Acessibilidade / Reportar erro

O acetábulo sofre remodelamento após a osteotomia derrotatória varizante em pacientes com doença de Perthes?

Resumo

Objetivo

Investigamos o efeito do estágio da doença, idade do paciente e contorno final da cabeça femoral no contorno do acetábulo após a osteotomia derrotatória varizante (VDRO) do fêmur proximal na doença de Perthes unilateral.

Métodos

O estudo é uma análise retrospectiva de prontuários de 23 crianças com idade ≥ 6 anos com doença de Perthes unilateral que foram submetidas ao procedimento primário de VDRO para contenção. O índice acetabular (AI) e o ângulo da borda central (CEA) foram calculados bilateralmente em radiografias pré-operatórias e de acompanhamento e submetidos à comparação estatística.

Resultados

Os pacientes eram 15 meninos e oito meninas. À VDRO, seis quadris estavam no estágio de Waldenström modificado Ib, oito no estágio IIa e nove no estágio IIb. A média de idade à intervenção cirúrgica foi de 8,7 anos. A duração média do acompanhamento foi de 3,5 anos. Todas as cabeças femorais estavam consolidadas no último acompanhamento e os graus finais de Stulberg foram I = 3, II = 8, III = 7 e IV = 5. Havia displasia acetabular significativa do lado acometido no período pré-operatório. No acompanhamento, os pacientes operados apresentaram elevação significativa de AI e redução de CEA. Não houve remodelamento acetabular significativo nos quadris acometidos durante o acompanhamento, mesmo em crianças operadas em idade menor (< 8 anos) ou estágios iniciais (estágio Ib ou IIa). O remodelamento do acetábulo também não correspondeu ao grau final de Stulberg.

Conclusão

A VDRO do fêmur do quadril acometido não levou à melhora significativa da displasia acetabular, mesmo quando a cirurgia foi realizada nos estágios iniciais da doença ou em pacientes mais jovens. Alterações acetabulares residuais também foram observadas mesmo com graus de Stulberg favoráveis.

Palavras-chave
acetábulo; articulação do quadril; criança; doença de Legg-Calve-Perthes

Abstract

Objective

We investigated the effect of disease stage, patient's age and final contour of femoral head on acetabulum contour following varus derotation osteotomy of proximal femur (VDRO) in unilateral Perthes's disease.

Methods

The study is a retrospective analysis of case records of 23 children aged ≥6 years with unilateral Perthes' disease who underwent primary VDRO procedure for containment. Acetabular index (AI) and center edge angle (CEA) were calculated bilaterally in preoperative and follow-up radiographs and compared statistically.

Results

There were 15 boys and 8 girls. Six hips were in Ib, 8 in IIa and 9 in IIb modified Waldenström stage while undergoing VDRO. The mean age at surgical intervention was 8.7 years. The mean follow-up duration was 3.5 years. All femoral heads were healed at final follow-up and the final Stulberg grades were I = 3, II = 8, III = 7, IV = 5. A significant acetabular dysplasia on the affected side was present preoperatively. At follow-up, the patients operated had significantly raised AI and reduced CEA. There was no significant acetabular remodeling of the affected hips at follow-up even in children operated at younger age (< 8 years) or early stages (stage Ib or IIa). The acetabulum remodeling did not correspond to the final Stulberg grade as well.

Conclusion

Acetabulum was found involved in early stages of Perthes' disease. Varus derotation femoral osteotomy for the diseased hip showed no significant improvement in acetabular dysplasia even when operated in early disease stages or younger age group. Residual acetabular changes were also noted even with favorable Stulberg grades.

Keywords
acetabulum; child; hip joint; legg-calve-perthes disease

Introdução

Há amplas evidências que doença de Perthes modifica o fêmur proximal, mas também provoca alterações significativas no acetábulo.11 KamegayaM, Shinada Y,Moriya H, Tsuchiya K, Akita T, Someya M. Acetabular remodelling in Perthes’ disease after primary healing. J Pediatr Orthop 1992;12(03):308–314

2 Grzegorzewski A, Synder M, Kozłowski P, SzymczakW, Bowen RJ. The role of the acetabulum in Perthes disease. J Pediatr Orthop 2006;26(03):316–321

3 Shah H, Siddesh ND, Joseph B. To what extent does remodeling of the proximal femur and the acetabulum occur between disease healing and skeletal maturity in Perthes disease? A radiological study. J Pediatr Orthop 2008;28(07):711–716

4 Huhnstock S, Svenningsen S, Pripp AH, Terjesen T, Wiig O. The acetabulum in Perthes’ disease: a prospective study of 123 children. J Child Orthop 2014;8(06):457–465

5 Madan S, Fernandes J, Taylor JF. Radiological remodelling of the acetabulum in Perthes’ disease. Acta Orthop Belg 2003;69(05): 412–420
-66 Maranho DA, Ferrer M, Kalish LA, Hovater W, Novais EN. The acetabulum in healed Legg-Calvé-Perthes disease is cranially retroverted and associated with global reduction of femoral head coverage: a matched-cohort study. J Hip Preserv Surg 2020;7(01):49–56 As alterações acetabulares começam cedo e são caracterizadas pelo crescimento anormal da cartilagem e aumento do espaço articular medial. Nos estágios tardios, frequentemente há displasia do acetábulo lateral e aumento e deslocamento lateral da cabeça femoral.55 Madan S, Fernandes J, Taylor JF. Radiological remodelling of the acetabulum in Perthes’ disease. Acta Orthop Belg 2003;69(05): 412–420

O principal tratamento da doença de Perthes é o assentamento da cabeça femoral totalmente dentro da cavidade acetabular para que possa manter sua esfericidade durante o período subsequente de revascularização e remodelamento.77 Price CT, Thompson GH, Wenger DR. Containment methods for treatment of Legg-Calvé-Perthes disease. Orthop Clin North Am 2011;42(03):329–340,88 Joseph B, Price CT. Principles of containment treatment aimed at preventing femoral head deformation in Perthes disease. Orthop Clin North Am 2011;42(03):317–327 A contenção por osteotomia derrotatória de variação (VDRO) do fêmur proximal é um dos procedimentos cirúrgicos preferidos para esse fim. Muitos estudos relatam a melhora da esfericidade e do desfecho radiológico do fêmur proximal após a VDRO.99 KołbanM, Darczuk J, ChmielnickiM. Remodelling and congruency of the hip joint in children with Perthes’ disease treated with varus-derotation subtrochanteric osteotomy. Ortop Traumatol Rehabil 2004;6(06):697–704

10 Herceg MB, Cutright MT,Weiner DS. Remodeling of the proximal femur after upper femoral varus osteotomy for the treatment of Legg-Calvé-Perthes disease. J Pediatr Orthop 2004;24(06): 654–657

11 Aydin BK, Sofu H, Konya MN, Er T, Sahin V. Clinical and radiographic outcomes after femoral varus derotation osteotomy for Legg-Calvé-Perthes disease at 25 years follow-up: what are the determinants of outcome in the long term? Hip Int 2016;26(03): 301–306

12 Shohat N, Copeliovitch L, Smorgick Y, et al. the long-termoutcome after varus derotational osteotomy for Legg-Calvé-Perthes Disease: Amean follow-up of 42 years. J Bone Joint Surg Am2016;98 (15):1277–1285

13 Joseph B, RaoN,Mulpuri K, Varghese G, Nair S. Howdoes a femoral varus osteotomy alter the natural evolution of Perthes’ disease? J Pediatr Orthop B 2005;14(01):10–15

14 Joseph B, Nair NS, Narasimha Rao K, Mulpuri K, Varghese G. Optimal timing for containment surgery for Perthes disease. J Pediatr Orthop 2003;23(05):601–606
-1515 Kitakoji T, Hattori T, Kitoh H, Katoh M, Ishiguro N. Which is a better method for Perthes’ disease: femoral varus or Salter osteotomy? Clin Orthop Relat Res 2005;(430):163–170 Como as alterações acetabulares acompanham as modificações morfológicas da cabeça do fêmur durante a doença, pode-se esperar que a osteotomia de contenção femoral também produza congruência acetabular à consolidação.55 Madan S, Fernandes J, Taylor JF. Radiological remodelling of the acetabulum in Perthes’ disease. Acta Orthop Belg 2003;69(05): 412–420 Outros questionam essa hipótese porque a VDRO é comumente oferecida quando o potencial de remodelamento do acetábulo já é limitado.55 Madan S, Fernandes J, Taylor JF. Radiological remodelling of the acetabulum in Perthes’ disease. Acta Orthop Belg 2003;69(05): 412–420

A literatura especificamente acerca do remodelamento acetabular após procedimentos de contenção na doença de Perthes em crianças é escassa.11 KamegayaM, Shinada Y,Moriya H, Tsuchiya K, Akita T, Someya M. Acetabular remodelling in Perthes’ disease after primary healing. J Pediatr Orthop 1992;12(03):308–314,33 Shah H, Siddesh ND, Joseph B. To what extent does remodeling of the proximal femur and the acetabulum occur between disease healing and skeletal maturity in Perthes disease? A radiological study. J Pediatr Orthop 2008;28(07):711–716 Portanto, conduzimos este estudo para entender melhor as alterações acetabulares após a VDRO para tratamento da doença de Perthes. Investigamos principalmente o efeito do estágio da doença, da idade do paciente e do contorno final da cabeça femoral no acetábulo após a intervenção cirúrgica.

Métodos

Este estudo retrospectivo (2010-2020) foi realizado em um centro pediátrico terciário. O estudo foi autorizado pelo Comitê de Ética Institucional e todos os pacientes e/ou familiares assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido. Incluímos crianças ≥6 anos com doença de Perthes unilateral nos estágios Ib a IIb segundo a classificação de Waldenström modificada e submetidas à VDRO primária e epifisiodese trocantérica para contenção.88 Joseph B, Price CT. Principles of containment treatment aimed at preventing femoral head deformation in Perthes disease. Orthop Clin North Am 2011;42(03):317–327,1616 Canale ST, D’Anca AF, Cotler JM, Snedden HE. Innominate osteotomy in Legg-Calvé-Perthes disease. J Bone Joint Surg Am 1972;54 (01):25–40,1717 Joseph B, Varghese G, Mulpuri K, Narasimha Rao K, Nair NS. Natural evolution of Perthes disease: a study of 610 children under 12 years of age at disease onset. J Pediatr Orthop 2003;23 (05):590–600 Excluímos pacientes com acompanhamento inferior a 1 ano e inadequações nos prontuários médicos. Vinte e três crianças preencheram os critérios acima e participaram do estudo.

De acordo com a classificação modificada de Waldenström da doença de Perthes, a fragmentação da cabeça femoral começa no estágio IIa e progride até IIb (fragmentação tardia).88 Joseph B, Price CT. Principles of containment treatment aimed at preventing femoral head deformation in Perthes disease. Orthop Clin North Am 2011;42(03):317–327,1616 Canale ST, D’Anca AF, Cotler JM, Snedden HE. Innominate osteotomy in Legg-Calvé-Perthes disease. J Bone Joint Surg Am 1972;54 (01):25–40,1717 Joseph B, Varghese G, Mulpuri K, Narasimha Rao K, Nair NS. Natural evolution of Perthes disease: a study of 610 children under 12 years of age at disease onset. J Pediatr Orthop 2003;23 (05):590–600 A VDRO é geralmente indicada nos estágios I e II da doença. As evidências disponíveis indicam a provável extrusão da epífise e subsequente deterioração em crianças acima de 7 anos; assim, a VDRO também é recomendada em pacientes sem extrusão.44 Huhnstock S, Svenningsen S, Pripp AH, Terjesen T, Wiig O. The acetabulum in Perthes’ disease: a prospective study of 123 children. J Child Orthop 2014;8(06):457–465,1313 Joseph B, RaoN,Mulpuri K, Varghese G, Nair S. Howdoes a femoral varus osteotomy alter the natural evolution of Perthes’ disease? J Pediatr Orthop B 2005;14(01):10–15,1717 Joseph B, Varghese G, Mulpuri K, Narasimha Rao K, Nair NS. Natural evolution of Perthes disease: a study of 610 children under 12 years of age at disease onset. J Pediatr Orthop 2003;23 (05):590–600,1818 Muirhead-Allwood W, Catterall A. The treatment of Perthes’ disease. The results of a trial of management. J Bone Joint Surg Br 1982;64(03):282–285 A VDRO realizada em nosso instituto é uma osteotomia subtrocantérica em cunha lateral aberta para contenção da cabeça femoral com limite inferior do ângulo final do eixo do colo de cerca de 110 a 115 graus, desvio de cerca de 15 a 20 graus e estabilização com placa moldada de compressão dinâmica.77 Price CT, Thompson GH, Wenger DR. Containment methods for treatment of Legg-Calvé-Perthes disease. Orthop Clin North Am 2011;42(03):329–340

Avaliação

A avaliação radiográfica foi baseada em radiografias simples anteroposteriores. Como já mencionado, o estágio inicial e a gravidade de acometimento do quadril foram determinados segundo a classificação modificada de Waldenström.88 Joseph B, Price CT. Principles of containment treatment aimed at preventing femoral head deformation in Perthes disease. Orthop Clin North Am 2011;42(03):317–327,1616 Canale ST, D’Anca AF, Cotler JM, Snedden HE. Innominate osteotomy in Legg-Calvé-Perthes disease. J Bone Joint Surg Am 1972;54 (01):25–40 O índice acetabular (AI) e o ângulo da borda central (CEA) de ambos os quadris foram calculados antes da cirurgia.1919 Heyman CH, Herndon CH. Legg-Perthes disease; a method for the measurement of the roentgenographic result. J Bone Joint Surg Am 1950;32 A(04):767–778 Nas radiografias subsequentes de acompanhamento, o quadril foi avaliado quanto à presença de displasia acetabular e esfericidade. A displasia acetabular foi avaliada radiologicamente por AI e CEA. A esfericidade geral da cabeça foi analisada segundo o grau de Stulberg.2020 Stulberg SD, Cooperman DR,Wallensten R. The natural history of Legg-Calvé-Perthes disease. J Bone Joint Surg Am 1981;63(07): 1095–1108

O estágio da doença à apresentação, a idade do paciente e a esfericidade final da cabeça do fêmur são os principais fatores postulados para definição do desfecho final na doença de Perthes.22 Grzegorzewski A, Synder M, Kozłowski P, SzymczakW, Bowen RJ. The role of the acetabulum in Perthes disease. J Pediatr Orthop 2006;26(03):316–321,77 Price CT, Thompson GH, Wenger DR. Containment methods for treatment of Legg-Calvé-Perthes disease. Orthop Clin North Am 2011;42(03):329–340,88 Joseph B, Price CT. Principles of containment treatment aimed at preventing femoral head deformation in Perthes disease. Orthop Clin North Am 2011;42(03):317–327,1414 Joseph B, Nair NS, Narasimha Rao K, Mulpuri K, Varghese G. Optimal timing for containment surgery for Perthes disease. J Pediatr Orthop 2003;23(05):601–606,2121 Rampal V, Clément JL, Solla F. Legg-Calvé-Perthes disease: classifications and prognostic factors. Clin Cases Miner Bone Metab 2017;14(01):74–82. Dessa forma, para possibilitar a análise dos desfechos acetabulares, as crianças foram subagrupadas em estágio inicial (Ib e IIa) e tardio (IIb) da doença à apresentação; idade ≤8 e >8 anos; e grau de Stulberg até 2 (considerado um bom desfecho) e 3 ou superior.

Análise estatística

O AI e o CEA pré-operatórios em ambos os lados foram comparados com o teste t de Student pareado para determinar a displasia aproximada no quadril acometido. Os índices foram novamente comparados durante o acompanhamento para determinação da displasia acetabular residual. O valor de p <0,05 foi considerado significativo. A análise estatística foi realizada em software estatístico online MedCalc.2222 MedCalc Statistical Software. (Version 14.8.1). Ostend: MedCalc Software Bvba; 2014

Resultados

Dentre as 23 crianças, 15 eram meninos e oito eram meninas. Seis quadris estavam no estágio Ib, oito no estágio IIa e noveno estágio IIb antes da VDRO (Tabela 1). A idade média dos pacientes à intervenção cirúrgica foi de 8,7 (desvio-padrão [DP], 1,5) anos (faixa, 6,6 a 11,7 anos). A extrusão lateral da cabeça femoral foi observada em 18 quadris no período pré-operatório. A duração média do acompanhamento foi de 3,5 (DP, 2,2) anos e a idade média no final do acompanhamento foi de 12,2 (DP, 2,4) anos. Todas as cabeças femorais estavam consolidadas no último acompanhamento final e, dessas, 48% apresentavam graus I e II de Stulberg (grau de Stulberg I = 3, II = 8, III = 7 e IV = 5).

Tabela 1
Parâmetros acetabulares antes da cirurgia e no período de acompanhamento

As radiografias pré-operatórias mostraram displasia acetabular significativa no lado acometido em comparação ao lado não acometido. O quadril acometido apresentou AI médio de 16,6 (DP, 4,3) graus e CEA de 25,8 (DP, 4,8) graus, enquanto o lado não acometido apresentou AI médio de 11,7 (DP, 2,4) graus e CEA de 32,8 (DP 5,3) graus. Esta displasia foi observada em todos os subgrupos analisados (Tabela 2).

Tabela 2
Comparação entre os subgrupos

Os pacientes operados nos estágios inicial e tardio de fragmentação apresentaram displasia acetabular persistente significativa no lado acometido durante o acompanhamento (Tabela 2). Em indivíduos com estágios Ib e IIa da doença à apresentação, o AI no lado não acometido foi de 12,8 (DP, 3,9) graus e 17,5 (DP, 4,5) graus no lado acometido (p = 0,0004). O CEA foi de 37 (DP, 6,5) graus no lado não acometido e 29 (DP, 5,1) graus no lado acometido (p = 0,002) (Fig. 1). As observações em quadris operados no estágio IIb, de fragmentação tardia, foram semelhantes (Fig. 2). A análise intergrupos revelou a ausência de diferenças significativas ao comparar a displasia acetabular do lado acometido (Ib/IIa e IIb) no período pré-operatório e no último acompanhamento (p > 0,05).

Fig. 1
(A) Paciente de 10,1 anos de idade com doença de Perthes no quadril esquerdo em estágio 2a (paciente 4). (B) A osteotomia derrotatória varizante em cunha aberta foi realizada para contenção do quadril. (C) A cura foi alcançada aos 51 meses de acompanhamento. A cabeça aumentou e o grau final de Stulberg foi III. Houve displasia acetabular persistente no lado acometido (índice acetabular [AI], 23 graus) em comparação ao lado não acometido (AI, 13 graus).
Fig. 2
(A) Paciente de 6,7 anos de idade com doença em estágio 2b e extrusão do quadril direito (paciente 1). O paciente apresentava maior índice acetabular (AI) no lado acometido (22 graus) em comparação ao lado não acometido (12 graus). (B) A osteotomia derrotatória varizante em cunha aberta foi realizada para contenção do quadril. (C) Aos 20 meses de acompanhamento, o grau final de Stulberg foi II. Houve displasia acetabular persistente no lado acometido (AI, 22 graus) em comparação ao lado não acometido (AI, 15 graus).

O acetábulo não sofreu remodelamento e a displasia persistiu tanto no grupo com a doença em estágio precoce (submetido à VDRO até os 8 anos de idade) quanto no grupo com a doença em estágio tardio (submetido à VDRO após os 8 anos de idade) no último acompanhamento. Os quadris acometidos ou não apresentaram diferenças significativas (p < 0,001) nos valores de AI e CEA no acompanhamento. Além disso, a análise intergrupos entre duas faixas etárias mostrou AI e CEA comparáveis nos quadris acometidos seja no período pré-operatório ou de acompanhamento.

O remodelamento do acetábulo também não correspondeu à nota final de Stulberg. Os quadris com Stulberg final de grau I e II também apresentaram parâmetros acetabulares significativamente alterados em comparação ao lado não acometido durante o acompanhamento. Não houve diferença significativa no grau de displasia acetabular ao comparar os dois grupos (Stulberg I/II e ≥III) tanto no pré-operatório quanto no acompanhamento.

Discussão

A doença de Perthes é um distúrbio da infância caracterizado por necrose avascular da cabeça do fêmur. As alterações do acetábulo na doença de Perthes são um fenômeno reconhecido há muito tempo.11 KamegayaM, Shinada Y,Moriya H, Tsuchiya K, Akita T, Someya M. Acetabular remodelling in Perthes’ disease after primary healing. J Pediatr Orthop 1992;12(03):308–314

2 Grzegorzewski A, Synder M, Kozłowski P, SzymczakW, Bowen RJ. The role of the acetabulum in Perthes disease. J Pediatr Orthop 2006;26(03):316–321

3 Shah H, Siddesh ND, Joseph B. To what extent does remodeling of the proximal femur and the acetabulum occur between disease healing and skeletal maturity in Perthes disease? A radiological study. J Pediatr Orthop 2008;28(07):711–716

4 Huhnstock S, Svenningsen S, Pripp AH, Terjesen T, Wiig O. The acetabulum in Perthes’ disease: a prospective study of 123 children. J Child Orthop 2014;8(06):457–465

5 Madan S, Fernandes J, Taylor JF. Radiological remodelling of the acetabulum in Perthes’ disease. Acta Orthop Belg 2003;69(05): 412–420
-66 Maranho DA, Ferrer M, Kalish LA, Hovater W, Novais EN. The acetabulum in healed Legg-Calvé-Perthes disease is cranially retroverted and associated with global reduction of femoral head coverage: a matched-cohort study. J Hip Preserv Surg 2020;7(01):49–56 Das diversas alterações morfológicas que ocorrem no acetábulo, a mais observada é a displasia acetabular associada à osteopenia e irregularidade do teto ósseo.55 Madan S, Fernandes J, Taylor JF. Radiological remodelling of the acetabulum in Perthes’ disease. Acta Orthop Belg 2003;69(05): 412–420 Os vários fatores analisados em nosso estudo, ou seja, estágio da doença, idade da criança à intervenção cirúrgica e desfecho radiológico final, têm sido assunto de muito debate na doença de Perthes, mas a discussão é amplamente direcionada às características femorais proximais.77 Price CT, Thompson GH, Wenger DR. Containment methods for treatment of Legg-Calvé-Perthes disease. Orthop Clin North Am 2011;42(03):329–340,88 Joseph B, Price CT. Principles of containment treatment aimed at preventing femoral head deformation in Perthes disease. Orthop Clin North Am 2011;42(03):317–327 Nosso estudo enfocou a relação do acetábulo com esses fatores em pacientes submetidos a um método de contenção uniforme, a VDRO. O estudo do acetábulo é de grande importância porque sua incongruência persistente em crianças maiores após a cura da doença pode causar artrite degenerativa precoce do quadril.33 Shah H, Siddesh ND, Joseph B. To what extent does remodeling of the proximal femur and the acetabulum occur between disease healing and skeletal maturity in Perthes disease? A radiological study. J Pediatr Orthop 2008;28(07):711–716,55 Madan S, Fernandes J, Taylor JF. Radiological remodelling of the acetabulum in Perthes’ disease. Acta Orthop Belg 2003;69(05): 412–420

Nosso estudo revelou a presença de displasia acetabular significativa mesmo em estágios iniciais (I e II) da doença de Perthes ou em crianças de menor idade. AI e CEA foram anormais em comparação ao lado não acometido antes da cirurgia. Essa displasia precoce indicou que a doença de Perthes é um distúrbio articular global e não se restringe apenas ao acometimento femoral proximal. Portanto, enfatiza-se que o outro lado da articulação do quadril pode receber a devida consideração durante o pré-operatório e as reconstruções tardias em pacientes com doença de Perthes.

Na estratégia de intervenção preventiva para tratamento da doença de Perthes, postulada por Joseph e colegas, a VDRO era normalmente indicada no estágio IIa (estágio de fragmentação inicial). No entanto, em uma pesquisa posterior, foi demonstrado que a VDRO tinha certa utilidade mesmo em quadris com fragmentação tardia (IIb).88 Joseph B, Price CT. Principles of containment treatment aimed at preventing femoral head deformation in Perthes disease. Orthop Clin North Am 2011;42(03):317–327,1414 Joseph B, Nair NS, Narasimha Rao K, Mulpuri K, Varghese G. Optimal timing for containment surgery for Perthes disease. J Pediatr Orthop 2003;23(05):601–606 Em nossa série, cinco de nove (55%) pacientes com doença em estágio IIb antes da cirurgia alcançaram um grau final de Stulberg II e congruência global da articulação do quadril. No entanto, esses pacientes não apresentaram normalização dos índices acetabulares ao acompanhamento, ou seja, durante a consolidação.

Diversas séries estabeleceram a idade limite de 8 anos para realização da VDRO e obtenção de melhores desfechos femorais.88 Joseph B, Price CT. Principles of containment treatment aimed at preventing femoral head deformation in Perthes disease. Orthop Clin North Am 2011;42(03):317–327,1414 Joseph B, Nair NS, Narasimha Rao K, Mulpuri K, Varghese G. Optimal timing for containment surgery for Perthes disease. J Pediatr Orthop 2003;23(05):601–606,2323 Mohan Kumar EG, Yathisha Kumar GM, Rasheed MA. Outcome of Closed Wedge Varus Derotation Osteotomy with Trochanteric Apophysiodesis in Perthes Disease. Indian J Orthop 2018;52 (06):616–624 Ainda assim, achados acetabulares semelhantes não foram replicados. Uma possível explicação para essa observação pode estar no fato de que, embora a cartilagem trirradiada não esteja completamente fundida aos 8 anos, a capacidade de remodelamento do acetábulo diminui bastante nessa época devido à perda da plasticidade biológica ou à doença. O uso de VDRO em outras doenças que não a de Perthes corrobora esse postulado. Shore et al estudaram o efeito da VDRO em 56 crianças (103 quadris) com paralisia cerebral submetidas ao procedimento com idade média de 7,7 anos e acompanhadas por, em média, 7,8 anos.2424 Shore BJ, Powell D, Miller PE, Matheney TH, Snyder BD. Acetabular and femoral remodeling after varus derotational osteotomy in cerebral palsy: the effect of age and Gross Motor Function Classification Level. J Pediatr Orthop B 2016;25(04):322–330 Estes autores não observaram melhora significativa do AI em crianças com mais de 6 anos e notaram melhora média de 2,3 graus em crianças ≤ 6 anos. Assim, a modificação do plano/procedimento acetabular concomitante é sugerida já aos 6 anos de idade na doença de Perthes em pacientes com displasia acetabular pré-operatória significativa.

Por fim, em nosso estudo, os pacientes com bons desfechos radiológicos (graus I e II de Stulberg) ao acompanhamento também apresentaram configurações acetabulares com deformidades residuais. Kamegaya et al. fizeram observações semelhantes e demonstraram que a posição da cabeça femoral determina a cobertura acetabular final à maturidade, mas não a esfericidade e formato da cabeça femoral ou a idade da criança.11 KamegayaM, Shinada Y,Moriya H, Tsuchiya K, Akita T, Someya M. Acetabular remodelling in Perthes’ disease after primary healing. J Pediatr Orthop 1992;12(03):308–314 Este estudo compreendeu 33 quadris com doença de Perthes unilateral, dos quais 29 quadris foram analisados com base no índice da cabeça acetabular (IAH), esfericidade da cabeça femoral, idade à cicatrização primária e quantidade de subluxação. Apenas 13 quadris (48,8%) apresentaram mais de 10% de melhora no IAH à cicatrização. De modo geral, não houve nenhuma correlação significativa entre o IAH e a esfericidade da cabeça femoral ou a idade à cicatrização primária. No entanto, o IAH foi correlacionado à redução da subluxação. Os autores desta série, no entanto, recomendaram adiar os procedimentos acetabulares, se necessário, até a maturidade, pois alguns de seus pacientes apresentaram remodelamento acetabular. Descobrimos que as alterações no acetábulo de crianças com doença de Perthes submetidas à VDRO após os 6 anos de idade não sofreram remodelamento significativo apesar da melhora do contorno da cabeça femoral.

A maioria de nossas crianças era esqueleticamente imatura no último acompanhamento. De acordo com Shah et al., o formato da cabeça femoral e a congruência do quadril eram bastante estáticos após a cicatrização e a ocorrência de outras alterações até a maturidade esquelética era improvável.33 Shah H, Siddesh ND, Joseph B. To what extent does remodeling of the proximal femur and the acetabulum occur between disease healing and skeletal maturity in Perthes disease? A radiological study. J Pediatr Orthop 2008;28(07):711–716 Assim, a possibilidade de mudança significativa dos desfechos radiológicos finais na maturidade é baixa. Outras limitações deste estudo foram seu delineamento experimental retrospectivo, as idades variáveis à VDRO e os diferentes períodos de acompanhamento. Além disso, houve diferenças nos estágios pré-operatórios da doença de Perthes e na gravidade da displasia acetabular. As radiografias simples basearam a avaliação inicial e final e tinham uma limitação inerente decorrente da complexidade do formato geral do acetábulo. Os resultados estatísticos precisam de interpretação cuidadosa devido ao número relativamente pequeno de pacientes e à análise univariada. No entanto, nossa série eliminou vários vieses de tratamento, sendo uma coorte uniforme de casos de doença de Perthes unilateral submetidos a uma técnica cirúrgica comum. Tínhamos uma referência do formato acetabular normal, tanto no período pré-operatório quanto no acompanhamento, para todas as comparações, o que permitiu a análise das alterações fisiológicas ocorridas no acetábulo durante o período de acompanhamento. Todos os casos foram acompanhados até a cura da doença. Pudemos estabelecer quantitativamente a deformação precoce do acetábulo na doença de Perthes e notamos que seu restauro após a VDRO foi incompleto, talvez devido ao limitado potencial de remodelamento no momento da realização do procedimento cirúrgico. Ao contrário da crença comum, a VDRO nem sempre produz resultados acetabulares favoráveis nos primeiros estágios da doença. Por fim, o remodelamento do acetábulo pode não corroborar o formato final da cabeça femoral à cicatrização. Gostaríamos, porém, de sugerir mais estudos sobre o remodelamento acetabular após a VDRO com um número maior de casos e maior acompanhamento até a maturidade esquelética para decifrar essas alterações com maior precisão.

Conclusões

A VDRO do quadril acometido não gerou melhora significativa da displasia acetabular mesmo quando o procedimento foi realizado em estágios iniciais da doença de Perthes ou em faixa etária mais jovem. Alterações acetabulares residuais também foram observadas mesmo com graus de Stulberg favoráveis.

  • Trabalho desenvolvido no Departamento de Ortopedia Pediátrica, Chacha Nehru Bal Chikitsalaya, Geeta Colony, Delhi, Índia
  • Suporte Financeiro
    Este estudo não recebeu nenhum financiamento específico de agências de fomento do setor público, comercial ou sem fins lucrativos.

References

  • 1
    KamegayaM, Shinada Y,Moriya H, Tsuchiya K, Akita T, Someya M. Acetabular remodelling in Perthes’ disease after primary healing. J Pediatr Orthop 1992;12(03):308–314
  • 2
    Grzegorzewski A, Synder M, Kozłowski P, SzymczakW, Bowen RJ. The role of the acetabulum in Perthes disease. J Pediatr Orthop 2006;26(03):316–321
  • 3
    Shah H, Siddesh ND, Joseph B. To what extent does remodeling of the proximal femur and the acetabulum occur between disease healing and skeletal maturity in Perthes disease? A radiological study. J Pediatr Orthop 2008;28(07):711–716
  • 4
    Huhnstock S, Svenningsen S, Pripp AH, Terjesen T, Wiig O. The acetabulum in Perthes’ disease: a prospective study of 123 children. J Child Orthop 2014;8(06):457–465
  • 5
    Madan S, Fernandes J, Taylor JF. Radiological remodelling of the acetabulum in Perthes’ disease. Acta Orthop Belg 2003;69(05): 412–420
  • 6
    Maranho DA, Ferrer M, Kalish LA, Hovater W, Novais EN. The acetabulum in healed Legg-Calvé-Perthes disease is cranially retroverted and associated with global reduction of femoral head coverage: a matched-cohort study. J Hip Preserv Surg 2020;7(01):49–56
  • 7
    Price CT, Thompson GH, Wenger DR. Containment methods for treatment of Legg-Calvé-Perthes disease. Orthop Clin North Am 2011;42(03):329–340
  • 8
    Joseph B, Price CT. Principles of containment treatment aimed at preventing femoral head deformation in Perthes disease. Orthop Clin North Am 2011;42(03):317–327
  • 9
    KołbanM, Darczuk J, ChmielnickiM. Remodelling and congruency of the hip joint in children with Perthes’ disease treated with varus-derotation subtrochanteric osteotomy. Ortop Traumatol Rehabil 2004;6(06):697–704
  • 10
    Herceg MB, Cutright MT,Weiner DS. Remodeling of the proximal femur after upper femoral varus osteotomy for the treatment of Legg-Calvé-Perthes disease. J Pediatr Orthop 2004;24(06): 654–657
  • 11
    Aydin BK, Sofu H, Konya MN, Er T, Sahin V. Clinical and radiographic outcomes after femoral varus derotation osteotomy for Legg-Calvé-Perthes disease at 25 years follow-up: what are the determinants of outcome in the long term? Hip Int 2016;26(03): 301–306
  • 12
    Shohat N, Copeliovitch L, Smorgick Y, et al. the long-termoutcome after varus derotational osteotomy for Legg-Calvé-Perthes Disease: Amean follow-up of 42 years. J Bone Joint Surg Am2016;98 (15):1277–1285
  • 13
    Joseph B, RaoN,Mulpuri K, Varghese G, Nair S. Howdoes a femoral varus osteotomy alter the natural evolution of Perthes’ disease? J Pediatr Orthop B 2005;14(01):10–15
  • 14
    Joseph B, Nair NS, Narasimha Rao K, Mulpuri K, Varghese G. Optimal timing for containment surgery for Perthes disease. J Pediatr Orthop 2003;23(05):601–606
  • 15
    Kitakoji T, Hattori T, Kitoh H, Katoh M, Ishiguro N. Which is a better method for Perthes’ disease: femoral varus or Salter osteotomy? Clin Orthop Relat Res 2005;(430):163–170
  • 16
    Canale ST, D’Anca AF, Cotler JM, Snedden HE. Innominate osteotomy in Legg-Calvé-Perthes disease. J Bone Joint Surg Am 1972;54 (01):25–40
  • 17
    Joseph B, Varghese G, Mulpuri K, Narasimha Rao K, Nair NS. Natural evolution of Perthes disease: a study of 610 children under 12 years of age at disease onset. J Pediatr Orthop 2003;23 (05):590–600
  • 18
    Muirhead-Allwood W, Catterall A. The treatment of Perthes’ disease. The results of a trial of management. J Bone Joint Surg Br 1982;64(03):282–285
  • 19
    Heyman CH, Herndon CH. Legg-Perthes disease; a method for the measurement of the roentgenographic result. J Bone Joint Surg Am 1950;32 A(04):767–778
  • 20
    Stulberg SD, Cooperman DR,Wallensten R. The natural history of Legg-Calvé-Perthes disease. J Bone Joint Surg Am 1981;63(07): 1095–1108
  • 21
    Rampal V, Clément JL, Solla F. Legg-Calvé-Perthes disease: classifications and prognostic factors. Clin Cases Miner Bone Metab 2017;14(01):74–82
  • 22
    MedCalc Statistical Software. (Version 14.8.1). Ostend: MedCalc Software Bvba; 2014
  • 23
    Mohan Kumar EG, Yathisha Kumar GM, Rasheed MA. Outcome of Closed Wedge Varus Derotation Osteotomy with Trochanteric Apophysiodesis in Perthes Disease. Indian J Orthop 2018;52 (06):616–624
  • 24
    Shore BJ, Powell D, Miller PE, Matheney TH, Snyder BD. Acetabular and femoral remodeling after varus derotational osteotomy in cerebral palsy: the effect of age and Gross Motor Function Classification Level. J Pediatr Orthop B 2016;25(04):322–330

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Out 2023
  • Data do Fascículo
    Jul-Aug 2023

Histórico

  • Recebido
    12 Mar 2023
  • Aceito
    05 Maio 2023
Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia Al. Lorena, 427 14º andar, 01424-000 São Paulo - SP - Brasil, Tel.: 55 11 2137-5400 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: rbo@sbot.org.br