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Aryon Rodrigues: 70 anos dedicados à Linguística e às Línguas Indígenas

Aryon Rodrigues: 70 years dedicated to Linguistics and Indigenous Languages

Resumos

O artigo apresenta fatos da vida do linguista Aryon Dall’Igna Rodrigues (1925-2014), alguns dos quais, pouco conhecidos, e destaca alguns aspectos cruciais da contribuição daquele pesquisador ao desenvolvimento do campo da Linguística no Brasil, e em especial, sua contribuição aos estudos de línguas indígenas e à formação de pesquisadores nessa área. O texto também traz informações sobre a iniciativa tomada por Aryon Rodrigues para a preservação e uso público do seu acervo bibliográfi co e documental.

Aryon Rodrigues; Linguística no Brasil; línguas indígenas; acervos


The article presents some facts of the linguist Aryon Dall’Igna Rodrigues’ life (1925-2014), some of which, little known, and highlights some key aspects of his contribution to the development of the field of linguistics in Brazil, and in particular his contribution to the study of indigenous languages and the training of researchers in this area. The text also contains information about the initiative taken by Aryon Rodrigues for preservation, and for public usage of his bibliographic and documentary collections.

Aryon Rodrigues; Linguistics in Brazil; indigenous languages; collections


Introdução

Esse pequeno texto é uma homenagem ao grande linguista Aryon Dall’Igna Rodrigues, falecido em abril de 2014. Nele, relato alguns fatos que, sobretudo para ele próprio, eram dos mais significativos de sua vida. Embora alguns desses fatos sejam conhecidos, todos eles os ouvi do próprio Aryon, com todos os detalhes que retinha em sua vívida memória.

O Selvagem

Aryon Rodrigues foi meu supervisor de pós-doutorado, na UnB, durante o ano de 2007. Almoçamos muitas vezes juntos, em algumas das cantinas do campus, e essas são as melhores lembranças que tenho daquele período. Todos os almoços se tornavam valiosas e gostosas conversas, que se prolongavam em uma lenta caminhada pelos longos corredores do Instituto Central, enquanto voltávamos ao Laboratório de Línguas Indígenas (criado por ele nos anos 90). Algumas vezes, eu dava o mote, o tema que provocava suas lembranças (se o assunto fosse histórico) ou que punha em movimento sua fabulosa memória, que comportava uma inesgotável enciclopédia. Outras vezes, o próprio Aryon se encarregava de dar o tema e discorrer sobre ele, o que eu sempre ouvia embevecido, tanto pelo rico conteúdo de todas essas conversações, como pela sua prosa elegante, não sem boas pitadas de humor.

Elegância, aliás, é uma das palavras que mais se aplicavam ao tratamento dirigido por Aryon a todos os seus interlocutores. Em tudo mostrava-se um autêntico gentleman, mesmo quando tivesse que manifestar uma discordância ou lavrar um protesto. Se teve desafetos, ou eles surgiram de algum mal-entendido, ou por obra de terceiros; ou, ainda, por obra de mediocridade alheia. Mesmo ao queixar-se da atitude de alguém, nunca o vi fazê-lo usando qualquer expressão pejorativa, muito menos chula. Sua porção (materna) italiana só vinha à tona à mesa, diante de uma lasanha à bolonhesa (possivelmente, seu prato favorito) e de um bom vinho tinto.

Foi em uma daquelas nossas conversas de almoço, na UnB, que Aryon me contou sobre o primeiro volume da sua valiosa Biblioteca.

Em 1935 a Cia Editora Nacional publicou, na sua famosa coleção Brasiliana, a obra “O Selvagem”, de Couto de Magalhães. Essa era a segunda publicação, desde a edição em livro, de 1876, pois houvera uma, em 1913, revista pelo próprio autor. Em 1940 o volume da Brasiliana já exigiu uma 2ª edição. O pai de Aryon trabalhava, então, em uma das mais importantes livrarias de Curitiba, capital do Paraná, e a obra de Couto de Magalhães foi exposta na vitrine. Estando perto de completar seus 15 anos (em 04 de julho), Aryon disse ao pai que aquele livro era o presente de aniversário que ele queria. E o ganhou. Ali começava o valioso e seleto acervo bibliográfico de Aryon Rodrigues.

Mansur Guérios e Nimuendajú

Dois anos depois daquele aniversário (portanto, ao 17 anos !), o então estudante do Gymnásio Paranaense1 1 Gymnásio Paranaense foi a denominação da maior escola do Paraná até 1942, quando passou a Colégio Paranaense, mas já em 1943 tornou-se “Colégio Estadual do Paraná” (denominação que manteve até hoje, e sob a qual eu próprio fi z meus estudos de Ginásio e 2º Grau nos anos 70). pode ver estampado, em uma publicação científica, seu primeiro estudo de língua indígena: O artigo definido e os numerais na língua Kiriri. Vocabulários Português Kiriri e Kiriri-Português. O trabalho apareceu no segundo volume dos Arquivos do Museu Paranaense – que já ser tornava o mais importante periódico científico do Paraná naquela década2 2 Esse artigo foi recentemente republicado (2012) na Revista Brasileira de Linguística Antropológica, revista da qual Aryon foi um dos criadores. - pela intermediação ou indicação do linguista Rosário Farani Mansur Guérios. Em 1945, um segundo artigo de Aryon foi publicado na mesma revista: Diferenças fonéticas entre o Tupí e o Guaraní.3 3 Segundo o próprio Aryon, em entrevista concedida a Eni Orlandi (2013:5), uma versão ampliada foi publicada na Revista Filológica, do Rio de Janeiro, em 1944. De fato, o que foi publicado em 1944 era a parte do estudo dedicada às consoantes fi nais do Proto-Tupi-Guarani. O estudo, que pode ser citado ainda hoje, foi o primeiro de uma lista enorme de trabalhos publicados por ele a respeito de línguas Tupi e, especialmente, da família Tupi-Guarani. Indiscutivelmente, Aryon Rodrigues foi quem mais contribuiu, até hoje, para o conhecimento das relações genéticas internas no tronco Tupi e na família Tupi-Guarani.4 4 Aryon publicou mais de 30 trabalhos científi cos somente a respeito do tronco Tupi, da família Tupi-Guarani ou de línguas específi cas pertencentes a esses agrupamentos.

Mansur Guérios (1907-1984) foi um importante pesquisador e professor de Curitiba. Assumiu, em 1939, simultaneamente, uma cadeira de Língua Portuguesa no Gymnasio Paranaense (onde atuou até 1952) e uma cadeira na Faculdade de Filosofia da Universidade Federal do Paraná, onde foi o criador do curso de Letras. Aryon foi seu aluno nas duas instituições, e foi o interesse de Guérios pelas línguas indígenas que os aproximou e fez, de Aryon, seu pupilo.5 5 Mansur Guérios era um adepto e divulgador do monogenismo linguístico (costumava citar, a respeito, a obra do italiano Alfredo Trombetti). Talvez motivado por essa perspectiva, o fato é que foi o primeiro acadêmico do Paraná a interessar-se pelas línguas indígenas, a ponto de realizar pesquisa de campo com os Kaingang em Palmas, no começo dos anos 40. Em 1940, em um jornalzinho que Guérios criou no Gymnasio, veio à luz a primeira publicação de um artigo de Aryon Rodrigues: aquele mesmo artigo que, depois, retrabalhado, apareceu nos Arquivos do Museu Paranaense, em 1945. Em 1941 publicou, ainda no jornalzinho do colégio, “Influência do Português na sintaxe Nheengatú”.6 6 Comunicação pessoal de Aryon Rodrigues.

A relação entre Guérios e Aryon rendeu ainda um episódio, no mínimo, de valor histórico e, para Aryon, de grande valor sentimental. Como estudioso de línguas indígenas Guérios manteve correspondência com o grande etnógrafo Curt Nimuendajú, entre 1943 e 1945 (ano da morte deste último, em uma aldeia no Alto Solimões). Discutiam opiniões e trocavam informações de suas pesquisas e notas etnográficas e linguísticas ou, nas palavras do próprio Guérios, versavam “a respeito de Etnografia e Glotologia brasílicas” (Nimuendajú & Guérios 1948NIMUENDAJÚ, Curt & Rosário Farani Mansur Guérios. 1948. Cartas etnolinguísticas. Revista do Museu Paulista, N.S, v. II, p. 207-241.:207). O jovem discípulo de Guérios, estudante do curso de Letras Clássicas, com apenas 20 anos, encorajou-se, também, de escrever a Nimuendajú, então sexagenário e já internacionalmente conhecido. Sua carta, de 1º de outubro, recebeu uma breve resposta, datada de 7 de dezembro de 1945, sendo, portanto, uma das últimas que Nimuendajú escreveu (senão, mesmo, a última), antes de sua morte trágica, em 10 de dezembro daquele ano.7 7 A correspondência entre Guérios e Nimuendajú, acrescida da carta de Aryon e da resposta do famoso etnógrafo, foi divulgada por Guérios alguns anos depois (Nimuendajú & Guérios 1948). A carta de Aryon e a resposta a ela, por Nimuendajú, aparecem às páginas 240-241. Aryon perguntava a ele sobre a localização dos Ophayé, dos quais Nimuendajú publicara um vocabulário na Revista del Instituto de Etnologia de Tucumán, e sobre a continuidade ou não da divulgação de vocabulários indígenas coletados por Nimuendajú e publicados, por Alfred Métraux, naquela revista, em 1932.

Acervo documental e bibliográfico

Não surpreende, portanto, que o Prof. Aryon Rodrigues, ao longo de tão intensa e extensa vida acadêmica (que se estendeu por sete décadas8 8 Entre 1940, ano da publicação do seu primeiro trabalho, e 2013, seu último ano de atividades acadêmicas e de sua última publicação em vida, meses antes de sua morte (ocorrida em abril de 2014). ), tenha reunido, sistematicamente, informação e documentação, a mais variada, sobre línguas indígenas brasileiras (e não apenas brasileiras, certamente), mas também, sobre linguística geral e, em particular, sobre linguística histórica e comparativa. E também sobre formação de pesquisadores em linguística, particularmente na área de línguas indígenas, por sua participação direta na constituição de alguns dos principais programas de pós-graduação em Linguística no Brasil. Da mesma forma, reuniu uma vastíssima e singular biblioteca que abrange aqueles mesmos campos da Linguística, ao lado de riquíssima coleção de obras em antropologia, etnografia e história dos povos indígenas brasileiros. Indiscutivelmente, uma biblioteca tão importante e tão particular na sua concepção, como as bibliotecas de Frederico Edelweiss (no Centro de Estudos Baianos, da Universidade Federal da Bahia), de Sérgio Buarque de Holanda (conservada na Unicamp), de Darcy Ribeiro (preservada pela Fundação Darcy Ribeiro e localizada no Memorial a ele dedicado, na UnB) e de Carlos de Araújo Moreira Neto (adquirida, junto com vasto acervo documental do mesmo pesquisador, pela Universidade de Tocantins, em Porto Nacional).

Preocupado com o destino desse acervo, Aryon discutiu o assunto com amigos e colaboradores mais próximos, entre os quais acabei incluído, depois de nosso ano de convivência na UnB, pelo meu pósdoc.9 9 Aryon e eu também estivemos juntos, entre 2005 e 2013, em mais de 10 bancas de defesa de Mestrado e Doutorado, na UnB, Unicamp e UNESP. Surgiu daí a ideia de constituição de uma Fundação. No entanto, estudando as exigências jurídicas, nos demos conta das muitas dificuldades e entraves, que não compensavam o esforço. Criamos, então, em janeiro de 2013, uma ONG, uma associação sem fins lucrativos, com o nome de Instituto Aryon Dall’Igna Rodrigues, da qual o Prof. Aryon se tornou, estatutariamente, Presidente Honorário vitalício. Por indicação dos demais sócios-fundadores, e do próprio Prof. Aryon, assumi a Presidência da primeira diretoria desse Instituto. No mês seguinte, ele doou formalmente, ao Instituto, todo o seu acervo bibliográfico e documental, para garantir, assim, sua“preservação (...) e sua manutenção como um fundo indivisível, e desejoso de que, em futuro próximo, o referido acervo seja colocado à disposição da comunidade acadêmica para consulta pública”.10 10 Termo de Doação, registrado por Aryon Dall’Igna Rodrigues em 15/02/2013 no 4º Ofício de Notas de Brasília.

Em março de 2013 realizamos uma grande cerimônia pública, na UnB, para marcar o lançamento do Instituto. Aryon, que nunca deixou de reverenciar a memória de seu grande mestre Mansur Guérios, fez questão de mencioná-lo na sua fala, naquela ocasião. Nesse evento, inclusive, foi lançado seu último livro autoral: “Caderno de Campo Xetá”, obra composta pela reprodução fac-similar de parte das fichas de campo da pesquisa linguística de Aryon junto aos Xetá, no começo da década de 1960.

Como escrevi, em outro lugar (antes mesmo de me tornar amigo de Aryon), “seria equívoco pensar que o nome de Aryon só esteja vinculado às pesquisas de línguas indígenas (...). Na verdade, em nosso país, a história da Linguística não pode ser contada sem referência a, pelo menos, dois nomes (se outros forem esquecidos): Joaquim Mattoso Câmara Jr. e Aryon Dall’Igna Rodrigues”(D’Angelis 2006D’ANGELIS, Wilmar R. 2006. Aryon das línguas Rodrigues. Estudos da Língua(gem), vol. 4, n. 2, p. 13-19. Vitória da Conquista: UESB.:14). Entre muitas outras coisas de que participou e realizou, Aryon foi o primeiro Chefe do primeiro Departamento de Linguística de uma universidade brasileira: na UnB, em 1963, para a qual o próprio Darcy Ribeiro o convidou (cf.: Borges Neto 2013BORGES NETO, José. 2013. A Linguística Construtural: um capítulo da história da Linguística no Brasil. Revista Letras, n. 87, p.15-38. Curitiba: UFPR.:17).

Línguas indígenas do Brasil

É certamente, porém, no campo das línguas indígenas, que o nome de Aryon Rodrigues será citado e lembrado nos próximos séculos. A partir da publicação nos Arquivos do Museu Paranaense, em 1942, até um último artigo, como co-autor, publicado em dezembro de 2013, são mais de 150 os trabalhos sobre línguas indígenas publicados por Aryon.11 11 Estão incluídas, nessa soma, cerca de 25 republicações de trabalhos antigos, alguns de difícil localização, realizadas pela Revista Brasileira de Linguística Antropológica em 2011-2012. Ao longo de sua carreira levou à defesa perto de 60 Mestrados e Doutorados, envolvendo mais de meia centena de línguas indígenas.

Não deixa de ser interessante registrar que sua tese de doutorado, defendida na Universidade de Hamburgo em 1959 (e que permanece inédita no Brasil), “Phonologie der Tupinambá-Sprache” foi produzida sob a perspectiva fonológica europeia, ou mais precisamente, da Escola de Praga. Lamentavelmente, já de volta ao Brasil e em estreito contato com linguistas norte-americanos – primeiramente na UnB e, depois, no Museu Nacional (RJ) – apesar de Aryon ter orientado em torno de 30 estudos fonológicos de línguas indígenas, a esmagadora maioria deles seguiu a limitada abordagem da Fonêmica pikeana, enquanto pouquíssimos adotaram o modelo da Fonologia Gerativa Padrão e, raros, seguiram os princípios da Fonologia de Praga.

Esse registro, que aqui faço com fim histórico, em nada diminui o brilho e a importância de Aryon Rodrigues para o conhecimento das línguas indígenas brasileiras, tampouco sua contribuição para a formação de pesquisadores dessas línguas e para a ampliação e desenvolvimento dessa área de pesquisa nas universidades brasileiras.

Registre-se, também, que Aryon é autor da mais importante obra de divulgação sobre línguas indígenas brasileiras, o famoso “livrinho verde de Aryon”: Línguas brasileiras: para o conhecimento das línguas indígenas. E foi ele, também, o único a produzir uma estimativa sobre o número de línguas indígenas existentes no (atual) território brasileiro, quando da tomada de posse dessas terras pela coroa portuguesa, em 1500. Em um artigo igualmente primoroso, de divulgação científica, Aryon estimou esse número em 1.175 línguas, concluindo, então, pelo desaparecimento de mais de 1.000 línguas indígenas no Brasil nos primeiros 500 anos após o chamado “descobrimento” (cf.: Rodrigues 1993______. 1993. Línguas indígenas: 500 anos de descobertas e perdas. D.E.L.T.A., v. 9, n.1, p. 83-103.:91).

Com a mesma sagacidade e contando com uma cultura enciclopédica invejável, Aryon fez (em 1958) hipóteses sobre a região e a distância temporal da origem do tronco Tupi que, nas palavras de Eurico Miller, passaram “a ser um fato” confirmado pela arqueologia (cf.: Miller 2009MILLER, Eurico Theofilo. 2009. A cultura cerâmica do Tronco Tupí no alto Ji-Paraná, Rondônia – Brasil: algumas reflexões teóricas, hipotéticas e conclusivas. Revista Brasileira de Linguística Antropológica, vol. 1, n. 1, p. 35-136.:100), somente meio século depois. Do mesmo modo, sugeriu por primeira vez a hipótese de um proto-agrupamento reunindo as famílias Mawé, Aweti e Tupi-Guarani, do mesmo modo que adiantou hipóteses sobre relações genéticas de profundidade envolvendo Tupí, Karib e Macro-Jê. Exemplar do seu conhecimento enciclopédico e, ao mesmo tempo, de sua prosa concisa e elegante pode ser visto no seu curioso artigo intitulado: “Evidências linguísticas da antiguidade do piolho e de outros parasitas do homem na Amazônia” (Rodrigues 2005______. 2005. Evidências linguísticas da antiguidade do piolho e de outros parasitas do homem na Amazônia. Revista de Estudos e Pesquisas, v. 2, n. 2, p. 89-97. Brasília: Funai.).

Gostaria, pois, de encerrar esse texto, em homenagem ao amigo e Professor Aryon, com um escrito dele próprio. E, como exemplar de sua postura e de sua compreensão do papel social do linguista, tomo o último parágrafo do texto a que me referi acima: “Línguas indígenas: 500 anos de descobertas e perdas”, publicado nesta mesma revista D.E.L.T.A. Nele, Aryon concluía:

A situação das línguas indígenas brasileiras é extremamente grave, seja do ponto de vista da perda do conhecimento linguístico e cultural que o desaparecimento de qualquer língua implica, seja do ponto de vista da desintegração social e espiritual de cada um dos povos que, com a perda da língua sob pressão externa, têm destruídos seus valores tradicionais sem tempo para a incorporação ou o desenvolvimento de novos valores, o que os leva ao empobrecimento e à marginalização social. Para atalhar o curso das perdas ocorridas neste meio milênio de confronto entre indígenas e alienígenas nesta parte do mundo, fazem-se necessárias ações enérgicas e urgentes, tanto de política social quanto de política científica, para assegurar o equilíbrio mínimo imprescindível para a sobrevivência sadia das minorias em convívio com a sociedade majoritária e para salvar, para os próprios povos indígenas e para a ciência humana, o conhecimento das duzentas línguas que ainda sobrevivem e cuja preservação é irrecusavelmente a obrigação de todos nós, linguistas ou não, que temos condições de perceber a importância das línguas e a gravidade da situação a que foram levadas as minorias linguísticas indígenas. (Rodrigues 1993______. 1993. Línguas indígenas: 500 anos de descobertas e perdas. D.E.L.T.A., v. 9, n.1, p. 83-103.:100-101).

Vinte anos depois não podemos falar senão em 160 línguas indígenas vivas (pouco mais, ou menos) no Brasil. Parece-me que tanto as políticas sociais quanto as políticas científicas continuam em falta com o apelo do saudoso Aryon Rodrigues.

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    Gymnásio Paranaense foi a denominação da maior escola do Paraná até 1942, quando passou a Colégio Paranaense, mas já em 1943 tornou-se “Colégio Estadual do Paraná” (denominação que manteve até hoje, e sob a qual eu próprio fi z meus estudos de Ginásio e 2º Grau nos anos 70).
  • 2
    Esse artigo foi recentemente republicado (2012) na Revista Brasileira de Linguística Antropológica, revista da qual Aryon foi um dos criadores.
  • 3
    Segundo o próprio Aryon, em entrevista concedida a Eni Orlandi (2013:5), uma versão ampliada foi publicada na Revista Filológica, do Rio de Janeiro, em 1944. De fato, o que foi publicado em 1944 era a parte do estudo dedicada às consoantes fi nais do Proto-Tupi-Guarani.
  • 4
    Aryon publicou mais de 30 trabalhos científi cos somente a respeito do tronco Tupi, da família Tupi-Guarani ou de línguas específi cas pertencentes a esses agrupamentos.
  • 5
    Mansur Guérios era um adepto e divulgador do monogenismo linguístico (costumava citar, a respeito, a obra do italiano Alfredo Trombetti). Talvez motivado por essa perspectiva, o fato é que foi o primeiro acadêmico do Paraná a interessar-se pelas línguas indígenas, a ponto de realizar pesquisa de campo com os Kaingang em Palmas, no começo dos anos 40.
  • 6
    Comunicação pessoal de Aryon Rodrigues.
  • 7
    A correspondência entre Guérios e Nimuendajú, acrescida da carta de Aryon e da resposta do famoso etnógrafo, foi divulgada por Guérios alguns anos depois (Nimuendajú & Guérios 1948NIMUENDAJÚ, Curt & Rosário Farani Mansur Guérios. 1948. Cartas etnolinguísticas. Revista do Museu Paulista, N.S, v. II, p. 207-241.). A carta de Aryon e a resposta a ela, por Nimuendajú, aparecem às páginas 240-241. Aryon perguntava a ele sobre a localização dos Ophayé, dos quais Nimuendajú publicara um vocabulário na Revista del Instituto de Etnologia de Tucumán, e sobre a continuidade ou não da divulgação de vocabulários indígenas coletados por Nimuendajú e publicados, por Alfred Métraux, naquela revista, em 1932.
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    Entre 1940, ano da publicação do seu primeiro trabalho, e 2013, seu último ano de atividades acadêmicas e de sua última publicação em vida, meses antes de sua morte (ocorrida em abril de 2014).
  • 9
    Aryon e eu também estivemos juntos, entre 2005 e 2013, em mais de 10 bancas de defesa de Mestrado e Doutorado, na UnB, Unicamp e UNESP.
  • 10
    Termo de Doação, registrado por Aryon Dall’Igna Rodrigues em 15/02/2013 no 4º Ofício de Notas de Brasília.
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    Estão incluídas, nessa soma, cerca de 25 republicações de trabalhos antigos, alguns de difícil localização, realizadas pela Revista Brasileira de Linguística Antropológica em 2011-2012.

Referências bibliográficas

  • BORGES NETO, José. 2013. A Linguística Construtural: um capítulo da história da Linguística no Brasil. Revista Letras, n. 87, p.15-38. Curitiba: UFPR.
  • D’ANGELIS, Wilmar R. 2006. Aryon das línguas Rodrigues. Estudos da Língua(gem), vol. 4, n. 2, p. 13-19. Vitória da Conquista: UESB.
  • MILLER, Eurico Theofilo. 2009. A cultura cerâmica do Tronco Tupí no alto Ji-Paraná, Rondônia – Brasil: algumas reflexões teóricas, hipotéticas e conclusivas. Revista Brasileira de Linguística Antropológica, vol. 1, n. 1, p. 35-136.
  • NIMUENDAJÚ, Curt & Rosário Farani Mansur Guérios. 1948. Cartas etnolinguísticas. Revista do Museu Paulista, N.S, v. II, p. 207-241.
  • ORLANDI, Eni P. 2013. Entrevista com Aryon Dall’Igna Rodrigues. Entremeios: revista de estudos do discurso, v. 6, p. 1-31.
  • RODRIGUES, Aryon Dall’Igna. 1942. O artigo definido e os numerais na língua Kiriri. Vocabulários Português-Kiriri e Kiriri-Português. Arquivos do Museu Paranaense, v. 2, p. 179-212.
  • ______. 1945. Diferenças fonéticas entre o Tupí e o Guaraní. Arquivos do Museu Paranaense, v. 4, p. 333-354.
  • ______. 1958. Die klassifikation des Tupi-sprachstammes. Proceedings of Thirty-Second International Congress of Americanists Copenhague: Munskgaard, p. 679-684.
  • ______. 1986. Línguas brasileiras: para o conhecimento das línguas indígenas São Paulo: Loyola.
  • ______. 1993. Línguas indígenas: 500 anos de descobertas e perdas. D.E.L.T.A., v. 9, n.1, p. 83-103.
  • ______. 2005. Evidências linguísticas da antiguidade do piolho e de outros parasitas do homem na Amazônia. Revista de Estudos e Pesquisas, v. 2, n. 2, p. 89-97. Brasília: Funai.
  • ______. 2013. Caderno de Campo Xetá Prefácio de Lúcio T. Mota. Maringá: Eduem.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2014

Histórico

  • Recebido
    Jul 2014
  • Aceito
    Ago 2014
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