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Osteoartrite global do cotovelo após uma fratura não deslocada da cabeça radial: Relato de caso* * Trabalho desenvolvido no Hospital Municipal Dr. Moysés Deutsch, São Paulo, SP, Brasil.

Resumo

As fraturas da cabeça radial representam mais de 50% de todas as fraturas do antebraço. Broberg e Morrey (modificação da classificação de Mason) as classificam em quatro tipos. As fraturas do tipo 1 são aquelas não deslocadas ou minimamente deslocadas, consideradas estáveis e sem bloqueio mecânico das articulações. Nesse tipo de fratura, um manejo não operatório com um curto período de imobilização permite bom resultado clínico sem desfechos adversos. Lesões associadas clinicamente relevantes não são comuns. Por esse motivo, a artrite da articulação radiocapitelar e ulnoumeral após a fratura da cabeça do rádio não deslocada é incomum. Este relato de caso apresenta um paciente jovem com diagnóstico de fratura isolada da cabeça radial não deslocada que evoluiu, 8 meses depois, para artrite global do cotovelo.

Palavras-chave
cotovelo; osteoartrite; fraturas do rádio

Abstract

Fractures of the radial head account for over 50% of all fractures of the forearm. Broberg and Morrey (modification of the Mason classification) classify them in four types. Type 1 fractures are non-displaced or minimally displaced, considered stable and without mechanical joint blockage. In this type of fracture, a non-operative management with a short period of immobilization leads to a good clinical result without adverse outcomes. Clinically relevant associated lesions are not common. Because of this, arthritis of the radiocapitellar and ulnohumeral joint after the non-displaced radial head fracture is uncommon. This case report presents a young patient diagnosed with isolated non-displaced radial head fracture, that evolved 8 months later, to global arthritis of the elbow.

Keywords
elbow; osteoarthritis; radius fractures

Introdução

As fraturas da cabeça radial representam mais de 50% de todas as fraturas do antebraço. Essas fraturas ocorrem com um trauma indireto através do longo eixo do rádio durante uma queda com o antebraço pronado e parcialmente flexionado.11 Mahmoud SS, Moideen AN, Kotwal R, Mohanty K. Management of Mason type 1 radial head fractures: a regional survey and a review of literature. Eur J Orthop Surg Traumatol 2014;24(07): 1133-1137,22 Mason ML. Some observations on fractures of the head of the radius with a review of one hundred cases. Br J Surg 1954;42 (172):123-132 Broberg e Morrey as classificam em quatro tipos (modificação da classificação Mason). As fraturas do tipo 1 são aquelas não deslocadas ou minimamente deslocadas (deslocadas em não mais de 2 mm) e o tamanho do fragmento deve incluir até 30% da cabeça (superfície articular). Se a fratura é deslocada em 2 mm ou mais, ou envolve 30% da cabeça, é considerada o tipo 2. Do tipo 3 são as fraturas cominutivas. Finalmente, fraturas do tipo 4 são as aquelas com luxação do cotovelo.22 Mason ML. Some observations on fractures of the head of the radius with a review of one hundred cases. Br J Surg 1954;42 (172):123-132,33 Broberg MA, Morrey BF. Results of treatment of fracture-dislo-cations of the elbow. Clin Orthop Relat Res 1987;(216):109-119

As fraturas do tipo 1 são causadas por trauma de baixa energia. Correspondem de 64 a 74% de todas as fraturas da cabeça radial.11 Mahmoud SS, Moideen AN, Kotwal R, Mohanty K. Management of Mason type 1 radial head fractures: a regional survey and a review of literature. Eur J Orthop Surg Traumatol 2014;24(07): 1133-1137,44 Duckworth AD, McQueen MM, Ring D. Fractures of the radial head. Bone Joint J 2013;95-B(02):151-159 Levando em conta suas características, a fratura do tipo 1 é considerada estável e não apresenta bloqueio articular mecânico. Além disso, lesões associadas clinicamente relevantes não são comuns.55 Kaas L, van Riet RP, Turkenburg JL, Vroemen JP, van Dijk CN, Eygendaal D. Magnetic resonance imaging in radial head fractures: most associated injuries are not clinically relevant. J Shoulder Elbow Surg 2011;20(08):1282-1288 Por tudo isso, nesse tipo de fratura, um manejo não operatório, com um curto período de imobilização, permite um bom resultado clínico sem desfechos adversos.44 Duckworth AD, McQueen MM, Ring D. Fractures of the radial head. Bone Joint J 2013;95-B(02):151-159 A osteoartrite da radiocapitelar (OA RC) e da articulação ulnoumeral é incomum após a fratura da cabeça radial não deslocada.66 Kachooei AR, Ring D. Evaluation of Radiocapitellar Arthritis in Patients with a Second Radiograph at Least 2 Years after Nonoperative Treatment of an Isolated Radial Head Fracture. Arch Bone Jt Surg 2017;5(06):375-379

Este relato de caso apresenta um paciente jovem com diagnóstico de fratura isolada e não deslocada da cabeça radial que evoluiu 8 meses depois com artrite global do cotovelo. Por meio de revisão sobre fratura da cabeça radial não deslocada, este artigo destaca a importância do acompanhamento dos pacientes para reconhecer essa possível complicação, mesmo em lesões consideradas simples.

Relato de Caso

Um homem de 35 anos, porteiro, caiu durante um jogo de futebol. Após 3 dias da lesão, o paciente compareceu ao hospital para atendimento médico. No exame físico apresentava um inchaço comum no cotovelo e sensibilidade sobre a cabeça radial. A estabilidade do cotovelo foi verificada e não havia suspeita de lesão ligamentar. Após radiografia e tomografia computadorizada, o paciente foi diagnosticado com fratura de cabeça radial não deslocada (Fig. 1a, b e Fig. 2a, b).

Fig. 1
Radiografias iniciais do cotovelo: visões anteroposterior (a) e lateral (b).

Fig. 2
A tomografia computadorizada mostrou fratura da cabeça radial não deslocada e isolada: visões sagital (a) e coronal (b).

O tratamento inicial foi imobilização de todo o braço com gesso. Como o paciente não sentia mais dor após 7 dias de imobilização, ele parou de usar o gesso e voltou ao trabalho. Dois meses depois, o paciente realizou nova radiografia que mostrou consolidação com pouca deformidade da cabeça radial e baixo grau de osteoartrose (Fig. 3a, b). No entanto, apenas 6 meses depois, o paciente veio até nós com queixas de dor e limitação de movimento. Durante o exame físico, o paciente apresentou amplitude de movimento reduzida (- 80º de extensão e 110º de flexão), mas não apresentou limitação importante na rotação do antebraço. Em seguida, o paciente realizou novas radiografias do cotovelo que evidenciavam osteoartrite grave do cotovelo (Fig. 4a, b). Em seguida, o paciente foi submetido ao desbridamento artroscópico do cotovelo, com importante melhora na amplitude de movimento e dor.

Fig. 3
Radiografias após 2 meses da lesão demonstrando consolidação de fratura com pouca deformidade da cabeça radial e baixo grau de osteoartrose: visões anteroposterior (a) e lateral (b).

Fig. 4
Visões anteroposterior (a) e lateral (b) do cotovelo 8 meses após a lesão inicial, mostrando osteoartrite global e grave.

Discussão

Os principais resultados adversos relacionados à fratura radial da cabeça não deslocada são rigidez do cotovelo e dor ocasional no cotovelo.44 Duckworth AD, McQueen MM, Ring D. Fractures of the radial head. Bone Joint J 2013;95-B(02):151-159,55 Kaas L, van Riet RP, Turkenburg JL, Vroemen JP, van Dijk CN, Eygendaal D. Magnetic resonance imaging in radial head fractures: most associated injuries are not clinically relevant. J Shoulder Elbow Surg 2011;20(08):1282-1288,77 Herbertsson P, Josefsson PO, Hasserius R, Karlsson C, Besjakov J, Karlsson MK. Displaced Mason type I fractures of the radial head and neck in adults: a fifteen- to thirty-three-year follow-up study. J Shoulder Elbow Surg 2005;14(01):73-77 A artrose do cotovelo após esse tipo de fratura é rara.66 Kachooei AR, Ring D. Evaluation of Radiocapitellar Arthritis in Patients with a Second Radiograph at Least 2 Years after Nonoperative Treatment of an Isolated Radial Head Fracture. Arch Bone Jt Surg 2017;5(06):375-379

Herbertsson et al.77 Herbertsson P, Josefsson PO, Hasserius R, Karlsson C, Besjakov J, Karlsson MK. Displaced Mason type I fractures of the radial head and neck in adults: a fifteen- to thirty-three-year follow-up study. J Shoulder Elbow Surg 2005;14(01):73-77 avaliaram os resultados a longo prazo de 27 fraturas de Mason tipo 1 e relataram que, embora os cotovelos lesionados tenham mais alterações degenerativas do que os cotovelos não lesionados, esses achados não têm significado clínico. Os casos, em sua maioria, estavam livres de dor e não apresentavam perda de movimento. Eles também relataram que os cotovelos lesionados tinham mais deformidades radiológicas do que os cotovelos não lesionados, mas essas deformidades não estão associadas à osteoartrite. Kachooei et al.66 Kachooei AR, Ring D. Evaluation of Radiocapitellar Arthritis in Patients with a Second Radiograph at Least 2 Years after Nonoperative Treatment of an Isolated Radial Head Fracture. Arch Bone Jt Surg 2017;5(06):375-379 avaliaram se pacientes após tratamento não operatório de uma fratura isolada da cabeça do rádio tinham OA RC. Dos 54 pacientes avaliados, 1 apresentava OA RC isolado e 3 também tinham osteoartrite ulnoumeral. Concluíram, portanto, que a OA RC é incomum após essas fraturas, mesmo com algum grau de deformidade da cabeça radial.

A estabilidade do cotovelo deve ser verificada no exame físico inicial para avaliar lesões ligamentares, pois a fratura da cabeça radial pode fazer parte de uma lesão complexa do cotovelo. Kaas et al.55 Kaas L, van Riet RP, Turkenburg JL, Vroemen JP, van Dijk CN, Eygendaal D. Magnetic resonance imaging in radial head fractures: most associated injuries are not clinically relevant. J Shoulder Elbow Surg 2011;20(08):1282-1288 relataram lesões associadas usando ressonância magnética (RM) em 12 de 17 pacientes com fratura Mason tipo 1. No seu estudo, demonstraram que 47% dos pacientes diagnosticados com esse tipo de fratura também apresentavam lesão do ligamento colateral lateral (LCL) e 2 de 17 pacientes apresentaram lesão condral. Destes pacientes, 7 tinham uma ruptura parcial e um tinha uma ruptura completa. Embora essas lesões sejam visíveis na ressonância magnética, elas raramente são sintomáticas. Além da lesão do LCL, as lesões da membrana interóssea (MIO) também são comumente associadas com fraturas do tipo Mason 1. Hausmann et al.88 Hausmann JT, Vekszler G, Breitenseher M, BraunsteinerT, Vécsei V, Gabler C. Mason type-I radial head fractures and interosseous membrane lesions-a prospective study. J Trauma 2009;66(02): 457-461 examinaram 14 pacientes com fratura de Mason tipo 1 quanto a lesão oculta na MIO. Eles relataram que 9 dos 14 pacientes apresentavam lesões adicionais da parte distal da MIO. Como os pacientes podem ter lesões adicionais, é provável que a osteoartrite do cotovelo após a fratura do tipo Mason 1 tenha sido parte de uma lesão ligamentar mais complexa.

No nosso caso apresentado, o paciente foi diagnosticado com artrose pós-traumática grave. No entanto, no exame físico inicial, não suspeitamos de instabilidade derivada de lesão ligamentar. Portanto, como o paciente sofreu um trauma de alta energia, é provável que ele tenha tido uma lesão condral não diagnosticada pelas imagens. Outra hipótese é que o paciente tivesse uma lesão ligamentar não diagnosticada no exame físico inicial, uma vez que o exame para o diagnóstico de uma lesão sutil no ligamento do cotovelo não é fácil de reproduzir. Em ambas as hipóteses, uma RM do cotovelo provavelmente teria ajudado nesse diagnóstico e, portanto, pode ser necessária sempre que houver um trauma de alta energia.

Em conclusão, fraturas da cabeça radial do tipo Mason 1 são fraturas com baixo risco de desenvolver osteoartrite após tratamento conservador. No entanto, não há garantia de resultado favorável. Sempre que houver fortes suspeitas clínicas de lesões mais complexas, como no trauma de alta energia, uma RM pode ser solicitada, e o paciente deve ser acompanhado para que qualquer possível complicação seja identificada mais cedo.

  • *
    Trabalho desenvolvido no Hospital Municipal Dr. Moysés Deutsch, São Paulo, SP, Brasil.

References

  • 1
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Jul 2020
  • Data do Fascículo
    May-Jun 2020

Histórico

  • Recebido
    14 Ago 2019
  • Aceito
    03 Out 2019
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