registro multicêntrico, denominado Rempro-SBQ, que inclui os centros hospitalares de treinamento em cirurgia de quadril já ligados institucionalmente à Sociedade Brasileira de Quadril (SBQ). Essa parceria possibilita, simultaneamente, a coleta de informações mais abrangentes e de elevado nível hierárquico, de forma confiável, com redução bastante significativa dos custos de manutenção e financiamento. As ações de melhoria da qualidade, amparadas pela SBQ, podem protagonizar uma condição de maior efetividade e maior adesão aos procedimentos de coleta, armazenamento, interpretação e divulgação das informações.

Palavras-chave:
Artroplastia de quadril/cirurgia; Artroplastia de quadril/complicações; Falha de prótese; Registros

Abstract

While the value of national arthroplasty registries (NAR) for quality improvement in total hip arthroplasty (THA) has already been widely reported, some methodological limitations associated with observational epidemiological studies that may interfere with the assessment of safety and efficacy of prosthetic implants have recently been described in the literature.

Among the main limitations of NAR, the need for at least 80% compliance of all health institutions covered by the registry is emphasized; completeness equal or greater than 90% of all THA performed; restricted data collection; use of revision surgery as the sole criterion for outcome; and the inability of establishing a definite causal link with prosthetic dysfunction.

The present article evaluates the advantages and limitations of NAR, in the light of current knowledge, which point to the need for a broader data collection and the use of more structured criteria for defining outcomes.

In this scenario, the authors describe of idealization, conceptual and operational structure, and the project of implantation and implementation of a multicenter registry model, called Rempro-SBQ, which includes healthcare institutions already linked to the Brazilian Hip Society (Sociedade Brasileira de Quadril [SBQ]). This partnership enables the collection of more reliable and comprehensive data at a higher hierarchical level, with a significant reduction in maintenance and financing costs. The quality improvement actions supported by SBQ may enhance its effectiveness and stimulate greater adherence for collecting, storing, interpreting, and disseminating information (feedback).

Keywords:
Arthroplasty, replacement, hip/surgery; Arthroplasty, replacement, hip/complications; Prosthesis failure; Registries

Introdução

Ainda que a artroplastia total do quadril (ATQ) seja um procedimento de excelente relação risco e custo/benefício, e que proporciona alívio da dor e resgate da função em pacientes portadores de doença articular terminal, a taxa de complicações e de insatisfação do paciente com o procedimento cirúrgico pode atingir níveis entre 7% e 15%.11 Jones CA, Beaupre LA, Johnston DW, Suarez-Almazor ME. Total joint arthroplasties: current concepts of patient outcomes after surgery. Rheum Dis Clin North Am. 2007;33(1):71-86.,22 Anakwe RE, Jenkins PJ, Moran M. Predicting dissatisfaction after total hip arthroplasty: a study of 850 patients. J Arthroplasty. 2011;26(2):209-13. Se por um lado a ocorrência de complicações cirúrgicas pode envolver características e determinantes, muitas vezes distintas daquelas relacionadas ao grau de satisfação do paciente, devemos, contudo, considerar que o objetivo final comum da artroplastia é o resgate da qualidade de vida, através da promoção de uma reconstrução protética indolor, funcional, estável e duradoura. Nesse contexto, os eventos adversos e as complicações associados a esse procedimento devem ser avaliados considerando-se a presença de implantes protéticos permanentes, dos quais dependem intrinsicamente a funcionalidade e longevidade (tempo em serviço) da substituição articular protética (SAP).

A necessidade de avaliações longitudinais que busquem sinais de disfunção protética (sintomática ou assintomática) sempre foi, portanto, bastante recomendável no sentido de identificar precocemente os eventos adversos, as complicações e os implantes de baixo desempenho, de modo a permitir, assim, a programação de um manejo, também precoce, com o objetivo de prevenir a ocorrência de perdas ósseas progressivas, danos periarticulares e/ou vásculo-nervosos irreversíveis, que podem, a qualquer tempo, dificultar ou mesmo comprometer a qualidade da reconstrução articular protética futura.

Os ciclos de inovação e o controle da qualidade de implantes artroplásticos

Anteriormente à década de 1960 e até o início da década de 1970, período em que as inovações nessa área do conhecimento foram muito frequentes, a introdução no mercado e o uso de implantes protéticos na prática clínica baseavam-se em evidências de baixa qualidade científica, tais como a opinião de especialistas e/ou séries retrospectivas de casos clínicos, comumente conduzidas pelos próprios idealizadores dos implantes e/ou procedimentos. Durante esse ciclo, que denominamos ciclo empírico de inovação e controle da qualidade, ou também ciclo por tentativas e erros (fig. 1A),33 Gomes LSM, Rigol JP. Mecanismos de falhas assépticas dos implantes artroplásticos de quadril. In: Gomes LSM, editor. O quadril. São Paulo: Atheneu; 2010. p. 589–624. o único critério para a manutenção de um implante no mercado eram as informações oriundas desses tipos de estudo e assim inúmeros devaneios científicos e alguns rompantes criativos deram origem a implantes e procedimentos com desfechos verdadeiramente catastróficos.

As décadas seguintes foram marcadas pela interferência e atuação progressivas de órgãos reguladores e fiscalizadores, sejam eles governamentais ou privados, que, além da vigilância pós-venda, passaram a controlar a introdução de implantes para uso clínico, através de estudos e ensaios pré-clínicos. Esse ciclo nós denominamos de ciclo analítico de inovação e controle da qualidade 33 Gomes LSM, Rigol JP. Mecanismos de falhas assépticas dos implantes artroplásticos de quadril. In: Gomes LSM, editor. O quadril. São Paulo: Atheneu; 2010. p. 589–624. (fig. 1B).

Figura 1
O ciclo empírico ou de tentativas e erros (A) e o ciclo analítico (B) de controle da qualidade para inovações em implantes articulares protéticos.

Ainda que evidências de baixa qualidade científica (série retrospectiva de casos clínicos) fossem amplamente aceitas na vigilância pós-venda, e ainda o são, o uso de estudos clínicos controlados e randomizados (ECRs), de alta qualidade científica, foi também proposto na avaliação da eficácia e segurança, sobretudo como ensaios prévios à autorização para venda de novos implantes.

Embora bastante adequados como ensaios pré-clínicos, o uso dos ECRs na avaliação longitudinal de pacientes submetidos a substituições articulares protéticas (SAPs) apresenta algumas desvantagens. Como exemplo prático citamos o uso dos implantes artroplásticos de quadril introduzidos por Christiansen em 1969, na Noruega. Os primeiros relatos de Sudmann et al.44 Sudmann E, Havelin LI, Lunde OD, Rait M. The Charnley versus the Christiansen total hip arthroplasty. A comparative clinical study. Acta Orthop Scand. 1983;54(4):545-52. mostraram uma taxa de revisão de 31% em 5-8 anos de seguimento, comparada com uma taxa de 4% da prótese de Charnley, considerada o padrão ouro, no mesmo intervalo de tempo. Porém, nesse período de 13 anos, mais de 10.000 implantes, desse modelo de Christiansen já haviam sido feitos na Noruega.55 Espehaug B, Havelin LI, Engesæter LB, Vollset SE, Langeland N. Early revision among 12,179 hip prostheses. A comparison of 10 different prosthesis brands reported to the Norwegian Arthroplasty Register, 1987-1993. Acta Orthop Scand. 1995;66(6):487-93.

Estudos controlados randomizados (ECRs) x estudos epidemiológicos observacionais (EEOs) no controle da qualidade pós-venda de implantes artroplásticos

As principais desvantagens no uso dos ECRs para a avaliação de pacientes submetidos à SAP são: a) os implantes articulares protéticos, e portanto permanentes, requerem um seguimento ilimitado, até a situação de desfecho; b) os eventos adversos da SAP também são representados por complicações de baixa frequência, porém de maior prevalência em longo prazo, o que igualmente pressupõe a necessidade de acompanhamento em longo prazo; c) para uma significância estatística adequada os ECRs demandam a inclusão de um elevado número de pacientes. De fato, para um nível de significância de 0,05 e potência de 80%, é necessária inclusão de 3.008 pacientes para se detectar a diferença na taxa de falha de 3% para 5% entre dois implantes diferentes, enquanto que é necessária a inclusão de 13.474 pacientes para detectar-se a diferença de 1% na taxa de falha entre implantes distintos;66 Havelin LI. Hip arthroplasty in Norway 1987-1994. The Norwegian Arthroplasty Register. Bergen: University of Bergen; 1995. Thesis. d) os ECRs refletem a realidade de uma instituição que, com muita frequência, envolvem a participação de cirurgiões bem treinados, em centros de excelência. Dessa forma, a visão de mundo real, que se espera com a participação de diferentes centros e cirurgiões com diferentes graus de treinamento, é prejudicada, o que também compromete a possibilidade de generalizações (validação externa), aspectos esses bastante relevantes na avaliação da segurança quando do uso de implantes permanentes. Ainda, com muita frequência, os ECRs em SAP são feitos pelos idealizadores dos implantes a serem avaliados, o que constitui um viés adicional;77 Labek G, Neumann D, Agreiter M, Schuh R, Böhler N. Impact of implant developers on published outcome and reproducibility of cohort-based clinical studies in arthroplasty. J Bone Joint Surg Am. 2011;93(Suppl. 3E):55-61. e) pelo próprio modelo dos ECRs, a inclusão de pacientes é limitada; f) a avaliação de implantes na SAP requer estudos transversais e longitudinais ilimitados, que possibilitam a construção de curvas de sobrevivência, prática essa que não é comum durante os ECRs e g) os ECRs não são adequados quando se necessita da avaliação simultânea de múltiplos fatores de exposição e desfechos (tabela 1).

Tabela 1
Desvantagens dos ECRs e vantagens dos estudos epidemiológicos observacionais, determinadas pelas características próprias da avaliação longitudinal em pacientes portadores de substituições articulares protéticas

Por esses motivos, os ECRs se apresentam como uma opção bastante onerosa, de difícil execução e com vieses específicos, considerando-se as particularidades dos estudos de avaliação longitudinal de pacientes submetidos à SAP.

Nesse cenário, os estudos epidemiológicos observacionais (EEOs) se transformaram em um importante instrumento de detecção precoce de falhas em implantes osteoarticulares destinados à SAP. Quando comparados aos ECRs, considerados de melhor qualidade na produção de evidências científicas, os EEOs mostraram-se bastante atraentes, uma vez que, simultaneamente, são menos onerosos, apoiam a inclusão de um número elevado de pacientes, que podem ser acompanhados por períodos mais longos, permitem assim que as falhas possam se tornar aparentes muito antes de serem percebidas pelos ECRs, ao mesmo tempo em que avaliam os resultados dentro de um cenário mais próximo da vida real, com o envolvimento de inúmeros cirurgiões, de diferentes centros. Além dessa maior possibilidade de generalização dos achados pertinentes aos EEOs, o que potencializa a avaliação da segurança dos implantes, credita-se também aos EEOs a possibilidade do estudo simultâneo de múltiplos fatores de exposição e desfechos.

Há que se registrar que o impacto do maior uso dos EEOs em áreas não ortopédicas foi, a princípio, bastante negativo e com grandes críticas a essa tendência. Estudos comparativos entre resultados de ECRs e estudos epidemiológicos, em especialidades não ortopédicas, feitos entre 1970 e 1980, sugeriam que os EEOs poderiam potencializar os efeitos positivos do tratamento.88 Chalmers TC, Celano P, Sacks HS, Smith H. Bias in treatment assignment in controlled clinical trials. N Engl J Med. 1983;309(22):1358-61.

9 Sacks H, Chalmers TC, Smith H. Randomized versus historical controls for clinical trials. Am J Med. 1982;72(2):233-40.
-1010 Colditz GA, Miller JN, Mosteller F. How study design affects outcomes in comparisons of therapy. I: Medical. Stat Med. 1989;8(4):441-54.

Assim surgiu uma tendência à demonização dos EEOs, sugerindo que esses estudos não seriam apropriados na definição da assistência médica baseada em evidências; a ponto de Sackett afirmar que: se na leitura de um artigo você notar que ele não é randomizado, a nossa sugestão é que você interrompa sua leitura e vá para o artigo seguinte.1111 Sackett DL, Richardson WS, Rosenberg W, Haynes RB. Evidence based medicine: how to practice and teach EBM. New York: Churchill Livingstone; 1997.

Nas décadas seguintes, contudo, atribuíram-se as inconsistências dos resultados entre os ECRs e EEOs ao delineamento e à execução inadequada dos EEOs, principalmente no que diz respeito ao desenho das pesquisas, à qualidade das informações coletadas e à metodologia estatística empregada, responsáveis pela geração de inúmeros vieses sistemáticos.

De fato, um estudo mais recente, que comparou os resultados dos ECRs com os EEOs em artigos publicados após 1985, concluiu não haver diferença significativa entre os achados de ambos os estudos.1212 Benson K, Hartz AJ. A comparison of observational studies and randomized controlled trials. N Engl J Med. 2000;342(25):1878-86. Os autores creditaram essa evolução dos EEOs à redução de vieses sistemáticos decorrente do processo mais elaborado de coleta, armazenamento e tratamento das informações, assim como à maior sofisticação da metodologia científica empregada nos EEOs.

Os Registros Nacionais de Artroplastia (RNAs)

Não resta dúvida de que os grandes avanços, as padronizações e os aperfeiçoamentos na qualidade científica dos EEOs foram impulsionados pela criação dos chamados Registros Nacionais de Artroplastias, cuja história de criação, implantação e implementação se confunde com a evolução da qualidade metodológica dos estudos epidemiológicos observacionais.

Saliente-se que o conceito de registros em medicina não é uma novidade, seus primórdios remontam a 1905, com a tentativa de registro de pacientes portadores de câncer, na Dinamarca. Assim, mesmo considerando a ampla variedade de diferentes tipos de registro (de pacientes, de doenças, de procedimentos, de tratamentos, de produtos etc.), reconhece-se, de há muito tempo, sua importância na avaliação de novos tipos de tratamentos e, principalmente, no controle e na melhoria da qualidade da assistência. De acordo com Weddell,1313 Weddell JM. Registers and registries: a review. Int J Epidemiol. 1973;2(3):221-8. um registro é justificado caso o seu desenho demonstre capacidade em responder questões ainda não esclarecidas e que não podem ser esclarecidas de outro modo.

Segundo Gliklich, considera-se como registro de pacientes qualquer sistema organizado, que usa métodos de estudo observacional para coletar dados uniformes (clínicos e outros) e avaliar resultados específicos, em uma população definida por uma determinada doença, condição ou exposição e que atende a um ou mais propósitos pré-determinados: científico, clínico ou de políticas em saúde.1414 Gliklich RE, Dreyer NA, editors. Registries for Evaluating Patient Outcomes: user’s guide. 2nd ed. Rockville MD: Agency for Healthcare Research and Quality; 2010 [accessed in 17/07/2015]. Available in: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK49444/#_ncbi_dlg_citbx_NBK49444.
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK494...
Com relação à sua abrangência, os registros podem incluir uma determinada área geográfica específica, um país, uma região ou estado, ou até mesmo uma determinada instituição hospitalar. Ainda, dois ou mais registros podem se agrupar em consórcios.

Especificamente na ortopedia, os registros de procedimentos artroplásticos foram iniciados na Escandinávia em 1975 (Registro Sueco de Artroplastia do Joelho) e 1979 (Registro Sueco de Artroplastia do Quadril) e, como um tipo de registro de produto/procedimento, teve como objetivo principal o controle e a melhoria da qualidade, através do monitoramento longitudinal dos desfechos e resultados, de modo a estimular ações de melhores práticas assistenciais na escolha, uso e avaliação dos implantes artroplásticos. De modo surpreendente, já nos primeiros quatro anos de funcionamento, os resultados favoráveis puderam ser observados na melhoria da assistência e no pareamento para desempenho entre as diferentes instituições. A partir de uma situação inicial, em que 25% das instituições suecas participantes apresentavam um desempenho abaixo da média nacional, essa taxa reduziu para 13%.1515 Labek G, Janda W, Agreiter M, Schuh R, Böhler N. Organisation, data evaluation, interpretation, and effect of arthroplasty register data on the outcome in terms of revision rate in total hip arthroplasty. Int Orthop. 2011;35(2):157-63. A taxa de revisão reduziu em cerca de 50% ao longo do tempo, com queda de 6,5% para 4,2% aos sete anos de seguimento, de 14,5% para 9% aos dez anos e de 24% para 16% aos 26 anos, associada a uma drástica redução do número de diferentes implantes disponíveis para uso na Suécia. Ainda, o impacto financeiro de uma redução de 5% na taxa de revisão esteve associado a uma economia de 14 milhões de dólares anualmente.

Os registros nacionais de implantes se fundamentam em alguns pilares, que têm como propósito garantir a validade, qualidade e integralidade das informações coletadas. Citamos entre os principais fundamentos: a) coletar informações de todas as artroplastias objeto do registro, de modo a serem representativas da totalidade dos procedimentos, e não simplesmente uma amostra da população, o que poderia causar vieses e comprometer a interpretação dos resultados; b) como consequência desse fato, e também no sentido de incentivar a integralidade das informações solicitadas, os formulários para coleta e armazenamento das informações devem ser bastante sucintos e conter somente informações essenciais e validadas; c) como um registro de implantes permanentes, o desfecho deve ser claramente definido como qualquer procedimento cirúrgico de revisão, em que parte ou a totalidade dos componentes é removida ou substituída; d) a retroalimentação (feedback) das informações obtidas pelos registros deve atingir os médicos, as instituições e também o sistema público de saúde, de modo a estimular a melhoria da qualidade, através de ações indicadas e orientadas pelo monitoramento contínuo. Esse processo estimula um protagonismo das sociedades médicas da especialidade na seleção, coleta, no armazenamento, na interpretação e divulgação das informações e uma participação do sistema público de saúde, também grande interessado na melhoria da qualidade, de quem se espera, portanto, um apoio para acesso a informações secundárias e financiamento parcial do projeto.1515 Labek G, Janda W, Agreiter M, Schuh R, Böhler N. Organisation, data evaluation, interpretation, and effect of arthroplasty register data on the outcome in terms of revision rate in total hip arthroplasty. Int Orthop. 2011;35(2):157-63.

A ideia, os princípios e conceitos de Registros Nacionais de Artroplastia logo se espalharam pela Escandinávia, o que reforçou sua importância no monitoramento contínuo de implantes. O registro norueguês, em apenas dois anos e meio de seguimento, detectou o baixo desempenho de uma determinada formulação de cimento ósseo introduzida na prática cirúrgica e assim, no ano seguinte, essa formulação foi retirada do mercado,1616 Havelin LI, Espehaug B, Vollset SE, Engesaeter LB. The effect of the type of cement on early revision of Charnley total hip prostheses: a review of eight thousand five hundred and seventy-nine primary arthroplasties from the Norwegian arthroplasty register. J Bone Joint Surg Am. 1995;77(10):1543-50. o que reforçou ainda mais a implantação de novos registros na Europa, Nova Zelândia e Austrália.

Em 2004 foi criada a Sociedade Internacional de Registros de Artroplastias (ISAR) e assim inúmeros registros, com algumas diferenças quanto à iniciativa, manutenção e financiamento, foram iniciados (fig. 2)

Figura 2
Diagrama que mostra o início e tipo de atividade de alguns registros, de acordo com as entidades mantenedoras e voluntariedade da participação. Observe a ampla predominância de registros instalados por iniciativa, condução e manutenção através de sociedades médicas. A cooperação entre sociedades médicas e órgãos governamentais é a estrutura mais frequente.

Posteriormente, alertas emitidos por registros que detectaram o desempenho inferior de alguns modelos de implantes para recapeamento do quadril, e sobretudo o aumento das complicações relacionadas à superfície metal-metal, novamente chamaram atenção para a importância dos registros na detecção de implantes de desempenho inferior e também na comparação de desempenho entre implantes.1717 National Joint Registry England and Wales Annual Report [Banco de dados Internet]. 2008 [accessed in 15/07/2015]. Available in: http://www.njrcentre.org.uk/njrcentre/Portals/0/Documents/England/Reports/5th%20Annual.pdf.
http://www.njrcentre.org.uk/njrcentre/Po...

18 Australian Orthopaedic Association National Joint Replacement Registry Annual Report [Banco de dados internet] 2008 [accessed in 12/07/2016]. Available in: https://aoanjrr.sahmri.com/documents/10180/42662/Annual%20Report%202008?version=1.1&t=1349406277970.
https://aoanjrr.sahmri.com/documents/101...
-1919 MHRA (2010) Medical Device Alert: MDA/2010/069, DePuy ASR hip replacement implants. Medicines and Healthcare Products Regulatory Agency, London [accessed in 12/01/2012]. Available in: http://www.mhra.gov.uk/Publications/Safetywarnings/MedicalDeviceAlerts/CON093789.
http://www.mhra.gov.uk/Publications/Safe...

Ainda que a importância dos Registros Nacionais de Artroplastias (RNAs) como instrumento de controle e melhoria da qualidade da assistência em pacientes submetidos à cirurgia com implantes articulares protéticos esteja bem documentada, algumas críticas às inferências decorrentes do modelo e à metodologia empregadas na coleta, análise e interpretação das informações foram, mais recentemente, reportadas na literatura2020 Goodfellow JW, O’Connor JJ, Murray DW. A critique of revision rate as an outcome measure. Re-Interpretation of Knee Joint Registry Data. J Bone Joint Surg Br. 2010;92(12):1628-31.,2121 Konan S, Haddad FS. Joint registries. A ptolemaic model of data interpretation? Bone Joint J. 2013;95-B:1585-6. e fundamentadas em inúmeros conceitos, preceitos e evidências, que analisamos a seguir.

Cobertura e integralidade das informações e suas consequências

Para que os RNAs sejam representativos de toda uma área geográfica, e não simplesmente uma amostra da respectiva população de pacientes, exige-se a participação mínima de 80% das instituições hospitalares da área geográfica avaliada (cobertura) e a coleta mínima de 90% das artroplastias feitas em cada instituição (integralidade).2222 European Arthroplasty Register. Quality of datatsets for outcome measurement [accessed in 12/07/2015]. Available in: http://www.ear.efort.org/downloads/EBOOKQualityofDatasetsfinal.pdf.
http://www.ear.efort.org/downloads/EBOOK...
,2323 International Society of Arthroplasty Registries. Bylaws. 2013 [accessed in 18/03/2015]. Available in: http://www.isarhome.org/Bylaws%20ISAR%202013-rev.pdf?attredirects=0.
http://www.isarhome.org/Bylaws%20ISAR%20...

Nesse cenário, é necessário que informações sucintas sejam requeridas, de modo a facilitar sua captação e estimular a adesão de médicos e instituições hospitalares ao Registro.

Contudo, informações restritas em EEOs potencializam a limitação desses estudos no estabelecimento de nexo causal com a falha do implante e, nessa circunstância, os RNAs são inadequados para a determinação de causas de falha, de modo a apenas indicar tendências que deverão, posteriormente, ser avaliadas por estudos de melhor qualidade científica.2424 Graves SE. The value of arthroplasty registry data. Acta Orthop. 2010;81(1):8-9. Ainda que a determinação do nexo causal não seja o foco principal dos registros, deve-se ter cautela na interpretação das informações, uma vez que os RNAs limitam-se a indicar tendências.

Isso é tanto verdade que muitos registros, atualmente, solicitam cada vez mais informações, o que gerou uma classificação dos registros em diferentes níveis hierárquicos2525 Robertsson O. Knee arthroplasty registers. J Bone Joint Surg Br. 2007;89(1):1-4.

26 Callanan MC, Jarrett B, Bragdon CR, Zurakowski D, Rubash HE, Freiberg AA, et al. The John Charnley Award: risk factors for cup malpositioning: quality improvement through a joint registry at a tertiary hospital. Clin Orthop Relat Res. 2011;469(2):319-29.
-2727 Hansen VJ, Greene ME, Bragdon MA, Nebergall AK, Barr CJ, Huddleston JI, et al. Registries collecting level-I through IV data: institutional and multicenter use AAOS exhibit selection. J Bone Joint Surg Am. 2014;96:e160. (tabela 2). Mesmo que a coleta mais ampla se aplique a um grupo mais restrito de pacientes, pode, contudo, dificultar a adesão dos participantes aos registros, assim como gerar vieses por representar apenas uma amostra da totalidade dos pacientes registrados.

Tabela 2
Classificação em níveis hierárquicos dos registros de artroplastias segundo o tipo de informações coletadas

A cirurgia de revisão não é um indicador adequado como desfecho para falhas do implante

Ainda que a cirurgia de revisão seja um desfecho aparentemente bastante objetivo em sua determinação, a sua relação com o desempenho do implante pode ser superestimada, uma vez que a taxa de revisão pode ser influenciada por inúmeros fatores, tais como: a disposição do cirurgião de fazer a revisão em virtude da complexidade do procedimento; condições clínicas e disposição do paciente de se submeter à cirurgia de revisão; a disponibilidade do sistema de saúde em oferecer o procedimento de revisão; e o viés da substituição de implantes (revisão) em procedimentos não diretamente ligados à falha do implante, mas sim ao procedimento propriamente dito.

A comparação de desempenho entre implantes não é validada

O desempenho de implantes protéticos é função não somente de características próprias do implante per se, como também pode ser influenciado pelos critérios de indicação do procedimento e da técnica cirúrgica empregada, critérios esses não avaliados e que não são detectados pelos registros. Um exemplo típico dessa limitação pode ser observado pela comparação entre diferentes modelos de artroplastia do joelho. Em 2009, enquanto o registro sueco detectou o pior desempenho de um determinado implante, o mesmo modelo teve o melhor desempenho no registro neozelandês.

Manutenção e financiamento dos RNAs

A determinação do tipo de informação, interpretação dos resultados e produção de relatórios anuais (feedback) aos médicos e instituições participantes é importante fator de sucesso dos RNAs. Por esse motivo, grande parte dos registros em funcionamento (fig. 2) é mantida pelas sociedades da especialidade médica em questão.1515 Labek G, Janda W, Agreiter M, Schuh R, Böhler N. Organisation, data evaluation, interpretation, and effect of arthroplasty register data on the outcome in terms of revision rate in total hip arthroplasty. Int Orthop. 2011;35(2):157-63.,2828 Kolling C, Simmen BR, Labek G, Goldhahn J. Key factors for a successful National Arthroplasty Register. J Bone Joint Surg Br. 2007;89(12):1567-73. Outro aspecto, ainda que polêmico, a ser considerado no aumento da adesão aos RNAs é a obrigatoriedade da participação de médicos e instituições. Originalmente, desde a sua criação, os registros suecos, de administração não governamental, não usam o método da obrigatoriedade de participação de médicos e instituições. O primeiro RNA a preconizar e instituir a participação compulsória foi o registro finlandês, em 1980, que também foi o primeiro registro de iniciativa, manutenção e financiamento governamental.

O baixo desempenho desse registro finlandês culminou com o estabelecimento, mais recentemente, de parceria com sociedades médicas.1515 Labek G, Janda W, Agreiter M, Schuh R, Böhler N. Organisation, data evaluation, interpretation, and effect of arthroplasty register data on the outcome in terms of revision rate in total hip arthroplasty. Int Orthop. 2011;35(2):157-63.

No Brasil, o projeto de Registro de Artroplastias segue um caminho inverso. Iniciado em 2006 por iniciativa da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia, o projeto piloto foi interrompido em 2010 por questões financeiras e atualmente estabeleceu uma parceria protagonizada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA).

Ainda que os registros devam ser parte integrante do sistema nacional de saúde, o grande potencial para controle e melhoria da qualidade da assistência está intimamente ligado à atuação médica na escolha, captação, no armazenamento e na interpretação das informações e, sobretudo, nas ações diretas para a determinação de estratégias de capacitação profissional e institucional. Esses são argumentos suficientes e absolutamente essenciais para o estímulo ao protagonismo das sociedades médicas na interpretação e disseminação dos resultados.1515 Labek G, Janda W, Agreiter M, Schuh R, Böhler N. Organisation, data evaluation, interpretation, and effect of arthroplasty register data on the outcome in terms of revision rate in total hip arthroplasty. Int Orthop. 2011;35(2):157-63.,2828 Kolling C, Simmen BR, Labek G, Goldhahn J. Key factors for a successful National Arthroplasty Register. J Bone Joint Surg Br. 2007;89(12):1567-73. A parceria com o poder público, grande interessado no controle da qualidade, se faz principalmente pelo financiamento e também se justifica pelo fornecimento de informações secundárias, essas necessárias à redução da perda do seguimento de pacientes registrados.

Da necessidade de Registros Multicêntricos de Artroplastia: o Rempro-SBQ

Em 2010, a Sociedade Brasileira de Quadril (SBQ) decidiu incluir em suas determinações estatutárias o projeto denominado Registro Multicêntrico de Procedimentos Operatórios (Rempro-SBQ). No ano seguinte, os fundamentos do projeto foram discutidos, com base nas principais limitações da coleta, do armazenamento e da interpretação das informações oriundas de registros nacionais, já discutidas acima. Dessa forma, foi elaborado um programa de implantação2929 Rempro-SBQ. Estrutura, organização e implantação. (informações na internet) [accessed in 20/10/2016]. Available in: http://rempro-sbq.org.br/docs/Projeto-Rempro.pdf.
http://rempro-sbq.org.br/docs/Projeto-Re...
alicerçado nas premissas da criação de um registro multicêntrico com manutenção e financiamento institucional, através da colaboração voluntária dos associados e respectivas instituições hospitalares, no qual são prestados os serviços assistenciais de cirurgia do quadril.

Tal iniciativa se justifica pela necessidade de maior abrangência, validade e confidencialidade das informações coletadas e o estabelecimento de critérios de desfecho mais especificamente ligados às causas de falha do implante protético e do procedimento cirúrgico propriamente dito, que para isso usa também critérios de avaliação funcional subjetiva e de imagens.

As definições de falha dos implantes se fazem através de critérios bem definidos e já descritos na literatura, que são avaliados por um comitê de adjudicação, representado também por membros da SBQ.

O registro multicêntrico

O Rempro-SBQ tem como objetivo precípuo o monitoramento e a melhoria da qualidade da assistência, através da coleta de informações sobre os procedimentos operatórios em cirurgia de quadril, feitos em 53 instituições hospitalares, denominados centros de pesquisa (CPs), distribuídos em todo o país, que são reconhecidas pela SBQ como centros de treinamento de cirurgiões de quadril. Tais instituições têm no mínimo dois cirurgiões associados à SBQ, assim como um cirurgião de quadril responsável pela chefia do serviço.

Como parte do processo de cadastramento no Rempro-SBQ, já em andamento desde abril de 2016, as instituições fornecem informações detalhadas sobre os recursos humanos, físicos, operacionais, a capacidade instalada de recursos, os equipamentos e serviços de apoio, de modo que se possa classificar o nível de assistência prestada pela instituição hospitalar. Todos os cirurgiões que praticam a cirurgia de quadril no CP, associados ou não à SBQ, são cadastrados individualmente. Uma vez cadastrado, o CP, através do chefe do serviço, de um coordenador médico e de um coordenador administrativo, e opcionalmente dos responsáveis legais pela instituição hospitalar, assina um Termo de Compromisso com o Rempro-SBQ, em que são especificados os direitos e deveres dessa relação de parceria. Dessa forma, objetiva-se o registro de todos os procedimentos cirúrgicos de quadril feitos no CP e a participação voluntária mínima de 80% dos CPs.

Os critérios de validação da cobertura e integralidade são feitos através de relatórios mensais elaborados pela instituição, em que são relacionados todos os procedimentos específicos feitos no CP, assim como através de informações secundárias, a serem fornecidas pelos órgãos públicos responsáveis pelos indicadores específicos. A determinação da taxa de perda do seguimento é igualmente obtida através de informações primárias detectadas pelo banco de dados eletrônicos do Rempro-SBQ, assim como através de indicadores secundários (fig. 3).

Figura 3
Desenho esquemático que mostra a estrutura organizacional e operacional do Rempro-SBQ. O sistema de autenticação está em transição para aceitar também os procedimentos digital e de reconhecimento facial. Ver texto para explicações detalhadas.

Sob esse prisma, o Rempro-SBQ constitui-se em um consórcio de registros institucionais, no qual as informações, padronizadas para todos os CPs, são centralizadas em um banco de dados eletrônico único. Os 53 CPs estão distribuídos pelas regiões Sudeste (35), Sul (nove), Centro-Oeste (cinco) e Nordeste (quatro), de tal modo que as regiões Sul e Sudeste, que representam 83% dos CPs, foram responsáveis por 80% das artroplastias totais primárias do quadril feitas pelo Sistema Único de Saúde, entre janeiro de 2015 e janeiro de 2016, segundo o Datasus.3030 Brasil. Ministério da Saúde. Datasus-Informações de saúde. (informações na internet) [accessed in 20/11/2016]. Available in: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?sih/cnv/qiuf.def.
http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi....

Abrangência e qualidade das informações e nível hierárquico do Rempro-SBQ

Konan e Haddad2121 Konan S, Haddad FS. Joint registries. A ptolemaic model of data interpretation? Bone Joint J. 2013;95-B:1585-6. enfatizam que as informações observacionais oriundas de RNAs são apenas uma faceta das informações que devem ser oferecidas aos ortopedistas e que, seguramente, têm menor qualidade científica do que estudos multicêntricos prospectivos bem planejados. Dessa forma, tem-se o consenso de que as informações oriundas de RNAs apenas indicam uma tendência que deve, ulteriormente, ser investigada através de estudos de melhor qualidade científica, para que sejam avaliados critérios de nexo causal.2121 Konan S, Haddad FS. Joint registries. A ptolemaic model of data interpretation? Bone Joint J. 2013;95-B:1585-6.,2424 Graves SE. The value of arthroplasty registry data. Acta Orthop. 2010;81(1):8-9. Esses fatos foram um grande estímulo para a inclusão progressiva de informações mais detalhadas em alguns RNAs, o que resultou no estabelecimento de registros de diferentes níveis hierárquicos, como já mencionado anteriormente (tabela 2). Contudo, em função do possível comprometimento da adesão de médicos e instituições, os registros optaram por coletar informações mais específicas somente em uma amostra da população total dos registros, o que pode, por si só, ser uma fonte de vieses sistemáticos.

Por outro lado, o Rempro-SBQ, em virtude da parceria com os CPs, já ligados institucionalmente à Sociedade Brasileira de Quadril, tem a oportunidade única de promover a coleta de informações mais amplas, sem comprometer a adesão das instituições hospitalares que se dedicam ao treinamento de cirurgiões de quadril. Assim, informações pré-operatórias detalhadas sobre demografia, comorbidades, medicações em uso, fatores de risco para complicações, capacidade funcional subjetiva e objetiva, exame físico, laboratoriais e de imagens são coletadas de forma padronizada. Da mesma forma, informações sobre a técnica e as circunstâncias do procedimento operatório, detalhes do implante usado e complicações, são exaustivamente exploradas. Ainda, a evolução e o seguimento pós-operatório, as complicações e os desfechos são igualmente monitorados mediante informações detalhadas, coletadas pelos CPs. Todas as informações, orientadas por um manual do investigador, são coletadas prospectivamente.

Essas informações conferem ao Rempro-SBQ o maior nível hierárquico dos registros, em se considerando as classificações mais atuais.2525 Robertsson O. Knee arthroplasty registers. J Bone Joint Surg Br. 2007;89(1):1-4.,2626 Callanan MC, Jarrett B, Bragdon CR, Zurakowski D, Rubash HE, Freiberg AA, et al. The John Charnley Award: risk factors for cup malpositioning: quality improvement through a joint registry at a tertiary hospital. Clin Orthop Relat Res. 2011;469(2):319-29. O grande número de informações obtidas pode permitir, além de detectar fatores de riscos até então desconhecidos, também estabelecer algum nexo causal com o desfecho, a partir de metodologia estatística mais refinada e de avaliações feitas pelo comitê de adjudicação.

Coleta e confidencialidade das informações

O SECaD (Sistema Eletrônico de Captura de Dados) foi desenvolvido pelo Rempro-SBQ com o objetivo específico de constituir uma ferramenta ágil, de fácil uso pelos CPs, não só na captura de informações de modo responsivo como também no armazenamento como um banco de dados eletrônico, em servidor dedicado, dinâmico e capaz de fazer automaticamente desde cálculos básicos até exibir os resultados de escores funcionais mais complexos.

O processo de inclusão de pacientes somente é permitido após a assinatura, pelo paciente e/ou seu representante legal, do termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE).

Todo o processo de coleta, armazenamento e acesso às informações segue as orientações da SBIS/CFM (Sociedade Brasileira de Informática em Saúde/Conselho Federal de Medicina)3131 Sociedade Brasileira de Informática em Saúde/Conselho Federal de Medicina. Manual de Certificação para Sistemas de Registros Eletrônicos em Saúde. (Informações na internet) [accessed in 12/08/2016]. Available in: http://www.sbis.org.br/certificacao/Manual_Certificacao_SBIS-CFM_2016_v4-2.pdf.
http://www.sbis.org.br/certificacao/Manu...
que regulamentam a oferta de prontuários médicos eletrônicos. Enfatizamos que o acesso ao SECaD somente é possível através da autenticação eletrônica dos coordenadores médico e administrativo dos respectivos CPs, que ainda assim têm acesso exclusivamente às informações de pacientes incluídos no mesmo CP. O acesso mais amplo às informações dos pacientes é limitado exclusivamente ao comitê de adjudicação, pertencente à Diretoria Executiva do Rempro-SBQ, e ainda assim mediante solicitação de ações específicas, como parte de sua função de monitoramento e elaboração dos relatórios anuais. À certificação digital, o Rempro-SBQ está em processo de transição para oferecer também o reconhecimento biométrico, de modo a permitir a entrada de dados a partir de dispositivos eletrônicos portáteis, em tempo real, no próprio ambiente do centro cirúrgico. Alternativamente, o Rempro-SBQ oferece, online para impressão, formulários específicos para preenchimento manual e posterior alimentação do SECaD e que também podem constituir parte integrante do prontuário físico do paciente (fig. 3).

Definições de desfecho e suas implicações

A limitação dos RNAs na avaliação do desempenho e comparação entre implantes, assim como na interpretação das informações coletadas, é consequência direta da limitação da escolha da cirurgia de revisão como desfecho e da avaliação de informações restritas, condições essas que constituem pilares dos próprios registros nacionais de artroplastia, como já discutido neste artigo.

Contudo, se considerarmos como desfecho unicamente a cirurgia de revisão com troca de implantes, agrupamos, em um mesmo cenário, as falhas técnicas ou os eventos adversos do procedimento, com as falhas diretamente ligadas ao produto (implante), o que é um grande viés na determinação da segurança e eficácia do produto, assim como da comparação entre diferentes implantes, além de não podermos determinar, com maior precisão, os verdadeiros fatores causais do insucesso da artroplastia.

Dessa forma, o Rempro-SBQ, julgando serem necessárias avaliações distintas de desfecho para essas diferentes circunstâncias, reconheceu as revisões de procedimentos (ou reoperações) que caracterizam os desfechos de procedimento e a revisão funcional de implantes que encerra os desfechos funcionais do implante. Qualquer outra situação de substituição de parte ou totalidade dos implantes protéticos é considerada como revisão estrutural de implante e a situação de desfecho correspondente é denominada como desfecho estrutural do implante. Essa diferenciação implica ainda no reconhecimento de que essas condições distintas requerem ações também distintas. No caso de desfechos funcionais, a implantação de programas de educação continuada é fortemente recomendada, enquanto que no desfecho por falhas de implantes (revisão estrutural de implantes), se frequente para um tipo específico, o monitoramento mais rigoroso deve ser feito.

O Rempro-SBQ, também com fundamento nessas considerações, optou por criar mecanismos que permitam diagnosticar a falha do procedimento e/ou do próprio implante protético, antes mesmo que a cirurgia de revisão seja feita. Para isso usa avaliações funcionais subjetivas (AFS), grau de satisfação do paciente, exames de imagens avaliadas por um comitê de adjudicação, o que permite ainda diferenciar o desfecho funcional do procedimento do desfecho estrutural do implante propriamente dito.

Manutenção e financiamento

Uma vez que o objetivo principal de registros de procedimentos e produtos é o controle e a melhoria da qualidade da assistência, o seu sucesso é fundamentado na escolha, coleta e interpretação das informações feitas em tempos sequenciais e definidos, o que implica uma participação e um protagonismo de sociedades médicas na manutenção dessas ações. Ainda, a retroalimentação das informações, a serem apresentadas sob a forma de relatórios anuais, e que constitui importante ferramenta dos registros, requer a análise e interpretação dos achados, que só podem ser feitas por especialistas na área. Ademais, as ações de controle e melhoria da qualidade também só podem ser implantadas mediante a atuação de sociedades médicas. Esses são motivos bastantes para a centralização da manutenção dos registros em instituições médicas.

No que diz respeito ao financiamento, razão do insucesso de alguns registros, o Rempro-SBQ foi estruturado de modo a explorar sua relação de parceria com os CPs e assim usar a capacidade instalada dos centros que promovem o treinamento de cirurgiões de quadril, o que por si só resulta em uma redução drástica dos custos de manutenção do registro, que, nessa circunstância, podem ser arcados pela Sociedade Brasileira de Quadril. Contudo, a grande relevância das informações e ações promovidas pelo registro estimula o interesse de outras sociedades médicas, vários órgãos públicos do sistema nacional de saúde, assim como de indústrias de implantes protéticos. Dessa forma, algumas informações, reservada a confidencialidade dos pacientes, médicos e instituições, podem ser compartilhadas mediante parcerias de financiamento, sem ferir quaisquer preceitos éticos.

Conclusões

Muito embora os Registros Nacionais de Artroplastias constituam uma importante ferramenta de acompanhamento de pacientes submetidos a substituições articulares protéticas, suas principais limitações podem, de forma complementar, ser reguladas por instrumentos de melhor qualidade científica, como os registros multicêntricos.

O Rempro-SBQ, que incorpora em sua estrutura organizacional e funcional os centros de treinamento em cirurgia de quadril, já ligados institucionalmente à Sociedade Brasileira de Quadril, possibilita, simultaneamente, a coleta de informações mais específicas de elevado nível hierárquico, e de forma confiável, com redução bastante significativa dos custos de manutenção e financiamento. As ações de melhoria da qualidade, amparadas pela SBQ, protagonizam um cenário de maior efetividade e maior adesão aos procedimentos de coleta, armazenamento, interpretação e divulgação das informações. O início das atividades reais de registros de procedimentos, já em andamento através de um projeto piloto, será importante para a consolidação dos preceitos e fundamentos aqui apresentados.

  • Trabalho desenvolvido pelos membros da Diretoria do Registro Multicêntrico de Procedimentos Operatórios (Rempro), Sociedade Brasileira de Quadril (SBQ), Batatais, SP, Brasil.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2017

Histórico

  • Recebido
    14 Dez 2016
  • Aceito
    26 Jan 2017
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