Acessibilidade / Reportar erro

Pseudoaneurisma femoral como complicação do tratamento cirúrgico de epifisiólise proximal do fêmur Trabalho desenvolvido na Santa Casa de Porto Alegre, Serviço de Ortopedia e Traumatologia, Porto Alegre, RS, Brasil.

RESUMO

A epifisiólise proximal da cabeça femoral é uma patologia frequentemente tratada em centros de ortopedia. Mesmo nos casos de tratamento bem-sucedido, complicações relacionadas tanto ao fenômeno em si quanto à síntese escolhida não são raras. Os autores relatam um caso de epifisiólise da cabeça femoral bilateral, submetido a pinagem, que evoluiu com uma complicação raríssima em um dos membros: a formação de um pseudoaneurisma femoral, com posterior rotura.

Palavras-chave:
Aneurisma/etiologia; Pinos ortopédicos/efeitos adversos; Epífise deslocada; Artéria femoral/lesões; Cabeça do fêmur/cirurgia

ABSTRACT

Slipped capital femoral epiphysis is a very frequently seen condition in orthopedics centers worldwide. Even in successfully treated cases, complications related either with the pathology per se or with the chosen synthesis method are not rare.

This report presents a case of bilateral slipped capital femoral epiphysis treated with pinning, in which one of the limbs developed a very rare condition: the formation of a femoral pseudoaneurysm that ruptured.

Keywords:
Aneurysm/etiology; Orthopedic pinning/adverse effects; Slipped epiphysis; Femoral artery/injuries; Femur head/surgery

Introdução

Complicações do tratamento associadas à epifisiólise proximal da cabeça femoral são frequentes.11 Loder RT, Dietz FR. What is the best evidence for the treatment of slipped capital femoral epiphysis? J Pediatr Orthop. 2012;32 Suppl. 2:S158-65.

Entre elas se incluem a osteonecrose (diretamente associada ao grau de estabilidade da lesão e ao ato cirúrgico), a condrólise (multifatorial e não totalmente compreendida, pode ocorrer com ou sem o tratamento da patologia), o impacto femoroacetabular e a falha na fixação, com progressão do deslocamento da epífise.11 Loder RT, Dietz FR. What is the best evidence for the treatment of slipped capital femoral epiphysis? J Pediatr Orthop. 2012;32 Suppl. 2:S158-65.,22 Senthi S, Blyth P, Metcalfe R, Stott NS. Screw placement after pinning of slipped capital femoral epiphysis: a postoperative CT scan study. J Pediatr Orthop. 2011;31(4):388-92.

Descrevemos aqui o relato de uma complicação muito rara e que necessitou de abordagem rápida e eficaz - a formação de pseudoaneurisma relacionada a perfuração epifisária do parafuso, com lesão e parcial rotura traumática da artéria femoral que formaram extenso hematoma pulsátil na coxa.

Relato do caso

Paciente masculino, de 14 anos, na emergência de nosso hospital referiu dor, incapacidade para deambular e aumento de volume na raiz da coxa direita (fig. 1).

Figura 1
A, imagem clínica inicial do paciente, mostra aumento de volume no 1/3 proximal da coxa; B, imagem radiográfica da pelve na internação hospitalar.

O início dos sintomas fora havia duas semanas sem história traumática.

Houve pioria progressiva do quadro no período. Na história médica pregressa consta tratamento cirúrgico para epifisiólise femoral proximal do lado esquerdo havia três anos. No lado direito fora feito o mesmo procedimento havia quatro meses: pinagem com um único parafuso.

Ao exame físico observou-se extenso aumento de volume na região proximal da coxa direita. A palpação era quente e a primeira impressão diagnóstica era tratar-se de abcesso. Ao exame mais detalhado a massa era pulsátil e havia frêmito à palpação e à ausculta.

Na punção feita com agulha 7 houve saída de sangue vivo em jato (fig. 2).

Figura 2
Punção da coxa com saída de grande quantidade de sangue sob pressão.

Após tamponamento do sangramento, acionou-se imediatamente a equipe de cirurgia vascular do hospital. Foi solicitada internação e preparação para exploração cirúrgica do hematoma pelas duas equipes: ortopedia e vascular. No transoperatório pôde-se observar, em meio ao hematoma, a cabeça do parafuso parcialmente extrusa da epífise com lesão e formação do pseudoaneurisma femoral. Foi retirado o parafuso e foi feito o reparo da lesão vascular, com resultado satisfatório e sem intercorrências (fig. 3). O paciente retornou ao ambulatório várias vezes e após seis semanas deambulava com normalidade e sem dor e tinha pulsos periféricos normais (figs. 4 e 5).

Figura 3
Imagem transoperatória mostra que a ponta do parafuso perfurou a cartilagem articular e lesou a artéria femoral e mostra a formação do pseudoaneurisma.

Figura 4
A, aspecto clínico do paciente após seis semanas, mostra abdução normal; B, flexão do quadril com sinal de Drehman(+).

Figura 5
Imagem radiográfica da pelve após a reparação arterial e retirada do parafuso após seis semanas.

Discussão

Os objetivos primários do tratamento da epifisiólise femoral proximal são: eliminar a dor, manter a relação anatômica do colo e da cabeça femoral, para impedir futura progressão do deslizamento, e promover a epifisiodese.11 Loder RT, Dietz FR. What is the best evidence for the treatment of slipped capital femoral epiphysis? J Pediatr Orthop. 2012;32 Suppl. 2:S158-65.,22 Senthi S, Blyth P, Metcalfe R, Stott NS. Screw placement after pinning of slipped capital femoral epiphysis: a postoperative CT scan study. J Pediatr Orthop. 2011;31(4):388-92.

Os objetivos secundários são evitar as complicações inerentes à patologia e reduzir os riscos de alterações degenerativas precoces.

O padrão ouro de tratamento é a fixação in situ com um único parafuso.33 Johari AN, Pandey RA. Controversies in management of slipped capital femoral epiphysis. World J Orthop. 2016;7(2):78-81. Estudos biomecânicos mostram que dois parafusos alcançam uma fixação mais estável. Entretanto, a maioria dos ortopedistas prefere um único parafuso para evitar riscos de perfuração da cabeça e a subsequente condrolise.33 Johari AN, Pandey RA. Controversies in management of slipped capital femoral epiphysis. World J Orthop. 2016;7(2):78-81.,44 Jones JR, Paterson DC, Hillier TM, Foster BK. Remodeling after pinning for slipped capital femoral epiphysis. J Bone Jt Surg Br. 1990;72(4):568-73.

A osteotomia do colo (Dunn) consegue restaurar perfeitamente a anatomia do quadril, mas os riscos de necrose podem alcançar níveis acima de 20%.55 Sankar WN, Vanderhave KL, Matheney T, Herrera-Soto JA, Karlen JW. The modified Dunn procedure for unstable slipped capital femoral epiphysis: a multicenter perspective. J Bone Jt Surg Am. 2013;95(7):585-91.,66 Slongo T, Kakaty D, Krause F, Ziebarth K. Treatment of slipped capital femoral epiphysis with a modified Dunn procedure. J Bone Jt Surg Am. 2010;92(18):2898-908.

Outras controvérsias no tratamento são a fixação contralateral e o tempo para liberação da marcha com apoio.11 Loder RT, Dietz FR. What is the best evidence for the treatment of slipped capital femoral epiphysis? J Pediatr Orthop. 2012;32 Suppl. 2:S158-65.,33 Johari AN, Pandey RA. Controversies in management of slipped capital femoral epiphysis. World J Orthop. 2016;7(2):78-81.

As complicações mais comuns são a condrolise, a osteonecrose, o impacto femoroacetabular e a artrose secundária.33 Johari AN, Pandey RA. Controversies in management of slipped capital femoral epiphysis. World J Orthop. 2016;7(2):78-81.

O presente relato apresenta uma complicação muito rara: a formação de pseudoaneurisma da artéria femoral pelo parafuso da fixação in situ.

References

  • 1
    Loder RT, Dietz FR. What is the best evidence for the treatment of slipped capital femoral epiphysis? J Pediatr Orthop. 2012;32 Suppl. 2:S158-65.
  • 2
    Senthi S, Blyth P, Metcalfe R, Stott NS. Screw placement after pinning of slipped capital femoral epiphysis: a postoperative CT scan study. J Pediatr Orthop. 2011;31(4):388-92.
  • 3
    Johari AN, Pandey RA. Controversies in management of slipped capital femoral epiphysis. World J Orthop. 2016;7(2):78-81.
  • 4
    Jones JR, Paterson DC, Hillier TM, Foster BK. Remodeling after pinning for slipped capital femoral epiphysis. J Bone Jt Surg Br. 1990;72(4):568-73.
  • 5
    Sankar WN, Vanderhave KL, Matheney T, Herrera-Soto JA, Karlen JW. The modified Dunn procedure for unstable slipped capital femoral epiphysis: a multicenter perspective. J Bone Jt Surg Am. 2013;95(7):585-91.
  • 6
    Slongo T, Kakaty D, Krause F, Ziebarth K. Treatment of slipped capital femoral epiphysis with a modified Dunn procedure. J Bone Jt Surg Am. 2010;92(18):2898-908.
  • Trabalho desenvolvido na Santa Casa de Porto Alegre, Serviço de Ortopedia e Traumatologia, Porto Alegre, RS, Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Feb 2018

Histórico

  • Recebido
    24 Jan 2017
  • Aceito
    06 Mar 2017
Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia Al. Lorena, 427 14º andar, 01424-000 São Paulo - SP - Brasil, Tel.: 55 11 2137-5400 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: rbo@sbot.org.br