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Análise interobservador da classificação das lesões em dedo em martelo segundo Albertoni, utilizando-se radiografias simples: Importância do uso do goniômetro* * Trabalho feito no Hospital Vera Cruz, Belo Horizonte, MG, Brasil.

Resumo

Objetivos

Quantificar o grau de concordância intra- e interobservador da classificação Albertoni e avaliar a importância do uso do goniômetro na diferenciação do grau da lesão.

Métodos

Foram selecionados 10 casos de dedo em martelo, os quais foram avaliados por 60 examinadores.

Resultados

A concordância interobservador sem o uso do goniômetro foi elevada. Com o uso do goniômetro, obteve-se um “kappa” ainda maior, porém sem relevância estatística.

Conclusão

A Classificação de Albertoni possui elevada concordância intra- e interobservador, e o uso do goniômetro se mostrou dispensável para classificar.

Palavras-chave
deformidades adquiridas da mão/classificação; traumatismos dos dedos; reprodutibilidade dos testes; ruptura; traumatismos dos tendões

Abstract

Objectives

The objective of the present study is to evaluate the intraobserver and interobserver reliability of the Albertoni classification for mallet finger. Evaluation of goniometer device application is also an objective.

Methods

A total of 10 lateral radiographs of patients with mallet finger were selected and measured by 60 orthopedic surgeons with and without the use of goniometer.

Results

The intra- and interobserver reliability coefficients found were high. With the use of a goniometer, the interobserver reliability coefficient was even higher, but without statistical relevance.

Conclusion

The Albertoni classification showed high intraobserver and interobserver reliability in assessing mallet finger lesions, and the goniometer is dispensable for this purpose.

Keywords
acquired hand deformities/classification; finger injuries; reproducibility of results; rupture; tendon injuries

Introdução

O dedo em martelo tem por definição a ruptura do mecanismo extensor terminal, resultando em uma deformidade em flexão da falange distal.11 Mélega JM. Cirurgia plástica fundamentos e arte: cirurgia reparadora de troncos e membros. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan; 2004

As lesões do mecanismo extensor são muito frequentes nos traumatismos da mão. O terceiro, quarto e quinto dedos da mão dominante são os mais acometidos, sendo que 95% das lesões são fechadas. O mecanismo de lesão em geral é um trauma na ponta do dedo provocando flexão súbita ou extensão contra-resistência.11 Mélega JM. Cirurgia plástica fundamentos e arte: cirurgia reparadora de troncos e membros. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan; 2004,22 Braga Silva J. Cirurgia damão-Trauma.Rio de Janeiro: Revinter;2003

Esta lesão, quando não tratada, poderá resultar em um tendão alongado e potencialmente menos funcional. A ruptura da cápsula e dos ligamentos retinaculares leva a uma deformidade maior. É importante ressaltar que as fibras do ligamento retinacular oblíquo também possuem papel na extensão. As lesões ósseas por avulsão provocam deformidades semelhantes pela desinserção junto ao fragmento das estruturas tendinosas e ligamentares.22 Braga Silva J. Cirurgia damão-Trauma.Rio de Janeiro: Revinter;2003

3 Young RE, Harmon JM. Repair of tendon injuries of the hand. Ann Surg 1960;151:562-566
-44 Duran RJ, Houser RG. Controlled passive motion following flexor tendon repair in zone 2 and 3. In: AAOS Symposium on tendon surgery in the hand. St. Louis: CV Mosby; 1975:105-14

A presente pesquisa tem como objetivo geral quantificar a concordância intra- e interobservador da classificação Albertoni, e avaliar a importância do uso do goniômetro nas lesões do mecanismo extensor terminal do dedo33 Young RE, Harmon JM. Repair of tendon injuries of the hand. Ann Surg 1960;151:562-566,55 Lister GD, Kleinert HE, Kutz JE, Atasoy E. Primary flexor tendon repair followed by immediate controlled mobilization. J Hand Surg Am 1977;2(06):441-451,66 May EJ, Silfverskiöld KL, Sollerman CJ. Controlled mobilization after flexor tendon repair in zone II: a prospective comparison of three methods. J Hand Surg Am 1992;17(05):942-952 (Figura 1).

Fig. 1
Esquema demonstrando a classificação proposta por Albertoni (Omitimos os tipos C e D para enfatizarmos a aferição do ângulo). Fonte: Albertoni et al.77 Albertoni WM, Leite VW. Lesões dos tendões extensores. In: Pardini Júnior AG. Traumatismo da mão. 3ª. ed. Rio de Janeiro: Medsi; 2000:351-380

Materiais e Métodos

O protocolo do estudo foi aprovado pelo comitê de ética institucional sob o número CAAE 57854216300005135.

Trata- se de um estudo observacional transversal realizado entre os dias 08 e 22 de agosto de 2016. Foram selecionados 10 casos com lesões de dedo em martelo para serem examinadas através de radiografias de incidência em perfil, com e sem o uso do goniômetro. Todas as imagens foram digitalizadas e então analisadas por ortopedistas e residentes em ortopedia que atuam nos serviços de saúde públicos e privados da cidade de Belo Horizonte, MG, Brasil, e a região metropolitana. O questionário é dividido em duas partes, cada uma contendo dez questões e um cabeçalho com informações sobre a formação do profissional (Material Suplementar 1).

Omitimos os tipos C e D da classificação de Albertoni para enfatizarmos a aferição do ângulo e o uso do goniômetro. Nos tipos C e D, a angulação não é essencial para a classificação (além disso, são lesões mais raras).

Em um dos questionários, as radiografias deveriam ser analisadas sem o uso de goniômetro (SG) e no outro com o uso desse instrumento (CG). Os critérios de inclusão de profissionais são: possuir familiaridade com o uso do goniômetro e o conhecimento da classificação de Albertoni para dedo em martelo. As radiografias foram avaliadas por 60 profissionais, sendo 20 residentes de ortopedia, 32 ortopedistas, e 8 cirurgiões de mão.

Para descrever o ângulo entre as questões e entre as classificações das questões, foram utilizadas medidas de tendência central, dispersão e posição. Para verificar a concordância intra e interobservador foi utilizado o coeficiente de Kappa.77 Albertoni WM, Leite VW. Lesões dos tendões extensores. In: Pardini Júnior AG. Traumatismo da mão. 3ª. ed. Rio de Janeiro: Medsi; 2000:351-380,88 Fleiss J. The measurement of interrater agreement, statistical interrater agreement statistical. New York: John Wiley & Sons; 1981

O software utilizado na análise foi o R versão 3.2.2.

Resultados

Foram aplicados 60 questionários. Destes, dois questionários foram excluídos por não estarem completos ou por possuírem os ângulos medidos com letras ilegíveis.

A Tabela 1 apresenta os observadores quanto à formação “Cirurgia da Mão”. Oito (13%) dos respondentes eram especialistas em cirurgia de mão.

Tabela 1
Descrição das variáveis subespecialidade e formação

A Tabela 2 apresenta a descrição das classificações das questões com e sem uso do goniômetro. O percentual de concordância de resposta foi elevado, sendo que nas questões 2 e 8 a maioria foi classificada como “A”, nas questões 3, 4 e 5 a maioria foi classificada como “B”, nas questões 1, 6, 7 e 9 a maioria foi classificada como “C”, e na questão 10 a maioria foi classificada como “D”.

Tabela 2
Descrição das Classificações das Questões Sem e Com uso do Goniômetro

A Figura 2 a seguir ilustra as informações da tabela acima.

Fig. 2
Descrição das classificações das questões sem e com uso.

A Tabela 3 apresenta a média do ângulo medido pelos entrevistados.

Tabela 3
Descrição do ângulo entre as questões

A Figura 3 a seguir ilustra em gráfico as informações da tabela acima.

Fig. 3
Descrição do ângulo entre as questões.

A Tabela 4 apresenta a concordância intraobservador e interobservador para cada questão. A partir dela, pode-se destacar que a concordância foi alta para todas as questões, sendo que:

  • Com relação à concordância intraobservador (“com goniômetro” versus “sem goniômetro”), as questões 1 e 10 apresentaram uma concordância de 100%, enquanto que a questão 4 apresentou a menor concordância. O coeficiente de Kappa apresentou um valor de 0,906, que indica uma alta concordância (p = 0,000).

Tabela 4
Concordância intraobservador e interobservador para cada questão

Discussão

A importância e eficiência de uma classificação se baseiam na simplicidade e reprodutibilidade. A mesma deve ainda permitir a comparação entre estudos científicos e apresentar alta concordância entre examinadores.99 Braga Silva J, Martins PDE, Román J, Gehlen D. Mobilização pósoperatória comflexão ativa precoce após reparo de tendões flexores na zona. Rev Soc Bras Cir Plást. 2005;20(04):207-212,1010 Braga Silva J, Calcagnotto G, Oliveira CG, Fisher H. Estudo prospectivo randomizado da mobilização ativa precoce após reparo dos tendões flexores em zona 2. Rev Bras Ortop 2003;38(10):581-588 Ao avaliar a confiabilidade e concordância entre observadores, há necessidade de considerar o acaso na avaliação.1111 Evans GR. Cirurgia plástica - estética e reconstrutora. Rio de Janeiro: Revinter; 2003,1212 Braga Silva J, Fernandes H, Fridman M. Lesão do tendão extensor em zona 1: tratamento ortopédico e cirúrgico. Rev Bras Ortop 1999;34(02):139-144 Para tanto, é utilizado o método kappa de comparação. Foi incorporado também no presente trabalho o uso do goniômetro e sua influência sobre a concordância nessa classificação.1111 Evans GR. Cirurgia plástica - estética e reconstrutora. Rio de Janeiro: Revinter; 2003,1313 Braga Silva J, Gazzalez A, Alvarez G. Lesão tendinosa da mão. Rev da AMRIGS, Porto Alegre. 2011;55(02):197-201,1414 Barros Filho TE, Lech O. Exame físico em ortopedia. São Paulo: Sarvier; 2002

A Tabela 2 mostra a distribuição de respostas relativas a cada questão sem e com o uso do goniômetro. Vemos que as questões 1, 2, 3, 5, 6, 7, 8, 9 e 10 apresentaram baixa variação intra- e interobservador. A questão 4 apresentou maior discordância para uma mesma resposta. Isso é devido ao fato de essa questão demonstrar uma lesão em dedo martelo com medida limítrofe de classificação.1515 Browner B, Jupiter J, Levine A, Trafton P, Krettek C. Skeletal trauma. 4th ed. Philadelphia: Saunders; 2008

16 Canale ST, Beaty JH. Campbell's operative orthopaedics. 12th ed. St. Louis: Mosby; 2012
-1717 Hebert S, Barros Filho TE, Xavier R, Pardini Júnior AG. Ortopedia e traumatologia: princípios e prática. 5ª. ed. Porto Alegre: Artmed; 2016

Observou-se uma uniformidade entre as respostas obtidas, demonstrada por um desvio padrão com pouca variação entre as mesmas (entre 3,49º e 5,46º). Na questão 8, a falange distal apresentava uma deformidade, que pode ter afetado esses resultados isolados obtidos. No gráfico boxplot, que a variação de ângulos entre os quartis de cada questão foi pequena com uma media de 5,1º (menor diferença: 2º / maior diferença: 8º). Não foi encontrado trabalho como referência para comparação com esses dados. No entanto, consideramos os valores obtidos como adequados.1818 Morrissy RT, Weinstein SL. Lovell and Winter's pediatric orthopaedics. 4th ed. Philadelphia: Lippincott; 2005,1919 Pardini Júnior AG, Freitas AD. Traumatismos damão. 4ª. ed. Rio de Janeiro: Medbook; 2008

Os resultados da avaliação intra- e interavaliador foram excelentes, como mostra a Tabela 4, seguindo a Escala do Coeficiente Interclasse de Kappa (Tabela 5).

Tabela 5
Escala do Coeficiente Interclasse de Kappa

Não houve diferença estatística relevante entre os avaliadores considerando a formação (residente, ortopedista ou cirurgião da mão). Lembrando que não foram incluídos os residentes que não conheciam a classificação ou que relataram não saber usar o goniômetro.

A concordância interavaliador para cada questão sem o uso do goniômetro com índice de kappa 0.829 (excelente) sugere que, mesmo sem o instrumento, a classificação é reprodutível para os diversos observadores. O uso do goniômetro gerou um kappa de 0.865, ligeiramente superior, o que mostra que o goniômetro tem a capacidade de aumentar a concordância, porém sem relevância estatística.2020 Agresti A, Kateri M. Categorical data analysis. Berlin: Springer-Verlag; 2011

21 Braga-Silva J, Kuyven CR. Early active mobilization after flexor tendon repairs in zone two. Chir Main 2005;24(3-4):165-168
-2222 Hollander M, Wolfe DA, Chicken E. Nonparametric statistical methods. New York: John Wiley & Sons; 2013

A medida de concordância intraobservador comparando os resultados obtidos com uso do goniômetro e sem o uso do mesmo apresentou um índice Kappa de 0,906. Por este trabalho, ficou estabelecido que a classificação não demanda o uso do goniômetro e que a avaliação por profissional que tenha conhecimento da classificação (residente de ortopedia, ortopedista ou cirurgião de mão) é suficiente.

Conclusão

Concluímos que a classificação de Albertoni é simples e reprodutível e com boa concordância intra- e interobservador, tanto com o uso do goniômetro, quanto sem ele. O uso do goniômetro aumentou um pouco a concordância interobservador, porém sem relevância estatística, sugerindo que é um instrumento dispensável para avaliação do dedo em martelo.

  • *
    Trabalho feito no Hospital Vera Cruz, Belo Horizonte, MG, Brasil.

References

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Maio 2020
  • Data do Fascículo
    Mar-Apr 2020

Histórico

  • Recebido
    08 Jan 2019
  • Aceito
    04 Jun 2019
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