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Gramaticalização: uma abordagem formal

RESENHA REVIEW

Resenhado por/by: José da Silva Simões

Universidade de São Paulo. E-mail: jssimoes@uol.com.br

PALAVRAS-CHAVE: gramaticalização; português brasileiro; gramática gerativa; cliticização.

KEY-WORDS: grammaticalization; brazilian portuguese; generative grammar; cliticization.

VITRAL, Lorenzo; RAMOS, Jânia. 2006. Gramaticalização: uma abordagem formal. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro; Belo Horizonte, MG: Faculdade de Letras FALE/UFMG. 191 p.

O livro "Gramaticalização: uma abordagem formal" reune os estudos feitos por Lorenzo Vitral e Jânia Ramos ao longo de uma década em torno da questão que envolve os processos de gramaticalização de pronomes (vossa mercê > cê, senhor > sô, eles > es) e de itens negativos (não > num), além de discutir através desses fenômenos o processo de cliticização no português brasileiro (PB), associando aí inclusive a questão da interpolação do pronome se. A coletânea traz textos já publicados em revistas nacionais e outros até então inéditos. Trata-se de uma contribuição valiosa aos estudos sobre fenômenos de gramaticalização no PB e tem como diferencial a interpretação desses itens sob a perspectiva formal aliada a um levantamento estatístico que fundamenta as hipóteses traçadas pelos autores, na mira do caminho trilhado por Fernando Tarallo e Mary Kato (a partir de Tarallo e Kato, 1990), os quais em seus trabalhos realizaram "a impensável missão de acomodar as hipóteses gerativistas com o rigor empiricista do variacionismo laboviano" (Castilho, 1993:10).

Na introdução do livro, os autores retomam os pressupostos que fundamentam o modelo de gramaticalização a partir dos postulados de Humboldt, retomados por Meillet (1948) e que desembocaram em duas perspectivas de análise: a funcionalista e a gerativista. Ali, os pesquisadores apresentam seu objeto de estudo: a gramaticalização dos pronomes no português brasileiro.

O capítulo 1 é dedicado à reflexão acerca das definições e da validade da proposta. Discutem-se aí os pressupostos teóricos relacionados à perspectiva gerativista dos processos de gramaticalização a partir de Lehmann (1982), em especial os estágios associados ao cline de gramaticalização (item lexical > item gramatical > clítico > afixo) defendidos por aqueles que acreditam em um canal unidirecional do mecanismos de mudança sintática, tidos por estes como sendo previsíveis (Hopper e Traugott, 1993). Em duas seções específicas do capítulo 1, Vitral e Ramos discutem a validade dos conceitos de (i) gradualidade nas etapas do ciclo de gramaticalização e de (ii) concomitância das formas em competição ao longo do processo de mudança sintática. Os autores assumem a postura de que a gramática interna (sistema computacional) interpreta os itens em competição como elementos de categorias distintas. Nas palavras dos autores, "o sistema computacional não 'enxergaria', portanto, o processo de recategorização" (p. 23) e exemplificam com o fenômeno de gramaticalização do verbo ter no português, cuja forma lexical homônima desenvolveu dois itens diferentes, um com valor de posse e outro com valor existencial. Através dessa postura, estabelece-se uma das grandes fronteiras que distinguem a abordagem formal da gramaticalização e a perspectiva funcionalista: enquanto a primeira defende que "quando o item é inserido numa estrutura oracional, ele já tem sua classe sintática definida" (p. 24), não sendo portanto ambíguo, por outro lado, o modelo funcionalista acredita que o valor sintático de um item só se estabelece através de sua interrelação com os outros itens dos enunciados devido às suas potencialidades semântico-sintáticas, do que decorre, segundo esta abordagem, o seu caráter ambíguo em determinadas construções. O modelo gerativista não discute o valor polissêmico da mesma forma (hominimia vs. polissemia) e entende a existência de uma única forma com duas entradas lexicais.

Vitral e Ramos adotam uma postura inovadora ao reconhecer o papel dos mecanismos cognitivos subjacentes às formas em processo de mudança, e entendem a necessidade de que os vários processos de mudança possam ser visualizados a partir da ótica de outros subsistemas das línguas, daí a distinção entre processos de gramaticalização de processos de lexicalização (p. 23). Nesse sentido, a interpretação que fazem do termo "visualizar" de Chomsky (p. 23) assemelha-se, em parte, ao processo descrito por Castilho (2006) em que os itens transitam entre os vários subsistemas da língua.

O capítulo 2 é dedicado à hipótese de que a forma tenha se tornado um novo clítico no PB. Os autores retomam os pressupostos de unidirecionalidade do modelo, notam que o processo de gramaticalização das formas você, ocê e está em curso, a partir da análise da distribuição dessas formas de acordo com a sua posição (sujeito, objeto, pós-verbal, preposto) e sua co-ocorrência com advérbios (já, até, só) que os modificam. Propõem a hipótese segundo a qual a forma seria um pronome em processo de cliticização que teria sido iniciado a partir forma Vossa Mercê. No entanto, os autores reconhecem que a forma cê não pode ser equiparada aos demais pronomes pessoais átonos das línguas românicas. Entre as condicionantes que colaboram para essa distinção Vitral e Ramos apontam para o fato de que em sentenças como "Vou fazer cê feliz", a posição da forma não deve ser entendida como ênclise, e sim como sujeito de uma minioração (small clause), devido ao fato de que nesse caso a ênclise não é compatível com a gramática do português brasileiro falado. Os autores são cuidadosos ao detectar alguns problemas que afetam a hipótese inicial de que a forma é um novo clítico do PB tais como (i) a queda da freqüência de clíticos em geral no português brasileiro e (ii) a restrição à posição inicial absoluta dos clíticos a certos contextos, possível para a forma (Cê foi o culpado), mas referendam a validade da hipótese ao notar que na verdade a queda de pronomes átonos foi detectada para os clíticos acusativos, o que indiretamente leva à explicação de (ii) que há uma tendência de preenchimento da posição de sujeito no PB. A possível restrição à incompatibilidade da hipótese da cliticização em função de sua posição em construções negativas (Cê não viu a Maria no cinema) é convincentemente esclarecida com base no postulado de que o clítico tem o estatuto de projeção máxima, quando se encontra em sua posição temática, o que para a forma significaria dizer que "ao se movimentar da posição sujeito interno a VP, cê se aloca na posição de adjunção a T na qual se encontra a negação" (p. 36). Valem como argumento para isto ainda os fatos diacrônicos do português que em seu período arcaico registrava a possibilidade de um clítico aparecer numa posição antes da negação, entre outros casos de interpolação que são estudados no capítulo 4. Entre os elementos que comprovariam a adoção de como um novo clítico estão a agramaticalidade da presença dessa forma em ambientes nos quais outros clíticos também não são aceitos no PB, a saber: um clítico não pode aparecer topicalizado (*Cê ele não viu); nem ser modificado por advérbio (Só *cê podia subir) ou aparecer como elemento único em resposta a uma pergunta (- Quem vai sair? / - *Cê)

A questão do uso associado à norma lingüística parece ser uma preocupação bastante procedente dos autores quando afirmam que a cliticização não é um fenômeno homogêneo nas línguas românicas e que estruturas como "José cê viu" não ocorrem "porque a gramática do dialeto no qual cê é produtivo não é a mesma em que admite a próclise" (p. 37).

O capítulo 3 compreende um estudo quantitativo das formas você, ocê e segundo critérios relacionados a fatores sociais (faixa etária) e conforme a distribuição sintática desses itens. A análise estatística prevê a análise da etapa de especialização, ou seja, num determinado estágio da gramaticalização, os itens em variação tendem a assumir funções sintáticas mais específicas, restritas a determinados contextos. Os resultados encontrados apontam para o fato de que a forma , ao contrário de ocê e você, estaria se especializando na função de sujeito sintático em PB. Para avaliar as implicações semânticas e a distribuição sintática mais restrita da forma , os autores verificam o uso de cada um dos itens em relação aos traços semânticos de animicidade e tipo de referência e concluem através da análise estatística, que é a forma mais gramatical, preferencialmente utilizada com referência indefinida. A não ocorrência de cê como item focalizado é outro elemento que reforça a idéia de que se trate realmente de um clítico.

A análise da ocorrência dessas variantes no tempo aparente atesta novos argumentos a favor de como elemento clítico, uma vez que sua ocorrência seja alta nas três faixas etárias analisadas, o que dá a idéia, segundo os autores, de que já não se trate mais de uma mudança em progresso (p. 44). O estudo contrastivo entre as formas você [+ definido] e cê/ocê [-definido] a partir de sua propriedades de referência mostrou que você avança com uma tendência de referência [+específica] , mas a sua ocorrência também como elemento de referência [-específica], com base no tempo aparente, demonstra que "a perda de conteúdo semântico não é concomitante à perda de substância fônica" (p. 46). A análise da distribuição de conforme sua posição em relação ao V aponta para um problema: a presença de no contexto [-não-V] enfraquece a hipótese de que seja considerado como clítico, uma vez que este não seja mais um contexto possível de clíticos desde o final do século XIX. Os autores oferecem como saída para este problema a interpretação de como especificador de FLEX, ou seja, os resultados obtidos estariam assim em sintonia com os vários estudos diacrônicos sobre o português do Brasil, que referendam o decréscimo de clíticos acusativos e a tendência para o preenchimento da posição de sujeito. No entanto, outros elementos co-atuam para considerar como um clítico: "o fato de cê não ocorrer na posição de tópico constitui mais uma evidência de seu caráter foneticamente reduzido e mais gramatical que o pronome pleno você" (p.48). De acordo com a sua distribuição segundo o tipo de oração (declarativa, interrogativa simples, interrogativa que-que), os autores chegam a conclusões interessantes e verificaram que a forma apresenta um caráter de elemento não acentuado no nível fonológico, em função de sua adjunção ao elemento lexicalmente realizado como complementizador e ao fato de de que seja licenciado em posição não-contígua ao verbo, o que evidencia o fato de que "seria um clítico fonológico, mas não um clítico sintático", ou seja, ocupa a posição de especificador de T (p. 50).

No capítulo 4, os autores dedicam-se às evidências fonéticas que envolvem a realização do pronome . Na primeira parte do capítulo, empreendem uma análise acústica de seqüências oracionais que foi dividida em três contextos distintos nos quais as formas cê, se e podem aparecer (A, entre dois segmentos átonos; B, em ínicio de sentença; e C, entre dois segmentos tônicos). Os autores verificaram que, a partir das propriedades de duração e intensidade, as duas primeiras apresentam propriedades similares, o que confirmaria a hipótese de que a forma seria um novo clítico do português. Na segunda parte do capítulo, Vitral e Ramos retomam o estudo de Cardinaletti e Starke (1994 apud Vitral e Ramos, p. 60-9), que distinguem os pronomes em três categorias: fortes, fracos e clíticos, baseados em propriedades sintáticas, morfológicas, semânticas e fonéticas observadas em várias línguas. Ao adotar tais critérios, os autores observam a necessidade de reconhecer nessa distinção como etapas de um processo maior de gramaticalização e sugerem a inclusão de uma nova categoria, a de "simple clitics" (Zwick apud Vitral e Ramos, p. 69). Concluem, a partir desta perspectiva, que a forma pode ser interpretada tanto como um clítico, se se levar em conta que se trata de uma projeção máxima, ou então como uma forma fraca. Notam que a adoção de tal perspectiva implica numa compreensão das formas pronominais reduzidas dentro de um processo de cliticização, cujo estudo estudo iniciam a partir dos trabalhos reunidos neste livro.

O capítulo 5 trata da incorporação de novas formas ao paradigma de pronomes de terceira pessoa em PB: as formas el, éa, éas e es. A partir da proposta de Ritter (1995 apud Vitral e Ramos, p. 77), Jânia Ramos observa que assim como para o hebraico, "o presente do indicativo de terceira pessoa licencia sujeitos nulos indefinidos, mas não sujeitos nulos específicos". Os dados estatísticos levantados por Correa (1998 apud Vitral e Ramos, p. 71-9) confirmam as suspeitas de que o surgimento de pronomes fracos em PB está associado à perda da desinência morfológica verbal. Segundo os autores, o pronome eles passou por estágios de gramaticalização que indicam a paerda de traços de pessoa e gênero, tornando-o assim mais gramatical. Os autores não aprofundam a análise do problema, mas remetem à problemática que envolve os estágios de gramaticalização e que são discutidos ao longo de outros capítulos do livro.

O capítulo 6 toma como pressupostos de análise os resultados obtidos nos estudos descritos ao longo dos capítulos que o antecedem. A partir daqui, os autores propõem uma nova etapa no canal de gramaticalização de vossa mercê >, a saber, o reconhecimento da etapa de formação de expletivos. Nesse capítulo, os autores concentram-se na análise da perda de conteúdo semântico da forma de que resultaria a forma . Os autores partem de uma noção mais abrangente do conceito de gramaticalização que reconhece a perda de autonomia lexical como sendo um dos elementos associados ao processo de mudança sintática, juntamente com uma tendência a "uma significação mais geral" (Hopper e Traugott, 1993:133 apud Vitral e Ramos, p. 83). Segundo esse raciocínio, os expletivos, tidos como elementos que não contêm traços semânticos, sem antecedentes recuperáveis no discurso ou na frase, são itens não referenciais que podem ser alocados num cline de gramaticalização segundo o par item referencial > item não referencial. Para estudar tal proposição, os autores adotam os conceitos de referência virtual e referência real descritos por Rouveret (1987 apud Vitral e Ramos, p. 85). Segundo esse modelo, os nomes são termos providos de referência tanto virtual como real, enquanto pronomes são itens sem referência virtual, embora, no enunciado em que ocorrem, exibam uma referência real. A idéia de entender como uma sorte de expletivo baseia-se na possibilidade de interpretar essa forma como um elemento que aparece numa posição não temática, e cuja ocorrência se dá preferencialmente em contextos existenciais (Em Buenos Aires você tem confeitarias). Segundo os autores, para confirmar essa hipótese, seria necessário proceder a uma análise comparativa entre a freqüência dos usos de e você nos ambientes em que podem ser interpretados como expletivos e arriscam a propor que se deva aceitar que o expletivo como a fase final do processo de gramaticalização dessas formas pronominais (p.88).

No estudo que trata da diacronia da interpolação de se do português arcaico ao português moderno (capítulo 7), Lorenzo Vitral dedica especial atenção à hipótese de que os clíticos evoluem de projeções máximas para núcleos ao longo de um processo mais amplo de gramaticalização, processo considerado por ele como sendo gradual e heterogêneo. Neste artigo, o autor investiga comparativamente a evolução do pronome se com as ocorrências da forma no português brasileiro, observando que este item deve ter trilhado os estágios esperados no canal de gramaticalização que o elevam a categoria de novo clítico. O autor parte da constituição de dois corpora distintos (documentos notariais e literários do português arcaico, séc. XIII ao séc. XV, e documentos literários do português moderno, séc. XVI ao séc. XVIII), retoma alguns achados de Ana Maria Martins (1994 apud Vitral e Ramos) a respeito do fenômeno de interpolação no português arcaico, entre eles o fato de que somente os casos de interpolação com a negação avançou sobre o português moderno, e compara-os aos resultados obtidos com o seu corpus do português moderno, e observa que também o fenômeno de interpolação com a negação também deixou de existir a partir do séc. XIX no português brasileiro. O autor defende a hipótese de que "o fenômeno 2P [segunda posição] no português arcaico se deve à aplicação de uma regra de movimento que desloca o clítico" (p.104), ou seja, que move-se de uma projeção máxima (XP) para a posição de núcleo (Xº), entendendo o movimento do clítico como um fenômeno de adjunção, interpretado também como um mecanismo de "atração" (cf. Chomsky, 1995:297 apud Vitral e Ramos, p. 107). Entre outras hipóteses, o autor defende a idéia de que "os clíticos podem passar do domínio de atração de C para o domínio de atração I" (p. 109), o que explicaria a mudança ocorrida do português arcaico ao português contemporâneo. Por essa idéia o autor defende a hipótese de que há um período de transição entre as fases em que o clítico interpolado ainda é uma projeção máxima, o que explica a permanência do mesmo ainda no português moderno, mas que já não se encontra mais sob o domínio de atração de I. Ao final do artigo, o autor contrapõe novamente os estágios de gramaticalização observados para o item se segundo o estudo de Nunes (1990:95 apud Vitral e Ramos, p. 115) com as ocorrências de , interpretado como projeção máxima que ocupa a posição de especificador de IP, o que explicaria "a razão de a negação poder se interpor entre cê e o verbo" (p. 117). Ao final, ressalva que se deve abandonar a idéia de que se pode tratar a noção de clítico como uma forma de categorização de propriedades universais e discretas.

No capítulo 8, os autores apresentam um estudo variacionista em torno da gramaticalização de sentenças negativas. A partir de uma amostra de 9 entrevistas feitas com informantes de três faixas etárias de Belo Horizonte, discutem a realização do intem não como num nesse dialeto. O estudo quantitativo revelou que fatores como a natureza do item à direita de não/num, a distribuição do item num em negativas duplas e simples conforme a faixa etária dos informantes mostraram-se significativos para a explicacação do processo de mudança. Os autores apontam para uma correlação do fenômeno de negativas duplas no português brasileiro com o desaparecimento do item negativo no francês. A progressiva alta de freqüência da negativa clítica em enunciados de falantes jovens tanto em negativas simples [Neg V] como em negativas duplas [Neg V Neg] confirma que a alternância não/num [não > num e não V não > num V não] representa uma mudança lingüística em curso. Segundo os autores, a convivência das duas opções de negativas simples e duplas seria uma evidência a mais "de que o o nódulo funcional NEG teria sofrido variação paramétrica" (p. 130). Apesar de reconhecerem a baixa representatividade do corpus analisado, o estudo atesta de forma segura e fundamentada uma mudança significativa que ocorre no português brasileiro de forma geral.

O capítulo 9 é dedicado à análise da negação sob a ótica da teoria da checagem e da mudança lingüística. Segundo Vitral, é possível considerar "a hipótese de que o sistema computacional reconhece as etapas da mudança lingüística previstas pelo processo de gramaticalização" (p.133). Nesse estudo, o autor procura reunir elementos de outras línguas, como o francês, o inglês, o italiano, entre outras, para comprovar a hipótese de que as línguas estão submetidas a processos que prevêem, entre outras etapas, aquela em que se pode reconhecer uma concordância negativa. Após estudar o estatuto nuclear da partícula negativa e o escopo da negação, Vitral dedica-se à interpretação da negação segundo a teoria da checagem, contrapondo esses pressupostos aos postulados do modelo de gramaticalização. O autor entreve uma sintonia entre o fato de itens de natureza lexical adquirirem valor negativo historicamente, tornando assim mais gramaticais, ou funcionais, como é usual nos termos da Gramática Gerativa. A proposta de união das duas teorias parece bem adequada, embora seja discutível a afirmação de que é "a 'perda de significado' que permite a um item lexical se transformar em item gramatical" (p.157), uma vez que esse raciocínio não possa ser comprovando em termos de causa e conseqüência, já que ambos os processos ocorram simultaneamente. Mais adiante, para exemplificar sua abordagem do fenômeno, assume o seguinte eixo diacrônico para a negação: a1. p. máxima > b1.p. máxima > b2. núcleo > b3. clítico > b4. afixo. O autor propõe que em relação à negação as línguas podem ser divididas em dois grupos: (i) línguas que dispõem de uma categoria NEG Forte (português, inglês, italiano), nas quais os itens negativos ainda resistem na superfície sintática no estágio b3 do eixo diacrônico, e (ii) línguas em que NEG é Fraco (islandês, sueco, francês falado), que deixam de exibir na superfície o traço NEG do núcleo (Je dis pas). O estudo está em consonância com os argumentos reunidos no capítulo anterior (Ramos).

O capítulo final trata da gramaticalização do item senhor e suas variantes no português. Trata-se de um estudo de Jânia Ramos acerca da evolução de uma forma de tratamento para um item pronominal que ainda na atualidade ainda exibe padrões distintos de utilização associados aos variados dialetos. Após traçar um perfil histórico-social da forma senhor, a autora procurou evidenciar os fatores morfofonólogicos que atuaram sobre essa forma e o fenômeno de "generalização" semântica que o termo exibe nos dias de hoje, notando ainda que em determinados contextos a forma reduzida pode ser atribuída a pessoas de diferentes idades e sexo. Entre as hipóteses que defende para explicar a mudança, Ramos observa que a forma senhor acompanha o ritmo de mudança observado para os termos vós/vossa mercê e você utilizados para o tratamento indireto, assim como o uso dessas formas com o verbo na terceira pessoa, até se tornarem pronominais. Conclui que, enquanto a forma senhor permanece como pronome de tratamento, e assumiram o papel de pronomes.

Os trabalhos reunidos por Vitral e Ramos representem sem dúvida uma contribuição valiosa da língüística brasileira aos estudos de gramaticalização feitos a partir da perspectiva formalista.

Recebido em setembro de 2007

Aprovado em janeiro de 2008

  • CASTILHO, Ataliba T. "Prefácio". In: Ian ROBERTS; Mary A. KATO (orgs.). Português brasileiro: uma viagem diacrônica Campinas, SP: Editora da Unicamp, 1993. (Coleção Repertórios).
  • TARALLO, Fernando; KATO, Mary A. "Rupturas na ordem de adjacência canônica no português falado". In: Ataliba Teixeira de CASTILHO (1990). Gramática do português falado Campinas: Editora da UNICAMP / FAPESP. Volume I: a ordem

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Out 2008
  • Data do Fascículo
    2008
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