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Ensaio estático de flexão após retirada de haste do fêmur proximal (PFN) - Análise in vitro Trabalho desenvolvido no Hospital Ortopédico e Medicina Especializada (Home), Instituto de Pesquisa e Ensino (IPE), Brasília, DF, Brasil.

Resumo

Objetivo

Avaliar, por meio de ensaio biomecânico, a resistência e a energia necessária para ocorrência de fratura do fêmur proximal em osso sintético após retirada de um modelo de haste de fêmur proximal (PFN) e comparar os resultados obtidos com técnica de reforço com polimetilmetacrilato (PMMA).

Métodos

Foram usados 15 ossos sintéticos: cinco unidades para o grupo controle (GC), cinco para o grupo teste sem reforço (GTS) e cinco para grupo teste com reforço (GTC). A análise biomecânica foi feita e simulou queda sobre o trocânter com máquina servo-hidráulica. No GC, o ensaio foi feito com sua integridade intacta. Nos grupos GTS e GTC, foi introduzido um modelo de PFN e os ensaios foram feitos no GTS, após simples retirada do material de síntese, e no GTC, após retirada do mesmo modelo de haste e preenchimento do pertuito no colo com PMMA.

Resultado

Todos os grupos apresentaram fratura basocervical. O grupo GC apresentou média 1.427,39 Newtons (N) de carga máxima e 10,14 Joules (J) de energia para a ocorrência da fratura. Os grupos GTS e GTC apresentaram 892,14 N e 1.477,80 N de carga máxima e 6,71 J e 11,99 J de energia, respectivamente. Segundo a Anova de Kruskal-Wallis, existe diferença significativa na carga máxima (p = 0,009) e na energia (p = 0,007) entre esses grupos.

Conclusão

A simples retirada de um PFN em osso sintético apresentou redução significativa da carga máxima e da energia para a ocorrência de fratura, que foram reestabelecidas com uma técnica de reforço com PMMA.

Palavras-chave:
Quadril; Fraturas de quadril; Osteoporose; Polimetilmetacrilato

Abstract

Objective

To evaluate, through biomechanical testing, the resistance to and energy required for the occurrence of proximal femoral fracture in synthetic bone after removal of a proximal femoral nail model (PFN), comparing the results obtained with a reinforcement technique using polymethylmethacrylate (PMMA).

Methods

Fifteen synthetic bones were used: five units for the control group (CG), five for the test group without reinforcement (TGNR), and five for the test group with reinforcement (TGR). The biomechanical analysis was performed simulating a fall on the trochanter using a servo-hydraulic machine. In the GC, the assay was performed with the PFN intact. In the TGNR and TGR groups, a model of PFN was introduced and the tests were performed in the TGNR, after simple removal of the synthesis material, and in the TGR, after removal of the same PFN model and filling of the cavity in the femoral neck with PMMA.

Results

All groups presented a basicervical fracture. The CG presented a mean of 1427.39 Newtons (N) of maximum load and 10.14 Joules (J) of energy for the occurrence of the fracture. The TGNR and TGR presented 892.14 N and 1477.80 N of maximum load, and 6.71 J and 11.99 J of energy, respectively. According to the Kruskal-Wallis ANOVA, there was a significant difference in the maximum load (p = 0.009) and energy (p = 0.007) between these groups.

Conclusion

The simple removal of a PFN in synthetic bone showed a significant reduction of the maximum load and energy for the occurrence of fracture, which were re-established with a reinforcement technique using PMMA.

Keywords:
Hip; Hip fractures; Osteoporosis; Polymethylmethacrylate

Introdução

Fraturas da região do fêmur proximal são um dos problemas mais comuns entre os idosos, constituindo importante causa de morbidade e mortalidade nessa faixa etária. Tornar-se-á cada vez mais frequente devido ao aumento da expectativa de vida.11 Gullberg B, Johnell O, Kanis JA. World-wide projections for hip fracture. Osteoporos Int. 1997;7(5):407-13.,22 Yang JH, Jung TG, Honnurappa AR, Cha JM, Ham CH, Kim TY, et al. The analysis of biomechanical properties of proximal femur after implant removal. Appl Bionics Biomech. 2016;2016:4987831.

O objetivo do tratamento dessas fraturas é dar condições à retomada das atividades habituais o mais rapidamente possível ao paciente, seja com a fixação da fratura por meio de hastes, placas e/ou parafusos ou substituição artroplástica do quadril, a fim de diminuir a possibilidade de complicações clínicas devido à imobilidade do paciente.22 Yang JH, Jung TG, Honnurappa AR, Cha JM, Ham CH, Kim TY, et al. The analysis of biomechanical properties of proximal femur after implant removal. Appl Bionics Biomech. 2016;2016:4987831.

As indicações de retirada das sínteses ocorrem por dor persistente na região glútea e coxa, causada pela proeminência do material de síntese, por falha do implante ou por infecção.22 Yang JH, Jung TG, Honnurappa AR, Cha JM, Ham CH, Kim TY, et al. The analysis of biomechanical properties of proximal femur after implant removal. Appl Bionics Biomech. 2016;2016:4987831.,33 Kukla C, Pichl W, Prokesch R, Jacyniak W, Heinze G, Gatterer R, et al. Femoral neck fracture after removal of the standard gamma interlocking nail: a cadaveric study to determine factors influencing the biomechanical properties of the proximal femur. J Biomech. 2001;34(12):1519-26. Após a consolidação da fratura do fêmur proximal, a remoção de implantes pode causar complicações como possíveis fraturas do colo femoral ou da região intertrocantérica.33 Kukla C, Pichl W, Prokesch R, Jacyniak W, Heinze G, Gatterer R, et al. Femoral neck fracture after removal of the standard gamma interlocking nail: a cadaveric study to determine factors influencing the biomechanical properties of the proximal femur. J Biomech. 2001;34(12):1519-26.

Nas fraturas transtrocantéricas instáveis, há uma tendência de uso de osteossínteses intramedulares, principalmente em osso de má qualidade, devido ao seu melhor resultado biomecânico e clínico.44 Mahaisavariya B, Sitthiseripratip K, Suwanprateeb J. Finite element study of the proximal femur with retained trochanteric gamma nail and after removal of nail. Injury. 2006;37(8):778-85.

Nos pacientes idosos com densidade mineral óssea diminuída, a remoção de implantes intramedulares do fêmur proximal deve ser cuidadosamente avaliada. Considerando a necessidade de atividades físicas e a presença de comorbidades, a remoção do implante foi reservada a pacientes mais jovens. Porém, atualmente, devido à expectativa de vida prolongada e às atividades esportivas na terceira idade, a necessidade de remoção tornar-se-á uma tendência crescente em pacientes idosos.55 Kröger H, Kettunen J, Bowditch M, Joukainen J, Suomalainen O, Alhava E. Bone mineral density after the removal of intramedullary nails: a cross-sectional and longitudinal study. J Orthop Sci. 2002;7(3):325-30.,66 Eberle S, Wutte C, Bauer C, von Oldenburg G, Augat P. Should extramedullary fixations for hip fractures be removed after bone union? Clin Biomech. 2011;26(4):410-4.

Visto que há maior tendência de uso de hastes intramedulares em tratamento de fraturas transtrocanterianas instáveis e que haverá um crescimento populacional dos idosos nos próximos 20 anos, descrever os resultados por meio de um ensaio estático de flexão com simulação de queda sobre o trocânter em fêmures sintéticos, após retirada de PFN, com a presença e a ausência de uma técnica de reforço, pode propiciar resultados que determinem o desenvolvimento de ensaios clínicos a fim de apresentar um maior cuidado nas indicações de retirada de PFN.

Material e métodos

Foram usados 15 fêmures sintéticos de fabricação nacional com canal medular de 12 mm de mesmo lote e de mesmo modelo divididos em três grupos, cada um composto por cinco unidades (fig. 1). O grupo controle (GC) foi constituído por fêmures sintéticos com sua integridade externa e interna intactas.

Figura 1
Corpos de prova antes dos ensaios.

Nos grupos GTS e GTC, os fêmures sintéticos foram submetidos à implantação de um PFN de parafuso deslizante único de 12mm de diâmetro, sem fraturas prévias, e retirado logo em seguida.

No grupo GTS, o ensaio biomecânico foi feito logo após a retirada do implante, sem uso de qualquer técnica de reforço.

No grupo GTC, após a retirada do implante, os pacientes foram submetidos a uma técnica de reforço com o uso de PMMA no pertuito do parafuso deslizante, introduzido de forma anterógrada com auxílio de uma seringa (fig. 2).

Figura 2
Imagem de raios X de modelo sintético após reforço com PMMA.

Todas as amostras foram enviadas ao laboratório de ensaios biomecânicos e se deram de forma estática em flexão com a máquina servo-hidráulica do modelo MTS 810 - FlexTest 40 com capacidade de 100 kN.

O fêmur foi fixado ao dispositivo de ensaios com 150 mm do seu comprimento fora do dispositivo em direção ao pistão hidráulico, posicionado na base da máquina de ensaios com inclinação de 10º com a horizontal e 15° rotacão interna aferidos por meio de goniômetro digital. Manteve-se o trocânter maior apoiado em um disco de silicone de 8x2 cm de diâmetro (fig. 3A). Foi aplicada uma pré-carga de 40 N com velocidade de 2 mm/s e em seguida aplicada a carga na cabeça do fêmur até a fratura (fig. 3B), obtiveram-se os valores de carga máxima em N e energia em J.

Figura 3
A, fêmur fixado no dispositivo durante o ensaio antes da ocorrência da fratura; B, fêmur fraturado após o ensaio.

A análise descritiva apresentou na forma de tabelas os dados observados, expressos pela mediana e intervalo interquartílico (Q1-Q3) segundo o grupo de experimento, e por gráficos ilustrativos. A análise inferencial foi composta pela Anova de Kruskal-Wallis e pelo teste de comparações múltiplas de Dunn. O critério de determinação de significância adotado foi o nível de 5%. A análise estatística foi processada pelo software estatístico SPSS versão 20.0.

Resultados

Todos os corpos de prova ensaiados apresentaram fratura basocervical (fig. 4).

Figura 4
Corpos de prova de unidades dos grupos GTS, GTC e GC demonstram o padrão fraturário obtido (fratura basocervical).

A tabela 1 fornece a mediana e o intervalo interquartílico (Q1-Q3) da carga máxima (N) e da energia (J) para ocorrência da fratura dos grupos GC, GTS, GTC e o correspondente nível descritivo (p valor) do teste estatístico.

Tabela 1
Apresentação de valores de carga máxima, energia e p valor para fratura

A análise inferencial foi composta pela Anova de Kruskal-Wallis para verificar se existe diferença significativa entre os grupos e pelo teste de comparações múltiplas de Dunn para identificar quais os grupos que diferem significativamente entre si, no nível de 5%.

Observou-se, segundo a Anova de Kruskal-Wallis, que existe diferença significativa na carga máxima (p = 0,009) e na energia para fratura (p = 0,007) entre os grupos.

Identificou-se, segundo o teste de Dunn, no nível de 5%, que o grupo GC e o grupo GTC apresentaram carga máxima e energia para ocorrência da fratura significativamente maior do que o grupo GTS. Não existe diferença significativa, no nível de 5%, entre os grupos controle e com cimento.

Discussão

A retirada de implantes relativamente grandes como a PFN, após a cura da fratura apresenta índices relativamente elevados de complicações, como fraturas do colo do fêmur, recomenda-se sua retirada apenas em casos de infecção profunda e crônica.66 Eberle S, Wutte C, Bauer C, von Oldenburg G, Augat P. Should extramedullary fixations for hip fractures be removed after bone union? Clin Biomech. 2011;26(4):410-4.

O uso de reforço ósseo de PMMA após a retirada de implantes já apresenta resultados experimentais, há preocupação com o volume usado devido à reação térmica local.77 Strauss EJ, Pahk B, Kummer FJ, Egol K. Calcium phosphate cement augmentation of the femoral neck defect created after dynamic hip screw removal. J Orthop Trauma. 2007;21(5):295-300.,88 Heini PF, Franz T, Fankhauser C, Gasser B, Ganz R. Femoroplasty-augmentation of mechanical properties in the osteoporotic proximal femur: a biomechanical investigation of PMMA reinforcement in cadaver bones. Clin Biomech. 2004;19(5):506-12.

O mecanismo de trauma escolhido, queda sobre o grande trocânter, se deu pelo fato de ser essa a forma de lesão mais comum do fêmur proximal em pacientes idosos.

A escolha dos ossos sintéticos foi determinada para garantir propriedades biomecânicas comparáveis entre os grupos e eliminar variáveis. Dessa forma, retirar possíveis alterações inerentes aos ossos humanos que tornariam, devido às suas características não uniformes (densidade óssea, comprimento e diâmetro), a avaliação metodológica discutível.99 Cristofolini L, Viceconti M, Cappello A, Toni A. Mechanical validation of whole bone composite femur models. J Biomech. 1996;29(4):525-35.

Apesar de os valores absolutos não serem comparáveis a estudos apresentados em ensaios experimentais com ossos de cadáveres, fato esse determinado pela diferença estrutural e biomecânica desses com ossos sintéticos, notou-se compatibilidade de resultados de incremento de força ao uso de reforço com PMMA.1010 Fliri L, Sermon A, Wähnert D, Schmoelz W, Blauth M, Windolf M. Limited V-shaped cement augmentation of the proximal femur to prevent secondary hip fractures. J Biomater Appl. 2013;28(1):136-43.

11 Basafa E, Murphy RJ, Otake Y, Kutzer MD, Belkoff SM, Mears SC, et al. Subject-specific planning of femoroplasty: an experimental verification study. J Biomech. 2015;48(1):59-64.
-1212 Beckmann J, Ferguson SJ, Gebauer M, Luering C, Gasser B, Heini P. Femoroplasty—augmentation of the proximal femur with a composite boné cement—feasibility, biomechanical properties and osteosynthesis potential. Med Eng Phys. 2007;29(7):755-64. A apresentação do mesmo padrão fraturário nos grupos, principalmente no grupo GTC, demonstra que o reforço atuou especificamente no incremento de carga, não houve transferência de padrão biomecânico para a ocorrência de fratura.

Conclusão

Os resultados aqui apresentados podem servir de motivação para o desenvolvimento de ensaios clínicos que melhorem o nível de evidência do benefício biomecânico do reforço ósseo na retirada de sínteses como o PFN em pacientes idosos.

  • Trabalho desenvolvido no Hospital Ortopédico e Medicina Especializada (Home), Instituto de Pesquisa e Ensino (IPE), Brasília, DF, Brasil.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2017

Histórico

  • Recebido
    30 Nov 2016
  • Aceito
    26 Jan 2017
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